Expectativas frustradas

M.C.Escher - MetamorphoseEm meio a críticas, editais de concursos
nacionais em andamento são revisados.

Dois concursos públicos de arquitetura, um em Campinas e outro em Natal, vêm sendo alvos de críticas e temas de acalorados debates entre profissionais da área.

Lançado em janeiro deste ano, o concurso para o Museu Exploratório de Ciências da Unicamp, em Campinas, São Paulo, foi promovido pela própria universidade. Segundo o diretor do museu, Marcelo Firer, em entrevista à revista mdc, sequer foi cogitada a contratação do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB – como entidade organizadora do certame. Firer afirma que a universidade possui quadro funcional experiente na realização de licitações diversas e concursos internacionais de avaliação de mérito para a seleção de docentes. Por isso, a organização de concurso de arquitetura pela própria universidade foi a opção natural para a direção do museu.

O concurso, entretanto, foi alvo de severas críticas por profissionais desde a publicação do edital. Para os arquitetos frequentadores do portal , o valor estimado para a obra (dez milhões de reais), para a premiação e, consequentemente, para a remuneração profissional dos vencedores, seriam excessivamente baixos. A sistemática de respostas às consultas por meio de e-mails diretos e a ausência de um arquiteto-coordenador do certame junto à instituição também foram criticados. Em concursos promovidos pelo IAB, as respostas às consultas são publicadas no site do concurso e passam a constituir parte integrante do edital. Foi questionada também a abrangência internacional do concurso para um edifício de aproximadamente cinco mil metros quadrados de área. Todas estas ressalvas não impediram a inscrição de 170 equipes no concurso – um número alto em relação a outros certames realizados no país – , que tinha como prazo de entrega das propostas  o dia 27 de março, sexta-feira passada.

Para surpresa de todos, no último dia do prazo de recebimento dos projetos, o edital foi impugnado. Segundo Marcelo Firer, o motivo foi processual: realmente, não constava no edital a data de abertura dos envelopes e, como temos que seguir a lei de licitações, tivemos que acatar o pedido de impugnação recebido no dia 25 – lamenta o professor.

Diversos participantes já haviam enviado suas propostas e seguiu-se à primeira. O arquiteto Antônio Carlos Coltro, em texto publicado no portal Concursos de Projeto, classificou a medida de ultrajante. O profissional afirma que a decisão mostra total desrespeito e desconsideração por parte da Unicamp para com os concorrentes. A organizadora ignorou todo o trabalho, energia, tempo e investimento despendidos com a confecção das propostas, do material impresso e com a entrega dos mesmos. Provavelmente, também não foi considerada a repercussão que tal decisão causará junto aos concorrentes internacionais.

O concurso para a Praça do Natal, em andamento na capital do Rio Grande do Norte e lançado na semana passada, também vem sendo alvo de duras críticas por arquitetos. Promovido pela Prefeitura de Natal, com organização do IAB-RN, o concurso apresentava em seu edital inicial uma restrição à participação de arquitetos de outros estados, que teriam que indicar outro profissional, também arquiteto, com endereço profissional no Rio Grande do Norte e registro ou visto no CREA/RN. A restrição, contrária aos princípios do , gerou estranhamento entre os potenciais participantes. Os arquitetos Leandro e Luciana Schenk publicaram um afirmando que uma ressalva desse teor torna evidente o quanto estamos voltando para trás. Mesmo que o intuito tenha sido o de facilitar o diálogo entre promotores/organizadores e vencedores do concurso, por si a medida termina restringindo a competição.

Consultado pela revista mdc, o presidente do IAB-RN, arquiteto Lúcio Dantas, esclareceu que a restrição foi colocada pela prefeitura do município, receosa de ter que arcar futuramente com os entraves logísticos impostos pela distância de profissionais de outros estados. Dantas explica ainda que o IAB teria proposto que a associação a arquitetos locais poderia ser sugerida ao profissional vencedor, caso este fosse de outro estado. Entretanto, para a surpresa do Instituto, a proposta foi incorporada ao edital como requisito para habilitação. Segundo Dantas, o IAB vem negociando com a Prefeitura de Natal a retificação do edital, sem a cláusula de restrição, que deve ser novamente publicado ainda esta semana, com novos prazos.

A onda de retificações de editais atingiu também o concurso para reforma e ampliação da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre – que não vinha sendo alvo polêmica alguma. Em pela coordenação do concurso, serão alteradas as datas para inscrição e entrega dos trabalhos. O edital do concurso havia sido divulgado em janeiro, mas as inscrições ainda não haviam sido abertas e as bases não haviam sido divulgadas.

A retificação de editais é fato comum na realização de licitações pela Administração Pública, mas para o coordenador do portal Concursos de Projeto, Fabiano Sobreira, esta onda de atropelos é sintoma de um quadro mais amplo de desarticulação dos órgãos públicos e do próprio IAB. Segundo o arquiteto, os problemas relacionados aos concursos no Brasil são o reflexo da falta de uma regulamentação pública e da tentativa de reinvenção da roda a cada novo procedimento. Cada novo concurso é elaborado como se não houvesse antecedentes, ou como se não houvesse um histórico de experiências (tanto de sucessos, quanto de desastres).

Apesar do otimismo dos organizadores, pelo menos a polêmica em torno ao concurso do Museu de Ciências da Unicamp promete continuar. Para Sobreira, as alterações, da forma como foram anunciadas pela Coordenação do Concurso, ferem um dos princípios básicos da referida Lei, que é o princípio constitucional da “isonomia”. Os concorrentes que já enviaram seus trabalhos não estarão em igualdade de condições em relação àqueles que porventura se beneficiem das alterações do edital e do adiamento de inscrições e entregas.

O ano começou com um expressivo aumento no número de concursos. Aos três certames mencionados, somam-se ainda os concursos para a sede do CREA-PR, em Curitiba, para o Planetário de Rio Branco, no Acre, e para o SESC Guarulhos, em São Paulo, além de mais de cinco concursos internacionais de grande porte atualmente em andamento.  A realidade nacional, em todo caso, ainda está distante daquela verificada países onde a prática é mais disseminada, como a França. Conforme divulgado pelo portal Concursos de Projeto, aquele país possui uma média anual de 1200  concursos de arquitetura. É um número 240 vezes maior que a média brasileira, de 5 concursos nacionais por ano. A disseminação dos concursos públicos na França só foi possível com a regulamentação e padronização de procedimentos pela própria Administração Pública, em parceria com as corporações profissionais. O nível de organização francês dá a medida do caminho a ser percorrido no Brasil para a realização de Concursos de Arquitetura com procedimentos e resultados maduros. Este percurso certamente passa pela prática exaustiva de concursos, com seu debate e nova regulamentação. A crise que já atinge o setor da construção civil, em todo caso, promete torná-los cada vez mais competitivos.

Sobre Danilo Matoso

Arquiteto e Urbanista Brasília - DF
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2 respostas para Expectativas frustradas

  1. Ferolla disse:

    “…Firer afirma que a universidade possui quadro funcional experiente na realização de licitações diversas e concursos internacionais…”, mas tão experiente que não passou nem da mais básica das básicas pisadas no tomate, de que “…realmente, não constava no edital a data de abertura dos envelopes e, como temos que seguir a lei de licitações, tivemos que acatar o pedido de impugnação…”
    Mas que beleza, hein, senhor Firer (está, assim, corretamente grafado o seu nome?)? É certo que quem mora neste país tropical abençoado por deus e bonito por natureza já está mais do que habituado com esta beleza, mas em se tratando de um concurso internacional, quem não está acostumado, estranha, mas daí tão provincianamente se afligir com o-que-possam-estar-pensando-da-gente, a ponto de se preocupar com a “…a repercussão que tal decisão causará junto aos concorrentes internacionais…”, é outro caso, né?

    Não me levam a mal, não é carnaval, muito menos natal, mas me sensibilizou a preocupação das autoridades locais com aqueles que deviam se preocupar apenas em não perder o trem das onze…
    interessante, esta solução, de um “casamento casado” para, quem sabe, assim, não precisar de “…arcar futuramente com os entraves logísticos impostos pela distância…”, admitamos, que cuidado potiguar com os irmãzinhos de outras plagas, hein, é pura poesia!!!

    É, Sobreira, tem muita sola aí pra descer a peixeira…

  2. disse:

    A restrição de participação no concurso foi retirada, conforme Errata do Edital, publicada no Diário Oficial no dia 04.08.2009:

    “O item 3.1.2, do Edital, passa a ter a seguinte redação: “É permitida a participação de profissional residente em outros estados da federação brasileira, desde que, no caso deste vir a ser o vencedor, mantenha domicílio profissional na cidade sede do concurso durante o período de desenvolvimento dos projetos executivos ou indique outro profissional, também arquiteto, com endereço profissional no Rio Grande do Norte, para representar o Responsável junto ao PROMOTOR e ao ORGANIZADOR.”

    “O item 4.3, passa a ter seguinte redação: “No caso da Inscrição de Profissional residente fora do Estado do Rio Grande do Norte, será necessária, caso este venha a ser o vencedor do concurso, e para efeito da assinatura do contrato, a apresentação de documento comprobatório do domicílio profissional no município de Natal/RN ou os documentos constantes dos itens 4.2.1, 4.2.2 e 4.2.4, referentes ao Profissional indicado para representar o Arquiteto Responsável, de acordo com o estabelecido no item 3.1.2.”

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