Devo, não nego

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Nonato Veloso

Auditório do Colégio Estadual Central, Oscar Niemeyer, Belo Horizonte, 1954. Foto: Danilo Matoso Macedo

Estudar em escolas públicas, por si só, já é bastante confortável, principalmente quando tem boa arquitetura.

Aconteceu comigo, em diversas ocasiões, ou melhor, em todas elas, já que frequentei o Jardim de Infância Bueno Brandão, em Belo Horizonte, um belo edifício Art Nouveau, importado, pré fabricado e já desmontado, para a tristeza daquelas crianças que ali brincaram. Não paguei por isso. Em seguida, cursei o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, com seus espaços generosos, neoclássico, mas as melhores lembranças vem do Colégio Estadual de Minas Gerais, também público, projeto de Oscar Niemeyer de 1953/54, onde passei dos onze aos dezoito anos. Por ali passaram estudantes que depois iriam se destacar seja como vereadores, deputados, prefeito, intelectuais, artistas e empresários de sucesso, além da própria Presidente Dilma. Era o tempo do “Henfil” e do “Irmão do Henfil”, que estudaram ali no mesmo período.

Me recordo com muita nitidez daquele tempo, mas principalmente das belas proporções daqueles espaços, do pilotis, da rampa e do auditório “mata-borrão”. O edifício era muito visitado, inclusive por delegações estrangeiras, querendo conhecer alguma coisa da obra do arquiteto que já despertava a curiosidade internacional. Também não paguei mensalidades, e devo este período. Cursei arquitetura na UFMG, federal, portanto e, igualmente, saí sem pagar.

Em seguida, me deixaram lecionar na UnB, habitar por vinte anos o edifício do IdA – Instituto de Artes, Oscar Niemeyer, um exemplo de como um espaço pode ser altamente qualificado dentro de extrema simplicidade, concebido e executado com poucos elementos pré fabricados, permeado por belos jardins, vidros protegidos por beirais, tudo isso dentro de um espaço murado, intimista, nos moldes do atual CEPLAN, da mesma época. Continuo até hoje habitando o ICC, com suas proporções delicadas, seu pés direitos e jardins capazes de transmitir a tranquilidade que parece deixar em seus vazios, os espaços a serem preenchidos com ideias, e não com luxos e supérfluos. De novo, Oscar. Oscar e Lelé juntos.

Nestes casos, a dívida é ainda maior. Além de não pagar, me pagam pra isso…

Depois vem a cidade. Aí a coisa fica bem mais difícil. Circular livremente pela cidade de Lucio e Oscar, me deixa meio sem graça, com aquela sensação de estar furando fila, sei lá. Ver os palácios inéditos que eternizaram a arquitetura brasileira, a esplanada a partir da plataforma da rodoviária, a maior aula de perspectiva de todos os tempos, milimetricamente pensada, no risco e na prancheta, sem Photoshop nem maquete eletrônica, ao vivo e a cores, já é demais, a cidade vira escola, e aí,… não posso pagar. Me desculpem os contribuintes.

Brasília, 7 de dezembro de 2012


Nonato Veloso
Arquiteto e Professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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1 respostas para Devo, não nego

  1. manoel balbino disse:

    Que texto maravilhoso! Ficamos te devendo essa, Nonato
    Manoel Balbino

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