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MONUMENTALIDADE X COTIDIANO:
A FUNÇÃO PÚBLICA DA ARQUITETURA


Ano I . N.3 . mar.2006 . ISSN – 1809-4643

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Editorial

Trazemos aqui o planteamento da relação entre diversas escalas e níveis de envolvimento do profissional arquiteto com a produção do ambiente. Do cotidiano ao monumental, do privado ao público, da regra à exceção, indagamo-nos acerca da existência de princípios fundamentais que ordenem a construção do espaço.
Toda construção implica em comunicação: constitui um cenário de vida para a sociedade presente e uma história para com as sociedades futuras. Ao construir, o homem produz o registro de uma vivência, cuja importância tanto mais transcende sua individualidade quanto mais universais forem seus princípios constituintes. Do mesmo modo que um grupo de pessoas que não se comunicam não constitui uma sociedade, um grupo de construções ensimesmadas não constitui uma cidade. Pergunta-se então o que vem sendo dito, e que legados de cidadania osarquitetos estão construindo.
Se a prática da construção brasileira diz respeito, em sua maioria, à construção informal e ao inchaço das grandes cidades, pergunta-se em que medida o pensamento e a cultura arquitetônicos têm tomado parte nesse processo.
Se a geração de arquitetos modernos da primeira metade do século passado colocou à arquitetura o trabalho de cumprir uma “função social? pergunta-se em que medida dedicam-se os arquitetos à construção do espaço cotidiano.
Se o monumento é a síntese pública de uma cultura, pergunta-se pelos princípios que deve este monumento representar.
 Das questões colocadas, depreende-se que a arquitetura, obrigatoriamente e em qualquer caso, cumpre uma função pública. Tem o ofício do arquiteto, portanto, uma responsabilidade social inescapável, e da qual é necessária plena consciência. Mapeando aqui alguns aspectos deste tema, esperamos contribuir para sua visibilidade e seu resgate.

Danilo Matoso Macedo

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Encontros e palestras

Casa do Baile . Belo Horizonte
18 de março de 2006 . 16h



Abertura: Danilo Matoso
Palestra: Flávio Carsalade – MG
18 de março de 2006 . 16h



Palestra: Carlos Antônio Leite Brandão
18 de março de 2006 . 16h30



Palestra: Joaquim Guedes – SP
18 de março de 2006 . 17h



Debate
18 de março de 2006 . 18h00


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1.

Monumento e cotidiano remetem, em primeira instância, às dimensões da eternidade e do dia a dia; do que é raro e do que se repete; do que remete à memória, à lembrança, e se destina também ao futuro (como na etimologia de “monumento? e do que serve ao presente e ao corriqueiro comum (como na etimologia de “cotidiano?. Queria abordar este binômio, nesta primeira parte, referindo-o a essas duas dimensões do tempo e partindo da história da arquitetura.

A construção do templo grego clássico consolida toda uma série de hábitos construtivos presentes na tradição desde a época das construções em madeira do período arcaico; mantém como invariantes as referências principais da tipologia original procurando apenas aperfeiçoá-las através do apuro das técnicas e detalhes, como é o caso das ordens, e evitando a hybris da originalidade e da “mania de cons­truir?persa (libide aedificandi) [2]; cuida de fazer da arquitetura veículo de mensagens históricas, éticas e culturais que ultrapassam o que é arquitetura strictu sensu; dá forma e perenidade ao que surge como decorrência da função e da técnica como os triglifos, os capitéis, ábacos e caneluras. E além de tudo, é o ponto para o qual convergem os esforços coletivos e simbólicos de uma comunidade para afirmar-se para si e para os outros, como proposto por Péricles na construção da acrópole ateniense ou pelas comunidades medievais ao erigirem suas catedrais. Um monumento, como o Parthenon, torna público, tanto para os contemporâneos quanto para as gerações futuras, aquilo que teve uma origem dispersa (ou mesmo privada) no tempo e no espaço, mas acabou reunido na obra de arquitetura para marcar a cultura helênica e sua glória, não apenas militar. Ele presentifica aquilo que, por sua repetição na história e no cotidiano, se consagrou e fez-se arché ?origem, arquétipo, modelo, referência e princípio a ser sempre rememorado diante do cotidiano e da urgência de suas demandas. O monumental, portanto, não é o grandioso, o excepcional, o inédito, mas, ao contrário, a síntese que tornou-se comum, pública e legítima dentro de uma tradição. O monumento “rememora?e remete a uma suposta instância original dos atos construtivos, da cultura e da civilização grega, instância esta que funda o presente, mesmo que contraditando-o em sua superfície, sugere a confiança de um povo em si próprio e o destino a ser perseguido. Fundar um passado, através da construção de um monumento no presente, é também caminhar em direção a um futuro ao fim do qual se encontram os valores forjados no passado. Para inventarmos um futuro que criamos para nós é costume forjar um passado que o prepare ou o legitime. Um bom exemplo disto é Leonardo Bruni no quattrocento florentino, inventando no passado um parentesco entre Florença e Roma para projetar o destino de grandeza e liberdade de sua cidade no futuro. Mais do que rememorar um passado, sobretudo no caso de países colonizados e de tradição difusa como o nosso, o monumento dá-nos uma imagem de futuro e de destino. O monumento abre o presente e liga uma tradição recebida a uma tradição que procura fundar. Do cotidiano e da repetição dos mesmos gestos construtivos ele retira sua significação e a capacidade de enviar para o futuro as marcas do tempo em que foi construído. Daí, por exemplo, a escala humana em que ele se definiu na Grécia.

O Parthenon constitui sua monumentalidade a partir dos gestos sacralizados por sua repetição e da rememoração da arché que, por ele e pela concepção cíclica do tempo, é reproposta ao futuro. Por isto ele evita a originalidade, vista como uma desmesura ou vício do artista. A monumentalidade de uma catedral gótica se constitui em função da vida eterna e da escala sobre-humana, que impõem-se ao cotidiano, celebrando a “cidade de Deus?acima da “cidade dos homens?e o não-tempo em que se crê regê-la. Nele, eternidade ou arché é vista após a vida terrena e além do cotidiano, daí sua articulação vertical a motivar-nos à trans-cendência. A monumentalidade da Torre Eiffel é vista num futuro laico, não transcendente, a que nos levará o progresso e sua concepção linear do tempo. Este futuro promete a redenção e a salvação que não mais se encontram na origem, como nos gregos e no Renascimento, e nem na vida eterna, mas no futuro, o que ainda é fora do presente. A salvação pelo progresso ou pela religião, a que nos remetem os edifícios, são os fundamentos de uma monumentalidade cons­truída pela evasão do presente ou do cotidiano. No passado, como no caso grego; no futuro, como no caso da Torre Eiffel; ou na vida eterna, como no caso da catedral gótica, o monumento se define por essa sacralização do que não está no presente e não se encontra no real e no cotidiano.

Quando Le Corbusier escreve ser a casa o monumento arquitetônico do século XXI, ele nos ilustra um modo diverso de se encarar a eternidade. Trata-se de uma eternidade constituída a partir do real, do presente, do comum e do cotidiano. E a monumentalidade a ela correspondente não se faz por remeter-nos para algum lugar extra-mundo ou para outra cidade, outro presente e outra realidade, que não estes em que transcorremos nossa vida e em que realizamos nossa humanidade. Eleger a casa como nosso monumento é dotar nossas ações e funções do valor de salvação antes deposi­tado em Deus, na tradição ou nas promessas de progresso tecnológico. E, na verdade, salvamo-nos e realizamo-nos por essas ações e funções desempenhadas no presente. É nelas que encontramos a verdade, e não no passado, no futuro e na vida eterna.

O presente: eis aquilo de que nos devemos lembrar e aquilo que devemos encontrar; ele vale mais que todo o passado vivido e todo o futuro a viver. É nele em que se encontra a dimensão que nos liberta do tempo e é para ele que se deve dirigir o monumento de nosso novo tempo. Como na pintura impressionista, busca-se uma “presencialidade eterna?no instante passageiro e nas relações cotidianas humanas [3].Tempo e eternidade não são contrapostos, assim como não devem ser a arquitetura do cotidiano e a arquitetura do monumento. O monumento surge do nosso modo de habitar o mundo, de nossa experiência ativa dele, de nossos gestos e ações no mundo público. A arquitetura do monumento não está no monumento ?seja ele o palácio, o templo, o museu ou a casa ? mas na aplicação mesma ao ato de construi-lo como o lugar em que o homem presente habita o real (e não o passado ou o futuro) e nele constrói sua verdade e sua salvação enquanto indivíduo inserido num mundo público.

Toda arquitetura tem função pública e este público não deve ser entendido apenas como os vivos mas também como os nossos antepassados e os que nos sucederão, para os quais ela também se dirige formando o que temos chamado de um republicanismo intergeracional, um dos focos de nossa pesquisa Arquitetura, Humanismo e República, desenvolvida junto ao CNPq. Isso dota-a de várias dimensões que vão além da utilidade imediata ?tais como a necessidade de resistir ao tempo, às intempéries e as incúrias humanas ?e exige um apuro técnico e símbolos públicos que expressem as potencialidades de uma comunidade, seus valores e seu projeto de comunidade, como é o caso do Hospital dos Inocentes ou da catedral florentina, ambos de Brunelleschi, de Brasília e das obras de Lúcio Costa, Niemeyer, Artigas, Severiano Porto, Flávio de Carvalho, Sérgio Bernardes e tantos outros. Esse desvelamento chamamos de “produção da verdade? A arquitetura é a responsável por publicizá-la e trazê-la para o espaço que vemos e que habi­tamos. Quando dizemos que toda arquitetura tem função pública é que ela somente se dá na medida em que se pensa em função da res publica, constituindo-a. Pensar o edifício em função da cidade, da verdade e dos homens presentes e reais tem sido pedagogia difícil em tempos de tanto cultivo do Narciso, que sempre supõe sua verdade acima do real e do presente, e do artificial, como o que reluz nas formas bombásticas que trazem a marca do inédito e são por demais caras para servirem à constituição do humano do homem e da res publica.
 O monumento do mundo moderno, tal como o vê Le Corbusier, parte do presente e do homem real e visa ao comum, ao cotidiano, e não à exceção, à raridade, ao excepcional, ao que é apartado do cotidiano. Tal como eu não sou pré-constituído, mas algo que se forma, também o presente não é um dado, mas algo que se constitui e a função pública da arquitetura é constituir nosso presente e nosso real e fazer-nos habitar nele, e não no passado, como o neoclassicismo, ou num futuro de esperanças e ilusões absurdas, como grande parte da arquitetura contemporânea, que se divulga no sensacionalismo da mídia arquitetônica. A função pública da arquitetura é fazer-nos compartilhar este presente, torná-lo acessível a todos, e através deste presente fazer-nos compartilhar tanto um passado quanto um destino comuns. Isto talvez seja o que melhor se aprende no Renas­cimento italiano e no Moder­nismo, quando os situamos como parâmetros para empreender a crítica ao formalismo e figurativismo dominantes na arquitetura contemporânea. Esse compartilhamento é que faz uma sociedade distinguir-se da “massa? e um mundo tornar-se verdadeiramente público, e não de espectadores. Sendo essa arquitetura objeto da referida pesquisa “Arquitetura, Humanismo e República?prefiro, aqui, voltar a refletir sobre a questão do tempo e da eternidade, que estão no fundamento da relação entre o monumento e o cotidiano. Afinal, e cumpre destacar isto, o que notabiliza o monumento é fazer-nos habitar a história e o tempo, mais que o espaço e suas funções, seja o tempo passado, seja o futuro, seja o presente em que se prospecta o passado e o futuro, os quais não existem em si: só existem o presente e sua visadas.

Destacamos que o modernismo fez entrar uma nova concepção do monumento por ter aberto uma nova dimensão da eternidade que se encontra aberta pelas perspectivas do presente e do real, e não mais depositada num passado ou futuro longínquo. Essa dimensão por ele aberta, contudo, foi ofuscada diante do figurativismo de uma arquitetura que deixou de ver o espaço como “espaço de ação?para ser de contemplação e exibição, sobretudo da genialidade narcísica dos arquitetos, fazendo surgir novas espécies de “cate­drais? como a do Museu de Bilbao, sem contudo qualquer a­ncoragem no solo público e no imaginário social, e avessa à relação com as demais construções. Perder essa relação com as demais construções, aquelas que não são monumentos, e com espaços e dimensões históricas, públicas e sociais corrói o próprio conceito de monumento que funda a acrópole ateniense, a catedral gótica ou os projetos de Eiffel, como em Paris ou em Porto, ou de Gaudí, em Barcelona. Descontextualizado, o monumento torna-se apenas um kitsch erudito, como os que vemos recentemente feitos nos quarteirões fechados da Praça Sete em Belo Horizonte.

2.

Chegamos então a um segunda abordagem do problema, talvez mais radical: a da relação entre obras de arquitetura e outras construções e entre o monumento e o cotidiano. Radical porque aí encontra-se a própria pergunta pelo que seja monumento, arquitetura, e o que os distingue na nossa produção e na nossa cidade.

Narciso, o arquiteto, pensa estar sempre na iminência de dar à luz um monumento arquitetônico ao projetar sobre a prancheta ou em seu computador. Mas nenhum edifício em si pode ser um monumento, pois isso lhe é dado somente pela sua relação com as demais construções e com o restante da cidade real, histórica, imaginária e simbólica nas quais habitamos. Nada é extraordinário a não ser diante do ordinário cotidiano de nossa vida comum. Toda obra de arquitetura só se define enquanto tal dentro de um universo dominado por construções sem o pedigree da arquitetura.

Perguntar pelo que seja o monumento a­rquitetônico é perguntar pela origem da própria arquitetura. Os primeiros exemplos de monumentos arquitetônicos são os funerários, cujas ruínas pré-históricas chegaram até nós com sua aura de sacralidade e transcendência; com sua função eminentemente pública, simbólica e religiosa bem demarcada frente ao território onde desenvolvemos nossa vida prática, cotidiana e mortal e com sua cons­trução resultante de esforços da coletividade, que fazia destes monumentos expressão máxima de suas vidas e valores maiores, inclusive os técnicos e construtivos. Essas ruínas definem-se como monumento na medida em que nos fazem habitar um mundo espiritual, um ideal e um destino comum em torno do qual uma c­omunidade se reúne e celebra a si, à sua cultura e aos valores nela compartilhados. São monumentos públicos e de função ética, que providenciam uma idealidade, uma historici­dade e uma universalidade a serem lembradas e presentificadas diante das tarefas e demandas do cotidiano que sempre nos fazem esquecê-las. Eles respondem àquilo que deveríamos ser e ao espírito, mais do que àquilo que somos e à nossa vida prática. E o mesmo ocorre quando os romanos desenvolvem os monumentos profanos, sob as formas de colunas, mausoléus, arcos, estátuas equestres e cenotáfios. Em todos esses monumentos, o indivíduo encontra o seu lugar na história e na pólis e compartilha cultura, valores, idéias e desejos com demais concidadãos, o que não é providenciado pelo edifício projetado por aquele arquiteto Narciso nem pelas outras construções da cidade, as quais não estão obrigadas à arché, aos fundamentos, princípios, destino e valores maiores que constituem uma sociedade. Sem essas construções comuns, aquela excelência da arché não se distinguiria. Sem o monumento, os acontecimentos do passado não seriam recompostos dentro da significação que dá a ele sua dimensão histórica. Nossa historicidade autêntica só se dá nesta díade entre a figura do monumento e o fundo das demais construções.

É isto que, analogamente, fazemos com o tempo, ao fixarmos os dias festivos como o N­atal, a Páscoa, o Carnaval, o Dia da Independência ou a data de nosso aniversário. Esses paradigmáticos dias de comemoração só adquirem sentido diante do caráter amorfo dos demais em que transcorremos nossa experiência diária. Tal como as ruínas funerárias da pré-história faziam da presença do divino e dos mortos uma cunha no labor diário, esses feriados suspendem, sem abolir ou anular, o dia-a-dia, de modo a questionarmos nossa vida, a lembrarmo-nos daquilo que realmente somos e pretendemos ser como seres humanos e mortais, indivíduos, membros de uma família, cidadãos, herdeiros de uma tradição recebida e protagonistas comuns de uma tradição que fundamos na encruzilhada de nosso presente. Tais dias são focos da luz derramada sobre os dias comuns para reprovê-los de um sentido esquecido. Da mesma forma, os monumentos ?como a acrópole de Péricles, a catedral medieval, o Duomo florentino, o palácio comunal renascentista, a Torre Eiffel, ou nossa belorizontina Praça da Liberdade ?iluminam as demais construções e partes da cidade e fazem projetar sobre ela a cultura do todo, da coletividade ou, para usarmos o termo que temos conferido a esta prevalência do todo e do bem comum sobre as partes e o bem privado, a dimensão “republicana?da arquitetura. E é por isso que, ao meu juízo e a contrapelo do que advogam os chamados “estudos culturais? n­ossos cursos de graduação em arquitetura, tendo seu tempo limitado, devem priorizar o estudo dos  m­onumentos, mesmo quando se tratam de monumentos mais laicos como fábricas, museus, bibliotecas e casas, a partir do século XIX. Raros e avessos à banalização, são eles que nos dão uma “cidadania?arquitetônica, uma cultura comum e uma idealidade que o Narciso e a mera resolução da vida prática não são capazes de nos proporcionar. São eles que suspendem a sucessão de preocupações fechadas no cotidiano e abrem-nos para a origem de onde viemos, para o destino aonde vamos e para aquilo que potencialmente poderíamos ser. Este poder-ser está encoberto pelo cotidiano e é o monumento que nos permite retomar possibilidades perdidas.

É possível ver a origem da construção nas cabanas primitivas, em torno do fogo ou nas cavernas. Mas a origem da arquitetura, a qual é uma parte dessa história da tekné e só tem sentido enquanto serve à nossa vida mortal e cotidiana, revela-se pública, espiritual e trans­cendente quando a pers­crutamos nas ruínas funerárias e nos monumentos da pólis. Ela constrói a alteridade de uma habitação ideal e pública exigida para que possamos viver melhor e de forma mais justa ?bene beateque vivendum, como dizia Alberti ?n­ossos dias e nossos espaços individuais, familiares, práticos e funcionais que circunscrevem nossa existência. Pois só no espaço da história e da comunidade, ou seja, ao relacionar-se com um centro maior (o italiano Duomo ou o alemão Dom, por exemplo, para referir-se à catedral, à “casa de Deus? que ultrapassa seu domus doméstico, pode o indivíduo encontrar o seu lugar verdadeiro e livre. O monumento é a morada ideal e comum em que habitamos, o lugar onde o espírito coletivo e do tempo fazem-se construção.

Só existem monumentos quando, antes de pretender o grandioso ou a beleza propriamente ditos, construímos um modelo espiritual frente ao qual balizarmos nossas ações e valores cotidianos. Ao dizermos que um determinado edifício é um monumento de arquitetura ou que uma determinada obra é um monumento da literatura ou que aquela mulher é um verdadeiro monumento de beleza, o que estamos concebendo é que eles servem como um ideal de arquitetura, de literatura e de beleza que funcionam como referências nossas, mesmo que não as saibamos defini-las ou que não tenhamos consciência delas antes de vê-las.   S­­ão como figuras que se projetam sobre o fundo dos demais livros, edifícios e corpos femininos. Mas, figura e fundo não se deixam ver, senão em relação recíproca e em mútua dependência. Um ilumina o outro.

O projeto ambicioso de nosso arquiteto Narciso não ilumina este fundo das demais construções, não se põe em função do contexto: ao contrário, vê o contexto em função dele e, se este contexto é pobre, desconsidera-o ou repele-o. Centrado em si mesmo, ele não se faz centro de nada e não pode ser visto como o centro espiritual ou ideal que representa o monumento. Todo Narciso pensa ser monumento aquilo que não passa do reflexo de uma pretensa beleza e auto-referência na qual ele se afoga. O narciso não sai de seu umbigo, idios: é um idiota. E sua obra ?tal como a Torre de Babel na pintura de Brueghel, as obras de A. Speer no nazismo, o Museu de F. Gehry em Bilbao, ou ao menos as leituras dele que por aqui me chegam, uma vez que nunca lá estive, e vários outros exemplos da arquitetura contemporânea ?lança uma fria sombra nas demais construções, e não a luz que do monumento se espera. Não seria difícil multiplicar os exemplos em nossa Belo Horizonte, como os recentes e “monumentais?Marista Hall e Templo da Igreja Universal. Nenhum desses exemplos nos dá um assentimento e um lugar no mundo e na história. Ao contrário de uma catedral medieval ou da acrópole ateniense, eles criam um não lugar com o qual não podem dialogar nem nós e nem as construções comuns em que vivemos nosso cotidiano e praticamos nossas vidas. Não nos inserem na república, mas decretam nosso exílio. E se a cidade é, sobretudo, o lugar do encontro e do diálogo, como mostra exemplarmente o diálogo entre as casas de Ouro Preto e delas com os monumentos que as iluminam, tais exemplares ovacionados pela mídia arquitetônica servem para matar cada vez mais esta república. Se, depois do século XIX, o sagrado não mais se concentra em palácios, acrópoles ou igrejas (que hoje só servem a partes de uma comunidade e não a ela como um todo), mas diluiu-se também por edifícios funcionais e particulares, mesmo fábricas e casas como proposto em Le Corbusier ou Gropius, esta construção do diálogo é ainda mais imprescindível para a constituição do monumento dentro da imanência da cidade. Por isso um shopping, já que quase todos se pautam pela exclusão da cidade de dentro de si, pode pretender ser e engolir tudo, mas dificilmente, terá qualquer monumentalidade arquitetônica, pois seu projeto parte justamente da exclusão da pólis. Por isso também o delírio estético do figurativismo arquitetônico, pensado sem a função ética e pública referida acima, pouco tem a ver com o monumento, por mais inusitado e gigantesco que seja. Eles são incapazes de conferir qualquer ethos à comunidade a que crêem pertencer. Ao contrário, trabalham para destrui-los e deixar imperar apenas a alma do Narciso, ou a do consumidor. Por isso, enfim, a monumentalidade da arquitetura, hoje, talvez seja mais bem acessada a partir da verdade do cotidiano e da funcionalidade do que de uma deteriorada noção de “monumentalidade?

A modernidade e seu tempo cronológico, laico e funcional, como seus espaços, ofuscaram os centros de espiritualidade e idealidade, de culturas e valores compartilhados que orbitam em torno dos monumentos. O pragmatismo e a sacralidade do capital e do consumo tendem cada vez mais a domesticar e anular a cidade enquanto espaço do diálogo, do encontro e das diferenças ?ao contrário de shoppings ou pubs, onde o encontro só se faz entre iguais. Caso não queiramos perder a cidade, o que não é desejo de fácil reali­zação, cumpre, então, reinventá-la e isso implica dotá-la de novos centros de espiritualidade e idealidade. Parece-me ser este o caso de Belo Horizonte, cujo centro viu d­iminuída sua sacralidade e tornou-se por demais esgarçado para suportar uma espiritualidade simbólica e comum e conferir um ethos para a metrópole inteira. Ele mantém sua importância, talvez até maior que antes, como a Praça Sete, local do convívio e do encontro. Mas essa sua importância se faz da imanência do mundo, dentro do que somos e das urgências requeridas por nossa vida diária. Por isso, o melhor projeto para dar mais vida e caráter a este centro seria a retirada dos prédios que acabaram com a Praça dos Correios sob o Edifício Sulacap, talvez o mais bonito de Belo Horizonte. Tal praça, exemplo do diálogo que constitui a cidade, como o que ela providenciava entre o Centro e o Bairro Floresta, urge ser r­einvindicada. Mas, assim como a vida moderna passou a g­irar em torno de vários centros e não mais em torno de um só, também cumpre às metrópoles multiplicarem seus c­entros e conferir-lhes caracteres e funções distintas, não mais possíveis de serem super­postos em um só hipercentro, sob pena de não se realizarem tais caracteres e não serem atendidas tais funções,  práticas e simbólicas. Precisamos criar outros centros na metrópole, centros que fossem projetados ?na Pampulha ou em torno do projeto do novo Rodoanel ? centros  intencionados como expressão de cultura e valores compartilhados, e não surgidos como mero adensamento de atividades comerciais e de serviços. Precisamos de um centro, ou mais, que suporte o que deveríamos ser, refunde um ideal, uma cultura e um destino compartilhados pela pólis e a partir do qual sua luz jorrasse para reprover de significação o fundo cotidiano de nossas ações e construções que nada têm, e nem podem ter, de monumentais.

Belo Horizonte é cidade de muitos fantasmas e pouco espírito. Proponho que o conteúdo dessa espiritualidade seja dado pela cultura ?ciência, arte e humanidades ?e a Praça da Liberdade parece-me ser o local que maior potencialidade tem para abrigar este centro: por sua localização e topografia, por sua tradição e por sua apropriação e vocação comunitária e cívica. Não é de igrejas, de palácios, de órgãos burocráticos e de centros do poder político e administrativo, como secretarias de estado e órgãos de segurança, que espero ver iluminada minha existência cotidiana e os laços com meus concidadãos. Prefiro a “transcendência?dada pela cultura, que faria na Praça da Liberdade um dos pólos da elipse que conforma o núcleo belorizontino, ao lado dos pólos da “imanência? dado pelo hipercentro da Praça Sete, e da “fundação? dado pela Praça da Estação, ambos a serem cada vez mais vitalizados dentro de suas vocações e funções práticas e simbólicas. O pólo da fundação responde pela tradição. O pólo da Praça Sete responde pelo presente e pelo que já é em ato, pelo que somos. O novo pólo do Circuito Cultural da Praça da Liberdade atuaria em função do que deveríamos ser e desta comunidade ideal para a qual deveríamos tender ou a qual deveríamos projetar.

Nosso grande problema é não termos mais projetos de sociedade e não sabermos mais visar a pólis como um todo, em que uma comunidade compartilha valores e cultura. Para não cairmos numa massa, sem passado, valores e destino compartilhados, como a define H­annah Arendt, é preciso providenciar tal centro de idéias e de espírito, de que Belo Horizonte carece. É a luz deste centro que deve iluminar nossas existências individuais, cada vez mais afogadas na escuridão, e é ela, parece-me, a mais capaz de devolver aos edifícios da Praça da Liberdade a função ética e pública que fazem do monumento algo vivo, a conferir sentido às nossas existências enquanto cidadãos. O que emerge neles, hoje, junto aos seus costados, é uma enorme sombra que encobre as demais construções e um vazio espiritual que cumpre ser preenchido, antes que o façam os falsos monumentos e simulacros de sacralidade e de cultura, como os referidos Templo Universal e Marista Hall. n

bibliografia

CALVINO, ITALO. Por que ler os clássicos? Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade; UNESP. 2001.
COMTE-SPONVILLE, André. Viver. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HARRIES, Kastern. The Ethical Function of Architecture. Cambridge: The MIT Press, 1997.
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os pensadores).
 VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

notas

1.  Fazendo parte de nossa produção na pesquisa “Arquitetura, Humanismo e República? financiada pelo CNPq, este artigo foi apresentado de forma oral e resumida em conferência na Casa do Baile (BH) em 18 de março de 2006.
2.  Sobre isso cf. BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Quid Tum? O combate da arte em Leon Battista Alberti. Belo Horizonte: Perspectiva, 2000.
 3.  Sobre esta “presencialidade eterna? cf. PANIKKAR, R. “Presente eterno? In: ORTIZ-OSÉS, Andrés; LANCEROS, Patxi (org.) Diccionario interdisciplinar de Hermenéutica. Bilbao: Universidad de Deusto, 1997. P. 650-655.

carlos antônio leite brandão (1958)
 É professor de História da Arquitetura na Escola de Arquitetura da UFMG, onde se graduou em 1981. É doutor (UFMG, 1997) e mestre em Filosofia (UFMG, 1987) e especialista em Cultura e Arte Barroca (UFOP, 1989). Tem como principais publicações “Quid Tum? O Combate da Arte em Leon Battista Alberti?e “A Formação do Homem Moderno Vista Através da Arquitetura?(ambos editados pela Editora da UFMG). Atualmente, preside o Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG.

contato: brandao@arq.ufmg.br

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Uma das discussões mais interessantes sobre o Movimento Moderno na Arquitetura é a relação dos novos edifícios com o lugar onde se assentam, o que, é claro, remete à face pública do edifício quando esse lugar é a cidade. Passado o período mais questionador quando a crítica ao Modernismo era excessivamente áspera ?até mesmo para que a arquitetura pudesse se renovar ?podemos hoje entender melhor que muitas dessas críticas não se justificavam da forma como elas foram elaboradas e, nesse caso, inclui-se justamente  o problema da relação com o lugar.

Dizia-se que a Arquitetura Modernista desconhecia ou negava o lugar, privilegiando o edifício isolado e auto-referente. De fato, a atitude modernista pressupunha os aspectos de inovação (afinal de contas se considerava o “fim da história? e de transformação (o ideal de se “corrigir?cientificamente os erros dos edifícios e cidades), aspectos esses característicos não apenas da arquitetura, mas da própria atitude modernizante [1]. Assim, antes de negar o lugar, a arquitetura moderna buscava, por um lado, transformar o lugar e, por outro, inovadora que era, se estabelecer em contraste.

A nova cidade era o ideal a ser perseguido: novas formas de relação do prédio com a cidade. Daí surgiram as idéias do pilotis, do descortinamento da paisagem, da redução de fronteiras (ou sua atenuação) entre o público e o privado, enfim uma nova ordem urbana. Na postura modernista era importante que o espaço aberto se imiscuísse entre os prédios, livre, higiênico, claro. A questão assim colocada adquiria formas próprias quando o lugar dos novos edifícios não fosse um campo aberto (como a Villa Savoye) ou cidades absolutamente novas (como Brasília). A postura modernista com relação à pré-existência assume uma riqueza enorme quando analisada caso a caso: em Belo Horizonte tratava-se de substituir as formas arcaicas dos “neos?e garantir a vocação moderna da cidade, na avenida Paulista tratava-se de garantir a pujança econômica e a presença forte de cada instituição (fazendo com que cada prédio fosse necessariamente um indivíduo), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, tratava-se de mostrar como a nova estética e a nova tecnologia propiciavam novas formas de se dialogar e valorizar a paisagem local.

Talvez o sonho final fosse mesmo uma substituição completa em busca da nova ordem urbana. Mas no seu processo real de transformação das cidades, aquele que o­corria no dia-a-dia, ao largo das especulações e ensaios teóricos, na prática profissional c­otidiana, a arquitetura moderna deixou de seu primeiro i­ntento de transformar o lugar para buscar n­ovas formas de com ele dialogar, não no sentido de respeitar as pré-existências e trabalhar de forma harmônica (ou similar) mas de re-interpretá-las, buscar novas formas de relação do objeto com o lugar [2].

Tendo vivido a experiência de projetar nos últimos vinte e cinco anos, a minha própria obra e pensamento, de certa forma, refletem essa inquietação e essa busca de uma nova topologia urbana e, embora não seja a atitude acadêmica mais usual, não resisto à tentação de examinar esses aspectos na minha própria obra, impulsionado pelas características livres desta publicação. De qualquer forma, a experiência de quem viveu e projetou nesse tempo pode ser uma fonte interessante de dados para reflexão. Assim sendo, selecionei alguns exemplos, muitos deles resultantes de concursos públicos e não construídos (afinal os construídos já estão expostos…), para explorar exatamente esse caráter público, os quais passo a expor a seguir.

casa do jornalista

Belo Horizonte, 1982 (Fig. 1)
Arquitetos Ângela Roldão, Flavio Carsalade, Gustavo Penna,  Luis Antônio Fontes Queirós
(1º  lugar em Concurso Público)
 O projeto propõe um amplo espaço público no pilotis, a “Praça da Notícia?e para tanto tenta minimizar a presença do prédio e reforçar a luminosidade da praça, retirando os pilares intermediários (através do vão de vinte e cinco metros propiciado pela viga-ponte metálica) e pelo pé-direito de 15 metros do pilotis.

rede bandeirantes de televisão/sucursal belo horizonte

Belo Horizonte, 1981
Arquitetos Flavio Carsalade e Gustavo Penna
 O projeto propõe uma ampla janela para a cidade, propiciada pelo volume prismático e pela situação da avenida Raja Gabaglia, na cumeada da montanha.

edifício sede hemobel laboratório

Belo Horizonte, 1985 (Fig. 2)
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
 Os planos formadores do edifício exploram as possibilidades do lote, de esquina em ângulo agudo.

edifício sede do demetrô

Belo Horizonte, 1987 (Fig. 3)
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
(3o lugar em Concurso Público)
 A situação do terreno, linear, paralelo ao ribeirão Arrudas e à cavaleira sobre a cidade,  com duas entradas em cada uma das suas extremidades possibilitou a criação de uma rua pública de pedestres que se beneficiasse do potencial do terreno.

museu de arte de belo horizonte

Belo Horizonte, 1990  (Fig. 4)
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
(Participante de Concurso Público)
 A idéia chave do projeto foi a criação de uma grande superfície plana que se estendia ao longo da avenida dos Andradas, criando entre ela e os espaços de exposição um área intersticial por onde passaria uma grande rampa pública de pedestres ligando o viaduto da Floresta à praça da Estação.

parque amilcar vianna martins

Belo Horizonte, 1991 (Fig. 5)
Arquitetos Fernando Ramos, Flavio Carsalade, Gaston Oporto e José Eduardo Ferolla
 Da situação topográfica da Caixa d’Água do Bairro Cruzeiro, na parte alta da avenida Afonso Pena, resultam, para esta, taludes de fraco apelo visual e pouca conexão, para a cidade, uma vista exuberante. O projeto propõe, para a avenida Afonso Pena, uma conexão forte através do elevador e da passarela metálica e para seus taludes um tratamento em jardins escalonados que criam uma expressão plástica mais vigorosa e, para a vista da cidade, um amplo deck de observação em balanço sobre a montanha.

parque linear do arrudas

Belo Horizonte, 1989 (Fig. 6)
Arquitetos Carlos Antônio Leite Brandão, E­duardo Mascarenhas, Fernando Gontijo R­amos, Flavio Carsalade,  Humberto C­arneiro, José Eduardo Ferolla, Jurema Marteletto R­uggani, Marcos Emídio Fonseca
(Menção Honrosa no concurso nacional “BH Centro?para revitalização do centro de Belo Horizonte)
 A proposta do parque faz “costura?norte-sul e leste-oeste da cidade rompida pela linha férrea, através da ligação ininterrupta de pedestres desde o prédio da Rodoviária até a Serraria Souza Pinto e centro-bairro pela grande laje que cobre o metrô e aí cria um amplo espaço público.

edifício sede ordem dos advogados do brasil de patos de minas

Patos de Minas 1996
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
 O grande pórtico na esquina do terreno triangular cria a interface entre a cidade e a instituição.

memorial do centenário de campo grande

Campo Grande/Mato Grosso do Sul, 1998
(Fig. 7)
Arquitetos Alexandre Brasil,  Carlos Alberto Maciel e Flavio Carsalade
(Terceiro Lugar no “Concurso nacional para o edifício comemorativo dos cem anos da cidade de Campo Grande)/ Mato Grosso do Sul??1998
 Todo o projeto se baseia na criação de um percurso ligando as várias entradas do terreno, onde situações arquitetônicas e paisagísticas vão ocorrendo em sucessão.

paço cultural da liberdade

praça anexa à Se-cretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000
Arquitetos Alexandre Brasil, Carlos Alberto Maciel e Flavio Carsalade
 A praça anexa às casas que abrigam a Secretaria Estadual da Cultura aproveita terrenos vagos de propriedade pública e dão dimensão pública e de percurso urbano à eles. n

referências bibliográficas

ABASCAL, Eunice Helena Sguizzardi. Cidade e arquitetura contemporânea: uma relação necessária. Texto in Vitruvius, 2005.
 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

notas

1.  “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor ?mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. (…) Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar? (BERMAN, 1988, p. 15)
 2.  “O modelo de espaço ordenado, tomando a natureza como enquadramento de edifícios “dispostos no verde?em que uma renovação formal alimenta-se do ideário iluminista de “fé no progresso da razão?veio sendo repensado?(ABASCAL, 2005)

flavio de lemos carsalade
 Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Escola  de  Arquitetura  da  UFMG  em  1979, Doutorando na Universidade Federal da Bahia ?2003, na área de patrimônio cultural, Mestre em Arquitetura pela Escola de Arquitetura da UFMG ?1997, professor da Escola de Arquitetura da UFMG, desde 1982  onde exerceu a vice-diretoria no período de 1989/1991. Atualmente Secretário Municipal de Administração Regional Pampulha, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, tendo atuado como presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais  (IEPHA/MG ), entre 1999 a 2002 e presidente do Departamento de Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/MG) nas gestões de 1996/1997 e 1998/1999. Atuou ainda como profissional liberal na área de arquitetura e urbanismo e como Professor visitante na “University of Washington?  Arquiteto premiado em vários concursos nacionais de arquitetura.

contato: flavio.carsalade@terra.com.br

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 A atividade do arquiteto, como a maior parte das atividades humanas, necessita de seus motivos, de suas metas e balizamentos; e estabelecer e validar alguns deles é o que me proponho a fazer aqui, discutindo funções públicas da arquitetura. Peço ao leitor o indulto pela pretensão talvez desmesurada da tentativa de abarcar tema tão amplo em espaço tão reduzido, ficando a ressalva da inevitável necessidade de omissão de assuntos correlatos ?da qual sou consciente.

O espaço edificado constitui, por sua própria natureza, objeto cultural. Seria difícil ao indivíduo construir sem o aporte histórico-cultural de técnicas construtivas. Tratando-se do espaço construído segundo as tecnologias hoje difundidas ?tijolo, madeira aplainada, aço, cimento, areia etc ? o aporte de insumos que somente uma sociedade organizada é capaz de produzir é imprescindível. Portanto, a construção do espaço edificado é, forçosamente, um produto social. Mais que isso: o espaço edificado não apenas é conformado como também conforma a sociedade em que vivemos, pois a História não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social [1].

Esta interdependência forçosa entre espaço construído e sociedade suscita a indagação acerca da natureza de propriedade do primeiro dentro da segunda: quais os limites entre espaço construído público e privado, tratados como bens?

A Economia define a existência de bens públicos como uma falha de mercado onde o Estado deve naturalmente atuar:

Os bens públicos são aqueles cujo consumo/uso é indivisível ou ‘não-rival? Em outras palavras, o seu consumo por parte de um i­ndivíduo ou de um grupo social não prejudica o consumo do mesmo bem pelos demais integrantes da sociedade. Ou seja, todos se beneficiam da produção de bens públicos mesmo que, eventualmente, alguns mais do que outros. São exemplos de bens públicos: bens tangíveis como as ruas ou a iluminação pública; e bens intangíveis como justiça, segurança pública e defesa nacional.
 Outra característica importante é o princípio da ‘não exclusão? no consumo destes bens. De fato, em geral, é difícil ou mesmo impossível, impedir que um determinado indivíduo usufrua de um bem público [2].

Estritamente, esta definição de bem público não define o espaço construído como coisa pública. Ao contrário, os imóveis são os bens privados quase que por antonomásia. Há, entretanto, aspectos do espaço construído que, acredito, são bens públicos ?no sentido econômico. São eles tanto a paisagem da vida social como o registro histórico-cultural da sociedade.

Como paisagem da vida social, temos como construções mais óbvias as ruas, praças, calçadas, parques e outros elementos urbanos: são espaços construídos de domínio público claramente definido. Afinal, pagamos aos nossos municípios impostos investidos em sua construção e manutenção. São os chamados bens de uso comum do povo [3].

Ainda como paisagem da vida social urbana, temos o conjunto de edificações de propriedade pública e privada que compõem as nossas cidades juntamente àqueles bens de uso comum do povo. Tenham sido elas construídas sob a égide de regulamentações urbanísticas ou a sua revelia, as edificações constituem a imagem da cidade, definem seus referenciais, adensam ou esgarçam o tecido urbano e seus fluxos de pessoas e veículos, dentre tantas outras interações de ordem coletiva.

A sobreposição e convivência temporal destes cenários construídos compõem parte da memória das culturas das sociedades, refletind­o, criando e ratificando seus valores como coisas autônomas que estes espaços construídos são. Para as gerações futuras, esse patrimônio é registro de sua própria história pregressa, a ser interpretada de acordo com os valores a elas contemporâneos.

Se estes aspectos essenciais do e­spaço construído emprestam-lhe um caráter e­minentemente público, cabe perguntar do papel desempenhado pela profissão do arquiteto na produção desse espaço. Afinal, se 70% da produção de moradia no País está fora do mercado formal [4], o arquiteto-projetista de edifícios talvez seja responsável por uma parcela quantitativamente pouco significativa do espaço construído da sociedade de nosso país. Convido o leitor a debruçar-se sobre o mapa de qualquer das grandes metrópoles brasileiras, delimitando as áreas e pontos de interesse da cultura arquitetônica local: os edifícios e casas que são publicados em revistas, que estão em nossas exposições, que recebem prêmios de nossos institutos. Mesmo em termos planimétricos, a porcentagem constatada será seguramente bastante inferior aos 30% restantes da estatística acima.

Isso não é novidade. Em 1946, Oscar Niemeyer já dizia que:

(…) se examinamos nossa atividade profissional objetivamente, constatamos que ela se limita exclusivamente à solução do problema arquitetural de edifícios isolados, públicos, ou de casas de burgueses. Em suma: as construções que, logicamente, deverão ser eliminadas de um ‘plano diretor?exato e definitivo que englobe sem distinção a todos os problemas arquiteturais de nossas cidades e de nosso país. [5]

Na verdade, atender somente às elites das sociedades e ao Estado é talvez uma das c­­a-racterísticas primordiais da profissão: a antiga função social do arquiteto era produzir edifícios de poder e gosto para pessoas de poder e gosto [6].

Garry Stevens define este valor de gosto em jogo na dinâmica da profissão como capital s­imbólico. Apoiado no referencial teórico de Pierre Bourdieu, o arquiteto australiano afirma que não estão em foco aqui os objetos produzidos ?as edificações, projetos etc. ?mas a perpetuação de um sistema onde a classe dominante mantém fechado o espaço social e transmite poder e privilégio através das gerações erigindo barreiras simbólicas em torno de si mesma [7]. Para este autor, a sobreposição de paradigmas dentro do campo da arquitetura, historicamente, trata-se apenas do jogo endógeno de substituição de um valor de capital simbólico de uma geração ascendente frente à geração anterior. Sua finalidade essencial m­antém-se a mesma: perpetuar o sistema de divisão de classes através de uma estrutura simbólica de gosto. Os sucessivos movimentos arquitetônicos teriam sempre na essência de seu discurso a negação de valores de uma g­eração em prol dos valores da geração seguinte, legitimando a autonomia do campo ao mesmo tempo em que se cria um novo conjunto de valores simbólicos. Assim, por exemplo,

a história do Movimento Moderno é precisamente a história das tentativas afinal vitoriosas da vanguarda de desvalorizar completamente o capital ‘beaux-arts?em favor do seu próprio capital [8].

Sabemos que, de fato, o desejo (frustrado) de atender diretamente a toda a sociedade, tendo todas as classes por clientes, foi inculcado na cultura arquitetônica pelas vanguardas modernas do início do século XX, a partir da ação do Deutsche Werkbund [9], bem como das vanguardas artístico-revolucionárias russas e sua ampla influência em figuras de proa da arquitetura européia, como Walter Gropius, Mies van der Rohe [10] e Le Corbusier [11].

Mais que substituir os valores simbólicos a­nteriores, os arquitetos modernos tinham diante de si o dever de manter a autonomia do campo arquitetônico. Ou seja: a tarefa de preservar íntegra a prerrogativa exclusiva do arquiteto em produzir edifícios de poder e gosto para pessoas de poder e gosto [12]. Para Stevens,

os modernistas conseguiram evitar qualquer ameaça à sua autonomia intelectual pelo simples expediente de ignorar aqueles para quem afirmavam estar projetando.

São célebres as anedotas acerca das inconveniências tecnológicas da impermeabilização da Villa Savoye (Le Corbusier, 1929) [13], e em como elas foram solenemente ignoradas por seu autor durante um bom tempo. É notório t­ambém como a afluência de um grande n­úmero de turistas-arquitetos tornou impossível o uso privativo das casas Farnsworth (Mies van der Rohe, 1946) e Falling Water (Frank Lloyd Wright, 1936). Ao fim e ao cabo, os a­rquitetos modernos ?tanto quanto os de o­utras gerações ?projetavam para outros a­rquitetos, não para seus clientes e muito menos para o povo. As obras arquitetônicas nesse sentido são instrumentalizadas de modo a viabilizar a ascensão social do arquiteto dentro de seu campo de batalha: o campo arquitetônico.

Não pretendo com esta constatação promover qualquer tipo de ataque à brilhante geração de arquitetos modernos ?dentro do Brasil, talvez os mais relevantes até hoje. Afinal, diferentes gerações usaram de expedientes similares ou até bastante menos nobres para ascender a determinado status cultural. Veja-se, por exemplo, os artifícios de ironia e cinismo ocultando a simples ausência de programa conceitual em diversos setores da crítica arquitetônica desde os anos de 1970 até hoje.

Ao contrário, a autonomia conseguida pelo campo arquitetônico durante o Movimento Moderno hoje é legítima. Afinal,

nenhuma área do campo cultural restrito (tais como a escultura, a poesia, a pintura, a música) está tão amarrada a outros campos sociais e é, portanto, menos autônoma. A tremenda tensão que isso cria no interior da arquitetura manifesta-se em uma variada sintomatologia: a teoria arquitetônica nunca se recuperou da perda das [supostas] certezas do modernismo; os arquitetos preocupam-se com a sua perda de influência na indústria da construção; o sistema educacional parece inadequado; as associações profissionais estão destroçadas e sem rumo. [14]

Feitas estas ressalvas com respeito ao caráter elitista da arquitetura ocidental ?e não apenas brasileira, como afirmou Niemeyer ? perguntamo-nos se o caminho rumo ao estabelecimento de um ethos arquitetônico inclusivo está no sistemático atendimento, pelos arquitetos, das demandas de camadas menos favorecidas de seu povo. Niemeyer nos responde:

Sempre recusei este equívoco, essa idéia medíocre dos que insistem numa arquitetura ‘mais simples, mais ligada ao povo? (…) Para mim, essa idéia da simplicidade arquitetural é pura demagogia, discriminação inaceitável e, às vezes, uma timidez que só a falta de talento pode explicar [15].

Oscar e outros membros do Partido Comunista, como o próprio Vilanova Artigas [16], entrincheiraram-se no marxismo clássico por detrás de uma fé pré-keynesiana na inexorabilidade da revolução proletária com o colapso do capitalismo ?o que explica o teor da passagem anti-assistencialista de Niemeyer acima. Para eles, a revolução não se faz com a arquitetura, mas na luta e na militância política [17]. Ou seja: arquitetura pouco teria a ver com política.

E a resposta da maioria dos arquitetos para este impasse tem sido o dar de ombros. Desde a queda do construtivismo russo no regime de Stalin, e mesmo desde Brasília, ficou bastante claro que a arquitetura per se não mudará a sociedade. E foi o próprio Corbusier quem, paradoxalmente, nos afirmou que a revolução pode ser evitada. As tentativas assistencialistas de construção de modelos de habitação popular em substituição aos tugúrios e favelas têm sempre esbarrado no problema do aspecto plástico massificado, do distanciamento dos centros urbanos, da baixa qualidade dos materiais construtivos, do subdimensionamento dos cômodos, além dos problemas de ordem social gerados pela imposição da solução às comunidades [18].

Mas como dar de ombros para esta exclusão, diante do caráter público inerente à arquitetura exposto no início deste texto? E não é a própria arquitetura de Oscar um poderoso instrumento político habilmente aproveitado por governantes para reforçar a estrutura simbólica do poder ?desde Pampulha até suas últimas obras?

Buscar um ethos inclusivo para a atividade do arquiteto pode ter outro sentido que a ação a­ssistencialista ou a construção de monumentos públicos. O espaço construído, conforme vimos, comunga em sua essência com a sociedade que nele habita. Mas que ethos inclusivo seria este?

As saídas elaboradas pelos arquitetos a partir da década de 1960 estiveram, em sua maioria, ligadas à eliminação da lógica clássica de projeto e construção. Pode-se citar como exemplos as obras de Christopher Alexander [19], primeiro com a tentativa de geração da forma via raciocínio matemático, e depois com a criação de um método baseado em padrões espaciais racionalmente catalogados e selecionados intuitivamente pelo arquiteto a partir de uma integração pessoal com os clientes e com o lugar. O edifício, nesse processo é construído sem projeto. Há ainda a obra de Lucien Kroll, feita de modo participativo com os usuários, permitindo-lhes atuar como designers na etapa de projeto e alterar as obras à vontade após a sua execução. O resultado plástico é de uma aparente desordem “vernacular?[20].

No Brasil, ao menos no campo arquitetônico, talvez a voz mais ouvida tenha sido a de Sérgio Ferro, em seu célebre O canteiro e o desenho. Para Ferro, ao separar a capacidade de pensar a construção da capacidade de fazer a construção, o desenho (entendido como projeto) é instrumento de alienação a serviço do Capital.

Assim, para a obra, o desenho não é representação de um objeto de uso. Representa, ou melhor, impõe sincretismo ao trabalho parcelado que deixa esfarelado para preservar sua missão unificadora [21].

O que estas respostas têm em comum é a negação da ordem vigente para a proposição de outra. Embora Alexander e Kroll tenham pautado suas práticas por estes “sistemas alternativos?ao longo de quarenta anos, eles nunca superaram esta condição marginal, não chegaram a formar uma “escola?baseada em suas práticas. Já Ferro abandonou a arquitetura e passou a dedicar-se à pintura, tendo exercido influência indireta nos movimentos de mutirão dos anos 80, baseados em suas formulações, e liderados por ex-alunos seus [22]. E embora a prática seja efetiva para massas organizadas como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, a premissa de dedicação das horas vagas dos operários à construção diletante de sua própria casa segue sendo um paradoxo [23].

Negando o projeto, o desígnio [24], o instrumento social cuja elaboração está ao alcance de poucos, estes arquitetos abriram a guarda da autonomia de campo da arquitetura. Por abdicar desta característica de distinção social, deixando-a aberta à participação dos usuários, suas propostas naturalmente seriam vistas no máximo como um objeto de curiosidade pela maior parte dos integrantes do campo arquitetônico. Os alunos de elite das escolas de arquitetura – o lugar onde as ondas de renovação tomam corpo ?não abririam mão do capital simbólico que já possuíam.

O relativo fracasso das tentativas de supe-ração do paradigma clássico moderno de autonomia do objeto arquitetônico, como cons-truto íntegro, suscita nossa próxima questão: é possível abrir mão desta função de comando do arquiteto, dessa força designadora, na definição e construção do espaço social?

Voltemos com mais atenção aos aspectos públicos do espaço construído. É neles e no exame de suas relações dialéticas com o homem que estão as chaves do argumento.

O espaço urbano, por onde passam as ruas, parques, praças, como bens de uso comum do povo, definem em sua essência a noção que desenvolvemos de espaço da coletividade. É nessa construção de nosso cotidiano particular que encontramo-nos com nossos vizinhos, que fazemos nossas refeições e compramos nossos bens de consumo.

É na relação de comunicação com os bens de uso comum do povo que as edificações particulares se tornam coisa pública. Ao mesmo tempo, para além dos desejos individuais de seus construtores, os edifícios são destinados a existir por um longo tempo, constituindo forçosamente parte da paisagem de vida de gerações futuras.

Estas duas relações de alteridade para com a vontade particular daqueles que constroem ensejam a responsabilidade do indivíduo para com a coisa pública. Elas, a uma vez, individua­lizam o domínio público e publicizam o domínio privado. A arquitetura, vista sob este ponto de vista, está na construção desta fina membrana entre o espaço fechado e o aberto, entre o momento atual e o seguinte. Como nos lembra Niemeyer, com uma clareza de pensa­mento lapidar:

para nós, o ‘espaço arquitetural?é a própria arquitetura e para realizá-la nele interferimos interna e externamente, integrando-a na paisagem e nos seus interiores, como duas coisas que nascem juntas e harmoniosamente se completam [25].

É a arquitetura portanto tentativa de cons­trução do espaço social, de estabelecimento de diálogo entre as múltiplas vontades individuais e entre tempos diferentes. A compreensão do outro é o que torna o existir possível, o ensimesmado torna sua própria existência uma tarefa árdua [26].

Esta tarefa de compreensão do outro coloca-nos a premissa do estabelecimento de uma linguagem comum. E é na construção da potencialidade do objeto concreto como materialização desse campo de diálogo que reside a labuta daquele que constrói.

O espaço concreto deve ter então uma integri­dade material, uma determinada saúde plástica que o torne identificável e compreensível como instrumento de diálogo. Esta possibilidade de diálogo, per se, abre o campo semântico da obra tornando-a processo político. Não se trata aqui apenas de uma platônica autonomia formal [27].  Trata-se de coerência entre forma e possibilidades materiais do momento e da situação. Sem esta coerência, esta integridade própria da coisa em si [28], a construção fará sentido para menos pessoas.

Assume-se, com isso, que há valores c­oncretos próprios de cada situação, que p­odem ser transferidos para a construção de nosso ambiente. Este, como objeto que tem existência própria, dialoga com a própria sociedade que o criou em cada momento futuro. O grau de efetividade da arquitetura, nesse sentido, estaria diretamente ligado à abrangência de sua universalidade, de sua capacidade de comunicar, de fazer sentido para um número maior de pessoas. É essa capacidade que distingue, por exemplo, uma construção universal como o anexo da National Gallery (I.M. Pei, Washington, 1968).
São inúmeros os esforços teóricos de identificar uma estrutura lingüística comum à arquitetura ocidental: Norberg-Schulz, Charles Moore, Herman Hertzberger e outros assentaram uma sólida fundação nesse sentido. Acredito que a arquitetura de Oscar Niemeyer (na fase de 1957 a 1989), Álvaro Siza, Louis Kahn e I.M. Pei, por exemplo, são exemplos lapidares de síntese a partir desse tipo de princípio atemporal. O caráter clássico desse tipo de arquitetura não vem ao acaso. Como já foi dito, o Movimento Moderno não mudou o habitus elitizante da arquitetura, que a torna nossa atividade propícia à construção de monumentos:

Raro é o edifício não projetado por um arquiteto que represente os valores supremos de uma civilização. Isto tem sido verdade para templos, palácios, bibliotecas e prefeituras na Grécia, em Roma e na Europa do período da Renascença; e, mais recentemente, para museus, universidades, edifícios governamentais e sedes de corporações. O projeto dos grandes edifícios monumentais de projeção é o único domínio da arquitetura, seu mercado natural. Nenhuma outra profissão foi capaz de concorrer efetivamente neste mercado, seja no passado ou seja nos dias de hoje [29].

Entretanto, se há esta cultura ocidental a que todo bom artefato acaba prestando contas, há também, neste artefato, a incorporação de códigos sociais locais aos quais o arquiteto-cidadão local é capaz de atender. Ocorre aí a ruptura entre o campo arquitetônico e o campo social-comunitário em que ele se insere.

Para que o arquiteto construa, no espaço público, a ligação entre o mundo privado e o público; entre o tempo presente e outros tempos; entre cultura local e cultura global, é necessário que ele seja efetivamente parte daquela polis. Mas como isso é possível, num país onde apenas 24,9% da população possui formação mínima de nível médio? [30]

À primeira vista, a proliferação dos cursos de arquitetura no país, aliada a políticas públicas que garantam o acesso de membros de uma maior gama de classes sociais pode representar uma solução. Afinal, ao aumentar-se a diversidade social do elitizado curso de arquitetura, aumenta-se a capilaridade do campo arquitetônico dentro do tecido social, enriquecendo as possibilidades culturais do primeiro e melhorando a qualidade da arquitetura socialmente relevante do segundo.

A verdade, porém, é que mesmo em países onde o nível educacional é alto ocorre o pro­blema da elitização dos bens de capital simbólico, conforme nos atesta Stevens [31]. Surpreendentemente, a quantidade de a­rquitetos formados no mercado não interfere na quantidade de arquitetos de elite que a sociedade consegue suportar. Em estudo de séries históricas, Stevens demonstra que a razão entre a população e o número de arquitetos de elite ?ou gênios – manteve-se aproximadamente constante nos últimos quinhentos anos [32]. Esses arquitetos projetam os monumentos de sua geração.

Ocorre que o campo arquitetônico simplesmente exclui de seus valores simbólicos outras atividades que não projetar monumentos ou, o que é mais recorrente, projetar edifícios de uso cotidiano com a lógica e os valores de monumentos. Mais que isso, o arquiteto que não se dedica ao projeto de edifícios é considerado profissional de segunda categoria. Excluem-se assim aqueles que se especializaram em conforto ambiental, gestão de projetos, gestão pública, planejamento urbano, execução de obras, patrimônio histórico etc. Com o tempo, pelo menos em campos mais estabelecidos como o planejamento urbano e o patrimônio histórico, a recíproca tornou-se também verdadeira com relação aos próprios arquitetos projetistas.

Portanto, criar um ethos inclusivo para a atividade do arquiteto passa por criar um ethos inclusivo dentro do próprio campo arquite­tônico, diversificando-o [33]. É preciso que as escolas de arquitetura, a história e os meios de comunicação especializados passem a tratar da diversidade de possibilidades profissionais do arquiteto não como alternativas de trajetórias de mercado, mas também como estratégias simbolicamente válidas e não-excludentes entre si.

Não proponho, com isso, a desagregação da arquitetura ou sua segmentação em especialidades. Ao contrário: ampliando a gama de quali­ficações simbolicamente relevantes no campo profissional do arquiteto, abre-se o diálogo em condições de igualdade entre c­ampos de saber. Tomemos o exemplo dos meios de comunicação: no quadro de estreitamento de visão atual, raro é o artigo sobre arquitetura nos anais de encontros de urbanismo, e mais rara ainda é a discussão de planejamento urbano em periódicos de arquitetura. A construção do espaço social, com toda a carga de integridade material que ele deve possuir, é o denominador comum a todas as disciplinas ligadas à arquitetura.

Acredito que, em lugar de reduzir a autonomia do campo, esta diversidade disciplinar “humanística?amplia as suas fronteiras. E se, nas escolas de arquitetura, o ateliê de projeto é o local de transmissão do habitus elitista da construção de edifícios [34], que se criem ateliês ligados também às outras atividades. É preciso que se abra ao estudante a possibilidade de reali­zação pessoal e profissional através da arquitetura fora do já saturado campo da produção de objetos de gosto para pessoas de gosto.

Diversificando a matriz do campo a­rquitetônico, ele se tornará naturalmente mais permeável ao diálogo social participativo e não assistencialista. O arquiteto que se sente cidadão ?e não excluído ?no próprio campo arquitetônico terá possibilidades maiores de difundir uma cultura de cidadania no campo social que ele freqüenta. Terá, portanto, maiores possibilidades de criar objetos mais íntegros por dialogarem mais com a sociedade em que se inserem. Serão espaços construídos que promoverão o diálogo entre o bem comum e o bem privado de modo mais efetivo.

É na aceitação da diversidade e no diálogo que exercitamos esta espécie de humanismo lato sensu [35]. Não saberemos criar bons espaços públicos se não soubermos, antes de mais nada, constituir grupos coesos, abertos ao diálogo, dentro de nosso próprio campo. Para isso, é necessário ampliar os canais de comunicação internos, estabelecendo debates próprios da cultura arquitetônica. Rompendo-se o hermetismo dos valores de cada especialidade rumo a valores compartilhados por toda a comunidade arquitetônica, esta tende a aproximar sua linguagem à da sociedade: a arquitetura passa a ser socialmente relevante.

No caso brasileiro, especificamente, é preciso que aprendamos a analisar e extrair valores de nossa realidade mais próxima para criar este sentido de cultura. É necessário romper a estratégia pela qual se tenta afirmação no meio arquitetônico pela novidade conceitual e/ou formal, usando-a para atacar a prática e o pensamento locais. Darcy Ribeiro, em 1978, já nos alertava para este vício comum:

Lamentavelmente, em todos os campos, a maioria dos jovens especialistas se forma ignorando solenemente os esforços de autoconhecimento realizados no Brasil. Exilados espiritualmente em seu próprio país, filiam-se prontamente às escolas de moda no estrangeiro, passando a papaguear sua linguagem, a assumir suas poses, a penar suas angústias e a encarnar suas preocupações. Quando amadurecem como pesquisadores, convertem-se em verdadeiros “cavalos de santo?do sábio francês ou inglês do dia. [36].

Ao longo dos últimos quarenta anos, a crítica incondicional da geração atual vem destruindo as tentativas de formação cultural feitas pelas gerações anteriores, num círculo vicioso estéril.

Tome-se como exemplo a recente retomada dos valores da Arquitetura Moderna Brasileira. Se, por um lado, esta pesquisa parte do saudável preceito de entender os valores de nossa sociedade, por outro lado é preciso que não se percam as conquistas e descobertas das gerações das décadas de 1980 e 1990: o estudo dos valores clássicos e atemporais da arquitetura, a criação da noção de significado arquitetônico, a preocupação ambiental premente, dentre tantos avanços.

É preciso criar uma polis arquitetônica, definindo uma arquitetura lato sensu sem perder de vista os valores próprios de cada disciplina, para que saibamos contribuir para a formação de nossas cidades como espaços construídos materialmente íntegros e efetivamente públicos. Afinal, a profissão do arquiteto, ela mesma, ao ser não excludente, transforma-se num bem público.

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade (…). (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 05 out.1988. Art. 183, § 2º.)

referências bibliográficas

ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de artigas aos mutirões. São Paulo: Editora 34, 2002. 255p.
CURTIS, William J. R. Le Corbusier: ideas and forms. London/New York: Phaidon, 2003. 240p.
FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. São Paulo: Projeto/IAB-SP, s/d [1979]. 112p.
GIAMBIAGI. Teoria das finanças públicas. In ______ . Finanças públicas. 2ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p.23-67
MALLARD, Maria Lúcia.(org.) Cinco textos sobre arquitetura. Belo Horizonte: UFMG, 2005. 237p.
MARTINS, Bruno. Tipografia popular: potências do ilegível na experiência do cotidiano. 2005. 100p. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) ?Universidade Federal de Minas Gerais ?FAFICH, Belo Horizonte.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 28ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 792p.
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NIEMEYER, Oscar. Arquitetura como arte espacial. In CORONA, Eduardo. Oscar niemeyer: uma lição de arquitetura ?apontamentos de uma aula que perdura há 60 anos. São Paulo: FUPAM, 2001. 131p.
______ . As curvas do tempo: memórias. Rio de Janeiro: Revan, 1998. 294p.
______ . Ce qui manque à notre architecture. In: LE CORBUSIER, OEuvre Complete (1938-1946). Zurich: Les Editions d´Architecture, 1946. p.90
RIBEIRO, Darcy. UnB: invenção e descaminho. Rio de Janeiro: Avenir, 1978. 139p.
SANTOS, Milton. Sociedade e espaço: a formação social como teoria e método. In ______. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979.p.9-27.
SOBREIRA, Fabiano José Arcádio. A lógica da diversidade: complexidade e dinâmica de assentamentos espontâneos. 2003. 262p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Urbano) ?Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
 STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Trad. Lenise Barbosa. Brasília: UnB, 2003. 272p.

notas

1.  SANTOS, 1979. p.10.
2.  GIAMBIAGI, 2000. p.24
3.  MEIRELLES, 2003. p.491.
4.  MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004. p.47
5.  si nous examinons notre activité professionnelle d´une façon plus objective, nous constatons, qu´elle se limite exclusivement à la solution du problème architectural d´édifices isolés, publiques, ou de maisons de bourgeois, bref: des constructions qui, logiquement, devraient être eliminées d´un ‘plan directeur?exact et définitif englobant sans distinction tous les probl`emes architecturaux de nos villes et de notre pays. In: NIEMEYER, 1946. p.90.
6.  STEVENS, 2003. p.244.
7.  STEVENS, 2003. p.84.
8.  STEVENS, 2003. p.91.
9.  Cf. FRAMPTON, Kenneth. The Deutsche Werkbund. In Modern Architecture: a critical history. 3ed.  London/New York: Thames and Hudson, 1992. p.109-115.
10. Esses dois participantes do Werkbund.
11. O capítulo Livrar-se de todo o espírito acadêmico de Précisions ilustra bem esta nova mentalidade. in LE CORBUSIER, Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. Trad. Carlos Eugênio de Moura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. p.35-45
12. William Curtis ainda nos diz: “While Le Corbusier was preaching the virtues of mass-production dwellings and the vision of a transformed modern city, he was supporting himself with a practice based largely upon the construction of private houses, artist’s studios and villas for the well-to-do. In the France of the 20’s, agencies for large scale urban reform were lacking. Even the small-scale Pessac experiment perhaps showed that Le Corbusier’s aesthetics were more suited to ‘cultured people?(as Rasmussen put it) than to workers: that the architect’s universal values were more classbound than he might have hoped. In the 1920s ‘Esprit Nouveau?was to become the cultural property of upper middle-class bohemia more than any other social group.?In: CURTIS, 2003. p.71.
13. “Alguns dias depois que a família Savoie [sic] havia se mudado para sua famosa casa, a cobertura da sala de estar começou a apresentar vazamentos. Eles ficaram muito aborrecidos e imediatamente chamaram Le Corbusier.
Quando este chegou, foi imediatamente levado para inspecionar os danos e sugerir uma solução. Ele ficou, por alguns segundos, observando fixamente a água. Finalmente, virou-se para os Savoie [sic] e pediu uma folha de papel em branco. Entregou-a a Le Corbusier. Corbu a colocou em uma mesa próxima, dobrou-a cuidadosamente e fez um barco de papel.
Caminhou até o centro da sala, inclinou-se e pôs o barco dentro d´água, disse au revoir e foi embora.”ANTONIADES, A.C. citado por STEVENS, 2003. p.102.
14. STEVENS, 2003. p.113
15. NIEMEYER, 1998. p.270
16. Para um desenvolvimento deste tema:
Na obra de Niemeyer,  cf. PEREIRA, Miguel Alves. Arquitetura, texto e contexto: o discurso de Oscar Niemeyer. Brasília: UnB, 1997. p. 148-153 e 163-171.
Na obra de Artigas, cf. ARANTES, 2002. p.39-48 e p.91-106
17. Cf. NIEMEYER, 1998. P.259.
18. “Em termos práticos, podemos destacar quatro tipos de postura que têm sido aplicados aos assentamentos espontâneos: remoção, relocação, compartilhamento e melhoria in loco.
(…)
A relocação (…), deslocando a população de baixa renda para conjuntos habitacionais construídos em massa nas periferias das grandes cidades, (…) é vista como ineficaz e anti-econômica (…), pois além de exigir uma grande concentração de recursos, a serem aplicados em curto espaço de tempo, exige também transformações abruptas no modo de vida e nos padrões de moradia. Conseqüentemente, boa parte dos moradores relocados acaba cedendo às pressões da especulação imobiliária, desfazendo-se do imóvel e ocupando novamente os assentamentos informais das áreas centrais, alimentando um ciclo vicioso.?In SOBREIRA, 2003. p.22.
19. Alguns de seus trabalhos mais recentes estão disponíveis na internet em <//www.patternlanguage.com/&gt; . Acesso em 08fev.2006.
20. Seus trabalhos estão disponíveis na internet em <//homeusers.brutele.be/kroll/&gt; . Acesso em 08fev.2006.
21. FERRO, s/d., p.16.
22. Cf. ARANTES, 2002. p.163.
23. Cf. ARANTES, 2002. p.213.
24. Cf. ARTIGAS, João Batista Vilanova. O desenho. In ______ . Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 1999. p.71.
25. NIEMEYER, 2001. p.36.
26. MARTINS, 2005. p.31.
27. Cf. KAPP, Silke. Por que teoria crítica da arquitetura? Uma explicação e uma aporia. In MALLARD, 2005. p.158.
28. Refiro-me aqui ao conceito de coisa em si desenvolvido por Heidegger em  HEIDEGGER, Martin. The Thing. in Poetry, Language, Thought. New York: Perennial Library. 1971, p. 165-183.
29. GUTMAN, Robert. Citado por STEVENS, 2003. p.103.
30. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004.
31. Cf. STEVENS, 2003. p.106.
32. Cf. STEVENS, 2003. p.170.
33. Neste ponto, Stevens aponta que a diversificação do campo continua mantendo o não-projetista em condição secundária no campo alternativo escolhido ?como patrimônio histórico, por exemplo. Entretanto, no Brasil, onde estas outras atividades dificilmente constituem um campo autônomo, o mesmo não aconteceria. Cf. STEVENS, 2003. p.251.
34. Cf. STEVENS, 2003. p.223-224.
35. Refiro-me aqui ao iluminado texto de Carlos Antônio Brandão:, para quem: “Talvez o nosso maior desafio, hoje, seja o de inventar um novo homem. Esse também foi o desafio fundamental dos humanistas no início do Renascimento. Antes de mais nada, eles tiveram de elaborar um “projeto?dos modelos de ser humano e de cidade, contrapostos aos homens e às cidades existentes, com seus valores, hábitos e modos de pensar e viver. Esse projeto recebeu o nome de Humanismo e a humanidade que ele descreve não existiu plenamente naquela época, nem antes nem depois.(…) Reflexão e ação fecundavam-se reciprocamente: verba e res permanecem tensionando-se, mas unidas, e o pensamento se traduz num artefato, num artefazer, numa ação destinada a melhorar o mundo ao redor.”BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Humanismo latu sensu. In MALLARD. 2005. p.22-61.
36. RIBEIRO, 1978. p.90.

danilo matoso macedo
Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004). Foi professor de projeto arquitetônico na Escola de Arquitetura da UFMG (2003) e no Curso de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB – Brasília (2003-2005). É Arquiteto da Câmara dos Deputados desde 2004. Participa de concursos nacionais e internacionais, tendo recebido premiações em diversos deles. Possui escritório próprio desde 1996.

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O valor das obras de um homem não está nas obras, mas em seu desenvolvimento pelas mãos de outros, em outras circunstâncias.  Paul Valéry

Percebi que a arquitetura estava ligada a uma problemática nacional e popular e que era preciso arranjar uma ética que me reconciliasse com os ideais do povo brasileiro.
Vilanova Artigas

A arquitetura brasileira apresenta historicamente duas posições distintas quanto à importância e uso da técnica: a primeira, dominante desde o surgimento da arquitetura moderna no país, preocupa-se com a exploração plástica da estrutura e estabelece um discurso sobre a aplicação primorosa do conhecimento da construção. Esta vertente é bem representada por obras exemplares de arquitetos como Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, e ainda pela obra inicial de João Filgueiras Lima e algumas realizações de Affonso Reidy e Lina Bo Bardi. Não obstante a grande diferença quanto à escala, programa, origem dos recursos e mesmo a época da realização das suas obras, os arquitetos citados reeditam, cada um à sua maneira, um “discurso sobre a técnica? Oscar Niemeyer é quem mais radicalmente explorou as grandes estruturas, nas suas obras brasileiras possibilitadas por sua opção em trabalhar exclusivamente com obras públicas, e nas obras estrangeiras, para “mostrar o desenvolvimento da enge­nharia nacional? discurso que se conserva até a produção recente do arquiteto. Vilanova Artigas, em outro sentido, explorou as grandes estruturas em especial através do argumento de Auguste Perret de que “?preciso fazer cantar os pontos de apoio? Foi ainda um dos arquitetos que mais influenciou a arquitetura paulista no que concerne à aplicação do concreto armado aparente com a exploração dos grandes planos e empenas estruturais (Garagem de Barcos Santa Paula ?1961, FAU-USP ?1961) das lajes nervuradas permitindo o grande vão (FAU-USP, Rodoviária de Jaú ?1973, Vestiários do São Paulo Futebol Clube ?1961, Anhembi Tênis Clube ?1961, Ginásio de Utinga ?1962, Colégio 12 de Outubro – 1962) e da racionalidade construtiva dos “quatro pontos de apoio?(Casa Taques Bitencourt ?1959, Casa Ivo Viterito ?1962, Casa Mendes André ?1966), que se tornou aspecto recorrente na arquitetura paulista pós-Artigas, inclusive na obra de Paulo Mendes da Rocha. Nesta última, a matriz racionalista, herdada de Artigas, que caracterizou seus primeiros trabalhos como respostas generosas e inventivas às necessidades do cotidiano, cede lugar a um maior refinamento da técnica e da forma que dela decorre, o que aparece em projetos como o Museu Brasileiro da Escultura ?1988 e a marquise da Praça do Patriarca ?1992.

Para além da necessidade programática, estes projetos editam elementos de alta tecnologia que procuram estabelecer um discurso sobre a fundação ou edição do lugar através de uma exibição do conhecimento. Numa outra direção, o refinamento construtivo conduziu à exploração da lógica de montagem e industrialização de grandes estruturas na obra de Lelé, destacando-se os projetos iniciais em Brasília ?década de 70 e o Centro Administrativo da Bahia ?1973, que apresentam uma industrialização com grandes peças e com uma complexa lógica de montagem. Já a obra de Lina Bo Bardi explorou as estruturas protendidas, gerando à época o ?em>maior vão livre do mundo? no Museu de Arte de São Paulo – 1957, liberando o belvedere de inegáveis qualidades quanto ao uso público e abertura para a paisagem. Antecedeu a solução atirantada das lajes do MASP a bela solução construtiva de Affonso Reidy no projeto do Museu de Arte Moderna ?1953, no Rio de Janeiro, que reduz a seção dos pilares pela utilização da compensação entre momentos fletores na base do “V? O atirantamento das lajes, liberando um dos pavimentos ?à exceção do MAM, em geral é o térreo o pavimento liberado – foi também trabalhado por Oscar Niemeyer na Sede Mondadori – 1968, em Milão, e por Vilanova Artigas no Laboratório Nacional de Referência Animal, Lanara – 1975, em Pedro Leopoldo, MG. Esta solução, por ampliar os percursos das cargas até a fundação, contrariando a lógica natural imposta pela gravidade, é significativamente mais onerosa do que uma condução mais direta dos esforços, e nem sempre justificada quando confrontada com os usos em questão. Explicam-se este e outros artifícios estruturais não pela simples resposta ao programa colocado, mas pelo esforço de demonstração de um avanço da engenharia brasileira.  Para isso, estes arquitetos realizam edifícios cuja virtuosidade técnica, em geral de alto custo e construção especializada, confere às obras o status de ícone, monumentos que passam a ser cultuados e assimilados pelo inconsciente coletivo como símbolos do progresso do país e da alta capacidade de que dispomos para a construção dos principais edifícios públicos que abrigam e representam as instituições nacionais. Pelo alto grau de exploração t­écnica, nem sempre disponível de forma generalizada, e por apresentarem alto custo decorrente, entre outras coisas, da alta especia­lização construtiva, têm menor capacidade de gerar desdobramentos para o aprimoramento da construção cotidiana em larga escala. Sobre esta tendência, Lucio Costa se manifestou sabiamente:

A idéia é sempre exigir das novas técnicas soluções extremadas, não é? (…) Nas mãos de um arquiteto qualificado, naturalmente ele faria bem, mas essas levas e levas de arquitetos, cada um pretendendo “eu acho bonito? estão destruindo completamente o que era honesto: uma arquitetura vinculada a um sistema construtivo, uma coisa assim, sempre com a participação da qualidade, da intenção de harmonia (…). Porque nesta intenção o arquiteto se revela. (…) Porque realmente os arquitetos são estimulados para serem gênios, para inventar. Então o sujeito fica inventando demais, o próprio Oscar foi culpado disso [1].

De outro lado, é possível enumerar projetos em que se coloca em primeiro plano como fato mais relevante do uso e desenvolvimento da técnica não a sua própria demonstração, mas a preocupação em editar o conhecimento da construção de modo a responder aos problemas específicos colocados em cada situação. Esta outra maneira de consi­derar a importância da técnica esteve presente na obra de Lucio Costa e em grande parte da produção de Lina Bo Bardi. Nelas, a conciliação entre os padrões eruditos da arquitetura moderna e a tradição, tanto da arquitetura luso-brasileira, por um lado, como da arquitetura popular e o vernáculo, de outro, fundam uma abordagem da técnica de modo menos discursivo e mais fundado na interpretação de uma tradição construtiva [2]. Todas as casas projetadas por Lucio Costa são exemplares neste sentido. Esta abordagem também é fundadora da obra de Joaquim Guedes, que vale ser ressaltada em dois aspectos: primeiro, por ela mesma constituir uma crítica à atitude dominante da exploração formal das estruturas, revelando um decoro que apresenta uma “clara contenção no uso do concreto aparente?em favor de uma maior diversidade de materiais e tecnologias permitindo responder melhor ao clima, à economia ?escassez de recursos, e às “necessidades do dia-a-dia de atividades humanas específicas?[3]. Em segundo lugar, configura também uma atitude de resistência que retoma o vernáculo e as tradições cons­trutivas locais, reinterpretando-as para melhor respon­der aos problemas e limitações brasileiras. Essa postura crítica aparece no projeto do Grupo Escolar Ataliba Nogueira, de 1961, é exemplar nos projetos para a Cidade de Caraíba, na Bahia, e ainda orienta diversos projetos de residências.

Por último, vem se mostrando exemplar a obra recente de João Filgueiras Lima, que, para além da busca da invenção do maior vão ou de demonstração de virtuosidade, pesquisa sistemas cuja complexidade, lógica de montagem e adequação ao clima transportam nosso mais alto conhecimento para a construção de edifícios para o cotidiano, viabilizando edifícios de qualidade assustadoramente acima da média nacional que ao mesmo tempo apresentam baixo custo e grande facilidade de assimilação dos princípios de montagem nos mais variados locais do país, por mão-de-obra nem sempre especializada. Seu senso de economia, modularidade e repetição, facilidade e agilidade de montagem constituem uma resposta contundente à realidade brasileira, com grande potencial didático de gerar desdobramentos virtuosos para melhorar a qualidade da grande massa de construções anônimas que conformam nossas cidades [4]. Este compromisso com o desenvolvimento de uma técnica que nos permita superar o atual estágio civilizatório, com uma preocupação mais centrada na resolução de problemas aparentemente simples quando comparados ao avançado domínio da tecnologia que nossos grandes edifícios já demons­traram, mas complexos e aparentemente intrans­poníveis se abordados na construção cotidiana, parece apontar uma alternativa de construção viável e democrática para a ação dos arquitetos brasileiros contemporâneos, uma vez que recupera a racionalidade e a exploração das virtudes da técnica próprias da Modernidade, mas evita a ingênua crença no seu predomínio como um a priori positivo e universal. Concilia as virtudes da modernidade com as limitações e os valores locais, absorvendo criticamente um dos maiores avanços que o pensamento pós-moderno apresentou: a constatação do fim dos meta-relatos legitimadores e a valorização das especificidades regionais.

Se quisermos dar respostas mais abrangentes e pertinentes à sociedade, será preciso editar o conhecimento da construção para responder objetivamente às limitações já amplamente conhecidas ?em especial a escassez de recursos e a baixa qualificação da nossa mão de obra.

Sabemos produzir monumentos; falta-nos a competência para responder ao cotidiano. Transpor todo o conhecimento desenvolvido nos últimos 60 anos para um domínio de aplicação mais amplo e mais acessível a todos, buscando uma construção mais pertinente que reduza a distância entre o edifício comum e o de exceção. Por de lado o discurso e colocar a mão na massa. n

notas

1.  Cf. “Entrevista? Revista Pampulha, n.1, novembro-dezembro de 1979, p.12-19.
2.  Sobre a diferença entre as estratégias de ambos, ver WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p.35.
3. CF. CAMARGO, Mônica Junqueira de. Joaquim Guedes. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
 4.  Em recente artigo na Revista AU, Edison Eloy, Yopanan Rebello e Marta Bogéa apontam a pertinência das soluções  construtivas desenvolvidas por Lelé, Joan Villá e Eladio Dieste para as condições sociais, econômicas e culturais sul-americanas. In: “Invenção: popular e erudito? Revista AU, n. 141, dezembro 2005, p. 72-75.

carlos alberto maciel (1974)
Arquiteto e Urbanista (EA-UFMG – 1997) e Mestre em Teoria e Prática de Projeto (EA-UFMG – 2000),  professor no Unicentro Izabela Hendrix, autor de diversos projetos e obras destacados em premiações como o 3o, 4o , 6o e 7o Prêmios Jovens Arquitetos (1997-1999-2004-2005), a 4a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (1999), o 4o Prêmio Usiminas Arquitetura em Aço ?Centro de Arte Corpo (2001), a Premiação do Instituto de Arquitetos do Brasil ?São Paulo (2004), entre outros. Possui escritório próprio desde 1996.

contato: carlosalberto@arquitetosassociados.28ers.com | www.arquitetosassociados.28ers.com

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Veja as versões ampliadas dos projetos comentados:

Plano Piloto de Brasília

Cidade Caraíba – BA

Progetto Bicocca – Itália

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos

Temas de congressos e seminários, garimpados intensa e honestamente, no calor da organização, sempre acertam. São frutos de racionalidade inalcançada, que flutua à procura de uma espécie de verdade diferida. Parecem estranhos e pretensiosos, num primeiro momento. Rumo incerto. Depois crescem e iluminam inúmeros sentidos. Brilham. Como no XX Congresso da União Internacional de Arquitetos, em Berlim, 2003. O tema era radical: “Recurso Arquitetura? Ao final, revelou-se um instigante suporte à reflexão de centenas de participantes do mundo todo, como pudemos ver.

Assim, foi um prazer perscrutar, na forma apresentada, os possíveis significados da associação dos termos “monumentalidade, cotidiano?e “a função pública da arquitetura? Habitualmente coexistem neutros. Porém aqui, “MONUMENTALIDADE X COTIDIANO? isto é, versus e contrapostos, caixa alta em meio de frase, não são mera ocasionalidade gráfica. Instauram um forte confronto entre os conceitos iniciais que aperfeiçoa o tema em certeiro e contundente questionamento. Leio, finalmente, dois pontos: “A FUNÇÃO PÚBLICA DA ARQUITETURA? como um arremate conciliador … que os paulistas veriam, com todo o respeito, como virtude tipicamente mineira. A preposição “da?transforma a função pública em algo inerente à natureza da arquitetura. Então, estamos salvos, não há problema. Finalmente, não há conflito. Nem tão monumental, nem tão cotidiano, se formos re-publica-nos.

Voltando ao tema, “monumentalidade?aponta sobretudo para obras artísticas de grandes dimensões. Ela não ocorre na fase heróica inicial do modernismo internacional, mais preocupado com o social. Surge de fato mais tarde, no encontro da arquitetura “m­oderna? já, então, em evidência e prestigiada, em namoro com as ditaduras na metade do século XX. Mussolini, Hitler e Stalin foram cortejados pelos mestres. São conhecidas as investidas de Le Corbusier sobre Mussolini e Stalin. Aqui no Brasil a arquitetura moderna foi parida no colo da ditadura, com a ajuda dele, desde o início desenvolta, monumental e um tanto inconsciente ou ingênua.

Porém, o monumental vai revelar-se mais do que uma santa opção pelo tamanho grande. Vai ser celebração auto-referente de governos em obras de arte e avenidas, evidentemente, com dinheiro público que, insuficientes, faltarão para os investimentos sociais. Na Itália dos anos 60 chegou-se a propor uma volta histórica ao espaço urbano do século XIX, na verdade o desenho fascista gravado nas nossas retinas e que o novo mundo queria esquecer. Na A­lemanha reunificada nos anos 90, as normas para construção de Berlin, traçadas pelo parlamento, pasmem, estabeleciam diretrizes para a cons­trução de edifícios limitados em altura, para recuperar o “notável espaço urbano europeu?que a América jamais compreendeu. Edifícios altos e alta densidade passaram a ser consi­derados coisa de metrópole subdesenvolvida e inculta, salvo as ricas exceções, confirmadoras da regra.

A verdade inelutável é que o tema é essencialmente político. Livraram-nos, habilmente, do problema, tomando o adjetivo público como se fosse sinônimo perfeito de político ou o substituísse. Longe disso, eles são conceitualmente i­ndiferentes e nos enganam. Não se superpõem a não ser que a política seja, de verdade “a arte de bem governar os povos? que está no dicionário com um terceiro corolário metafórico entre outros, principais, antecedentes, que acolhem falcatruas. Poderia ser “a arte e a virtude do bem comum? como agradava dizer ao governador Franco Montoro. Mas, não é assim. Público é o que pertence ao povo, para quem e em nome de quem a política seria exercida. No cotidiano dos jornais a política é suja. Ficamos entre gracejos do tipo o “errar é humano?e o retorno dos bilhões roubados, para ser aplicado em investimentos de infra-estrutura e em projetos sociais, com os Poderes da República saneados e os políticos rastaqüera e os “criminosos?na cadeia, no que ninguém acredita. Tristes e indignados, haveria controvérsias e inabilidades de tal porte em nossos discursos que dificilmente haveria consensos e chegaríamos a tempo de falar de arquitetura.

Voltemos, portanto, rapidamente ao tema com algumas observações, como se estivéssemos numa simples conversa. A manutenção do trabalho cotidiano organizado e lúcido é forma de resistência política:
1. “Certos povos perdem-se em seus pensamen­tos; mas para nós, Gregos, todas as coisas são formas? Esta fala do Sócrates de Valéry, quando se assume “construtor?no meio do Eupalinos, acompanha-me desde os anos 50, e deu-me paz. Aos poucos aprendi que forma é matéria, material, e senti mais paz…
2. Arquitetos, estamos condenados ao prazer de pensar e repensar a forma e sua invenção, isto é, o processo de sua emersão a cada novo projeto. Idéia fixa desde a Faculdade, depois, obsessão ascensional, resultou em minhas teses, pela USP, de Doutorado em 1972 e de Livre Docência em 1982. Cito Valéry a propósito de matéria indefinível achada à beira mar ?#8230;sobre a arte, produto da mente, e sobre o trabalho do tempo: “Quem dos séculos dispõe, muda o que quer naquilo que quer? mas, em arte, “?como se os atos, iluminados pelo pensamento, abreviassem o curso da natureza; e pode-se dizer, com toda a segurança, que um artista vale mil séculos, ou cem mil, ou muito mais.?br /> 3. Por isso lembro à exaustão, como apoio e descanso, um dos notáveis juízos de Argan, que uso como autoridade. Aluno de Lionello Venturi, ambos grandes professores de História da Arte do século XX, foi membro atuante do Partido Comunista Italiano, fato significativo naquele momento, na Itália marcada pelo fascismo, democrata exemplar, duas vezes eleito prefeito da cidade de Roma, o que o respalda como intelectual responsável, de grande coragem em seu tempo e íntegro, ao viver, tão intensamente, a cidade contemporânea na história. Ei-la: “?Arquitetura tudo o que concerne à construção e é com as técnicas da construção que se institui, e organiza, em seu ser e em seu devir, a entidade social e política que é a cidade.?br /> 4. Encanta-me o professor Miguel Reale quando diz que na crise dos modelos e ideologias do século XX remanesce a pessoa humana como o primeiro valor e que todos os demais valores derivam dela, como a liberdade, a democracia, a ética, bem como o mais recente, a ecologia. Cito “A ecologia e seus riscos? em O Estado de São Paulo (23/06/01), em toda a beleza do texto.
5. Em Arte não há censura. Mas, a Arquitetura, a maior das Artes, é a Arte de Construir ambientes para atender aos desejos das pessoas. Assim, ela inventa linguagens e significados novos e faz Cultura. Trabalha com estruturas de reprodução da vida social, constituídas de contrastes, desigualdades e injustiças que interagem em amplitude global e mobilizam nações, pressionando por projetos ambientais inteiramente novos, formas próprias de apoio e expressivas dessas transformações.
6. Nós só existimos e crescemos como arquitetos se formos capazes de realizar durante nossas vidas muitos contratos de projetos de arquitetura e acompanhamento de suas obras, levados efetivamente à construção. Precisamos trabalhar junto às nossas organizações profissionais, e pessoalmente dentro delas, para ampliar, de maneira democrática e ética, para o maior número de arquitetos, as possibilidades de prestação de serviços à sociedade, individualmente como em grupo. Devemos tudo fazer para que sejam aperfeiçoados critérios transparentes de seleção por méritos, e ampla e equânime distribuição dos projetos a contratar, combatendo todas as formas de atravessamentos e privilégios e, sobretudo os monopólios das fundações e institutos espúrios, malversados por universidades e partidos políticos. Precisamos derrubar reservas de mercado em Brasília (Lei ou decreto federal!), em São Paulo, Curitiba e em outros lados, inclusive de antigos ganhadores de concursos, órfãos ou viúvos de arquitetos mortos que passam de humildes colaboradores a herdeiros vitalícios das artes e do saber do mestre. Uma afronta aos demais colegas e à idéia de mercado profissional democrático. Os governos renovados têm o dever de verificar, a cada passo, a utilidade e interesse público dos projetos em curso, e com maior razão do que qualquer cliente, respeitada a lei nº 9610/98.
 7. Devemos pressionar e controlar todas as instâncias do poder público para que promovam programas de projetos com a mais ampla e organizada participação das pessoas, cujas prerrogativas se manifestam na forma de desejos conciliados, para transformar-se em programas de necessidades sociais e, finalmente, serem, inscritos nos orçamentos públicos como demanda e construídos.

No “Editorial?de convocação destes encontros há menção a depoimento do arquiteto A. E. Reidy, a A. Brito e Ferreira Gullar para o Inquérito Nacional de Arquitetura. Não tendo mais informação além do que capto daquele comentário, apresso-me a dizer que não me parece razoável nos prendermos a quaisquer fragmentos visíveis do passado como ponto de partida para fixação de identidade para a arquitetura brasileira ou procura de caminhos para hoje ou amanhã, continuidades. Como na transmissão dos caracteres dos seres vivos, aqui também os genes são invisíveis e profundos. A legitimidade genética tem a ver com a Nação, os desejos das pessoas e a vida cotidiana pelos espaços e todos os rincões do Brasil; com o País, que é o território infra-estruturado e história; para, com trabalho encontrarmos o nosso lugar de arquitetos na construção do Estado. Temo que MDC se converta em procura artificial de elementos visuais que se reproduzem ao léu e nos prendam a formalismo passadista e sem vida.

Escolhi para ilustrar como tenho sobrevivido nessa trama complexa que envolve o exercício da arquitetura no Brasil: algumas imagens e pequeno comentário sobre o Plano Piloto de Brasília, de 1957 e sobre o Projeto para a cidade nova de Caraíba, no município de Jaguarari, BA, de 1978. Ambos concebidos sob conceito de diagramas.

plano piloto de brasília , 1957

O país tinha 60 milhões de habitantes e 50% de população urbana. Constituída uma equipe multidisciplinar, passamos ao estudo da massa de análises muito completas dos sítios, e estudar e refletir sobre a cidade na história sobre área em torno da futura capital e nos perguntar o que fazer. O edital pedia projeto para uma cidade administrativa de 500.000 habitantes, logo percebemos que a população inicial da cidade pronta com funcionários federais e seu séqüito de apoio atingiria aquela população que, portanto, deveria crescer ao triplicar a população do país em 40 anos. A teoria urbana “oficial?limitava a cidade. Porém, ao analisar o processo de assentamento naquelas condições seria compatível por módulos, por exemplo, de 30 mil habitantes dimensionados em função de fração indeslocável de crianças de 0 a 3, e jovens até 14, de pequeno raio de ação independente, 1° grau. Acima desse corte a população principal adulta conviveria principalmente em um único grande centro diversificado de escala metropolitana contendo escolas de 2° grau, universidade, administração federal, o Centro de Comércio e Serviços, hotéis, museus e serviços culturais, Centro Esportivo Metropolitano, tudo em torno a um parque de 19km², apto a receber um sistema de transporte rápido de massa, em nível, semi-enterrado e elevado na área central, um sistema viário linear para aproveitar em termos de transporte urbano todas as oportunidades da aglomeração, provavelmente inevitável. Tudo para fazer uma cidade vertical aproximando usos por concentração econômica de infra-e­strutura, pensando necessidades, investimentos, quantidades de espaço e forma, impondo-se estudos para definir posteriormente espaços sociais e públicos de tipo novo, compatíveis com os novos sistemas de transporte, o provável desaparecimento da rua ocidental, destacando-se propostas referenciais do os ingleses A e P.Smithson e Team X,e da unidade de habitação de Marseille para nova organização de comércio e serviço locais. Afirmamos com medo de sermos apedrejados que “a cidade é um organismo vivo?e propúnhamos que pudesse crescer sem sufocar a área central, por uma periferia circundante, à imagem da estrutura vertebral de uma criança. Ao contrário, com o progresso técnico o lago seria transposto e o crescimento além lago permitiria uma expansão gráfica ilimitada. Em 1965 chega ao Brasil o livro de        J. Jacobs “MORTE E VIDA…?com frase idêntica, mas propondo uma volta romântica a unidades sociais limitadas e integradas.

a cidade caraíba, jaguarari, ba, 1978

De apoio a mineração de cobre reserva limitada a exploração por 20 anos. Concurso. Recebemos apenas o mapa da planície chapada e infra-estrutura industrial sem curva de nível com uma relação de espaços classificados por renda e função.  Os estudos para caracterização dos fundamentos sociais e econômicos duraram 1 ano durante o qual a cidade foi sendo imaginada e conceituada, localização, critérios construtivos, infra-estrutura, clima, habitação, níveis de oferta de serviço e forma. Sugerimos malha compacta, para mínimo deslocamento na região semi-árida, com centro denso para solteiros não confinados e dispersos e 20% das famílias. O sistema urbano constituído por agregação modular livre-monitorada, sobre uma trama-conceito básica, com reserva de área para população não empregada, de livre acesso, dimensionada em 10% da população total.

[Versões ampliadas dos projetos:]

Plano Piloto de Brasília

Cidade Caraíba – BA

Progetto Bicocca – Itália

joaquim guedes [1932]
 Arquiteto, Professor Titular da FAU-USP, ex-professor da Escola de Arquitetura de Strasbourg ?FR, escritor e conferencista. Obras e Projetos de Arquitetura: habitação, escolas, indústrias, hospitais, teatros; planejamento urbano para São Paulo, Porto Velho, Piracicaba, Campinas e Americana; cidades novas, Sistema Urbanos Projetos Carajás-PA, Barcarena-PA, Caraíba-BA e Centro Integrado de Abastecimento de São Paulo ?CIASP.

contato: jmguedes@usp.br

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Fábio Rago Valentim |Fernanda Barbara | Fernando Felippe Viégas
César Shundi Iwamizu | Eduardo Chalabi |Gustavo Rosa de Moura
Mariana Felippe Viégas |Roberto Zocchio Torresan

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Éolo Maia | Maria Josefina Vasconcellos

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