A Casa Fuke nasceu de uma idéia de abrigo, como uma grande cobertura acolhendo uma casa e dois ateliers dos artistas Mauro Fuke e Lia Menna Barreto, que escolheram viver longe da cidade. Localizada em campo aberto, condicionada pelos poucos recursos financeiros e pela construção em etapas, o mais importante, em primeiro lugar, era garantir sombra e proteção contra as chuvas. A subdivisão funcional seria realizada aos poucos e a obra tocada pelo proprietário. O diferencial deste projeto era que o cliente sendo um escultor que projeta suas obras em 3D, tinha completo domínio do que estava sendo projetado. Era ele quem montava os renders do projeto a partir dos planos elaborados em cad.
A cobertura composta de arcos treliçados e telha metálica, comuns aos galpões industriais, foi uma solução rápida e econômica, lembrada a partir de uma experiência bem sucedida de reaproveitamento de um estábulo para uma casa. O desfrute de uma área seca maior que a projeção da casa é muito bom para quem mora no campo e tem que enfrentar um inverno frio e chuvoso como o do sul do Brasil. Esta grande nave, de 10 metros de diâmetro por 46 de comprimento, abriga uma construção linear: um arrimo de pedra grês a cada 4 metros sustenta lajes de forro pré-fabricadas. Os fechamentos, do lado norte, são esquadrias que aproveitam todo o sol bom e, do sul, paredes armário sintonizadas com o modo de viver japonês dos donos da casa.
A simplicidade da solução resultou em grande complexidade de desenho. A idéia, apesar de poder ser explicada com um único corte transversal, teve uma aplicação prática bastante complexa quando transposta para um terreno com forte declive coincidente com a orientação leste-oeste. O melhor aproveitamento do sol praticamente obrigava a alinhar a casa junto à divisa sul. O problema foi resolvido com a subdivisão da nave, desnivelando-a de tanto em tanto de acordo com o programa: casa, atelier 1 e atelier 2. O partido, quase banal, ganhou riqueza espacial e complexidade. Os arrimos divisores se tornavam paredes de fechamento dos oitões e, logo, também podiam substituir parte dos arcos. Entre a casa e o primeiro atelier, a garagem é localizada como um interstício. É o único trecho entre dois arrimos que não tem arco. Os desníveis fizeram surgir diferentes encontros da cobertura curva com os planos horizontais e verticais, gerando problemas arquitetônicos importantes. O corte da idéia original se transformou em 6 cortes diferentes! O exercício de projeto talvez tenha sido o de descobrir os limites da transgressão de uma regra sem feri-la mortalmente.
[texto fornecido pelos autores do projeto]
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Casa Fukepor Edson Mahfuz “Só em épocas de confusão floresce o comentário”. Em um breve texto sobre algumas casas do arquiteto Berthold Lubetkin, Helio Piñón chamava a atenção para dois fatos que tem a ver com a atividade a que me dedico neste momento. Por um lado, recordava que as revistas dos anos cinquenta apresentavam os projetos acompanhados de memórias curtas que apenas tratavam dos seus aspectos construtivos mais evidentes. A parte gráfica consistia em desenhos impessoais e fotos que recriavam os valores formais daquelas arquiteturas. Ninguém estranhava o procedimento, e o estudo demorado daqueles desenhos e fotos foi o modo principal de disseminação da arquitetura moderna em várias partes do mundo. Por outro lado, como bem assinala Piñón, com os anos setenta “chegou a inflação do comentário”, consequência da perda da capacidade cognoscitiva que era característica da modernidade. O juízo estético foi substituído por uma enxurrada de considerações de cunho ideológico e moral; a crítica “abandonou o domínio da forma como âmbito específico da sua ação para se envolver com o comentário simbólico de realidades transcendentes”. Com isso, a publicação de projetos e obras construídas passou a ser acompanhada de longos e densos textos que nos informavam da sua importância e dirigiam a nossa percepção. Eu não gostaria, nesta breve intervenção, nem de confundir o leitor com a apresentação de alguma teoria estapafúrdia que utilise o trabalho de Flávio Kiefer como pretexto para me pavonear, nem muito menos subestimar a inteligência do leitor descrevendo e explicando aquilo que é evidente e pode ser percebido por qualquer arquiteto ou estudante de arquitetura medianamente inteligente que se dedique a examinar os desenhos e fotos que acompanham este texto. O motivo primordial para se estudar uma obra arquitetônica é aprender com ela, um aprendizado que só é real e profícuo se for caracterizado pela extração de critérios gerais de projeto, e pelo desenvolvimento da capacidade de extrapolá-los a outros casos. Nem todos os projetos ensejam esse aprendizado. Alguns já vem viciados da origem, em geral projetos que se apoiaram na aparência de algum precedente, ao invés de tomar a sua substância como ponto de partida, deixando de lado os aspectos específicos do problema arquitetônico que deveriam resolver. O projeto aqui apresentado, a casa/ateliê de dois artistas plásticos de Porto Alegre, de autoria de Flávio Kiefer, oferece ampla oportunidade para reflexão e aprendizado. Sua essência pode ser resumida dizendo que é uma série de muros paralelos de gres, com os espaços entre eles cobertos por coberturas metálicas curvas. A própria possibilidade de ser descrito em meia dúzia de palavras já o credencia a uma maior atenção: a identidade formal é uma característica da boa arquitetura. Essa identidade formal tão clara é condição da universalidade da proposta: qualquer pessoa dotada de capacidade de observação pode entender a estrutura formal desta casa sem maiores dificuldades. A estratégia formal básica é desenvolvida em uma série de naves de distinta largura: 4m na parte residencial, 10m nos ateliês, com uma faixa de transição de 6m entre os dois setores. Há variações também no comprimento dos muros de gres, mais curtos na parte residencial, e na relação entre a cobertura e os muros: na maioria das vezes a curva está contida entre os planos paralelos, mas também sobressai em relação a eles em pelo menos um caso. Uma das vantagens da estrutura formal empregada é que a disposição dos planos de gres paralelamente às curvas de nível permite fácil acomodação ao terreno: a cobertura abriga espaços de altura diferente sem ter que ser elevada. Talvez a característica da Casa Fuke que mais agrade àqueles já cansados de tanto historicismo e experimentação com o dinheiro e a vida alheios seja a total ausência de sentimentalismo no seu projeto. Não há qualquer referência a precedentes históricos estrangeiros nem à obviedade da casa tradicional de campo gaúcha. Só isso já seria louvável, conferindo a esse trabalho uma autenticidade que não é moeda corrente nos dias de hoje. A sensação de aconchego que normalmente se espera de uma casa é obtida pelo emprego de um material com grande qualidade tátil, a pedra de gres, pela presença de vegetação abundante –a qual suaviza a cobertura metálica de origem industrial– pelos objetos e mobiliários escolhidos pelos habitantes , sem qualquer concessão aos hábitos nostálgicos que costumam tornar interiores domésticos em cenários pouco confortáveis. A isso se soma a possibilidade de longas vistas desde o piso superior, resultando numa complexidade notável para uma casa baseada em um estrutura formal tão elementar. Uma qualidade desta casa me parece muito relevante: sua estrutura formal, tomada como um critério genérico de projeto, pode ser extrapolada a muitas outras situações projetuais. Assim, é possível imaginar outras estruturas em que, por exemplo, os muros ganham espessura e abrigam espaços secundários, servindo de apoio aos espaços principais entre eles. Este mesmo esquema pode ser usado em soluções com maior número de pavimentos. Outras das muitas extrapolações possíveis envolveriam o uso de diferentes formas de cobertura. Planos horizontais como cobertura seriam uma alternativa óbvia, abóbadas apoiadas nos muros de gres outra opção muito comum nos anos 60 e 70. Portanto, estamos diante de uma obra com muitas qualidades. Algumas diretas e palpáveis, inerentes ao próprio objeto, outras apenas latentes, mas igualmente importantes, como a possibilidade de se imaginar muitos outros edifícios derivados da sua estrutura formal. É desse modo silencioso e indireto que a boa arquitetura vai gerando seus frutos. Junho 2005 |
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projeto executivo
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1.34Mb . 6 pranchas
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galeria
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Local: Eldorado – RS Ano do projeto: 2002/2003 Área do terreno: 1.800m² Área Construída: 472m² Arquitetura: Arq. Flávio Kiefer Colaboração: Arq. Marcelo Kiefer Estruturas: RKS-Engenharia de Estruturas- Eng° João Kerber Instalações Elétricas e Hidráulicas: Arcilda Zimmerman Paisagismo: Maria José Mascarenhas Arborização: Henrique Ritter Construção: Juarez Govoni Collovini Fotos: Fábio Del Re Publicações: Revista Au n° 136, julho de 2005. Caderno Casa&Cia n° 336, Jornal Zero Hora – Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2005. Arqtexto, Revista Eletrônica de Arquitetura, texto especial 343, dez 2005. Portal Vitruvius. Website/contato: |
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Colaboração editorial: Luciana Jobim e Danilo Matoso