Por Denis Joelsons
Casa dos Terraços Circulares (texto fornecido pelos autores)
A casa dos terraços circulares é parte de um jardim projetado para o desfrute do bosque de mata atlântica.
Fotografia: Pedro Kok
Seu terreno, situado em um fundo de vale, não oferece um horizonte marcante. Nele, a paisagem é o grande espaço delineado pela copa das árvores. Confrontando a pendente natural do lote com as clareiras existentes, estabelecemos patamares em meio-nível.
Croqui do autor e Planta de cobertura
A casa se organiza nestes platôs, através de seu corte longitudinal, com usos coletivos mais próximos à rua e usos privativos mais próximos da divisa.
Cortes Longitudinais
Fotografias: Pedro Kok
O movimento estabelecido pelo desenho do chão garante o caráter espacial dos diferentes ambientes da casa, com seus pés-direitos variando em relação à cobertura horizontal.
Fotografias: Rodrigo Fonseca (com drone, no centro) e Pedro Kok
Uma varanda suspensa cobre a garagem e espelha a cota dos dormitórios – disposição onde a arquitetura ecoa a geografia do vale.
Fotografias: Pedro Kok
A geometria da casa é ortogonal, compatível com sua estrutura pré-fabricada em madeira. A geometria do jardim é estabelecida por curvas, buscando a melhor forma estrutural para os muros de arrimo e o encaixe adequado entre as árvores. Todos os ambientes possuem pelo menos dois acessos, reafirmando a ideia de percurso circular.
Plantas Térreo e Pavimento Superior
A contenção formal da casa contrasta com o perfil movimentado dos terraços circulares, sugerindo uma inversão da relação tradicional de subserviência entre embasamento e edificação. Neste caso, a regularidade da cobertura é o que suporta a variedade do desenho do chão.
Cortes Longitudinais
Cortes Transversais
Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.
por Denis Joelsons (D..J.)
MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?
D.J. – A casa dos terraços circulares é a materialização mais importante de minha trajetória até então. Ela incorpora reflexões de outros projetos e tem uma dimensão que me permitiu explorar espacialmente o percurso através da variação sucessiva nas proporções de diferentes ambientes. Este trabalho também marca um momento em minha produção em que tive segurança para propor elementos que não se justificam pelo critério estreito de sua funcionalidade ou de sua necessidade prática. É o caso da fachada translúcida que delimita a varanda e também dos muros de pedra que compõem os terraços circulares. Assumi critérios plásticos e argumentos mais subjetivos.
Penso que esta casa compõe uma trilogia com a casa da meia encosta (2013) e com a casa diorama (não construída, 2022). São casas onde o partido arquitetônico está diretamente atrelado a uma concepção paisagística. Uma abordagem muito semelhante em contextos completamente distintos pode ser vista nos três projetos.
A casa da meia encosta lida com a paisagem monumental da Mantiqueira, tem uma condição de mirante. A implantação tira proveito de um terrapleno preexistente e o desenho da cobertura inclinada enquadra um segmento específico da paisagem e está referenciado nessa geografia. O corte transversal é a síntese desse projeto.
A casa dos terraços circulares está na baixada de um vale, em um condomínio de casas. A paisagem foi construída através de platôs. A variação dos níveis engendra na escala da casa a confluência espacial característica do vale. A ordenação dos ambientes está estruturada no corte longitudinal.
A casa diorama se assenta em uma planície um tanto descampada. É uma casa pátio, onde a porção contida da paisagem oferece um contraponto de escala para um trio de grandes árvores que balizou o desenho do muro e de suas aberturas. Aqui a noção de percurso e a graça na sucessão dos espaços depende sobretudo do desenho da planta.
MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?
D.J. – Foi por contratação direta, inicialmente o cliente planejou uma concorrência entre três estudos preliminares. Preparei a primeira apresentação de forma bem persuasiva. Até onde sei, fui o primeiro a apresentar e com o início da pandemia anunciado, decidiram seguir comigo antes da contratação dos estudos concorrentes.
MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?
D.J. – Depois de visitar o terreno, com o levantamento topográfico e arbóreo em mãos, especulei um pouco sobre a implantação da casa. A implantação é sempre a decisão mais importante. Logo cheguei à conclusão de que a posição da casa não deveria ser condicionada pelas clareiras existentes. A casa precisava ocupar o limite legal do fundo do lote, a porção mais alta do terreno, para incorporar o espaço delimitado pelas copas das árvores e aproveitar entrada de luz da maior clareira. Essa decisão orientou todas as outras.
O projeto passou por dois ajustes que não implicaram em nenhuma mudança de partido. O cliente pediu uma sala um pouco maior, que foi atendida com o acréscimo de 120cm no comprimento da casa. O ajuste mais trabalhoso foi fruto de um erro grande no levantamento topográfico. O jardim teve de ser inteiramente redesenhado e duas árvores acabaram ficando dentro da área dos terraços. O ajuste de cota das raízes foi feito através de um banco em um caso e de um fosso com grade em outro.
MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa do autor? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?
D.J. – Houve a colaboração do Hélio Olga e do Vinicius Barreto, da Ita construtora. Um ajuste na emenda da viga longitudinal permitiu a remoção de um pilar que eu havia previsto entre os ambientes de estar e jantar. A Ita também exigiu que a varanda externa fosse coberta, para garantir a durabilidade da madeira. No estudo preliminar eu havia pensado apenas em um pergolado.
MDC – O autor do projeto teve participação no processo de construção/implementação da obra?
D.J. – Durante a obra realizei visitas semanais, ocasionalmente duas vezes na mesma semana. Ajustes pontuais atenderam às contingências da obra. Adequando os desenhos através do diálogo com a mão de obra.
MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?
D.J. – Inicialmente a casa foi pensada como uma casa de veraneio, logo após a sua conclusão os clientes decidiram mudar-se definitivamente para lá e alugaram o apartamento em que moravam em São Paulo. Um dos clientes é fotografo e a casa e o jardim também têm sido muito utilizados em locações publicitárias. Curiosamente o catering é montado no espaço da garagem. Algumas das filmagens que vi utilizam o espaço do jardim, da varanda e da cozinha.
MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?
D.J. – Enfrentando a mesma demanda e as mesmas condicionantes não, mas quando me deparei com a casa diorama, que tem uma dimensão parecida, pensei em outras soluções para as esquadrias e adotei o módulo de 125cm ao invés do de 60cm. Sem as restrições impostas pela legislação, um pequeno acréscimo na largura dos quartos seria possível e bem-vindo.
MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?
D.J. – Em primeiro lugar, atualmente a arquitetura brasileira já é uma produção de exceção e muito pequena no cenário da construção civil. Neste recorte ainda estamos tratando de uma residência privada. No contexto da nossa arquitetura contemporânea eu penso que a casa dialoga com outras práticas atentas aos processos construtivos no canteiro de obras e anteriores a ele. Obras mais leves e grosso modo menos artesanais, preocupadas em dirimir de algum modo o impacto ambiental da construção civil.
Neste cenário é comum que o desenho da estrutura assuma protagonismo e por vezes incorpore peripécias técnicas de caráter demonstrativo. Muitas obras em estrutura pré-fabricada em madeira ou aço são concebidas como objetos autorreferentes, resolvidos internamente. Acredito que o mérito da casa dos terraços circulares está mais ligado à interpretação propositiva das características do local e de suas qualidades espaciais do que a questões de sua materialidade ou construção. Gosto de pensar que é impossível apresentar a casa dissociada de seu contexto, como objeto ela não se sustenta. Também penso que a reaproximação entre arquitetura e paisagem (inclusive urbana), sem que haja subserviência de uma disciplina à outra, é algo desejável para a nossa prática hoje.
MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?
D.J. – Acredito que cobrimos bem o processo de concepção da casa.
projeto executivo
ficha técnica
Local: Cotia, SP
Ano de projeto: 2020
Ano de conclusão: 2022
Área do terreno: 1.334 m²
Área construída: 253 m²
Arquitetura: Denis Joelsons
Colaboradores: João Marujo e Gabriela da Silva Pinto
Construção (obra civil): Caio Martinez
Projeto de instalações: Renan de Sousa
Estrutura de Madeira: Ita Construtora
Execução dos muros de pedra: Bizarri Pedras
Piso cerâmico: Gail
Execução das esquadrias de madeira e deck: Zé Madeiras
Venezianas de vidro: Persolly
Luminárias: Reka
Fotos: Pedro Kok e Rodrigo Fonseca (Drone)
galeria
colaboração editorial
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JOELSONS, Denis. “Casa dos Terraços Circulares”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., out-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/10/26/casa-dos-terracos-circulares. Acesso em: [incluir data do acesso].