SIAA ARQUITETOS + HASAA
CEU Parque do Carmo (texto fornecido pelos autores)
A construção de uma instituição educacional pública beneficia a comunidade que a rodeia, enquanto prestação de um serviço público fundamental, mas não necessariamente qualifica a urbanidade do lugar.
Fotografia: Carolina Klocker (aéreas) e Pregnolato & Kusuki
Não raramente projetos do gênero buscam uma segregação entre o espaço interior e a cidade ao redor, justificada pela intenção de proteger os estudantes dos estímulos da vida mundana, propiciando-lhes a concentração para os estudos. O programa municipal Território CEU parte de uma concepção oposta. O Centro de Educação Unificado integra-se a outros equipamentos públicos do bairro por meio do programa e da qualificação das ruas, calçadas e ciclovias que os conectam. No âmbito do lote, em especial no CEU Parque do Carmo, o projeto das edificações coexiste com o projeto de espaço público, mediados pelo desenho de implantação na quadra.
Fotografias: Carolina Klocker
Esta instituição é um sistema de agrupamentos funcionais. O primeiro é o educacional, composto pela creche e escola para a primeira infância. Em seguida há o núcleo cultural, com biblioteca, cineteatro para 250 pessoas, salas de artes, de música, de gravação e oficina digital. O conjunto esportivo é constituído por piscina semiolímpica coberta, quadra poliesportiva e sala de atividades. Por fim, o grupamento de múltiplo uso conjuga atividades de contraturno, da Universidade Aberta do Brasil (UAB), do Pronatec, do CRAS, do conselho gestor, entre outras.
Diagrama Axonométrico
Estes quatro agrupamentos funcionais materializam-se em três blocos distintos porém adjacentes. A implantação deles segue uma mesma direção, mas com deslocamentos a partir do eixo longitudinal (norte-sul) do lote, criando praças públicas que se relacionam com elementos do entorno imediato.
Plantas 1º, 2º e 3º pavimento, respectivamente
O futuro CEU é vizinho ao Parque do Carmo, na zona leste de São Paulo. A vegetação desta grande área verde ganha certa contiguidade com a praça de atividades delimitada pelo bloco educacional e de múltiplo uso e a fachada oeste da lâmina cultural. Com acesso pela outra rua que delimita o lote, temos a praça da cultura que reunirá alunos da escola existente em frente a ela, além dos frequentadores do CEU, assim tornando-se palco das atividades dos grupos sociais da região.
Esquemas de Uso – Evolução de Estudo
Temos também a praça de acesso aos alunos, ligada a uma área ao ar livre com piscina, rebaixada em relação ao passeio público. No extremo norte do terreno, um campo de futebol encaixa-se na topografia para formar certas arquibancadas, fazendo a amarração final do CEU com o tecido urbano e a comunidade local. Portanto, o deslocamento dos blocos permite a diversidade de espaços públicos, muito em virtude do cuidadoso ajuste de escalas de cada praça criada, tão necessárias em uma área paulistana carente de urbanidade.
Esquemas de Uso – Circulação e Setorização
Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.
por SIAA / HASAA (S.H.)
MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?
S.H. – Os dois escritórios se dedicam a obras públicas, com especial ênfase nos projetos educacionais da FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação – no Estado de São Paulo, instituição muito atuante nas duas primeiras décadas dos anos 2000. Paralelamente, neste mesmo período, se consolidaram no município de São Paulo os projetos dos Centros Educacionais Unificados – CEU, equipamentos de maior escala e com diversidade de usos implantados em bairros periféricos de nossa cidade e que, mesmo com as mudanças políticas decorrentes da orientação de cada prefeitura, acabaram acontecendo em diferentes momentos. O CEU Parque do Carmo se insere na terceira geração deste programa, denominado Território CEU, fruto do trabalho da SP Urbanismo na gestão do prefeito Fernando Haddad a partir de 2013. Neste novo programa, optou-se por definir blocos funcionais de menor escala de modo a permitir maior flexibilidade na implantação nos terrenos de menores dimensões (em comparação às propostas da primeira geração de CEU’s). O projeto executivo dos blocos funcionais – base para a realização de todas as implantações realizadas posteriormente – ficou sob a responsabilidade do escritório de Helena Ayoub Silva.
MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?
S.H. – Tanto o projeto executivo dos blocos funcionais quanto o projeto de implantação do CEU Parque do Carmo foram frutos de Licitação Pública com critérios que envolviam técnica, habilitação e preço.
MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?
S.H. – Para a etapa licitatória apresentamos um estudo demonstrando conhecimento sobre o tema e sobre o programa ligado à educação, cultura e esportes, junto de uma proposta arquitetônica que considerava um pavilhão linear sugerido pela geometria longitudinal do lote, em contraponto ao bloco transversal do teatro, não diferente das propostas encontradas em algumas unidades dos CEU’s da primeira geração. O olhar mais atento às condições do local após o processo licitatório nos permitiu apresentar novas propostas considerando a escola vizinha, os espaços verdes de diferentes escalas, além das pequenas vielas – atalhos urbanos entre esta área central do bairro e o bairro como um todo. Neste momento, diferentes propostas foram debatidas com a equipe da SP Urbanismo, buscando conciliar o projeto do equipamento com a proposta mais ampla do programa Território CEU.
MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?
S.H. – Sim, especial atenção foi dada à estrutura de conexão entre os blocos educacional e esportivo, uma vez que as inflexões foram desenhadas em função da viela existente no Parque do Carmo e, portanto, não poderiam fazer parte do projeto executivo dos blocos funcionais.
MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra?
S.H. – Sim, por meio de visitas técnicas. O projeto foi executado de acordo com o projeto, exceção feita à execução de gradis de fechamento em locais diferentes dos previstos originalmente. Tentamos, sem sucesso, reverter ou minimizar a presença destes elementos.
MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?
S.H. – A obra ficou paralisada após o término da gestão Haddad, depois enfrentamos o período de pandemia que também impactou no andamento da obra. Após o término das obras, o edifício permaneceu fechado por um certo período, sendo inaugurado após da desaceleração dos impactos da Covid-19.
MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?
S.H. – O resultado de um projeto se relaciona ao momento específico, à difícil – mas necessária – interação entre todos os agentes envolvidos e, num panorama mais amplo, às condições econômicas, sociais e políticas de nosso país. O Brasil de 2023 é bem diferente de 2013, dez difíceis anos que certamente modificariam as propostas para este projeto, caso fosse realizado hoje.
MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?
S.H. – O interessante deste projeto é seu caráter sistêmico, relacionado a um programa mais amplo que, por seus benefícios à população, se tornou uma proposta já incorporada na agenda política e nas promessas de campanha. Trata-se de um conjunto de obras de grande escala, com diversidade funcional, implantadas em bairros carentes de educação, esporte e cultura em nossa cidade que, a despeito de simplicidade de uma arquitetura do cotidiano – do ordinário –, se consolidam como equipamentos de excelência, e ainda, como oportunidades para se amplificar seu alcance ao seu entorno imediato, como espaço público ‘ampliado’ em sua relação com o território.
MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?
S.H. – A proposta finalmente desenvolvida se diferencia do estudo inicial, sobretudo, na relação entre espaços ‘cheios’ e ‘vazios’, já que se privilegia um olhar atento à escala do espaço público em confronto com a morfologia urbana local, bem como às características paisagísticas do projeto em sua relação com as atividades programáticas dos edifícios. Tal especificidade, em tese, foi a justificativa para se criar travessias públicas através da arquitetura, sem interferências às atividades desenvolvidas dentro dos blocos funcionais e seus pátios externos de usos restritos, como o pátio rebaixado das piscinas ou do recinto destinado ao ensino infantil, infelizmente não executadas durante o longo processo de obras, mas claramente sinalizadas – através da arquitetura – das intenções originais deste projeto como espaço público.
projeto executivo
PARTE 1:
ARQUITETURA
16 pranchas (pdf).
23,02mb
PARTE 2:
PAISAGISMO
2 pranchas (pdf).
4,14mb
PARTE 3:
URBANISMO
2 pranchas (pdf).
3,93mb
localização e ficha técnica do projeto
Local: São Paulo, SP
Ano de projeto: 2014
Conclusão da obra: 2020
Área do terreno: 8.726 m²
Área Construída: 12.662,59 m²
Projeto Executivo – Arquitetura: (HASAA & SIAA) Helena Aparecida Ayoub Silva, Cesar Shundi Iwamizu, Eduardo Gurian, Alexandre Gaiser Fernandes, Alexis Arbelo, Andrei Barbosa, Artur Mei, Gustavo Madalosso Kerr, Henrique Costa, Julia Caio Siqueira, Luísa Amoroso Guardado, Leonardo Nakaoka, Marcelo Arend Madalozzo, Rafael Carvalho, Rafael Goffinet, Thomas de Almeida Ho; (Estudantes) André Ariza, André Vitiello, Gustavo Cavalcanti (maquete física), Flávia Falcetta, Luca Caiaffa (maquete física), Valéria Waligora, Stephanie Luna.
Projeto Executivo – Sistema Padronizado: (HASAA) Helena Aparecida Ayoub Silva, Alexandre Gaiser Fernandes, Alexis Arbelo, Gustavo Madalosso Kerr, Henrique Costa, Julia Caio Siqueira, Marcelo Arend Madalozzo, Thomas de Almeida Ho.
Estudo Preliminar e Anteprojeto – Sistema Padronizado: (Arquitetos Prefeitura) Eduardo Dalcanale Martini, Hannah Arcuschin Machado, Igor Cortinove, Leon Yajima, José Oswaldo Vilela, Rafael Polastrini Murolo, Ricardo Aguillar da Silva, Wanderley Ariza; (Estudantes) Johana Miklos, Julia Machado, Julia Reis, Julia Tranchesi, Priscila Gyenge, Tomás Amaral, Eugênio Vojkovic.
Estrutura: GEPRO Engenharia
Instalações Elétricas e Hidráulicas: SANDRETEC S. C. Engenharia
Paisagismo: SOMA Arquitetos
Apoio ao Gerenciamento: JHE Engenharia
Orçamento: Félix Bezerra
Climatização: Hty
Fotos: Pregnolato & Kusuki
Imagens Aéreas: Carolina Klocker @gaivota.registros
Contato: siaa@siaa.28ers.com
galeria
colaboração editorial
deseja citar esse post?
IWAMIZU, Cesar Shundi. AYOUB, Helena. GURIAN, Eduardo Pereira. KERR, Gustavo Madalosso. NAKANDAKARI, Leonardo Nakaoka. “CEU Parque do Carmo”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., out-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/10/06/ceu-parque-do-carmo/ . Acesso em: [incluir data do acesso].