O Mercado Distrital do Cruzeiro, em Belo Horizonte, projetado em 1972 pelo arquiteto mineiro Éolo Maia (1942-2002), pode ser demolido para dar lugar a dois hotéis e um estacionamento para quase dois mil veículos. O projeto de lei que autoriza a demolição do Mercado do Cruzeiro será votado no dia 18 de maio na Câmara de Vereadores. Arquitetos e a comunidade local mobilizaram-se contra a obra, organizando um abaixo-assinado.
Cumprindo importante papel como centro de convivência regional, como outros mercados distritais da capital mineira, o Mercado do Cruzeiro seria a segunda grande perda neste universo local, sucedendo a recente demolição do Mercado Distrital da Barroca (abandonado havia uma década).
Agora porém, as comunidades local e profissional mobilizaram-se contra o projeto da Prefeitura de Belo Horizonte, que nele pretende investir verbas destinadas à infraestrutura da Copa do Mundo. O mercado cumpre uma função gregária natural, além de ser uma relevante obra da arquitetura mineira da década de 1970, com seus elegantes pilares metálicos. A construção do hotel incomoda ainda pelo significativo aumento da densidade em uma área de sistema viário já congestionado.
Para impedir a realização do projeto foi organizado um direcionado à prefeitura, contra a demolição defendendo um projeto de revitalização que mantenha o caráter histórico e social do Mercado.
A revista mdc uniu-se a este grupo, apoiando a preservação do mercado como arquitetura e como centro comunitário natural.
Link do abaixo assinado:
Imagens
Nota sobre os mercados
José Eduardo Ferolla
Mercados, como qualquer comércio, só têm sucesso se localizados em regiões de grande fluxo de pessoas.
Originários do souq árabe, ocorriam quase que espontaneamente em encruzilhadas (carrefours) de rotas de caravanas, com o tempo – em função da periodicidade e da importância destas caravanas – uns se firmando mais que outros e se transformando em importantes cidades. Como Marrakesch.
A política dos Mercados Distritais, coisa do início dos anos 70 (foram três, construídos simultaneamente, entre 1972-73, ), já começou equivocada ao ignorar esta vocação na escolha das respectivas localizações. Todos, sem exceção, ficaram situados em locais praticamente inacessíveis:
Mercado Distrital de Santa Tereza (Arqs. João Alberto Bethônico e Luiz Carlos Garcia Chiari):
Num buraco de fim de bairro, numa “vesícula” praticamente cercada pelo Arrudas e pela linha férrea, longe de tudo e de todos.
Várias tentativas de reaproveitar aquelas instalações para fins culturais, relacionadas à tradição boemio-musical do bairro, acabaram por conduzir consulta pública online para decidir a sua destinação, anulada após constatação de que, dentre outros menos conhecidos, até o finado ex prefeito Célio de Castro havia votado… Continua às traças.
Mercado Distrital da Barroca (Arqs.Celso Eustáquio de Oliveira, José Eduardo Ferolla e Sérgio de Paula):
Num local anteriormente ocupado por um sanatório (o que, de origem, já afastava dali as pessoas), não teve como competir com o comércio ao longo do vale, abaixo (Avenida Francisco Sá), onde tudo era também encontrado sem a necessidade de subir encosta tão íngreme e atravessar o trânsito intenso da Avenida do Contorno. Do lado oposto, a barreira era imposta pela linha de quarteirões privativos da polícia. Acabou depredado pelos despachantes que gravitam em torno dos Detrans de qualquer cidade.
Foi o que mais sofreu com a falta de cuidado: primeiro, acrescido sem respeitar suas diretrizes espaciais originais, depois, pela rapinagem de elementos de vedação e cobertura. Ao final dos anos noventa já estava condenado pela corrosão nos pés dos pilares. Após demolição recente, o espaço foi leiloado e arrematado por rede hospitalar privada, assim, de certa forma, recuperando o seu uso original.
Mercado Distrital do Cruzeiro (Arq. Éolo Maia):
Geograficamente situado em condições similares ao Barroca, por um lado, com o morro do Cruzeiro impedindo o acesso e o forte aclive impedindo competir, do outro lado, com o comércio da Vitório Marçola, conseguiu, contudo, melhor sobrevida. Não como mercado, mas pelo sucesso do restaurante que o ocupou e ainda ocupa, sucesso creditado, inclusive, ao elevado nível socioeconômico daquela região.
E como o que é usado – até sapato – dura mais, é o que se encontra em melhores condições.
A Secretaria Municipal de Abastecimento, vendo-se desprovida de condições de competir com as redes de supermercados e “sacolões”, acabou por deixá-los de lado, naturalmente se decompondo.
Foram todos desaparecendo como os “armazéns” da minha infância e juventude. A maioria, de portugueses. O Armazém Colombo, por exemplo, na esquina de Paraiba com Cristóvão Colombo, atendeu a minha família até ser fechado. Era também meu banco 24 horas. Num aperto, era só assinar na “caderneta” e sair com dinheiro na mão. E entregavam as compras em casa e conheciam todos pelo nome e todos igualmente os conheciam e isso bastava como crédito.
Não sei se é saudosismo valorizar um tempo em que honestidade era valor.
Colaboração editorial: Luciana Jobim
Além da questão de respeito a este pequeno ‘oásis’ urbano e preservação do projeto do Éolo Maia para o Mercado do Cruzeiro, este ‘case’ apresenta várias outras facetas que a meu ver devem ser consideradas e que podem transformar esta polemica numa grande oportunidade de participação comunitária e revitalização deste significativo espaço público, tais como:
– considerar em qualquer que seja a decisão a capacidade limitada das vias locais não propondo atividades que aumentem o tráfego de veículos
– considerar a vocação boemia, gourmet e artística que o Mercado apresenta atualmente
– tentar resolver o problema de estacionamento gerado pelas atividades locais existentes
– considerar a proximidade do parque Amilcar Viana (parque/mirante da Caixa D’Água) que pode potencializar as qualidades ambientais e de laser do Mercado e entorno
– buscar soluções que tragam condições mercadologicas e de viabilização das revitalizações a serem implantadas
– considerar a presença da comunidade vizinha do ‘Pindura Saia’ e seu caráter tipológico espontâneo e diferenciado das construções na área
– ouvir e entender as demandas e participaçao de todos os agentes envolvidos tais como: comunidade de moradores locais através de sua associação a ‘Amoreiro’, a Universidade Fumec, os trabalhadores do mercado, os moradores do ‘Pindura Saia’, a PBH, o IAB MG e outros…
é isso, essa conversa é boa, um desafio…
abraços ao MDC
Joao Diniz
À redação do MDC,
O Departamento de Minas Gerais do Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB MG realizará a PREMIAÇÃO DE ARQUITETURA VIVA O MERCADO!, com o objetivo de oferecer, através da prática profissional dos Arquitetos, propostas de revitalização arquitetônicas do bem cultural que, em nível de meta-projeto, introduza propostas participativas de projeto para o atual Mercado Distrital do Cruzeiro.
Alegando estagnação do espaço ocupado pelo Mercado e manifestando interesse em fazer uma parceria público privada para resolver este problema, a Prefeitura de Belo Horizonte apresentou aos moradores de Belo Horizonte, um projeto de intervenção no espaço do atual Mercado Distrital do Cruzeiro que provocou imediata reação por parte da sociedade civil constituída, especialmente os moradores do bairro e ,os usuários do tradicional espaço de compras da cidade.
A AMOREIRO – Associação Comunitária dos Cidadãos do Cruzeiro e a ACOMEC – Associação dos Comerciantes do Mercado do Cruzeiro, procuraram o IAB-MG – Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de Minas Gerais e solicitaram uma parceria técnica da entidade para produção de um parecer crítico acerca de uma proposta de demolição do atual mercado e edificação de um novo projeto Arquitetônico para o espaço mencionado. Indo de encontro aos preceitos participativos da Constituição Federal de 1988, a Prefeitura de Belo Horizonte, em um primeiro momento, se mostrou irredutível às reações negativas ao projeto e frente aos constantes apelos da sociedade civil organizada, ante a solicitação de mudança do projeto proposto. Até ser retirado de pauta, o projeto constitui-se uma ameaça para a população local e seus impactos medidos são maiores do que os benefícios propalados pelo resultado da PMI-05/2010. Diante deste impasse,uma série de ações contrárias e de mobilização da sociedade civil foram organizadas e em toas elas, o que se evidenciou nas reivindicações ,foi o legítimo anseio de uma construção de uma proposta alternativa para o problema. A solução encontrada para balizar o impasse é aqui apresentada.
Cumprindo as diretrizes da sua constituição estatutária o IAB-MG, defendendo e valorizando o projeto como ferramenta de tomada de decisão, institui a premiação Viva o Mercado constitui-se em uma proposição alternativa de intervenção, demonstrando múltiplas soluções para um mesmo programa de necessidades, garantindo a legitimidade do questionamento comunitário ao projeto proposto.O IAB-MG se mantém solidário à causa dos moradores e convoca os Arquitetos interessados no tema a participarem do Movimento Viva o Mercado! Objetiva-se com isso, o ofertamento de soluções alternativas para a revitalização do Mercado Distrital do Cruzeiro, com respeito e atendimento ao programa de necessidades da Associação de Moradores do bairro e de Varejistas do Mercado, de acordo com o exposto neste edital.
A AMOREIRO, ACOMEC em parceria com o IAB-MG querem mostrar que ouvindo a comunidade, analisando-se os custos benefícios advindos dos desejos da sociedade civil organizada, é possível revitalizar sem demolir, propor e regular o uso e ocupação do solo urbano,mantendo o dialogo participativo.
De outra forma, o IAB-MG dá o seguinte recado: a forma mais participativa e democrática de realizar intervenções em espaços públicos, garantindo-se a eficácia e excelência destas intervenções faz-se através de Concursos Públicos de Projetos. Por outro lado, não existe projeto bem sucedido sem consulta direto ao Usuário. Ele usufrui do espaço,portanto ele é agente importante a ser ouvido na construção de uma política pública de apropriação de um espaço público desta natureza.
O Mercado é a Ágora, é o lugar do encontro e das manifestações do bairro. Para intervir em bens culturais e equipamentos desta natureza é necessário mais do que um processo licitatório comum, mais do que o atendimento correto dos instrumentos legais constituídos.
Por fim, sentindo a premente ameaça à descaracterização do Mercado Distrital do Cruzeiro, o IAB-MG resolveu solicitar preventivamente ao Conselho Municipal de Patrimônio, o seu tombamento. Esta, por sua vez, é a única forma encontrada,dentro das premissas aqui colocadas, de proteção e salvaguarda de um bem ameaçado pelo poder público, através do atual Projeto do Mercado.
Ao organizar a premiação Viva o Mercado! os resultados deste esforço projetual serão mostrados em um seminário a ser realizado no mercado Distrital do Cruzeiro, em evento intitulado Viva o Mercado: propostas para intervenção sustentáveis em espaços públicos como o Mercado Distrital do Cruzeiro.
Arquitetos mineiros, participem! Vamos nos organizar em prol de propostas participativas para o desenvolvimento sustentável de nossa Cidade.
CRONOGRAMA
Lançamento do Edital 03 de junho de 2011.
Inscrições 06/06 /2011 a 06/07/211 (haverá plantão no IAB para recepção de trabalhos)
Julgamento 07/07/2011 a 10/07/2011
Cerimônia de Premiação e Abertura da Exposição 16/07/2011 Mercado do Cruzeiro durante o Fórum Participativo Viva o mercado
12.6. 18/07/2011 – Entrega do relatório Final da Ação ao Prefeito de Belo Horizonte com a presença da imprensa e da Câmara de Vereadores de BH.
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