Renato Luiz Sobral Anelli
O desafio de escrever um livro abrangendo 50 anos de arquitetura no Brasil foi proposto a mim pelo professor Giovanni Leoni, curador da coleção Architettura Contemporanea da editora italiana Motta Architettura [1]. Até então as pesquisas desenvolvidas por mim se concentravam em recortes temáticos que passavam por trajetórias (como as de Rino Levi e Lina Bo Bardi) ou temas bem definidos, mas pouco explorados anteriormente, tais como arquitetura de cinemas, as relações entre as arquiteturas modernas brasileira e italiana e o papel das redes de infraestrutura nas concepções urbanísticas durante o regime militar. O convite de Leoni foi entendido como uma oportunidade para refletir sobre as novas possibilidades de interpretação da produção arquitetônica no Brasil, abertas pelas pesquisas históricas desenvolvidas nas últimas duas décadas por vários pesquisadores brasileiros e estrangeiros.
O formato pré-definido dos livros da coleção – introdução e seleção de 60 obras, apresentadas através de uma foto, um desenho e um texto analítico – condicionou o caráter e abrangência da linha de argumentação, conferindo uma grande responsabilidade na escolha das obras. A produção de um livro para público estrangeiro foi outro fator relevante, pois constitui uma forma de apresentação do país que exige cuidados específicos.
O recorte temporal de 1957 a 2007 foi a primeira decisão: iniciar com os projetos de Brasília, e não posteriores a ela, permitiu construir um painel daquilo que era contemporâneo à construção da nova capital. Assim, foi mostrado que várias das principais correntes que caracterizariam a produção brasileira nas décadas seguintes já estavam presentes no momento de afirmação da hegemonia moderna. Apesar de Brasília significar o ápice do projeto cultural iniciado com a Semana de Arte Moderna de 1922 e desenvolvido por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer na arquitetura, a produção brasileira que lhe era contemporânea não se esgotava nele, e tal diversidade teria grande projeção após 1960.
Datam de 1957 alguns projetos de qualidade excepcional: o Pavilhão de São Cristóvão de Sergio Bernardes, com sua estrutura de cabos tensionados, o Ginásio do Clube Paulistano de Paulo Mendes da Rocha e João De Gennaro, com a estrutura da cobertura apoiada nos vértices de pilares trapezoidais de concreto armado, a sede do MASP na Avenida Paulista (concluída apenas em 1968) com seu gigantesco vão e as fachadas transparentes. Três exemplos de novos caminhos que se abriam para a arquitetura brasileira no mesmo ano do concurso de Brasília.
A definição de “contemporâneo” adotada não pretende contrapô-lo a um “moderno” já esgotado ou ultrapassado. Por contemporâneo entende-se apenas um recorte temporal ao longo do qual se pode verificar construções, disputas, críticas, renovações entre várias posições definidas historicamente.
Nesse aspecto, o trabalho se difere de outros que têm objetivos semelhantes pelos problemas de método que enfrenta. A noção de trama historiográfica, desenvolvida por Paul Veyne em seu famoso livro de 1970, já foi utilizada por vários historiadores na revisão da historiografia da arquitetura moderna brasileira. Entre eles destaca-se o trabalho do professor Carlos Martins (1988), que apresentou a história da arquitetura brasileira como a construção de uma trama historiográfica iniciada por Lúcio Costa, aprimorada nos livros de Goodwin, Mindlin e Bruand e conduzida de modo a afirmar a hegemonia da produção derivada de suas próprias proposições. A revisão dessa historiografia, iniciada na década de 1980, teve diversos agentes, cada qual adotando métodos específicos. Em comum encontramos a ampliação do campo historiográfico em várias direções e a definição de encadeamentos formando novas tramas narrativas.
As diferenças dentro desse novo campo são tão evidentes que seria inadequado tratá-las como um bloco ou um movimento. Da crítica produzida nas revistas – incrivelmente férteis na década de 1980 – às pesquisas acadêmicas desenvolvidas nas universidades, realiza-se o “escrutínio” da arquitetura moderna brasileira, lúcida proposta de Carlos Comas em um momento em que o moderno se apresentava internacionalmente como já superado pelo pós-modernismo. A tensão entre moderno e pós-moderno é algo constitutivo do período e marca de modo indelével as posições teóricas tanto quanto a redemocratização do país e o esvaziamento do estado nacional nas décadas de 1980 e 1990.
A distância de mais de vinte anos do início da construção de uma nova história da arquitetura brasileira exigiu que ela fosse tratada no livro como um objeto constitutivo da arquitetura contemporânea no Brasil. Não são apresentadas apenas as obras selecionadas, procura-se discutir as tramas construídas nesse período que tornam tais exemplos relevantes até os nossos dias.
O cuidado tomado nesse exame foi o de evitar entender essa multiplicidade de posições como linhas construídas de modo independente ou arbitrário ao longo do tempo. Risco inerente ao próprio método da história constituída por tramas narrativas que se contrapôs aos grandes sistemas explicativos que fundamentavam a historiografia moderna até então hegemônica.
A opção foi procurar identificar como o campo disciplinar da arquitetura se transformou e se posicionou na dinâmica histórica do país ao longo desses 50 anos. Um período caracterizado por fortes marcas políticas, tais como uma ruptura institucional do regime democrático que perdurou por mais de 20 anos; a coincidência entre redemocratização e crise econômica que levou à desmontagem do estado nacional em um processo que combina o fortalecimento da sociedade civil com a emergência do neoliberalismo; e por fim um terceiro período, no qual ocorre a retomada do desenvolvimento do país após décadas de estagnação econômica. Esses três momentos não formam períodos estanques, mas se entrelaçam de modo articulado através de continuidades e transformações.
O primeiro período se inicia com o concurso de Brasília, momento de afirmação do moderno como parte constitutiva do desenvolvimentismo e segue até meados da década de 1970 quando o crescimento acelerado do país se encerrou. São analisadas tanto as rupturas produzidas pelo golpe militar, quanto as continuidades ocorridas devido ao caráter desenvolvimentista dos anos de ditadura.
A emergência das teorias do subdesenvolvimento e da dependência no final da década de 1950 redefiniu o projeto modernista iniciado em 1922. De uma posição de conquista da hegemonia da representação da identidade nacional, a cultura moderna se estendeu para o popular, buscando aí as possibilidades de ação política de transformação social.
Nos anos de Guerra Fria, uma nova posição arquitetônica de esquerda se afirmou a partir de São Paulo. Atuando no mesmo Partido Comunista Brasileiro que Niemeyer, Vilanova Artigas iniciou a década de 1950 criticando politicamente Le Corbusier e Walter Gropius. Na discussão sobre a obra de Niemeyer, Artigas defendia a retomada dos compromissos sociais iniciais das vanguardas modernas e se torna o líder de uma escola arquitetônica, cujos principais discípulos, Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes e Sergio Ferro, elaboraram diferentes caminhos para arquitetura contemporânea.
O aprofundamento dessa radicalização política do período pode ser acompanhada pelas trajetórias de Sergio Ferro e Lina Bo Bardi, que propõem um maior engajamento dos arquitetos na transformação social do país. Ferro o fez a partir do enfoque produtivo, utilizando-se dos métodos da economia política marxista. Lina Bo Bardi através da cultura popular e da atuação nos campos da arte, arquitetura e design.
O livro destaca ainda a contemporaneidade entre a construção de Brasília e o fenômeno de metropolização paulistana. Enquanto a região central consolidava seu caráter sofisticado de metrópole cosmopolita, a rápida expansão das áreas urbanizadas através de loteamentos precários para abrigar os imigrantes pobres, revelava a face perversa da industrialização brasileira. Evitou-se entender São Paulo dentro de uma perspectiva isolada do processo nacional, pois foi nesta cidade que se manifestaram por primeiro essas novas características do processo de industrialização do país – intenso crescimento demográfico para suprir a indústria com mão de obra de baixo custo abrigada pela produção informal da cidade. Um novo quadro urbano e social que motivou as diretrizes propostas pelos arquitetos para enfrentar o processo de urbanização acelerada, reunidas no Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana – planejamento urbano e industrialização da construção.
Entende-se que foi a pertinência dessas formulações que levaram à sua absorção pelo regime militar (apesar de destituídas dos instrumentos contrários aos princípios conservadores do regime) em instituições, como o BNH e o SERFHAU, abrindo espaço para a participação de um grande contingente de arquitetos na atuação do estado, mesmo após a repressão do golpe e do endurecimento do AI5. Tanto na introdução quanto na seleção de obras presentes no livro, são destacados os projetos inseridos na atuação dessas duas instituições: habitação social, pré-fabricação, infra-estrutura urbana são as áreas nas quais a arquitetura elabora proposições inovadoras ainda que distantes da demanda social do país.
Para a política habitacional foram selecionados três grandes conjuntos que apresentam diferentes concepções de processos construtivos e forma urbana. O Zezinho Magalhães em Guarulhos (Artigas com Paulo Mendes da Rocha e Fábio Penteado, 1967), com sua malha urbana geométrica e uma adaptação do princípio de unidade de vizinhança; o Padre Manoel da Nóbrega em Campinas (Joaquim Guedes, 1974), com os blocos agrupados de modo sinuoso formando espaços de vivência diferenciados; e o conjunto de Cafundá no Rio de Janeiro, nos quais os blocos articulados apresentam clara continuidade para configurar ruas externas arborizadas e dotadas de equipamentos de serviços (Sergio Magalhães e equipe, 1977). Uma seqüência que demonstra a progressiva assimilação de paradigmas urbanísticos disseminados pelo Team X em contraposição aos da Carta de Atenas.
Para o papel estratégico da infra-estrutura urbana, foram escolhidos projetos de reurbanização e equipamentos públicos associados à rede do Metrô de São Paulo, tais como o conjunto intermodal da Estação de Metrô Tietê (Marcelo Fragelli, 1968) e Rodoviária Tietê (Roberto Mac Fadden e Renato Viegas, 1982), o projeto de reurbanização junto à Estação Conceição (Emurb, Promon, Itaúplan, 1974-1986) e o Centro Cultural São Paulo na área de reurbanização da Estação São Joaquim do Metrô (Eurico Prado Lopes e Luis Telles, 1974-1977). Três grandes intervenções associadas ao sistema de transporte de massas que introduziram novas abordagens para a arquitetura brasileira, tornando-a mais complexa e urbana.
Nesse período é também analisada a escolha da arquitetura moderna pelos governos militares para a construção de seus principais edifícios representativos. A monumentalidade que caracterizou a arquitetura moderna brasileira desde a construção do Ministério da Educação e Saúde foi levada ao paroxismo, em especial nos anos do “milagre econômico”, produzindo uma desconfortável associação entre as formas modernas e o estado militar. Associação que pode ser um dos responsáveis pela força do anti-modernismo que aflorou durante os anos da redemocratização.
O conjunto de sedes da Petrobrás e BNDES construídos no começo da década de 1970 na Avenida Chile, no Rio de Janeiro são exemplares dos superlativos arquitetônicos associados ao regime militar.
O segundo período se inicia no final da década de 1970, com a eclosão dos movimentos sociais pela democracia e se encerra no começo da década de 1990, quando o primeiro presidente eleito diretamente passa a implantar o programa neoliberal. Identifica-se uma combinação entre dois pólos políticos na crítica ao estado nacional. Por um lado, os movimentos sociais constituíram um agente complexo, que envolveu variados esforços de constituição e fortalecimento da sociedade civil de modo independente ao estado autoritário. Por outro, a política liberal que se afirmava internacionalmente alterava as concepções do papel do estado na economia introduzidas no país após a Revolução de 1930. A peculiar combinação desses dois movimentos políticos levou ao esvaziamento do estado, fosse para o fortalecimento de modos de democracia direta e participativa, fosse para a redução de gastos públicos e na privatização da ação pública em vários setores estratégicos.
No livro são analisados três movimentos que no campo da arquitetura conduzem à revisão tanto da arquitetura moderna, quanto da relação entre arquitetura, estado e sociedade: experimentalismo, regionalismo e pós-modernismo.
Experimentalismo
Do caráter inovador e experimental de muitas produções desses anos, interessa-nos aquelas desenvolvidas para propiciar a aproximação entre a arquitetura e os movimentos sociais por moradia e serviços públicos, ocorrida nos anos finais do regime militar. Reuniu-se a concepção de estímulo à organização autônoma de segmentos sociais com as experimentações formais e construtivas realizadas por um amplo e heterogêneo conjunto de arquitetos – da contra-cultura hippie aos grupos de esquerda. Um conjunto que vai das proposições do Grupo Arquitetura Nova às Assessorias Técnicas a Movimentos Sociais, passando pelos Laboratórios de Habitação criados no ambiente acadêmico no começo da década de 1980. Pesquisavam-se as formas vernaculares de construção como fonte de inspirações para a criação de sistemas construtivos leves que pudessem facilitar a autoconstrução e auto-gestão dos movimentos sociais por moradia, Uma forma de atuação na qual se explicita e operacionaliza o caráter político da tecnologia. Surgem nesse momento novos modos de atuação profissional que sobreviveriam à institucionalização democrática, mesmo após o enfraquecimento do projeto político de autonomia social na década de 1990.
Regionalismo
A associação entre estado nacional e autoritarismo do período militar inverteu o significado da construção da identidade nacional moderna. De uma cultura nacional que incorporava na sua construção diversas especificidades da cultura popular, partiu-se para a valorização das diferenças identificadas nas diversas regiões com o objetivo de fragmentação da unidade cultural nacional moderna, construída desde a década de 1930. Um entendimento que certamente condicionou a recepção local dos conceitos de regionalismo crítico. Baseado nesse entendimento do regionalismo surgido na década de 1980, o livro procura entender como um conjunto de produções arquitetônicas emergidas ainda no processo de difusão da arquitetura moderna para localidades distantes do Rio de Janeiro passou a ser identificado como raiz de identidades regionais difusas pelo país.
Foram selecionadas uma seqüência de obras que abrangem essa transformação no sentido da produção fora dos grandes centros. Em Recife os edifícios Santo Antônio (Acácio Gil Borsói, 1960) e Barão do Rio Branco (Delfim Amorim e Heitor Maia Neto, 1965) não apresentam nenhuma inflexão regional além dos dispositivos de adequação ao clima. Em Porto Alegre o Edifício FAM (Carlos Fayet, Cláudio Araújo e Moacyr Moojen Marques, 1964) incorpora as varandas e sombreamentos de modo rigorosamente abstrato. A sede da CHESF em Salvador (Francisco Assis Reis, 1976) realiza um micro-clima sombreado incorporando mais as concepções de planta e de construção em alvenaria portante de Louis Kahn do que as especificidades da cultura local. Apesar de toda evocação discursiva às especificidades locais, apenas com a recepção brasileira do regionalismo crítico no começo da década de 1980 que a obra de Severiano Mario Porto na Amazônia assumiria o caráter emblemático desse novo regionalismo no Brasil (Pousada na Ilha de Silves, 1979).
Pós-modernismo
Entre as várias concepções abrigadas sob o rótulo de pós-moderno, duas encontraram terreno fértil na situação brasileira da década de 1980.A obra do trio mineiro Maia, Vasconcelos e Podestá apontava a cultura midiática de massas como fonte de uma arquitetura pop carregada de ironia, dando novas feições ao popular. Nada representa melhor o grau provocativo dessa ironia do que a “Rainha da Sucata” na Praça da Liberdade em Belo Horizonte (Éolo Maia e Sylvio Podestá, 1984).Em outro extremo, a retomada historicista dos procedimentos disciplinares acadêmicos manifestava-se em vários concursos de projeto, associados a novos instrumentos de análise e proposição da forma urbana. O projeto do SESC em Nova Iguaçu (Bruno Padovano e Hector Vigliecca, 1985) demonstrava as tensões entre essa retomada dos modelos urbanos do século XIX com a realidade das periferias precárias brasileiras.
Enquanto a primeira abordagem se esgotou poucos anos após o impacto da provocação inicial, o apelo urbanístico da segunda sobreviveu na contraposição do urban design ao planejamento urbano, enfraquecido também politicamente durante a redemocratização do país.
Em meio ao enfrentamento entre os propositores dessas novas posições e os arquitetos de orientação moderna que ocupavam então as principais instituições profissionais, o desenvolvimento do sistema de pesquisa e pós-graduação na área de arquitetura e urbanismo tornou-se um pólo catalisador de reflexões de maior fôlego que pretendessem ultrapassar os limites da crítica nas revistas. No livro é apontado o papel de um conjunto de professores que ao propor o estudo da arquitetura moderna brasileira como fenômeno histórico, cria novas condições de interpretação da obra de seus principais expoentes.
O acompanhamento da recepção e crítica de três obras de Oscar Niemeyer (Parque Tietê – 1986, Memorial da America Latina – 1988 e MAC Niterói – 1992) e uma de Paulo Mendes da Rocha (MUBE, 1986), todas projetadas após a metade da década de 1980, conduz a análise das inflexões e renovações que abrem uma nova fase para a arquitetura moderna no Brasil nas décadas seguintes.
O terceiro período inicia-se com as transformações nas atividades do estado na promoção do planejamento urbano e desenvolvimento nacional a partir de 1990, enfatizando suas implicações para a dinâmica urbana e social brasileira, e encerra-se na data de produção do livro, quando os sinais de uma retomada do desenvolvimento do país se tornavam evidentes.
O primeiro aspecto apontado nesse período é o descolamento do movimento de renovação da arquitetura moderna das posições políticas e ideológicas que caracterizaram o seu desenvolvimento no passado: a construção da identidade nacional e a ação de planejamento centralizado no estado.
A ausência de uma política urbana nacional fica expressa no descompasso entre a apresentação da emenda popular de reforma urbana à Assembléia Constituinte de 1988 e a promulgação do Estatuto da Cidade em 2001. Nesse intervalo, a ação de planejamento ficou restrita às iniciativas municipais, acentuando a fragmentação da política urbana brasileira. Apenas em 2003 criou-se uma estrutura federal para isso, o Ministério das Cidades.
O agravamento dos conflitos urbanos acompanhou a rápida extensão das periferias pobres e a criação de condomínios fechados de alta renda, ambos expandindo as cidades para vastas áreas rurais ou naturais e esvaziando os centros urbanos tradicionais. A cidade esteve fora da possibilidade de ação dos arquitetos, apesar da grande produção teórica sobre ela. Com poucas exceções, enfraqueceu-se o vínculo entre arquitetura e urbanismo que caracterizou a produção brasileira nos anos anteriores. As obras escolhidas para representar esse período no livro fazem parte desse processo. Casas com projetos inovadores situadas em condomínios fechados ou bairros de elite são contrapostas a equipamentos e conjuntos de habitação social nas periferias, compondo as duas principais faces da arquitetura e do urbanismo brasileiro no período.
O livro apresenta várias casas de alta qualidade formal, como as de Marcos Acayaba em Tijucopava (1996) e a residência Mariante em Aldeia da Serra (MMBB, 2001) nas quais as qualidades modernas da transparência e continuidade espacial se realizam em condomínios fechados, distantes tanto das condições urbanas, quanto das naturais. Para os equipamentos sociais foram escolhidos, entre outros, os Centros Educacionais Unificados – CEU (Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza, 2002), impressionante rede de centros de catalisação social nas periferias de São Paulo.
Como toda história recente (ou imediata), o período carece de sedimentação analítica para o lançamento de hipóteses explicativas mais aprofundadas. Por isso optou-se por uma finalização através da seleção de algumas obras que apontam novas perspectivas em três temas considerados como desafios para o futuro da arquitetura: o enfrentamento da condição metropolitana, a sustentabilidade ambiental, e a substituição da cultura popular pela cultura de massas.
A estrutura narrativa aqui apresentada constitui um sistema de balizas que conduz o texto introdutório e as apresentações da seleção de obras do livro “Architettura Contemporanea: Brasile”. Apesar de se pensar a história da arquitetura como parte da história social, evita-se o risco de entendê-la como mera ilustração dos acontecimentos. Pelo contrário, procurou-se identificar os momentos nos quais projetos, obras, propostas e escritos foram agentes ativos do desenvolvimento do país. Momentos que contrastam com aqueles nos quais as condições de produção da arquitetura se alteraram devido a processos nos quais ela teve pouca participação.
O formato da coleção, onde as obras são apresentadas por uma foto de página inteira, um desenho e um texto analítico, acentua um modo de entender a história da arquitetura através de sua produção projetual. O estudo dessa produção trouxe subsídios para a construção das narrativas que conduzem o livro, mas foi a coerência destas que dirigiu a seleção final das obras. As fortes imagens dos projetos escolhidos constroem um mosaico articulado por seqüências e encadeamentos explicitados nos texto, mas passíveis de serem identificados com a simples observação atenta dessas peças gráficas.
Por último é importante destacar que o volume do Brasil está inserido em um lugar especial dentro da coleção Architettura Contemporanea, da qual já foram publicados outros sete volumes na Itália. Entre os volumes espanhol, suíço, holandês, norte-americano e japonês, talvez seja ao lado do livro dedicado à Índia [2] que ele melhor se situe. Em ambos, os autores optaram por apresentar a arquitetura em consonância com os ricos processos históricos que os dois países passaram para a sua construção como nações modernas. Comparações somente possíveis graças ao formato leve da coleção, essa sim capaz de formar um amplo panorama da arquitetura contemporânea internacional.
notas
[1] A coleção Architettura Contemporanea é editada pela 24 Ore Motta Editora, de Milão desde 2007. A partir de 2009 a coleção está sendo publicada na França pela editora Actes Sud.
[2] RÖSSL, Stefania. Architettura Contemporanea : India. Milano : Motta Architettura, 2009.
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Referência do livro:
Em italiano:
Anelli, Renato. Architettura Contemporanea : Brasile. Milano : Motta Architettura, 2008. 144p.
Em francês:
Anelli, Renato. Architectures Contemporaines : Brésil. Trad. Christine Piot. Arles : Actes Sud, 2009. 144p.
Renato Luiz Sobral Anelli
Arquiteto (FAU PUCCAMP, 1982), Mestre em História (IFCH UNICAMP, 1990), Doutor (FAU USP, 1995), Livre-Docente (EESC USP, 2001). Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, Universidade de São Paulo.
Colaboração editorial: Luciana Jobim