Sérgio Kopinski Ekerman
precedentes
O Cemitério Israelita da Bahia está situado na encosta nordeste da Colina da Baixa de Quintas, em Salvador. Possui um terreno de forma elíptica, com área aproximada de 5600,00m² e perfil em declive acentuado, que se abre para a Praça Rubin Miller, local que conecta o complexo de cemitérios municipais servindo de estacionamento e circulação aos visitantes.
Em aproximadamente oitenta anos de existência, o Cemitério teve metade do seu terreno ocupado e a única modificação significativa em relação à estrutura de apoio original, composta por uma pequena casa, foi o acréscimo de um pavilhão específico para o velório (projetado por Lelé na década de oitenta).
Considerando que o trecho inicialmente utilizado do terreno está prestes a esgotar sua capacidade de sepultamentos e que o anexo construído há quase trinta anos nunca chegou a dar conforto real para a realização dos serviços funerários (preparação do corpo, velório e sepultamento), a Sociedade Israelita da Bahia decidiu realizar um plano para ocupação do terreno ocioso e reforma das instalações do Cemitério, preparando-o para o futuro.
Em paralelo, foi proposta à Comunidade a doação de um Memorial do Holocausto, uma intervenção que pudesse preencher algumas lacunas funcionais do campo santo. Primeiro, marcar o início da nova ocupação como um elemento de caráter diferenciado; Segundo, dar aos visitantes um lugar para orar, lembrar e meditar, compondo assim o inexistente programa litúrgico do Cemitério; Terceiro, memorializar um evento importante dentro da história judaica, cumprindo também uma função educativa, à medida que o local permanece aberto à visitação pública. Tanto o Memorial como o primeiro lote das obras previstas no plano foram custeados pela Família Zausner, que esteve intensamente envolvida na idealização dos planos de reforma e cujos patriarcas, Mania e Rubin Zausner eram sobreviventes da Segunda Guerra.
projeto
A primeira etapa do plano foi concluída em julho de 2007, o que consistiu na execução de uma nova entrada principal, na reforma e ampliação do pavilhão do velório, em melhorias na rampa de acesso à parte velha do Cemitério, na execução de nova pavimentação, em serviços de infra-estrutura e construção de uma nova pia para o netilat iadaim[1], além da construção do Memorial do Holocausto, propriamente dito.
O novo prédio respeitou a premissa de organizar o Cemitério para sua ampliação, conectando-se ao novo portão e aos espaços anexos ao velório, tornando-se assim um elemento de composição do núcleo básico de recepção e permanência dos usuários durante os serviços religiosos.
Mesmo ligado ao programa existente, o prédio busca maior privacidade ao afastar-se ligeiramente, implantando-se num ponto menos acidentado do terreno, rodeado pelo verde existente. O edifício orienta-se a leste, fazendo com que o usuário reze na direção de Jerusalém, conforme uma tradição trazida da sinagoga.
O Memorial busca a inspiração de suas formas na palavra “chai” – vida em hebraico – compreendendo que a lembrança tanto dos que se foram como daqueles que estão entre nós faz-se através da recapitulação de suas vidas, suas ações e seu legado. Não à toa, chamamos o cemitério, em hebraico, de Beit HaChayim, Casa da Vida.
A partir disto, o projeto procura criar um espaço forjado pelas nuances da luz natural, utilizando o concreto aparente, brutal e imperfeito, para sugerir a aspereza da experiência vivida pelos mortos e sobreviventes da shoah.[2]
O volume principal é um cubo com lado igual a quatro metros, fechado de maneira parcial em três lados e aberto ao cemitério na fachada oeste, através de um pórtico que enfatiza a relação entre símbolo e forma. A cobertura é uma laje de concreto com perfil curvo e inclinado, que se pronuncia num balanço de gesto ascendente, de busca pelo sagrado, que marca a fachada “ritual”, a leste, desenhando também o “chai” na fachada norte. Um vazio caracteriza a relação entre o plano da laje e o muro leste ritual, permitindo a entrada da luz “divina” no interior e dramatizando o balanço da estrutura.
No interior, o espaço define-se pela presença de um banco e de uma caixa construída com chapa metálica grossa, para o acendimento das velas, um costume que representa lembrança e homenagem dentro do judaísmo. Além destes elementos, está presente o ner tamid, uma luz sempre acesa que simboliza a aliança entre Deus e os judeus, também uma peça customizada de serralheria.
A intenção no espaço interno foi criar uma relação controlada com o contexto, capaz de isolar o indivíduo para um momento de tranqüilidade, mas mantendo ao mesmo tempo a conexão com a vegetação e com a brisa, muito agradável no alto da colina e importante no clima quente de Salvador. Para tanto, um dos recursos utilizados foi a colocação de brises pré-moldados em concreto, organizados em várias direções.
O piso moldado in loco é de gravilhão lavado, uma superfície única que estabelece a continuidade com o exterior. Neste sentido, o projeto procura uma relação complementar entre dentro e fora, através do diálogo com o gramado, com as árvores existentes e com seis bancos (“túmulos”) e seis pilares que representam os seis milhões de judeus mortos durante a Guerra.
O jardim de concreto formado na entrada do Memorial é também um espaço de convivência e permanência, configurando a conexão com a ampliação do Cemitério.
Segunda obra do gênero no país, o Memorial do Holocausto em Salvador nasce a partir dos valores do próprio judaísmo, tentando traduzir em espaço arquitetônico as expectativas de renovação da religião e da própria comunidade. Sessenta anos após a Guerra, acreditamos que lembrar o Holocausto é preciso. É necessário, no entanto, que a memória junte-se à reflexão, num processo capaz de promover tolerância e paz. Quem sabe o futuro assim possa ser menos cinza e áspero.
[texto fornecido pelo autor do projeto]
projeto executivo
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galeria
notas
[1] “Lavagem das Mãos”. Antes de deixar qualquer Cemitério Judaico é tradição lavar as mãos. O contato com a água, para além do aspecto higiênico, lembra a vida.
[2] Holocausto, em Hebraico.
O Memorial do Holocausto no Cemitério Israelita da Bahia foi doado à Comunidade Judaica Baiana pelos familiares de Mania Zausner Z”L e Rubin Zausner Z”L, em sua homenagem e em memória daqueles que enfrentaram o terror do Holocausto.
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Proprietário: Sociedade Israelita da Bahia Local: Cemitério Israelita – Salvador – BA Ano do projeto: 2005/2006 Obra: 2007 Arquitetura: Sérgio Kopinski Ekerman Estruturas e construção: Eng Cosntruções Fotos: Léo Azevedo Contato: sergioekerman@yahoo.com.br |
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olá danilo e demais amigos,
esta seção de projetos com seus projetos executivos promete ser uma fonte inestimável de informação para todos que gostam de arquitetura.
uma sugestão: que implantem um modo mais ágil de se ver as imagens que acompanham textos como este. os sites plataforma e archdaily podem servir de bons exemplos.
abração.
mahfuz
OLA, MEU AVÓ JUNTAMENTE COM MINHA AVÓ FORAM ZELADORES DESSE CEMITERIO. O MEU AVÓ SE CHAMAVA OLAVO CARNEIRO, MINHA MAE LOURDES CARNEIRO HOJE COM 80 ANOS, NOS FALA COMO FOI FELIZ AI. NEM CONSIGO IMAGINAR SER FELIZ, MORANDO NUM CEMITERIO. HOJE ELA MORA NO RIO, JA FAZ MUITO TEMPO, EU SOU NASCIDA AQUI NO RIO, MAIS SEMPRE VOU A SALVADOR, ELA SEMPRE ME PEDI PRA IR ATE AI, MAS NUNCA ATENDI.ELA NÃO CONSEQUI VIAJAR, ESTA SE RECUPERANDO DE UM CANCER E DE UMA FORTE DEPRESSÃO. MAIS CONFESSO, QUE DEPOIS QUE VI A ORIGEM DO MEU SOBRENOME CARNEIRO [JUDAICO] ME DEU UM CERTO INTERRESE.GOSTARIA DE SABER MAIS, SE ALGUEM CONHECEU MEUS AVÓS HERCILIA E OLAVO CARNEIRO. MÃE MARIA DE LOURDES CARNEIRO. MINHA MÃE, TEVE VARIOS IRMÃOS HOJE SO TEM MINHA MÃE E UMA TIA VANDA CARNEIRO AQUAL SE ENCONTRA MUITO DOENTE. OBRIGADA PELA ATENÇÃO.
meus bisavós Merian surujon Barouh, Davi Barouh e meu avô Nissim Menahem Barouh são enterrados neste cemitério. Um dor grande que tenho com a Sociedade Israelita e que não enterraram meu pai por que meu avô estava com as prestações atrasadas. Ele tinha tanta vontade de se enterrar ai, morreu aos 36 anos deixando 10 filhos orfãos e os irmãos por parte de pai tiraram tudo da viuva que no caso e a minha mãe tambem descendente de judeu. O que importa e que o verdadeiro Deus Jeová e seu filho jesus Cristo trará meu pai de volta no novo mundo. Minha mãe e irmãos sofreram tanto na vida que a maioria e depressivo, mais todos são direitos trabalhadores. Meu avô foi tão malvado que vendeu a casa que meu pai comprou pra os 10 filhos.
e muito bela a arquitetura. parabéns pra vcs.