Oscar Niemeyer e Brasília: criador versus criatura

Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer,
conforme publicado no , de 10 de janeiro de 2009.

Sylvia Ficher

Coitada de Brasília, Oscar Niemeyer não gosta mais dela. Infelizmente, não dá mais para ignorar a realidade que aí está. Infelizmente, não dá para encontrar outra explicação para o estrago que o grande arquiteto federal vem fazendo, já há algum tempo, em sua principal obra, aquela que lhe rendeu suas mais altas honrarias, aquela que lhe garantiu uma posição ímpar no ranking dos arquitetos do século XX.

Tudo começou devagarzinho, primeiro a Praça dos Três Poderes sendo comida pelas bordas com o Panteão da Pátria, predinho sem graça e sem uso, verdadeira câmara escura que só serve para atravancar o espaço e impedir a vista… O Superior Tribunal de Justiça, a Procuradoria Geral da República e o Anexo do Supremo vieram na seqüência, bem mais pretensiosos e ainda mais fora de escala, com suas formas gratuitas e suas metragens gigantescas – afinal, quantos mais metros quadrados, melhor o honorário…

E assim, de projeto em projeto, cada vez mais intervindo na escala monumental da cidade, cada vez mais rompendo a graça e elegância da Esplanada dos Ministérios, chegou a vez do Complexo Cultural da República, com sua nanica biblioteca – nanica, talvez, por conta de um inconsciente desinteresse por edifícios úteis – e sua cúpula-museu – nem tão cúpula assim, menos ainda museu. De quebra, a bela Catedral Metropolitana perdeu sua ambientação urbana e, para piorar, foi estrangulada pela gravata de concreto que lhe dá uma rampa sem rumo ou razão.

Há coisa de dois anos, uma robótica pomba – isto mesmo, uma pomba! – seria o principal elemento da praça que, segundo o arquiteto, estava faltando no Plano Piloto: a Praça do Povo. Repetindo a ausência de paisagismo do vizinho complexo cultural, a cidade iria ganhar mais um árido calçadão, mais um inóspito vazio onde desde sempre havíamos convivido sem maiores problemas com um modesto gramado… E lembremos o que fora previsto para o local por seu legítimo idealizador: um espaço desimpedido destinado a atividades ocasionais, como paradas militares, desfiles esportivos ou procissões; nas próprias palavras Lucio Costa, “o extenso gramado destina-se ao pisoteio…” (“O tráfego de Brasília”, 1960).

Ao que parece, Oscar Niemeyer se esqueceu da sua dileta pomba, aquela que, como afirmara veementemente à época, deveria ser a sua derradeira contribuição para Brasília e sem a qual o seu opus brasiliense estaria inconcluso. E parece que se esqueceu também do “povo”; agora, no mesmo local a praça será da “soberania”. Lá deverá ser erigido um prédio imprescindível, seja para o povo, seja para a soberania: o Memorial dos Presidentes. E um Monumento ao Cinqüentenário de Brasília, a ser comemorado em 2010; para que ninguém deixe de entender a sua complexa simbologia, nada melhor do que um chifre de concreto, de cem metros altura, descrito como obra de grande ousadia tecnológica… Tanta construção apenas para encobrir um estacionamento subterrâneo… De quebra, na maquete eletrônica (incidentalmente, o novo tipo de empulhação arquitetônica que nos oferece o maravilhoso mundo da informática) é contrabandeado um antigo projeto vetado pelo IPHAN por desrespeitar em muito o gabarito estabelecido legalmente para o local – uma altíssima cobertura curva para abrigar shows de música popular, a qual implacavelmente lembra “as curvas do corpo da mulher amada”, só que com redondinhos seios de silicone e já buchuda.

Coitada de Brasília. Afinal, apesar de tombada, há uma portaria do IPHAN que autoriza tudo isso:

Excepcionalmente, e como disposição naturalmente provisória, serão permitidas quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília – arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer – como complementações necessárias ao Plano Piloto original … (Portaria nº 314, 8/10/1992, Art. 9º, § 3º ).

Tal qual o bordão de uma famosa personagem de programa humorístico, “Oscar Niemeyer pode!!

Coitada de Brasília. Para Oscar Niemeyer, ela está aí tão somente para manter ocupado o seu escritório sem risco de concorrência. Coitada de Brasília, cujo plano piloto foi escolhido transparentemente por concurso público, agora sujeita a decisões tomadas nos gabinetes de seus governantes. Coitada de Brasília, fadada a ser conhecida daqui por diante não mais como Patrimônio Cultural da Humanidade, porém como Capital Mundial dos Unicórnios…

Sylvia Ficher
 arquiteta, doutora em história e professora da Universidade de Brasília

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc

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70 respostas para Oscar Niemeyer e Brasília: criador versus criatura

  1. Francisco Lauande disse:

    Prezada Sylvia,

    Sobre esta mais nova proposta de Niemeyer, repito aqui parte do comentário que fiz quando da ocasião da inaguração do museu e da biblioteca, construidos na Esplanada dos ministérios (publicado no portal vitruvius). Apropriei-me da última fala do personagem vivido por Al Pacino: o demônio, no filme, “Advogado do diabo”, quando diz: “Vaidade, meu pecado
    predileto…”

    Espero que o bom senso prevaleça e que as autoridades responsáveis deizem o projeto assim como está: numa maquete virtual, cuja imagem se apague na memória que guardamos e que guardaremos deste nosso grande mestre

    Francisco Lauande

  2. disse:

    Querida Sylvia,
    Concordo contigo, estamos no limiar de perder aquilo que de mais digno e significativo tem nossa Cidade Capital, e que sempre foi defendido por seu autor “Lucio Costa”…O GENEROSO GRANADO DA ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS, de onde todos podem apreciar o mais belo espaço URBANO contemporâneo. Todos os cidadãos que circulam pela Plataforma Rodoviária, aquele cidadão simples que até no acesso ao transporte coletivo podia ver o edifício mais emblemático e representativo da democracia, já não terá mais essa possibilidade….PENA!!!!!!!!!!!!

  3. JOSÉ E. FEROLLA disse:

    “…Coitada de Brasília. Para Oscar Niemeyer, ela está aí tão somente para manter ocupado o seu escritório sem risco de concorrência. Coitada de Brasília, cujo plano piloto foi escolhido transparentemente por concurso público, agora sujeita a decisões tomadas nos gabinetes de seus governantes. Coitada de Brasília, fadada a ser conhecida daqui por diante não mais como Patrimônio Cultural da Humanidade, porém como Capital Mundial dos Unicórnios…”

    NOTA DEZ, Sílvia!!!!

    A imprensa poderia arrumar-lhe mais espaço, como na semana passada, para que mais do seu (dele) tempo fique por conta das loas a Stalin.
     Quem sabe, assim, a gente se salva destes estertores?

  4. nelson maia disse:

    Não demora muito e a Esplanada vai parecer um enorme aglomerado de carros alegóricos. É só colocar umas mulatas em cima dos monumentos e… “olha a Mangueira aí geeente!!”

  5. Carlos Madson disse:

    Salve, salve Sylvia Ficher,
    parabenizo a sua iniciativa, coragem e maestria em provocar esse debate sobre a mais nova proposta de descaracterização da Esplanada dos Ministérios, por um de seus autores. Confesso que já estava ansioso, pois depois da página inteira de loas do jornal oficial da cidade sobre a pertinência da tal proposta, me parecia que um véu de mudez havia caído sobre a cidade, pois nenhuma linha sobre a inconveniência desse projeto havia sido divulgada pelos arautos de sua preservação – seria uma antecipação do espanto que teremos que passar quando a obra ficar pronta? Afinal, o seu autor não nos ensina que ” Toda capital tem que ter uma praça aonde o povo chega e se espanta.” Eu prefiro praça para passear e namorar e não para levar susto!!!
    Meus amigos, alguém em sã consciência pensaria em construir no meio da Esplanada dos Ministérios uma Praça da Soberania (?) para homenagear ex-presidentes dessa nossa conturbada República?! Já não basta o Patetão da Pátria logo ali embaixo? Pois a minha proposta é colocar no local um pelourinho gigante para malhar alguns desses senhores de triste lembrança!!!
    E tem gente que ainda pensa que Estado de Direito é só comparecer às urnas de quatro em quatro anos!!!
    O velho e bom Chico já nos deu até a trilha sonora desse embuste urbanístico: Dormia a pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações….
    E que Oxalá nos proteja…
    Carlos Madson

  6. disse:

    Sylvia, teu artigo pega na veia, não é de hoje que Niemeyer despirocou, no meu blog já abordei várias vezes a questão, veja aqui:
    ou aqui

    Beijão!

  7. disse:

    Sylvia mais perfeito seria impossível,além de tudo corajoso seu artigo. Espero que a imprensa lhe dê espaço. Eu você escreveria para a CBN para o programa de Brasília.
    Como Urbanista da Mobilidade tenho um comentários:
    NÃO A UM MONUMENTO AO AUTOMÓVEL
    Erguer um monumento a mobilidade da exclusão simbolizada pelo automóvel que além de excluir, degrada o meio ambiente nos causa tristeza, se não vergonha como brasileiro ainda mais em comemoração aos 50 anos de Brasília.
    Nazareno

  8. Rogério Carvalho disse:

    Sylvia querida,
     Como é bom escutar de gente de bom senso palavras certeiras!PERFEITO!

    Não aguento mais tanta inventividade! É insuportável o espaço que a história garante há pessoas que perderam a noção do que é a boa arquitetura produzida para Brasília nas décadas de 50/60.É inacreditável que a população permita tal falta de noção!Que Brasil é esse? Façamos um manifesto contrário a achincalhação do belo! Que os governos federal e local parem de abrir espaço para novas melancias em área tão nobre e já maculada definitivamente!

  9. disse:

    Caríssima Sylvia, parabéns!!!

    Fiquei impressionado, nem tanto com o teor do texto (o que, felizmente em tempos de não-pensar, é aliviador de tão bom), mas com a iniciativa da crítica.

    Nos mostra (A TODOS) que crítica deve ser assim, séria e sem o rabo preso, ainda que a maioria dos arquitetos (os pretensos gabaritados) resolva tecer loas (e nada mais!) à guisa de crítica da arquitetura (???) atual do Niemeyer.

    Do jeito que temos assistido as coisas acontecerem, só nos resta esperar, como a premonição do Nelson aí em cima, a Mangueira entrar, as usual!

    Um abraço.

  10. Beatriz de Abreu e Lima disse:

    Sylvia, muito obrigada pelo seu texto. No mesmo dia em que o Correio Braziliense publicou o projeto da Praça da Soberania publicou também um artigo de Jane Godoy intitulado “Por que tem que ser assim?”, expondo a situação do Hospital de Base de Brasília. O texto nos permitia assemelhar o hospital a um campo de refugiados de guerra! E que bomba quando contraposto à construção de um monumento desnecessário!

    Lendo o artigo sobre o hospital vieram também à minha lembrança o Museu de Arte de Brasília, que desde 2007 se encontra fechado por falta de verba para reforma, persistindo como ideia por meio de exposições itinerantes; a Igrejinha e a Catedral sem manutenção…

    A construção de monumentos tem sido mundialmente discutida e creio que também esteja ligada à renovação de mecanismos políticos de atuação, coisa que ainda não chegou por aqui…

    A tentativa de concretização de uma utopia urbana, Brasília, teria seus 50 anos comemorados com um grande gesto autoritário, retrógrado politicamente, com o nome de Praça da Soberania, um grande nada conceitual preenchendo nosso potencial campo de manifestação social: o canteiro central do Eixo Monumental.

  11. disse:

    …mais uma presepada, mas uma peça de presépio, o colega Oscar, olha muito para o passado, gosta de memorial para qualquer coisa. Essa caixa para guardar velharias é bem compreensiva, afim há mais de um século que o cara pensa.
    Ƨ.

  12. Márcia disse:

    Cara Sylvia Ficher,
     quando fiquei sabendo desse projeto fiquei pensando como poderia expressar minha decepção quanto a mais essa concretagem de Brasília. Por favor, me avise se conhecer alguma forma de lutar para que esse projeto não saia do papel. Grata.

  13. disse:

    Professora Sylvia,

    Seu texto me lavou a alma. Você disse, com saber e propriedade, o que não somente eu mas muitos outros gostariam de dizer e clamar. Há uma pergunta a ser respondida: se Brasília está tombada, trata-se de um tombamento “in progress”? Está, mas não está, quer dizer, depende…

    E essa estranha sensação de déjà vu, de repeteco, de autoplágio.

    Afinal, a “intervenção” do Dr. Oscar é urbanística ou arquitetônica? Lucio Costa autorizaria essa aberração?

    Atenciosamente

    Briquet de Lemos

  14. Mariana disse:

    Mandou muito bem! Tem que publicar no correio braziliense! Chega dessa ditadura do Niemeyer! Tinha que ter um concurso público pra um projeto paisagístico no Eixo Monumental, isso sim!

  15. Ivo Siás disse:

    Prezada Sylvia,
    Vc disse com muita clareza e profissionalismo o que eu como cidadão que adotou essa Cidade, gostaria de ter dito. Obrigado por isso. Estou disposto a contribuir no sentido de impedir que esse projeto saia da maquete.
     O mais lindo momumento à Soberania é deixar a Espanada com está. O mais belo e significativo monumento é o gramado onde, o povo vem para suas manifestações, políticas, de fé, comemora com shows as datas da Pátria, passagem de Ano etc. E a perpesctiva da Esplanada? A a perpesctiva nas madrugadas seja com chuva ou tempo bom, seja com luz elética ou da lua, o nascer do sol. Tudo isso maculado. Definitivamente não ao que está sendo chamado de unicórnio!

  16. Rogério Carvalho disse:

    Para reflexão:
     Desprezem alguns erros de tradução, vale a pena!!

    Oscar Niemeyer continua a alterar obras irreprocháveis

    Nicolai Ouroussoff

    O que deveríamos fazer com nossos heróis arquitetônicos envelhecidos?
    Especialmente se o seu gênio estiver em deterioração e eles começarem a
    alterar detalhes deslumbrantes de suas passadas obras-primas? Um exemplo
    poderoso é o do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, que celebrou seu 100°
    aniversário este mês.

    Nos anos 40, 50 e 60 ele se estabeleceu como um dos maiores luminares do
    modernismo, infundindo um hedonismo tropical sedutor em formas
    arquitetônicas abstratas, de uma maneira que reconfigurou a identidade
     brasileira, na imaginação popular, e fascinou arquitetos em todo o mundo.

    Em Brasília, cidade que se ergueu da selva em prazo de quatro anos, ele
    criou pelo menos meio dúzia de obras-primas arquitetônicas – uma realização
    espantosa mesmo sob os padrões atuais. Hoje, Niemeyer é considerado como um
    dos grandes tesouros culturais brasileiros, e parece tão ativo como no
    passado. Está trabalhando no projeto de um centro cultural em Aviles,
    Espanha, e em instituição semelhante para Niterói, logo ao sul do Rio de
    Janeiro.

    Recentemente lançou uma nova linha de móveis na feira Art Basel Miami. E no
    ano passado se casou com Vera Lucia Cabreira, sua secretária por muitos
    anos.

    Para reconhecer a escala heróica de suas realizações, o presidente do
    Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, recentemente propôs um projeto de lei que
     tornaria todas as obras do arquiteto parte do patrimônio histórico nacional.

    Mas a maior ameaça ao notável legado de Niemeyer talvez não sejam as
    escavadeiras das incorporadoras de imóveis ou os planejadores urbanos
    insensíveis, e sim o arquiteto mesmo. Não é o simples fato de que seus mais
    recentes projetos tenham um jeito descuidado, como se feitos de improviso,
    mas também as alterações que ele mesmo vem realizando em algumas de suas
    obras mais reverenciadas – como a catedral de Brasília.

    E isso suscita um dilema desagradável: em que momento nós – o público que o
    idolatra, o governo de seu país e os clientes privados de seu escritório –
    devemos interceder? Ou será que a simples sugestão de que deveríamos fazê-lo
    representa um ato de espetacular mau gosto?

    Para as pessoas que prestam atenção, o declínio na qualidade do trabalho de
    Niemeyer, quer por uma baixa natural de criatividade, complacência ou pelos
    estragos da idade, é evidente desde a conclusão de seu Museu de Arte
    Contemporânea de Niterói, em 1996. Repousando com leveza sobre uma única
    coluna, à beira de um penhasco, a forma de pires do edifício é bela quando
     vista diante do pano de fundo glamoroso oferecido pela baía da Guanabara.

    Mas o que falta é a leveza de toque que nos atraía de maneira mais profunda
    ao trabalho do arquiteto. As superfícies de concreto são cruas e sem
    acabamento; a estrutura carece do cuidadoso refinamento que dava a seus
    primeiros projetos uma textura significativa e sinalizava que a arquitetura
     tinha em profunda conta as pessoas que os ocupariam.

    É como se o museu tivesse sido projetado por um talento inferior capaz de
    imitar as linhas graciosas de Niemeyer mas sem a competência e paciência
     necessárias a produzir uma obra concluída a partir dos desenhos.

    Mas se o museu é um trabalho inferior que sofre em comparação com as
    obras-primas do passado de Niemeyer, seus projetos para o centro de Brasília
    representam o pólo oposto: um tesouro de marcos urbanos modernistas
    concebidos na mais grandiosa escala.

    Não há fotografia que consiga preparar um visitante para a delicadeza com
    que a sede do Congresso Nacional, projetada em 1958, se aninha na paisagem.
    Cercado de gramados imaculados, com uma forma que afunda gentilmente no
    solo, o edifício exerce uma atração gravitacional sobre quem dele se
    aproxima. Uma rampa longa e estreita leva ao topo, aberto a passeios do
    público em torno da cúpula reversa da Câmara dos Deputados. Essa expressão
    do vínculo entre o povo e o governo é tão comovente hoje quanto o era no dia
     em que o edifício foi inaugurado, meio século atrás.

    Ainda mais refinado é o Palácio do Itamaraty, localizado nas cercanias, que
    abriga o Ministério do Exterior. Seus arcos externos elevados, que nascem em
    tanques de águas cristalinas, servem como um oásis aconchegante em meio à
    vasta planície da capital. Do lado de dentro, uma escadaria circular
    concebida como uma série de plataformas de concreto posicionadas umas sobre
    as outras faz com que você sinta que a gravidade está perdendo o domínio
    sobre seu corpo à medida que ê sobe, uma sensação física que reforça a
    leveza visual do edifício.

    As estruturas ficam alinhadas ao longo das praças da capital com a precisão
    de peças em um tabuleiro de xadrez. Os espaços que as separam transmitem
    tanto o distanciamento quanto uma tensão sutil entre suas variadas formas, o
    que infunde energia ao conjunto.

    Concluída em uma era na qual milhões de norte-americanos estavam fugindo das
    cidades para os subúrbios homogêneos da era Eisenhower e a Europa ainda
    claudicava ao peso dos danos da guerra, Brasília parecia afirmar que o
    desejo erótico e a ternura humana têm espaço na sociedade moderna. Além
    disso, a velocidade espantosa da construção sugeria que essa utopia sensual
    poderia estar rapidamente ao alcance.

    A força dessa visão reverberou pelos Estados Unidos e pela Europa. O Lincoln
    Center, em Manhattan; a Empire Estate Plaza, em Albany (Nova York); o Centro
    Musical de Los Angeles – todos devem alguma coisa ao trabalho de Niemeyer. E
    hoje, uma geração mais jovem de arquitetos, conhecedora dos caminhos do
    projeto auxiliado pelo computador, encontrou inspiração nas fluidas curvas
    do arquiteto brasileiro.

    Mas se o status de Brasília como foco do modernismo arquitetônico é
    conhecido, os trabalhos mais recentes de Niemeyer praticamente não atraem
    atenção.

    Na metade dos anos 80, o arquiteto alterou a forma dos arcos que emolduravam
    a fachada principal do Ministério da Justiça, sacrificando a elegância de
    sua simetria em favor de algo mais fantasioso. Ao mesmo tempo, ele projetou
    uma reforma da catedral de Brasília, considerada como uma de suas maiores
    obras. Concebida como uma série de arcos parabólicos que convergem e voltam
    a se afastar no topo, a forma do edifício acrescentava um toque de
    exuberância ao eixo cerimonial da capital.

    Na reforma, Niemeyer pintou de branco a estrutura de concreto exposto, e
    substituiu os imensos vitrais originais por painéis de vidro colorido
    projetados por Marianne Peretti, alterações que reduzem a força bruta, o
    ímpeto ascendente do edifício.

    Mas talvez o mais devastador tenha sido a conclusão, no ano passado, do
    Museu e da Biblioteca Nacional projetados por Niemeyer, também no eixo
    cerimonial de Brasília. O domo branco do museu, perfurado em um extremo por
    uma longa rampa, repousa sobre a praça de concreto que o abriga com a leveza
    de uma casamata do exército. As paredes curvas do interior e a falta de luz
    natural ¿uma vergonha em um clima como o brasileiro – tornam o museu um
     lugar desconfortável para a contemplação da arte.

    A Biblioteca Nacional, logo ao lado é uma sombria caixa retangular revestida
    de telas perfuradas, aparentemente submissa às mais convencionais fórmulas
    da arquitetura modernista. Sua base em forma arqueada, sustentada por
    colunas finas, evoca um edifício governamental genérico do final dos anos
    60.

    Mas o pior sobre os dois edifícios é sua colocação. Até alguns anos atrás,
    os visitantes podiam percorrer uma colina de aclive gentil até que, chegando
     ao topo, divisavam por sob eles todo o eixo cerimonial da cidade.

    As fileiras simétricas e edifícios governamentais eram interrompidas apenas
    pela forma exuberante da catedral e pelo complexo do Congresso, com suas
     torres ligeiramente fora de centro visíveis à distância.

    Agora, essa vista fica bloqueada pelas formas monótonas do museu e da
    biblioteca, e o senso de surpresa desaparece.

    Não se pode culpar Niemeyer por seu desejo de continuar trabalhando; que seu
    entusiasmo continue irredutível aos 100 anos de idade é causa de profunda
    admiração. E é elogiável que ele aborde seu passado sem atribuir importância
    exagerada aos trabalhos que realizou um dia. Cidades não são peças de museu;
     sem mudança constante, perdem sua vitalidade cultural.

    Mas o valor desses edifícios modernistas como parte de nossa memória
    histórica compartilhada – a fundação de nossa identidade – não pode ser
    subestimado.

    O eixo cerimonial de Brasília não é simplesmente uma relíquia de uma era
    descartada ou o símbolo de uma utopia frustrada. Na verdade, é tão crucial
    para os valores de sua era quanto as pirâmides o foram para as civilizações
    do passado. Adulterar essa visão representa uma tragédia cultural, mesmo que
     as mudanças tenham sido orientadas pela mão do criador.

    Tradução: Paulo Migliacci

    The New York Times

  17. Pingback:

  18. ADALTO SERRA disse:

    Essa senhora deveria apresentar suas credenciais (não conheço nenhuma obra de sua autoria) para criticar / depreciar jocosamente um icone ( por mérito ) da arquitetura mundial e o maior brasileiro vivo.
     Suas palavras traz o viés da especulação imobiliária, que não suporta arquitetura com valor cultura aprecia apenas aquela com valor econômico (o pós-pós-moderno é isso)!

  19. Thiago disse:

    Ao Adalto Serra do comentário acima:

    “Viés da Especulação Imobiliária”??? Você está brincando, certo? Só pra começar, a sugestão seria a de não se construir nada…

    Além disso, é completamente errada a idéia de que apenas que faz pode criticar. Se for assim, que fique mudo o Brasil.

    Não é porque vem do Niemeyer que vai ser bom e que todos devem aceitar. Isso já tem se provado há algum tempo. O que parece estar acontecendo é uma loucura em contratar o arquiteto que, logo logo, não estará mais aqui para produzir obras, na tentativa de se obter “a última obra do Niemeyer”.

    Parabéns à autora pelo texto e pela coragem de expor sua opinião.

  20. disse:

    sim, esse aspecto arquitetônico é deveras importante. o prédio da PGR de fato é belo, mas está fora de lugar. a ponte JK de fato é bela, mas rouba todas atenções, sem falar que foi um desperdício de dinheiro. as saatélites precisam muito mais de infra-estrutura. saneamento, não monumentos ou pontes japonesas.

    mas e o crime úrbanístico do noroeste? assim como foi o sudoeste, um gigantesco shopping-center a céu aberto? (desconsiderando o SW “econômico”). a vila planalto vai continuar aquilo? ilegal, esburacada, insegura?

    o projeto da ilha da fantasia está desmoronando. eu sinceramente penso que Brasília foi projetada, sim, nunca planejada. foi desprezado o transporte público (claro, era pra ser um núcleo asséptico do poder), tudo gira em torno do automóvel, não há espaços de convivência. de um critério estritamente técnico, talvez seja um sucesso do urbanismo. penasndo em questões sociais e subjetivas, é um fiasco.

  21. Lôla Ribeiro disse:

    Parabéns professora Sylvia pela sua iniciativa!
    Como arquiteta, com especialização em patrimônio histórico, considero oportuna a discussão sobre as intervenções no espaço urbano de Brasília, assim como sobre as ações do IPHAN em prol da preservação desta cidade moderna, tombada mundialmente pela sua singularidade.
     Se faz urgente o debate sobre os detinos de Brasília. A população do entorno ao Plano Piloto cresce assustadoramente.Os administradores não enfrentam a contento os problemas decorrentes das relações do Plano Piloto e as cidades satélites.

  22. Eduardo Pierrotti Rossetti disse:

    Olá!

    Também fui surpreendido pela capa do Correio
     e me lembrei da frase do Lucio Costa imediatamente!

    O custo, os prazos, a escala, o esquema “praça seca-com bloco de 4 andares-elemento vertical” + argumento de acessibilidade do pedestre, tudo é inacreditável!!

    As conexões entre os 2 lados da Esplanada podem ter uma solução elegantíssima e invisível, conectando-se inclusive com o metrô e articulando novos tecidos urbanos, inclusive com um estacionamento igualmente elegantíssimo e invisível (…vide MMBB no Trianon em SP!)

    Se o programa do bloquinho curvo é tão imperioso assim por sua função cívica, então porque não implantá-lo com a devida importância e escala de um centro de pesquisa num lugar mais oportuno no eixo monumental, mas depois do Memorial JK?! (…mas sem estragar tb a vista da Pça. do Cruzeiro!!)

    O gramado contínuo promove inúmeras dinamizações da percepção da escala da Esplanada, revigorando sua especificidade urbana, destacando ad eternun o Congresso Nacional! Ainda que ultimamente o gramado venha sendo acampamento para toda sorte de manifestação, num monta-desmonta de lonas brancas sem fim, ele permanece como vazio estruturador da monumentalidade!

    Ademais, “espanto” é tudo que o povo não quer na cidade!
    Que tal: bancos para sentar, lixeiras, jardins bem cuidados,
    banheiros públicos limpos, iluminação, sinalização, rampas e calçadas decentes e sem poças, limpeza urbana, um sistema de transporte coletivo com linhas e trajetos mais estratégicos, além da manutenção constante daquilo que já é tombado como patrimônio da Humanidade… Tudo isso é que seria espantoso!

    Parabéns Sylvia Ficher pela precisão!

    Eduardo Rossetti

  23. Luiz Feldman disse:

    De acordo. Deve-se criticar o que a proposta de construção de uma Praça da Soberania em Brasília guarda de questionável, mesmo – e especialmente – quando se trata de criadores de indisputada grandeza. Se assim já se fez com algumas obras de Lucio Costa, tanto mais necessário será fazê-lo com O. Niemeyer.

    Sem entrar no mérito da Praça proposta, basta lembrar que o desequilíbrio instalado entre duas edificações de Niemeyer na capital federal, a belíssima Catedral Metropolitana e a desmesurada cúpula do vizinho Complexo Cultural da República, em que esta claramente desproporciona aquela, atesta a importância de uma reflexão crítica sobre cada novo projeto que se destina para a Esplanada dos Ministérios (e para o Plano Piloto, em termos mais gerais).

    É preciso resguardar um patrimônio arquitetônico que não só fecunda o pensamento estético brasileiro como também, e apesar de tudo, permanece exemplar para as perspectivas de uma renovada prática pública no Brasil.

  24. Ronaldo Brambilla disse:

    Excelente o debate proposto por Ficher.
    Lembro-me do alívio de muitos quando do projeto de um hotel assinado por Ruy Ohtake em Brasília, que surgiu maravilhosamente vermelho no meio de tanta “monótona branca hegemonia niemaeyriana”!
    E assim me fica uma pergunta a despeito dessa lei (absurda!) que determina que somente este vetusto senhor pode mexer na arquitetura pública da capital: quando este não mais estiver neste mundo, “mexidas” deverão ser a ele contratadas via “psicografia”???

  25. José E. Ferolla disse:

    Prezada Sylvia,

    volto aqui, passadas tantas trovoadas ao redor deste seu artigo, inclusive hoje na coluna do Elio Gaspari (que, como eu, também se sentiu incomodado com o texto do Niemeyer tentando “reabilitar” Stalin, comentando, do livro que citou, só o que convenientemente lhe interessava), para reforçar uma questão que mais me incomoda neste projeto, e que esperava que alguém comentasse: o Programa.

    Quanta imbecilidade para justificar um estacionamento, por si só outra estupidez neste país que se recusa a dotar nossas cidades de transporte coletivo decente:

    PARA QUE UM MEMORIAL DOS PRESIDENTES?
     Se, excluído um, que ali já tem o seu, dos demais o que mais quero é esquecer?

    PARA QUE UM MONUMENTO À SOBERANIA?
     Se esta, institucionalmente, foi instaurada em 1822, passado tanto tempo já não estará implícita?

    O que não fazem pela comodidade do alto escalão…

  26. Ricardo Farret disse:

    Silvia:
    reiterando os cumprimentos enviados por teu e-mail pessoal pela oportunidade do texto sobre a última aprontada pelo “mestre” (afinal, quando vão “tombar” o “mestre”?). Como te disse, ano passado, enviei uma nota, publicada na Folha de SP, chamando a atenção para o “assassinato” visual da Catedral pela implantação daquele horror chamado Centro Cultural da República, além do mais, uma obra socialmente inócua, só superada pela recente Praça da Soberania. Abs, Farret

  27. Jane Monte Juca disse:

    Bravo, Sylvia Ficher, por assinalar como diferentes projetos de Oscar Niemeyer descaracterizam os princípios do plano urbanístico de Brasília.
    Sugiro, diante de mais esta proposta de Niemeyer, que observemos o parágrafo, citado por Ficher que tem justificado tantos estragos em Brasília:
    “Excepcionalmente, e como disposição naturalmente temporária, serão permitidas, quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília – arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer – como complementações necessárias ao Plano Piloto original e, portanto, implícitas na Lei Santiago Dantas (Lei nº 3.751/60) e no Decreto nº 10.829/87 do GDF que a regulamenta e respalda a inscrição da cidade no Patrimônio Cultural da Humanidade. (Portaria nº 314, 8/10/1992, Art. 9º, § 3º ).
    Diante desta instrução podemos questionar: como os projetos citados por Ficher, que relaciona desvirtuamento e desperdício, podem ser considerados pelas “instancias legalmente competentes”, como “complementações necessárias” a este Plano?
    Vejamos como se comporta esta mais recente proposta de Niemeyer, localizado no canteiro central do Eixo Monumental, através de diferentes passagens da legislação que fundamentam a concepção urbana e paisagística de nossa capital:
    1. No Relatório do Plano Piloto de Brasilia, de autoria de Lucio Costa, e plano diretor vigente da cidade, citemos passagens que explicitam a importância da perspectivas livres do eixo monumental. A primeira diz respeito a sua importância para a inscrição simbólica do espaço da capital na paisagem da cidade:
    “O sistema de mão única obriga os ônibus na saída [da rodoviária] a uma volta, num ou noutro sentido, fora da área coberta pela plataforma, o que permite ao viajante uma última vista do eixo monumental da cidade antes de entrar no eixo rodoviário-residencial, – despedida psicologicamente desejável.” (Relatório do Plano Piloto de Brasília)
    Vistas livres essencial para a percepção do cruzamento dos dois eixos, gênese do risco original da concepção de Brasilia:
    “A Catedral ficou igualmente localizada nessa esplanada, mas numa praça autônoma disposta lateralmente, não só por questão de protocolo, uma vez que a Igreja é separada do Estado, como por uma questão de escala, tendo-se em vista valorizar o monumento, e ainda, principalmente, por outra razão de ordem arquitetônica: a perspectiva de conjunto da esplanada deve prosseguir desimpedida até além da plataforma onde os dois eixos urbanísticos se cruzam.” (grifo meu, Relatório do Plano Piloto de Brasília)
    2.Na legislação de preservação (Decreto nº 10.829/1987 – GDF e da Portaria nº 314/1992, praticamente o mesmo texto), igualmente explicita como esta proposta de Niemeyer, que obstrui estas perspectives livres, fere o sentido de sua escala monumental, a marca da capital do Pais :
    Art. 3º A escala monumental, concebida para conferir à cidade a marca de efetiva capital do País, está configurada no Eixo Monumental, desde a Praça dos Três Poderes até a Praça do Buriti e para a sua preservação serão obedecidas as seguintes disposições:
    (…)
    V. nos terrenos do canteiro central verde são vedadas quaisquer edificações acima do nível do solo existente, garantindo a plena visibilidade ao conjunto monumental (Decreto nº 10.829/1987 – GDF e da Portaria nº 314/1992,)
    A importância do canteiro central livre de edificações é igualmente reforçado por Lucio Costa no documento Brasilia Revisitada, que compõe a legislação de preservação citada.
    “A escala monumental comanda o eixo retilíneo — Eixo Monumental — e foi introduzida através da aplicação da “técnica milenar dos terraplenos” (Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios), da disposição disciplinada porém rica das massas edificadas, das referências verticais do Congresso Nacional e da Torre de Televisão e do canteiro central gramado e livre da ocupação que atravessa a cidade do nascente ao poente.” (Brasília Revisitada).
    Esta disposição aguça a percepção do escalonamento em terraplenos do eixo Monumental e a caracterização da silhueta da escala monumental pelas massas edificadas e pela verticalidade e referencia, tão somente, para bem distinguir a leitura, da Torre e do Congresso Nacional.
    Vemos assim em todas essas passagens a mesma tônica sobre o princípio da livre visibilidade do canteiro central no Plano Piloto. Este parâmetro para o que contribuem a leveza das edificações assinala a importância dos espaços livres, a participação essencial da vegetação e do céu na concepção do Plano Piloto de Brasilia – fundamentais a cidade-parque e razão de sua paisagem.
    Neste contexto legislativo, que evidencia o desvirtuamento, desta proposta de Niemeyer para o Plano Piloto original, as instancias legalmente competentes devem observar a seguinte observação de Lucio Costa – e que demonstra o respeito do criador do Plano Piloto pela criatura :
    “(…) o importante ao se pensar na complementação, na preservação, no adensamento ou na expansão de Brasília é não perder de vista a postura original, é estar-se imbuído de lucidez e sensibilidade no trato dos problemas urbanos; é perceber que coisas maiores e coisas menores têm importância análoga, consideradas cada uma em sua escala; é enfrentar os inúmeros problemas do dia a dia com disposição, firmeza e flexibilidade; é tanto saber dizer não como dizer sim na busca contínua da resposta adequada, — tarefa tantas vezes ingrata e inglória para os técnicos que participam dedicadamente de sucessivas administrações; é fazer prevalecer o senso comum, fugindo das teorizações acadêmicas e protelatórias, e da improvisação irresponsável. É lembra-se que a cidade foi pensada “para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país.” (Brasília Revisitada).
    Para finalizar, gostaria de assinalar que alem das obras de Niemeyer na escala bucólica citadas por Ficher (Panteão, anexo do Superior Tribunal de Justiça e a Procuradoria Geral), encontram-se os anexos do Legislativo (STJ, TST) nesta escala. Como aqueles junto a praça, estes anexos, pela altura destas edificações descaracterizam igualmente a paisagem de Brasília e impedem a visão livre do perfil do eixo monumental. As razoes da escala bucólica é conter o crescimento da cidade por uma faixa verde e permitir, com suas edificações rarefeitas e contidas em densa vegetação, a visão da cidade de todo o entorno.
     Portanto, no cuidado com a complementação de Brasília deve-se visar a preservação de seus princípios dos quais dependem a significação da cidade como capital e assegurar o orgulho do povo brasileiro de sabê-la Patrimônio da Humanidade, titulo conferido pela UNESCO.

  28. disse:

    Tem razão Sylvia Ficher. A construção desse projeto conspurca a paisagem urbana de Brasília. Deve, pois, o IPHAN impedir que a ameaça se consume. Otavio Leonídio

  29. mara gomes disse:

    Sílvia,
    É uma pena que tão importante assunto seja discutido tão tardiamente, porém não sem tempo. Brasília, como uma grande dama, não vem sendo desrespeitada e desfigurada pela pomba ou praça. Inúmeros foram os “tapinhas e empurrões” sofridos ao longo dos anos, antes de atingir a face bela das páginas de revistas. E o que é pior, muitos de nós arquitetos pactuamos com isto quando colocamos nossa firma em projetos interventivos feitos no afogadilho das pressões políticas. Nada se fez (ou melhor muitos concordaram tecnicamente)quando da instituição dos “puxadinhos”, dos assentamentos das favelas dentro do sítio preservado, das mudanças de destinação de lotes, das aprovações de prédios sabidamente diferentes do proposto, da alteração no quantitativo das projeções, das divisões das projeções, das modificações de vias e de acessos. Mais que um silêncio triste… E pior, não era de inocentes. Agora chegaram ao rosto. Atingiram a todos nós, amantes da grande dama! E quem a desfigura? Seu criador. Que espanto! Criador versus criatura. Este sim, assunto para grandes jornais e revistas especializadas. Espero que dessa sua iniciativa surjam mais que reclamações e elogios à sua façanha. Façamos o que se espera de nós, não sejamos coniventes com o imoral, não utilizemos de posições para dar “fachada” de legal às intervenções que tanto tem desfigurado a nossa grande dama.

  30. Luiz disse:

    Agradeço a você pelo texto tão preciso. Não sou arquiteto, apenas um morador deslocado de um sonho feliz de cidade. Vejo que não estamos sós, um pouco inertes talvez. Um terminal de ônibus da Asa Norte se transformou em um hipermercado; o centro de convenções de Sérgio Bernardes foi estuprado, e novamente ninguém fez nada… Ainda sobre este último, será que não se poderia construir outro centro de convenções numa região mais apropriada da cidade, com projeto de outros profissionais, possibilitando a inserção de novas arquiteturas, e preservando assim uma obra que também tinha sua importância? ou é só Niemeyer que merece respeito? A rodoviária-conic-torre-de-tevê, às traças; cine brasília, aos pedaços; mobiliário urbano de fazer chorar. Alguém já tentou esperar ônibus nas paradas “clean” desta cidade em dia de chuva? Uma cidade de verdade deve ser culturalmente aceita e acho que não é só Niemeyer que não gosta mais dela, caso contrário, desmandos como os que vêm sendo feitos encontrariam maior resistência. Vamos nos unir? Ainda há tempo para que o espanto não seja permanente.

  31. Viet disse:

    Sylvia,
    Parabéns pelo artigo por sua precisão e coragem.
     Sim, é preciso ter muita coragem pra mexer no imexível, criticar o incriticável, mostrar o nudez do rei. De uns tempos para cá, tenho visto que não existe mais o confronto de idéias mas sim de crenças que beiram o fanatismo religioso. Estou contigo e não abro! Um abraço!

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  33. Luiz disse:

    Mara Gomes e Luiz (19/01) estou com vocês, e acho que com todos aqui. Sylvia, obrigado pelo texto e pelo alerta. Não é possível que não possamos fazer nada. Esse projeto é um crime, um absurdo completo. O país está em fragalhos, Brasília está em frangalhos, mas não podemos deixar isso ir adiante.
    As riquezas do país (naturais, culturais, institucionais, todas) são violentadas a todo o momento. O que estamos deixando para o futuro? Existiu um momento (Oscar Niemeyer e Lúcio Costa são exemplos disso) onde Brasileiros tinham ideais, compartilhavam projetos para uma nação. E aí? Daqui a 20 anos vamos deixar os nossos filhos, netos, amigos olharam para nossas caras e perguntarem … “por que ninguém fez nada? Por que deixaram isso acontecer?” – não só com Brasília e o Plano Piloto; com tudo o mais.

    Temos que acabar com essa complacência pálida, pobre e triste. Que tipo de pessoas nós somos, que tipo de povo, que tipo de nação? E até quando?

  34. Patrícia Nunes disse:

    Parabéns, prof. Sylvia

    Realmente, nos lavou a alma em um pronunciamento, enfim (!), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília a respeito do que é “feito” em nossa cidade.

    Maravilhoso!!!

  35. Andreia Yamim disse:

    Afinal de contas de quem é a cidade: do povo ou da dupla Oscar Niemeyer e Arruda

  36. Sylvia Ficher disse:

    Verso e reverso em Niemeyer
    Jorge Guilherme Francisconi
     Arquiteto, urbanista, Ph.D. em ciências sociais, consultor

    Sylvia Ficher
     Arquiteta, doutora em história social e professora da UnB

    Para biógrafos de Oscar Niemeyer será fácil comprovar sua genialidade ou recuperar testemunhos de sua extraordinária vitalidade. Mais espinhoso será entender sua atitude frente à preservação do Plano Piloto. Sua arquitetura do período heróico de Brasília atesta a contribuição ímpar do grande artista; mais recentemente, contudo, sua atuação passou a ser um fator de desorganização, senão de destruição, do aclamado urbanismo da cidade. Fato esse antevisto por Lucio Costa já em 1979, quando alertava: “Os arquitetos são estimulados para serem gênios, para inventar. Então o sujeito fica inventando demais, o próprio Niemeyer foi culpado disso…”

    As transgressões se iniciam com o anexo do Supremo Tribunal Federal e crescem exponencialmente a partir da Portaria nº 314, de 8/10/1992, do IBPC (atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Iphan), cujo artigo 9º, § 3º, reza: “Excepcionalmente, e como disposição naturalmente provisória, serão permitidas quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília — arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer — como complementações necessárias ao Plano Piloto”.

    Ao reconhecer com justeza a excelência dos dois profissionais, o Iphan estava — inadvertidamente — abrindo a brecha através da qual o escritório de Niemeyer passaria a ser contratado, sem necessidade de licitação, para desenvolver projetos na área tombada de Brasília. E assim, amparado não só por seu talento, como também pela Portaria nº 314, passou a servir governantes, magistrados e particulares com propostas para prédios luxuosos que afrontam os limites edilícios legais. A excepcionalidade, caucionada pela portaria, virou a regra, garantindo para seu escritório o monopólio da arquitetura cívica da capital federal e o direito de driblar suas disposições urbanísticas.

    Em 2008, tal situação foi tema central de várias reuniões do Conselho de Planejamento Territorial do DF. Para o Conplan DF não foi prazeroso negar aprovação para o projeto do Anexo V da Câmara dos Deputados, cuja escala iria amesquinhar o próprio Congresso Nacional. Mas difícil, indigesto mesmo, foi verificar as irregularidades presentes no projeto para a sede do Tribunal Regional Federal — área 159% superior ao permitido e 10 andares acima da altura máxima prevista — para, por fim, ver-se obrigado a aprová-lo, dado o precedente estabelecido por prédios similares no mesmo setor, todos obviamente de Niemeyer.

    São tais prédios — os tribunais superiores da Justiça, do Trabalho e Eleitoral (este em obras) e a Procuradoria-Geral da União — os componentes do paredão que hoje obstrui a vista de quem se aproxima do Eixo Monumental pela Avenida das Nações. E interferem no skyline da civitas, rompendo a igual valorização formal com a qual Lucio Costa havia dotado os poderes republicanos. Ainda que interferências possam ser justificadas — bom exemplo é a Pirâmide de Cristal do Louvre, louvável pela necessidade premente de melhorar o acesso ao museu e pela genialidade de sua discreta concepção —, não é o que ocorre aqui. A arquitetura de excepcionalidade de Niemeyer vem servindo tão somente para atropelar a escala bucólica de Brasília.

    Por tudo isso, em 2008, quando as transgressões ultrapassaram os limites do razoável, o Conplan aprovou, unanimemente constrangido, solicitação para que o Iphan definisse os limites da excepcionalidade concedida. O intuito é coibir a aprovação de projetos que, ao arrepio das leis, firam as qualidades únicas do Plano Piloto, conforme consagradas em seu tombamento. Preocupação que se estende à manutenção de seu nome no Patrimônio Mundial da Unesco.

    No futuro haverá debates para avaliar e qualificar o impacto da arquitetura de Oscar Niemeyer no espaço monumental de Brasília. Mais de meio século de um monopólio que nos deu — além de obras-primas como o Palácio da Alvorada — o Teatro Nacional, lindo e com péssima acústica; o Complexo Cultural da República, genial ou medíocre, mas tido como um espaço árido; ou a discutível sintonia do Museu Nacional com a vizinha Catedral, eleita a 1ª Maravilha brasiliense.

    Mas essas são questões para debates futuros. Por hora, o que cabe a todos nós é zelar pelo equilíbrio entre urbanismo e arquitetura, garantindo a preservação e melhoria do Plano Piloto.

    Este texto foi publicado no jornal Correio Braziliense em 21 de janeiro de 2009.
    Ele pode ainda ser lido no portal da UnB:

  37. Pingback:

  38. Patricia Rydhult disse:

    Bom dia Sylvinha,

    Eu que nasci (1971) e cresci em Brasilia estou adorando o debate. A gente discute aqui na Suécia sobre as dispirocadas do Niemeyer, o Otto acha que todo mundo é bando de puxa-saco e que são todos um bando de arquitetos falidos, mas você sabe como o Otto é categorico.

    Repassei seu artigo para minha irmã, Claúdia que também nasceu (1969) em Brasilia mas esta radicada em Brisbane, na Australia. Já nós duas achamos que o Niemeyer mesmo sendo o gênio da arquitetura moderna já deveria ter deixado Brasilia como projeto há muito tempo. Dai vem o dilema quando é que um arquiteto deve deixar sua obra, quando é que ele considera um projeto como a cidade de Brasilia terminado?

    Eu acho que Niemeyer não gosta mais de Brasilia ou pelo menos no que Brasilia se transformou. O apharteid social predomina forte na cidade e com o passar dos anos só piora. A cidade ainda é o grande eldorado para muitos migrantes que chegam do Brasil inteiro. Muita mais que pracinhas e monumentos arquitetônicos a cidade precisa ser remodelada, os espaços repensados e isso o Niemeyer já não vai mais poder fazer.

    Beijos,

    Patricia Rydhult

  39. Marco A. A. de Filgueiras Gomes disse:

    Querida Sylvia,

    Parabéns pelo artigo inteligente, crítico, corajoso e tão necessário!

    Abraço grande,

    Marco

  40. joe rodrigues disse:

    Projetar e Construir,

    Diante de tantos manifestos de professores-–arquitetos, arquitetos, historiadores, artistas; de descontentamento e de tantas citações e amparos acadêmicos, lendo hoje, dia 22 de janeiro, no Correio Brasiliense, o texto explicativo do Dr. Niemeyer sobre o projeto da nova “praça”, senti vontade de escrever poucas linhas, um texto despretensioso, simples, como um morador e, particularmente, cliente de arquitetura.

    Nasci em Brasília, no ano de 1964, quatro anos depois de inaugurada a nova Capital do Brasil. Uma obra de peso e que assombrou o mundo. Teve seu tempo, e este ainda ecoa vigoroso, sendo capaz de trazer, de quilômetros distantes, estrangeiros que a amam e outros que a detestam. Eu particularmente amo.

    Lembro, como hoje, quando, ao 7 anos de idade, eu, de carona no Aero Willis que meu pai, motorista do governo, dirigia, ao levar para o glorioso Brasília Palace (que hoje divide fachada com um, não tão glorioso, hotel vermelho – creio de vergonha), alguns parentes de membros do governo da época. Eu, ainda criança, fazia com prazer esse trajeto de uma residência próximo à Taguatinga ao hotel, só para ver e sentir a cidade, criada por Dr. Lúcio e os magníficos edifícios do Dr. Oscar. Meu nariz ia grudado no vidro do Aero Willis, e ficava extasiado com o Itamaraty, o Congresso, a “queda” do Eixo Monumental, como uma montanha russa, para a praça dos três poderes e todas aquelas formas que faziam do caminho um momento de sonho. E por fim, parava debaixo de um prédio elegante, cheio de brilhos e pessoas diferentes, que era o semblante do Brasília Palace.

    Esse garotinho, creio que por influência de tanta arquitetura, lutou para ser arquiteto, e realizar seu sonho de ser e fazer. Trabalhou e estudou muito. Hoje já se faz de professor, algumas vezes, e continua trabalhando e estudando. Posso me considerar não alheio aos assuntos de arquitetura.

    Como alguns sabem, arquiteto adora projetar, faz parte da profissão exercitar a criatividade, desenvolver hipóteses, colocar para fora seus desejos. Isso não significa que tudo que se projeta, deva ser construído.

    Um grande exemplo de não––construção, que me reporta essa polêmica de hoje, seria o anexo que Dr. Niemeyer propôs para ficar no espelho d’água do Congresso para tornar o “contato” dos congressistas mais efetivo com o “povo”, segundo desejos de lideranças políticas. O que seria, então, da harmonia e do equilíbrio daquela praça (aliás, praça esboçada por Dr. Lúcio); do espetáculo de ver o anexo I refletido e das cúpulas quase flutuando; e do diálogo entre os edifícios do conjunto dos poderes do Brasil?

    Em sua defesa pela nova “praça”, Dr. Niemeyer cita Paris, avenidas de Haussmann, um ato totalitário de exponencial, reflexo de poder de um homem só – não mais precisamos disso. E Brasília já tem suas grandes avenidas. Ainda cita Barcelona, Nova York… Ora, Brasília é tão particular e diferente e, para Niemeyer como para todos arquitetos, um projeto precisa de contexto. E este de Brasília é bem distante das cidades citadas. Lembrou ainda o Rio de Janeiro, e que este em particular perdeu morros, florestas em prol de mais avenidas (velhos tempos que ainda perduram).

    Sim, nesse mundo democrático, assim espero, quando se trata de dinheiro público – de obras públicas em espaços públicos – deve ser permitido aos desconhecidos a manifestação. E ainda concordo que devemos temer os reflexos de nossos atos desrespeitosos para com a natureza e que esses possam causar problemas que venham repercutir em nossa existência na Terra.

    E lamento que o Dr. Niemeyer fique sentido com a campanha contra seu projeto. Importante que se lembre: qualquer obra deve ser objeto de crítica, assim evoluímos. Uma obra pública, ações públicas, não são intocáveis. Mas o grande temor nem é o projeto, mas sim que ele seja construído.

    E como os não alheios sabem, com 100 ou 400 metros, a perspectiva não seria mais a mesma. O povo de Brasília, que já enxerga distante o Congresso e o admira com espanto da rodoviária, com o novo projeto – daquele obelisco caído e daquele edifício com pilotis – os que para lá olham, ficariam com aquela sensação de privação e espanto; agora pelo desrespeito de lhes privarem umas das paisagens públicas mais belas idealizadas pelo ser humano.

    Às vezes, como faz um pai ou uma mãe, ou alguém que quer o nosso bem, precisamos dizer não. E eu, pois nasci, vivo, nessa cidade e cliente das obras públicas, posso dizer não para alguma delas. E como escreveu Niemeyer, “o governador Arruda é lúcido e competente””, espero que este reafirme esses adjetivos ao entender que, arquitetos podem projetar o que quiserem, mas que nem tudo deve ser construído.

  41. disse:

    Primeiro. Obrigado Sylvia Ficher por falar o que tantos sentem. Eu me preocupo ha muitos anos com o que vem sendo feito na Esplanada. Publiquei um projeto, uma alternativa para o Conjunto Cultural da República no meu site em 2002. Visitem:
     Neste meu projeto, o mais importante é que a comunidade brasiliense pense nos ACERVOS que devem ser guardadas ali ao inves de erguer predios vazios com nomes pomposos.

    E eu falo sério quando falo isso: Eu proponho um movimento como o movimento teatral político de São Paulo (Arte Contra a Barbárie) pelo qual conseguiram criar a Lei de Fomento, uma lei que assegura fundos para companhias teatrais de São Paulo independente de governos que entram e saem. Eu proponho um movimento para embargar estes projetos idiotas de praças e pombos para o povo. Proponho que os “filhos de Brasilia” passem a opinar o que devemos ter ou não nesses espaços da Esplanada. Vamos nos reunir. Sou de Brasília mas moro no Rio atualmente. Vou sempre a Brasilia. Eu me disponho a ir para aí para estas reuniões. Leiam o meu projeto de 2002… de novo: São idéias para diretrizes… nada fixo. Vão para o meu site, não me incomodo de deixar o meu email aqui. yo@rickyseabra.com Temos que defender Brasilia desses projetos que só fazem estragar a cidade.

  42. Pingback:

  43. Frank A. E. Svensson disse:

    Para mim a preocupação de fundo de Oscar Niemeyer, arquiteto engajado politicmente. é de como afirmar arquitetônicamente a atualissima questão da soberania nacional! Para quem não desposa desse engajamento é compreensivel que os valores e critérios de julgamento sejam outros.
    Sds., Frank

  44. Flávio disse:

    Sou nascido em Brasília, onde morei por toda a minha vida, apesar de no momento estar no exterior. Sempre me preocupou o ar divino que foi transferido para o que Niemeyer pensa e faz. Um mero comentário que soasse como crítica por muito tempo foi considerada tal como uma heresia. Como se não se trata-se de um ser humano, com o pensamento fruto do ambiente que o cerca e passível de decisões equivocadas. A profissão de arquiteto converge a arte e a vida humana. Uma miopia quanto a como ocorre a interação social, seus símbolos e valores pode desprender para abstrações radicais e inadequadas. Basicamente, ON não evoluiu junto com sua obra original, assim como não percebe como ela se integra ao povo, o que seria um aspecto central. Suas raras visitas à capital certamente limitaram suas possibilidades. A execução do Complexo da República já havia me frustrado pessoalmente, pela aridez que só é sentida por um cidadão que a tenha cruzado a pé em uma tarde seca e ensolarada. Porém assumi que a ausência de Burle Marx teria sido culpado por aquele piso lamentavelmente pouco criativo e desagradável, e as autoridades de governo pela inexistência de acervo compatível com a importância do local. A proposta da Torre de TV Digital que foi divulgada também parece objeto de razoáveis críticas. Porém considero que a Praça da Soberania seja a gota d’água! Com todo o respeito que tenho pela obra de Oscar Niemeyer, acho que ele deveria daqui por diante se concentrar nas artes plásticas, e que mesmo que desenvolvesse projetos arquitetônicos, evitasse executá-los. E que políticos oportunistas respeitassem tal condição.

  45. arq. alexandre duarte disse:

    querida silvia.
    mande um projeto seu para minha análise, pois ao meu ver, não sabes nada de arquitetura, tens que contar hitória, mesmo pois deve ser seu metier. Oscar é e sempre será um icnone da arquitetura.
    que depate que nada, a obra será implantantada e acabou.
    alexandre duarte

  46. disse:

    Permitam-me um breve comentário:

    Acho magnífico o projeto, audacioso e moderno como Brasília sugere. É algo assim como Basquiat, só no futuro irão entender… talvez.

    Algo excepcionalmente vertical, de singular plásticidade diante do entorno horizontal e monótono.

    A cidade é um organismo vivo, mutante. Odeio esse tipo de crítica demasiada patrimonial, da arquitetura intocável!

    Quem sabe faz, quem não sabe ensina! ou critica…

    Deixamos surgir o novo, que aponta para o futuro da própria arquitetura. Como um quadro em que o artista precisa dar a última pincelada…

    “Perplex cidade”, outrora não seria Niemeyer.

  47. Márcia disse:

    Caros críticos à Praça da Soberania, achei interessante que o Correio Brasiliense esteja fazendo uma enquete sobre a construção de tal obra. Tomara que essa enquete resulte na não construção dessa praça. Quem quiser votar:

  48. Frank A. E. Svensson disse:

    Se o prédio baixo funcionar como museu vivo e ativo da história do Brasil a praça terá vida por força de sua função cultural.
    Se no CCBB lá longe, e na “praça da cultura da Caixa Economica” funciona, muito mais na Praça da Soberania dando acesso à população da periferia através da estação rodoviária. A questão é muito mais de vontade política do que só de percepção e fruição espacial.
    Frank Svensson
    Prof. titular aposentado

  49. Cássio Monteiro disse:

    Bom dia Sylvia (cuja grafia de herança freirinana co mum pezinho na cozinha segundo FHC seria Silvia não?), pois bem sem desenrolo ou contraditos vamos ao dito.
    O entendimento da forma e fascínio que através do domínio da escala Niemayer nos revela vai muito além, vivencie seus espaços e se desarme dos conceitos SUSTENTAVEIS DA MODA, oriente-se no vazio e sinta-se despido em meio às praças sem arvores (Le mexe com sua percepção).
    Ora, não é somente ver, não é somente se embasar em anos de uma história (que ha muito tempo não revela outro assunto fora Niemayer, diga-se de passagem) e taxar suas obras de absurdas.
    Será que o H ou as TIGELAS sofreram a mesma crítica? Mudou o tempo, mudou um país seu uma cidade, a partir do nada.
    O LUGAR Niemayeriano é coerente e original devoremos Niemayer porque ele digeriu Jeanneret e funcionou ou não? (pelo que sei não são emergentes que solicitam seus projetos). O que esperam um ninho de pássaro em meio à esplanada ou a agressão da forma em uma imagem DESCONTRUPEDAÇADA?
     Convenhamos, vivenciem a obra de Niemayer e parem de imaginar coisas sem sentido, o chifre de unicórnio talvez seja o H de Juscelino ou a torre no meio do nada quem sabe até uma ponte com cara de gaivota? Talvez seja um levante popular afinal aos pobres em Brasília só foi legado o seu lugar de origem DEBAIXO DA PONTE ou RODOVIÁRIA.

    Enquanto discurso é muito simples questionar, enquanto forma reinvente, pois até hoje pelo que vejo ninguém reinventou nada no Brasil.

    Cássio A. Monteiro

    Ora, não é somente ver, não é somente se embasar em anos de uma história (que ha muito tempo não revela outro assunto fora Niemayer diga-se de passagem)e taxar suas obras de absurdas.
    Será que o H ou as TIGELAS sofreram a mesma crítica ? Mudou o tempo, mudou um país criu-se uma cidade, apartir do nada.
    O LUGAR Niemayeriano é coerente e original devoremos Niemayer porque ele digeriu Jeanneret e funcionou ou não ? (pelo que sei não são emergentes que solicitam seus projetos). O que esperam um ninho de passaro em meio a esplanada ou a agressão da forma em uma imagem DESCONTRUPEDAÇADA?
     Convenhamos, vivenciem a obra de Niemayer e parem de imaginar coisas sem sentido, o chifre de unicornio talves seja o H de Jucelino ou a torre no meio do nada quem sabe até uma ponte com cara de gaivota? talves seja um levante popular afinal aos pobres em brasília só foi legado o seu lugar de origem DEBAIXO DA PONTE ou RODOVIÁRIA.

    Enquanto discurso é muito simples questionar, enquanto forma reinventem pois até hoje pelo que vejo ninguem reinventou nada no Brasil.

    Cássio A. Monteiro

  50. Cleudivan disse:

    Olá,
    parabéns à iniciativa, professora.
    De mim, contando que metade da idade da cidade que amo foi marcado por um período triste e sombrio de nossa democracia, não vejo muito sentido em homenagear nossos ex-presidentes. Graças a Deus que se foram. Mas nada de “apontar” para o céu diante desta parte da história.
    Abraços!!

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  52. Murilo Murça disse:

    Sylvia, você acabou liderando a reação. Parabéns. Segue minha opinião
    Murilo Murça

    Faraó embalsamado

    Funcionários públicos cujas ações podem afetar gravemente a vida de terceiros são aposentados compulsoriamente aos 70 anos. É o caso dos ministros e juízes, de médicos como o Dr. Adib Jatene e tantos outros. O mesmo princípio deve ser aplicado ao senhor Oscar Niemeyer, que já deveria ter parado de projetar para o serviço público há mais de 30 anos, pois sua arquitetura está obsoleta e inconsequente como sempre. Inovadora nas formas não quer dizer arquitetura de boa qualidade.
    O Faraó Oscar está definitivamente fora de moda. Só falta ser embalsamado para virar múmia e ser obrigado a ir para um dos inúmeros sarcófagos que projetou para Brasília, condenado por crimes contra os trabalhadores e contra o meio-ambiente.
    Com amplos espaços, fantástica luminosidade e aeração constante pelos ventos, Brasília está gritando a insanidade arquitetônica criminosa do FaraÓscar. Exemplos não faltam. Ele enterrou um prédio de 750 metros, o “minhocão” da Universidade de Brasília e ainda projetou uma “rua de serviços” no meio. Ou seja. Além de fazer com que salas, laboratórios e anfiteatros fiquem sem luz e aeração naturais, fiquem também expostos os seus ocupantes à poluição dos motores.
    Mas seu Oscar é espertinho. Assim como não mora nem trabalha em construções por ele mesmo projetadas, quando dava aulas na UnB preferia a velha FAU, de concepção moderna mas mais modesta, extremamente agradável com todas as salas dotadas de jardim de inverno, farta ventilação e paredes integralmente abertas à luz solar. Mas construção barata, que remunera mais modestamente os arquitetos projetistas.
    O prédio do Congresso é outra aberração do gênero, com dois terços de sua área semi-enterrados. A catedral, de belíssima concepção, é absolutamente insuportável quando há sol. Vira um forno. Mesmo defeito do Palácio da Alvorada. Este, junto com o do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, projetos datados, com estilo que poderia ser, de forma delicada, definido como kirtsh*.
    E não se diga que somente as obras mais antigas do FaraÓscar é que são assim. O Superior Tribunal de Justiça, outro exemplo gritante de falta de racionalidade e de sustentabilidade, onde foram construídos sarcófagos sem nenhuma ventilação ou iluminação, com a agravante: cheio de carpetes, paraíso dos ácaros, vasta área insalubre favorecendo as doenças respiratórias e as alergias. E, para os que não sabem, há ali uma cidade enterrada, onde trabalham centenas e centenas de pessoas, partilhando os gases da garagem.
    Os trabalhadores de Brasília, especialmente os funcionários ou prestadores de serviços para o serviço público federal, deveriam protestar contra a ditadura do seu Oscar que nos massacra e nos obriga a trabalhar em locais insalubres, sem nenhuma janela, sem podermos olhar o mais fantástico céu do Brasil. Lembram da música do Caetano sobre o céu de Brasília?
    O mesmo céu refletido no envidraçado prédio da Procuradoria Geral da República, responsável pela morte de dezenas de pássaros diariamente. Eles – andorinhas, sabiás, pardais, pombos, pica-paus…- não sabem, não percebem que têm pela frente uma obra oscariana e se chocam com as vidraças espelhadas. Toda manhã, são recolhidos os cadáveres penados.
    As edificações de Niemeyer são as que mais consomem energia, que já foi farta e barata e hoje não é mais. Enquanto Lelé Filgueiras economiza até 70% de energia, Oscar é o próprio desperdício de energia e material.
    O senhor Oscar Niemeyer também tem que deixar de dar palpite sobre o trânsito ou sobre qualquer outra coisa em Brasília. Se ele e Lúcio Costa tivessem se preocupado em dotar a cidade de um eficiente sistema de transporte coletivo, não seria sequer cogitada a necessidade de se colocar uma mureta para salvar vidas no Eixão. Como não é criação dele, o Oscar é contra a sugerida mureta.
    É preciso, ainda, contestar a constitucionalidade do privilégio de que ele e somente ele pode projetar na chamada área monumental. E continuar aplicando, ali, a estética totalitária que o tem caracterizado ultimamente, junto com sua tentativa de reabilitar Stalin, apoiador do estilo.
     Quando vão dizer que o rei está nu e o FaraÓscar insano?!

    Kitsch – Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre: Objetos de gosto discutível, pela ótica da arte moderna, por vezes chamada de Kitsch. O kitsch é um termo de origem alemã (verkitschen) que é usado para categorizar objetos de valor estético distorcidos e/ou exagerados, que são considerados inferiores à sua cópia existente. São freqüentemente associados à predileção do gosto mediano e pela pretensão de, fazendo uso de estereótipos e chavões que não são autênticos, tomar para si valores de uma tradição cultural privilegiada. Eventualmente objetos considerados kitsch são também apelidados de brega no Brasil. A produção Kitsch surge para suprir a demanda de uma classe média em ascensão, que não conseguia entender e aceitar a arte de vanguarda, com suas propostas inovadoras, mas desejava participar do “universo da arte”. Esta parte da população não teve a sensibilidade artística educada e, portanto, não desenvolveu o gosto, mas queria parecer culta e apreciadora da arte, porque isto lhe conferia status social.

  53. André Menezes disse:

    Acho que o uso desse espaço deve ser decidido também por aqueles que realmente o frequentam e o utilizam. Quem se despede psicologicamente da esplanada todos os dias (de ônibus) é o povão.

    Concordo com a posição da senhora sobre o projeto e achei muito boas as suas colocações. Não discordo do projeto em si, mas a sua localização e seus impactos na paisagem urbana urbana de Brasília.

    Agora é verdade que quem frequenta aquele espaço mesmo é o povão, que vai nos shows do zezé de camargo e luciano, do calypso… que frequenta as atividades que tem lá..que passa o ano novo até!!!

    A população que se despede todo dia da esplanada de ônibus (psicologicamente) também tem que ter peso nessa decisão

    Sou contra a localização do projeto, mas favor de algum tipo de consulta popular.

    Os espaços são mais importantes para quem os frequenta e pra quem os utiliza do que para aqueles que apenas os veneram e os apreciam

  54. Carlos Madson disse:

    Com a recente manifestação do Governador de Brasília em prol do engavetamento do projeto da Praça da Soberania (ou do Espanto!!), em virtude da cidade ter outras prioridades (DF TV 12h32 de 28/01), há de se reconhecer a decisiva participação da FAU/UnB nesse episódio. Não só com a profª Sylvia Ficher, que provocou esse debate, mas também, com os demais professores que se manifestaram sobre o tema – aliás, com ótimas contribuições – e não se furtaram a debater um assunto politicamente tão delicado, mas de fundamental importância para o fortalecimento da cidadania e afirmação da soberania de Brasília.
    Essa observação se faz necessária para que se ajude a dissipar a imagem que se busca impingir à universidade pública, de ser apenas devoradora de recursos e alienada da vida citadina.
    A soberania, como se vê, prescinde de tamanho monumento para se manifestar e ser celebrada.
    Carlos Madson

  55. disse:

    Caríssima Sylvia.
    Edito um Portal chamado Mhário Lincoln do Brasil (www.mhariolincoln.jor.br) e nele há uma seção chamada FALA POVO. Hoje (nessa seção) pela manhã em minha caixa postal haviam, 15 e-mails solicitando a reprodução de uma matéria sua divulgada na imprensa nacional sobre a praça da Soberania.
    Li e gostei imensamente. Tomei a liberdade de republicar com todos os créditos legais.
    Até o final deste mês estaremos colocando no ar (após quase 4 anos no ar e mais de 1 milhão de hits-google analytics-), o Novo Portal MLB. Caso você aceite, de antemão, já a convido oficialmente (de forma espontânea como inúmeros outros colaboradores) para integrar essa nova fase da imprensa interativa brasileira, enviando textos semanais sobre o assunto que se lhe parecer importante.
    Atenciosamente,
    Mhário Lincoln.
    Aguardo suas considerações.

  56. André Menezes disse:

    A grande questão entorno da construção ou não da Praça da Soberania entre a Rodoviária do Plano Piloto e o Congresso Nacional, é a necessidade de termos que repensar o Plano Piloto. Escrevi nos meus comentários para este jornal, que em vez dessa praça, Brasília tem a necessidade de espaços mais humanos, de espaços em escala humana e não monumental pois, esta escala já está bem representada no seu devido eixo. Depois refletindo pensei também em quem frequenta a rodoviária e quem frequenta aquele verde quando tem show do zezé de camargo e luciano e do calypso e até passa o ano novo por não ter pra onde ir. Enfim, será que a população que frequenta ali não iria gostar? Eu frequento aquele local, principalmente para ir a Biblioteca Nacional de Brasília, que muitos criticam mas quando você entra lá acredita até que o Brasil está dando certo. Particulamente, imaginando como ficaria a Praça da Soberania ali, acho que ficaria bem estranho, sem harmonia com o seu entorno. O Museu Nacional também já é bem estranho. Agora também é importante interpretarmos o que o Niemeyer quer dizer com isso. Que simbolismo aquele obelisco representa. Pensem comigo. Um obelisco inclinado em direção ao Congresso Nacional competindo com este no sentido arquitetônico e paisagístico, não seria o Niemeyer querendo colocar o povo a altura do Congresso? Como que desafiando o Congresso a cumprir com com suas obrigações com o povo?. Na minha interpretação Niemyer quer colocar o povo a altura do Congresso pois até então o Congresso é a estrutura mais importante daquele conjunto arquitetônico e urbanístico – a esplanada. Essa praça, na minha leiga opinião pois, não sou arquiteto de formação mas gosto de ler sobre o assunto, simboliza o questionamento de Niemeyer ao Plano Piloto de Brasília. Será que não tenhamos que repensar o Plano Piloto? As leis que regem o seu tombamento? Será que não é hora de adptar o Plano de Piloto à metrópole? Sim porquê o Plano Piloto como o próprio nome diz, é um Plano de cunho Piloto ou seja, a partir dele, das diretrizes do Relatório do Lúcio Costa, a cidade se desenvolve mas não significa que tenhamos que seguir a risca esse Plano. Passado 50 anos desde a sua inauguração o Plano Piloto agora precisa ser revisado e se adequar à metrópole que Brasília se transformou. Pra mim a discussão dessa praça representa isso. É o Niemeyer desafiando aqueles que querem um Plano Piloto isolado no contexto metropolitano, isolado como um grande condomínio fechado de 200 mil habitantes, porém dentro de uma cidade com quase 3 milhões de pessoas.

    Sabemos que fica cada dia mais difícil transitar entre o Plano Piloto e as ditas “cidades-satélites” onde as horas de pico cada vez mais se extendem. É óbivio que isso vai piorar. A conexão do Plano com as “satélites” é limitada demais. Um grande cinturão “verde” circunra o Plano. Isso tudo em parte devido as leis de zoneamento que o tombamento propõe. Por quê não integrar mais a Brasília Tombada com a Brasília Metrópole? Adensando um pouco mais as vias que as interligam, criando espaços contínuos de integração entre essas duas Brasílias.

    Essa praça saindo ou não do papel representa o questionamento de Nimemeyer quanto ao Plano Piloto de Brasília hoje, e tenho certeza que é o questionamento também de muitos brasilienses e moradores dessa cidade que querem espaços mais humanos em escala humana para as pessoas de diferentes classes sociais interagirem.

    André Paiva Menezes

    Geógrafo e Mestrando em Gestão Ambiental e Territorial – UnB

  57. Angel disse:

    Sylvia, parabéns.

    Leia a reportagem Cementing the Future da Revista Time de 15 de dezembro de 2008 e veja a revolução que visionários já estão aplicando nas possibilidades do cimento. Cansei de espirrar ao andar naquele oceano de concreto encardido do velhote.

    Quase morri mofado ao passar pela garagem da PGR, cujo teto é coberto por todo o gramado, onde, para o meu espanto, existe uma árvore viva.

    Leiamos Architecture Now 5 de Phillips Jodidio e nos deliciemos com J Mayer H com a sua Dupli.Casa.

    Beijos!

    :)

  58. Eduardo Pierrotti Rossetti disse:

    O gênio na berlinda
    ou, sobre o “dono da bola” e o campo

    Hoje, dia 30 de janeiro, faz exatos 20 dias que o Correio Braziliense publicou em sua edição de sábado, 10 de janeiro, uma reportagem sobre um novo projeto do arquiteto Oscar Niemeyer para a Esplanda dos Ministérios de Brasília. Faz também quase 20 dias que uma movimentação de arquitetos, professores universitários, políticos, jornalistas, motoristas de táxi, ascensoristas, diplomatas, representantes de entidades de classe, conselhos urbanos, órgãos de preservação, além do próprio Ministério Público e de pioneiros candangos, estão discutindo acaloradamente a proposta, sua escala, seus custos, seus méritos e deméritos e até mesmo sua legalidade. Não é o valor ou a dimensão pessoal de Oscar Niemeyer que estão em discussão, não é este o foco!

    Uma cidade que convive em seu dia-a-dia com as obras de Oscar Niemeyer nos espaços urbanos de Lucio Costa está exercitando sua cidadania, deixando seu mito de origem em sua própria trajetória histórica. O que entrou em pauta foi um debate que extrapolou, rapidamente, o que poderia ter sido apenas uma refrega nas trincheiras acadêmicas do campo arquitetônico. Um artigo de Sylvia Ficher, publicado no dia 12 no site //www.28ers.com, ganhou visibilidade graças à coluna do jornalista Elio Gaspari na Folha de São Paulo, logo no dia 15, alcançando a grande imprensa e repercutindo em diversas matérias jornalísticas. Ainda que com observações e avaliações de toda ordem, o foco da discussão nas mais diversas instâncias do debate tem sido a manutenção das qualidades espaciais e simbólicas da escala monumental de Brasília, o respeito às legislações urbanísticas e patrimoniais vigentes, além de indiretamente, fazer aflorar a questão da rotina impreterível de concursos públicos para obras arquitetônicas.

    É tudo isso que, difusamente, tornou-se um problema para a cidade, comprovando o interesse daqueles que nela habitam, convivendo com as arquiteturas excepcionais que Oscar Niemeyer, original e magistralmente, articulou com o Plano Piloto de Lucio Costa, aliás e sobretudo, na escala monumental!

    O transcurso, a força e o alcance de uma discussão tão cotidiana sobre a própria cidade —desde as páginas de jornais e revistas, passando pelas imagens de TV e pela ágil conexão dos meios digitais— demonstra cabalmente que Brasília já não quer e nem pode ser o canteiro preferencial de experimentação de um único arquiteto, ainda que este seja genial, aguerrido e longevo como só Oscar Niemeyer consegue ser. Ele permanece o “dono da bola”, mas talvez não seja mais o vetor exclusivo, o único grande articulador de um campo de conhecimento —o da arquitetura!— cuja legitimidade em larga medida foi por ele instaurada e que agora, tornando-se objeto de embates públicos e de interesse popular, dá provas de sua saudável existência.

    Eduardo Pierrotti Rossetti, arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador-pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

  59. Frank A. E. Svensson disse:

    Ainda sobre a praça da Soberania … *
    Agora algo mais bem pensado.
    Para quem não me conhece: fui arquiteto depois professor universitário e agora faço política dentro dos limites que me são impostos…
     Conheço Brasília de corpo presente desde 1959 com duas interrupções: durante oito anos participei como arquiteto da experiência de planejamento liderada por Celso Furtado; durante 16 anos, graças ao ato AI-5, o que me brindou o conhecimento in-loco de várias outras capitais deste e do outro lado da chamada cortina de ferro.

    Lembro-me muito bem do alvoroço da opinião pública quanto ao edifício destinado ao Congresso Nacional. No Nordeste cansei de ver a coluna do Palácio da Alvorada e a imagem do Congresso reproduzida em fachadas nas favelas e em carrocerias de madeira de caminhões e mixtos. As pseudo-intelectuais elites, por sua vez, não conseguiam admitir algo tão modernista. Até Humberto Eco, aquele do Cravo e da Rosa, tão mencionado por orientadores de tese não libertos de mitos da metodologia, se meteu na briga.

    Agora é a vez da Praça da Soberania.
    É bom lembrar antes que todo o ideário republicano do planejamento, deste país, de suas regiões e cidades serem objeto de um continuado planejamento, está sendo lançado na lixeira da História. Hoje o Ministério do Planejamento não passa de um grande escritório de contabilidade. Planejar é subverter a ordem capitalista. Hoje quem planeja Brasília são os comerciantes. Planejam e se elegem…

    Brasília fez parte de um grande projeto do governo Vargas de construção de novas cidades dentro do qual Brasília a exemplo de Versalhes, São Petersburgo, Washington e outras seria uma City, uma sede de Governo com a centralidade compatível à mesma. A centralidade do Plano Piloto de Brasília decorre do cruzamento de dois eixos principais dividindo por sua vez áreas de serviços, comércio, lazer e cultura.

    Reconheço que o Plano de Lúcio Costa foi o que de melhor se fez neste país em matéria de planejamento do imprevisível. Outro aspecto a considerar é que gosto e conhecimento são áreas imbricadas. O conhecimento muda o gosto. Hoje se defende a paisagem da Esplanada como ela é por força do conhecimento de sua história. Faz parte do imaginário coletivo o receio do desconhecido.
    Em matéria de cultura o chamamento da centralidade de Brasília começou a ser satisfeita com a construção do Teatro Nacional e de um Hall de exposições não ativado e entregue por longo tempo ao Turing Clube de Brasília. No Conjunto Nacional e no Conique vários cinemas e o Teatro Dulcina. Depois se construiu o Circo Circular e agora a proposta de Oscar Niemeyer para a Praça da Soberania… Tudo próximo da Estação Rodoviária e hoje de Metrô permitindo fácil acesso a uma verdadeira praça também da cultura .
    Os anos de chumbo extirparam o pensamento objetivo crítico do planejamento e da arquitetura urbana no nosso país. Foi sufocado pelas teorias psicologizantes do percepcionismo espacial. Brasília que havia considerado as funções urbanas, mirando de soslaio as experiências havidas de gardencities, ciudad lineal e de planejamento park-way passou a ser configurada com as impropriedades impostas pelo capitalismo financeiro. Hoje a coisificação e a decorrente comercialização assola a arquitetura. Os arquitetos acomodam-se sobremodo em esperar encomendas negligenciando a responsabilidade de formar a consciência arquitetônica da sociedade brasileira.
     Afirmar a soberania do Brasil é mais do que atual. É contribuir para o fortalecimento de nossa autoconsciência no conserto internacional e inter-nacionalista de uma nova ordem mundial.

    Como arquiteto Oscar Niemeyer é campeão no questionamento da tirania euclidiana do ângulo reto e das linhas paralelas, elementos inexistentes na natureza. O concreto é o material mais moldável para adequar-nos à sua assimetria. Pode resultar grosseiro ou sutil. Niemeyer consegue com seu admirável domínio de escala, proporção e fluidez espacial resgatar o direito à paisagem integrando-se à mesma.

    Oscar Niemeyer além de arquiteto é pós-pós-pós…graduado pela escola da vida. Em seu fulcro sua proposta tem o mérito de nos fazer pensar grande e não repetir e insistir nos equívocos que ameaçam uma das mais gloriosas experiências de ordenamento urbano do nosso tempo. Se não faz casinhas para pobres é por reconhecer que a eliminação da pobreza exige interdisciplinaridade e interprofissionalidade com vontade política. Não basta ser arquiteto.

    * Frank A. E. Svensson
    Professor titular aposentado FAU UnB

  60. Luis Lancelle disse:

    Prezada Prof. Sylvia Fischer:

    Parabéns pelo sincero, inteligente e corajoso artigo sobre a Praça da Soberania, que mais do que da Soberania deveria ser chamada de “Praça da Soberba”.

    Forte abraço:

    Prof. Luis Lancelle
     PS Você é parente do Fischer, ex-presidente da TeleBrasília?

  61. Andrié Silva disse:

    Bom, eu concordo que há muito de absurdo em erguer aquele elemento bem no centro do Plano Piloto. Mas é demasiamente agressiva a forma com que se contrapõe àquilo neste texto.

    Se é necessário dizer de quão inadequado é aquela construção naquele lugar e daquela forma, não é preciso usar de apelidos pejorativos pra fazer isso.

  62. disse:

    Cara Sylvia,
    seu artigo contribuiu para aquecer o debate que acabou levando Niemeyer a suspender sua proposta, e só por isso já se mostrou muito oportuno. Creio que deveríamos aproveitar o momento, em todo caso, para levar adiante a discussão sobre o urbanismo de Lucio Costa, que segue tão incompreendido. E isso vale tanto para Brasília quanto para a Barra da Tijuca, cujo Plano Piloto está completando 4 décadas.
    Um abraço,
    Ana Luiza Nobre

  63. José Chirivino Álvares disse:

    Gostaria de saber quanto da obra do Oscar foi financiada com dinheiro público e quanto por capitais privados. No Brasil e em outros países. Alguem tem estes dados?

  64. Pingback: Praça da Soberania: crônica de uma polêmica « mdc . revista de arquitetura e urbanismo

  65. Rii Nbr, disse:

    oscar ta mt velho p se preocupar com Brasília
    zoa concordo com vc

  66. HERACLIDES SILVEIRA DE OLIVEIRA disse:

    Cara Sylvia, “Brasília está travestida e nem precisaria estar repaginada”. É moderna, arejada, meio seca mas muito bela com seus espeaços verdes infinitos. Está transformada em determinados locais num amontoado de lixo sujo. É uma bela cidade que assim como o jacarandá, deveria crescer solenemente a partir de uma pequena matriz. Deveria crescer em todas as direções sem perder a sua beleza central.

  67. disse:

    Gostei

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