Sylvia Ficher
Niemeyer, eis um arquiteto cuja obra e influência se estende de um século a outro. Em termos quantitativos, difícil encontrar outro com mais projetos executados em toda a história. Em termos de metros quadrados construídos, a sua obra é incomensurável. Em termos temporais, é ele quem – na companhia de alguns poucos – determinou a arquitetura mundial nos últimos setenta anos.
A criatividade demonstrada desde o início da carreira, no Ministério da Educação (1936), seguiria em um crescendo, passando pela Pampulha, até as realizações para a Brasília dos primeiros anos. Do Palácio da Alvorada (1956) ao Instituto Central de Ciências da UnB (1962), Niemeyer está no auge da sua inventiva – para a sorte da jovem cidade.
Mesmo assim, apesar de todo o renome e do forte impacto de seu estilo formalista, Niemeyer tem sido injustiçado quando se trata de reconhecer a sua ascendência sobre outros profissionais mundo afora. E no entanto, já nos anos quarenta o seu escritório havia se tornado local de peregrinação. Por lá passavam profissionais de destaque em seus países, como Norman Eaton, autor do Ministério de Transportes da África do Sul (1944), descrito como “o primeiro edifício público de orientação moderna na África do Sul e também o primeiro que foi diretamente influenciado pela nova arquitetura brasileira, devendo muito ao Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro.”
Em 1948 foi a vez de Helmut Stauch, quem “…viajou ao Rio de Janeiro com a principal intenção de conhecer Oscar Niemeyer e ver o seu trabalho… Quando pouco depois, foi encarregado do projeto da sede do Meat Board, em Pretória, a influência de Niemeyer ficou clara.”[1]
O vienense Harry Seidler lá estagiou também em 1948, mudando-se em seguida para Sydney, onde iria se tornar um dos mais prestigiados profissionais da Austrália. Em suas próprias palavras: “Primeiro, e antes de mais nada, deve vir o meu reconhecimento pela inspiração e orientação que recebi na minha juventude de meus mentores Walter Gropius, Marcel Breuer, Josef Albers e Oscar Niemeyer. Eles me deram a fundação sobre a qual desenvolvi meus trabalho ao longo dos anos.”[2]
Dos Estados Unidos, veio Morris Lapidus. Conforme relatou: “Eu fui ao Brasil em 1949 e, claro, o homem que eu tinha que ver era Oscar Niemeyer, porque ele era um homem que estava fazendo as coisas do jeito que eu pensava que elas deveriam ser feitas… E tenho certeza de que sua influência muito forte está lá no Fontainebleau.”[3]. Atenção, trata-se do célebre Hotel Fontainebleau de Miami, concebido três anos depois.
A digital de Niemeyer está impressa até em obras icônicas de Nova York, como o Edifício Lever (1951). Primeiro arranha-céu da cidade a ter uma fachada toda de vidro, “este esplêndido projeto dos arquitetos da Skidmore, Owens e Merrill… foi pioneiro na forma dos edifícios de escritórios comerciais… Um volume simples vertical, com aproximadamente a mesma forma do Ministério da Educação no Rio.”[4]. Sempre em Nova York, veja-se o não menos icônico Lincoln Center (1959-78), de Wallace Harrison. Nada surpreendente a clara referência a Brasília, uma vez que Harrison conhecia sua obra de longa data, tendo sido o responsável pela finalização do projeto das Nações Unidas (1947-53), em cuja concepção Niemeyer teve papel de relevo.
Para lembrar um arquiteto português, considere-se Pancho Guedes, quem desenvolveu uma obra originalíssima em Moçambique. Sobre suas preferências: “…Apesar de admirar o compromisso de Le Corbusier com a pintura e as formas de seus edifícios, ele não se sentia atraído pela estética da máquina do estilo internacional… Seu temperamento latino respondia mais às formas esculturais e expressivas mais livres dos arquitetos brasileiros como Alfonso Reidy e Oscar Niemeyer…”.[5]
Sem falar na releitura de soluções inequivocamente de Niemeyer por seu próprio mestre Le Corbusier. Assim como Niemeyer costumeiramente “niemeyerizava” Corbusier, este também “corbusierizou” Niemeyer. Esta via de mão dupla se estabelece já na Unidade de Habitação de Marselha (1945), alcançando a Maison de la Culture de Firminy (1956) e o Pavilhão da Philips na Exposição Internacional de Bruxelas (1958).
Arrolando nomes, chega-se até o star system dos dias de hoje. Nele, Niemeyer não só preservou sua liderança, como tem seguidores de peso. Zaha Hadid, Frank Gerhy, Santiago Calatrava, Arata Isozaki, Coop Himmelblau, David Libeskind, todos compartilham do seu formalismo, têm todos um débito estético para com ele.
Bernini ditou o estilo da Roma barroca, deixando sua marca na cidade eterna. Niemeyer não apenas ditou o estilo de Brasília, como dita aquele de seu tempo em todo o mundo.
Texto publicado originalmente na edição de 7 de dezembro de 2012 do Correio Braziliense.
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notas
[3] J. W. Cook e H. Klotz, Conversations with architects, 1973
[4] P. Johnson-Marshall, Rebuilding cities, 1966
Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br
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Colaboração editorial: Luciana Jobim
Parabéns pelo texto Sylvia! Na medida certa.
goxtei muito deste trabalho,me ajudou a melhorar o meu trabalho de historia