Homenagem a Oscar : uma montagem Niemeyer

serie-oscar

Raymund Ryan

Alguns anos atrás, o atrevido artista galês Cerith Wyn Evans fotografou o interior da Catedral Metropolitana projetada por Oscar Niemeyer para a área central de Brasília. Nessas imagens, um vazio em forma de vórtice é inundado de cor e luz; anjos esculpidos por Alfredo Ceschiatti parecem voar na rede modernista de concreto e vidro de Niemeyer. Ou estaria a estrutura iluminada de Niemeyer de fato girando sobre as figuras que pairavam, congeladas momentaneamente no espaço e no tempo? Na minha experiência, os melhores projetos de Niemeyer instigam tais pensamentos sobre movimento, exploração, dança. Cinestesia concreta.

 Brasilia 01.09.04

Cerith Wyn Evans
Brasilia 01.09.04
2006
C-print
Paper size: 25.4 x 30.5 cm
© Cerith Wyn Evans
Courtesy White Cube

Na mesma época, tive a oportunidade de visitar Brasília. Vim da Irlanda para apresentar uma conferência sobre a arquitetura contemporânea irlandesa, um tema de certo modo irônico já que diversos dos edifícios irlandeses caberiam integralmente no interior dos espaçosos saguões dos projetos autorais de Niemeyer. Eu nunca tinha visto um edifício de Niemeyer “em carne e osso” e tinha minhas dúvidas sobre as realizações do mestre. Essa reação, a um só tempo emocionada e cética, é evidente em um .

Contatos posteriores com o trabalho de Niemeyer me atraiam para suas qualidades. Aos (1959), encontramos o Ministério da Educação e Saúde Pública, projetado por uma equipe que incluía Le Corbusier e um jovem Oscar. A câmera registrou a chegada de Eurydice, interpretada pela atriz nascida em Pittsburgh Marpessa Dawn, e seu percurso através do centro do Rio. Repentinamente vemos a silhueta da laje retilínea do Ministério contra o céu azul. A câmera move-se para os heróicos pilotis onde Eurydice, com seu vestido branco virginal, serpenteia através da ensolarada praça modernista e seu paisagismo por Roberto Burle Marx.

Recentemente, viajei de Pittsburgh, onde hoje trabalho, para Belo Horizonte. Lá vi obras  impressionantes de Niemeyer dos anos 50. O destaque foi um passeio pelos quatro pavilhões edificados por Niemeyer ao redor da Lagoa da Pampulha, edifícios sociais com deliciosas formas esculturais e uma continuidade espacial entre interiores e o mundo exterior da natureza. Fotografias de Luisa Lambri revelam a intimidade dos pavilhões de Pampulha; dificilmente alguém não se entusiasma com o puro deleite que esses pequenos edifícios oferecem. Várias das imagens de Lambri foram exibidas aqui no Carnegie Museum of Art em 2006, apresentadas sob a instalação de Ernesto Neto  Okitimanaia Ogu – um grande brasileiro junto a outro.

Untitled (Casino, #09),  2003

Luisa Lambri
Untitled (Casino, #09),  2003
Lasrechrome print mounted on Plexi
Edition of 5 + 1 AP
unframed: 110.5 x 132.7 x 0 cm
Courtesy of the Artist and Marc Foxx, Los Angeles

 

Os Estados Unidos e Niemeyer tiveram um relacionamento tortuoso. Ele e Lucio Costa, é claro, realizaram o pavilhão temporário para o Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque em 1939. Tendo o visto recusado por motivos políticos, Niemeyer nunca viu a casa que ele projetou no início dos anos 60 para o cineasta Joseph Strick em Santa Monica; felizmente, a propriedade foi meticulosamente restaurada por Michael e Gabrielle Boyd. É o trabalho de Niemeyer no projeto da Sede das Nações Unidas em Nova Iorque que lhe assegura um legado norte-americano. Os visitantes hoje podem apreciar uma evocativa vista do complexo das Nações Unidas desde o FDR – – inaugurado no último mês de outubro a partir de desenho de um dos mais importantes arquitetos contemporâneos de Niemeyer, Louis I. Kahn.

Visitando-se o e buscando-se “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat”, encontra-se uma propriedade longilínea com duas piscinas e diversas estruturas alongadas para sul para mirar para o Mediterrâneo. Esse paraíso projetado para a família de editores Mondadori é praticamente invisível desde a rua. Na última primavera meu avião para Nice sobrevoou o lugar de modo que parecíamos flutuar, momentaneamente, sobre a piscina biomórfica à beira-mar. Eu me lembrei da visita à casa de Niemeyer em Canoas com sua rocha aparente, sua delgada laje de cobertura e sua sedutora piscina; tão sedutora de fato que fiquei tentado a me despir e mergulhar.

O legado ou desafio de Oscar Niemeyer aos arquitetos reside em como lidar com o planejamento crítico e o projeto de edifícios, tanto em termos sociais e técnicos, sem se esquecer de buscar o prazer na vida.


Raymund Ryan é curador do Heinz Architectural Center Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
Sua exposição atual é White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


_

Homage to Oscar : a Niemeyer Montage

A few years back, the cheeky Welsh artist Cerith Wyn Evans photographed the interior of the Metropolitan Cathedral designed by Oscar Niemeyer for the centre of Brasilia. In these images, a vortex-like void is infused with colour and light; angels sculpted by Alfredo Ceschiatti appear to fly in Niemeyer’s modernist net of concrete and glass. Or could it be that Niemeyer’s flared structure is in fact rotating about the levitating figures frozen momentarily in space and time? In my experience, Niemeyer’s best projects instigate such thoughts of movement, exploration, dance. Concrete kinaesthesia.

Around the same time, I had the opportunity to visit Brasilia. I made my way from Ireland to give a talk about contemporary Irish architecture, a topic not without irony as many of the Irish buildings would fit in toto within the spacious foyers of Niemeyer’s signature projects. I had never seen a Niemeyer building “in the flesh” and had mixed feelings about the master’s achievements. This reaction, being simultaneously thrilled and sceptical, is evident in .

 Subsequent exposure swayed me to the merits of Niemeyer’s work. Orfeu Negro (1959), we find the Ministry of Education and Health, designed by a team including Le Corbusier and a young Oscar. The camera has tracked the arrival of Eurydice, played by Pittsburgh-born Marpessa Dawn, and her tentative progress through downtown Rio. Suddenly we see the taut slab of the Ministry silhouetted against a blue sky. The camera pans down to heroic pilotis as Eurydice, in her virginal white dress, sashays across the sunny modernist plaza with its landscaping by Roberto Burle Marx.

More recently I flew from Pittsburgh, where I now work, to Belo Horizonte and saw impressive interventions there by Niemeyer from the 1950s. The highlight was a tour of four pavilions erected by Niemeyer around the lake at Pampulha, social buildings with delicious sculptural form and flow of space between indoors and the external world of nature. Photographs by Luisa Lambri reveal the intimacy of the Pampulha pavilions; one cannot but be enthused by the sheer joy of these smaller projects. Several Lambri prints were exhibited here at the Carnegie Museum of Art in 2006, arranged beneath Ernesto Neto’s installation Okitimanaia Ogu – one great Brazilian hanging with another.

The United States and Niemeyer had a rather tortuous relationship. He and Lucio Costa realised of course the temporary pavilion for Brazil at the New York World’s Fair in 1939. Refused visas on political grounds, Niemeyer never saw the home he designed in the early 1960s for filmmaker Joseph Strick in Santa Monica; happily, that property has been meticulously restored by Michael and Gabrielle Boyd. It is Niemeyer’s role in designing the United Nations in Manhattan that ensures him a US legacy. Visitors now enjoy an evocative view of the UN complex from the FDR inaugurated this October to designs by one of Niemeyer’s greatest contemporaries, Louis I. Kahn.

 If you go to and search for “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat”, you’ll find an elongated property with two swimming pools and several structures stretching south to overlook the Mediterranean. This paradise designed for the Mondadori publishing family is almost illegible from the road. Last spring my plane into Nice banked above the site so that we seemed to hover, momentarily, above the biomorphic sea-side pool. I was reminded of my visit to Niemeyer’s home at Canoas with its exposed rock, wafer-thin canopy roof, and enticing pool; so enticing in fact I was tempted to strip and plunge right in.

 Oscar Niemeyer’s legacy or challenge to architects is to grapple with critical planning and construction projects, in both social and technical terms, without forgetting to take pleasure in life.


Raymund Ryan is Curator, The Heinz Architectural Center, Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
His current exhibition is White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012
See all the texts in the series Oscar Niemeyer 1907-2012

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC
See everything on Oscar Niemeyer published on MDC magazine

Tradução: Carlos Alberto Maciel
Colaboração editorial: Danilo Matoso

Esta entrada foi publicada em Opinião, Oscar Niemeyer 1907-2012, Raymund Ryan e marcada com a tag , , , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe uma resposta