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arq_solano-benitezCasa do Baile . Belo Horizonte . MG

Novembro de 2007

1195432007_fO arquiteto paraguaio Solano Benítez foi o convidado especial do lançamento do quarto número da Revista MDC, em 10 de novembro de 2007.  Em uma hora e meia de apresentação, Solano conquistou a platéia com seu carisma e com projetos de grande carga poética e que transcedem a mera construção.

Atuando em um país de poucos recursos, Solano utiliza o tijolo maciço com principal componente construtivo e dele retira grande parte da força expressiva que caracteriza seus edifícios. Com suas investigações construtivas, Solano tensiona o material ao limite, produzindo uma arquitetura consistente e vigorosa.

Solano é hoje um dos mais importantes arquitetos latino-americanos, com obras reconhecidas e publicadas nos Estados Unidos e Europa. Foi finalista do 2º Prêmio Mies Van der Rohe de Arquitetura Latino-americana, obteve o Prêmio Nacional de Arquitetura do Paraguai e foi o vencedor da primeira edição do BSI Swiss Architectural Award.

A partir de hoje, os leitores da MDC poderão ter acesso à integra da palestra neste post.

Para ver outros vídeos de eventos promovidos pela mdc, acesse nossa seção Encontros e Palestras.

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Casa do Baile . Belo Horizonte
10 de novembro de 2007 . 17h
[veja aqui os vídeos]



Abertura: Danilo Matoso
Palestra: Solano Benítez – PY
10 de novembro de 2007 . 17h
parte I



Palestra: Solano Benítez – PY
10 de novembro de 2007 . 17h
parte II



Palestra: Solano Benítez – PY
10 de novembro de 2007 . 17h
parte III



Palestra: Solano Benítez – PY
10 de novembro de 2007 . 17h
parte IV


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COMPLEXIDADE E CONTRADIÇÃO
NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA


Ano II . N.4 . nov.2007 . ISSN – 1809-4643

[Ler o artigo em PDF]

Editorial

Há quarenta anos, Robert Venturi publicava o influente livro Complexidade e contradição em arquitetura. Nele, o arquiteto clamava por uma arquitetura de inclusão, do isto e aquilo, por uma arquitetura que tivesse por balizamento conceitual as mais cotidianas necessidades humanas, norteadas por valores plásticos provenientes de obras historicamente consagradas. Esta atitude inclusiva e formalista tinha seus precedentes na Arquitetura Moderna mais próxima. O próprio Venturi, em seu texto, assumia sua filiação a figuras como Alvar Aalto e Le Corbusier. E não é por acaso que a técnica baseada no lirismo deste último tenha encontrado seus ecos no Brasil. De fato a Arquitetura Moderna Brasileira caracterizou-se justo pelo abrandamento e pela livre manipulação amaneirada dos princípios da Arquitetura Moderna européia. O tema desta edição foi escolhido de modo a resgatar no cenário atual os valores daquelas reflexões.
Se a revista mineira Pampulha constituiu um marco na reverberação do pensamento de Venturi no Brasil, ela a uma vez também sinalizava uma ruptura e uma clara filiação à Arquitetura Moderna Brasileira. Ainda na década de 1980, aquele cenário diversificado foi delineado por teóricos como Sylvia Ficher e Hugo Segawa, cujas reflexões atuais sobre aquele período buscamos trazer neste número da revista. Contrapondo de modo contemporâneo o caráter inevitavelmente apologético que este tipo de resgate conota, trouxemos também a reflexão contemporânea de Rogério Andrade, ampliando o conceito de ecletismo para além do decor a que ele é usualmente associado.
Do mesmo modo, buscamos trazer à tona a produção recente de alguns protagonistas emergidos do discurso dito pósmoderno de vinte anos atrás, como José Eduardo Ferolla, Jô Vasconcellos, Éolo Maia e Sylvio de Podestá. Enquanto o programa e o local do Grand Ægyptian Museum praticamente induziam à adoção de valores historicistas banidos do vocabulário moderno ?como simetria e centralidade ?a manipulação de materiais e a relação com o entorno imediato somam a apropriação de um gosto formal intencionalmente desarmônico próprio da década de 1990. Esta desarmonia é a tônica do Restaurante Allegro, em Ouro Preto, cujo tom da argumentação prescinde dos grandes discursos estruturalistas para agenciar valores prosaicos envolvidos na obra.
O prosaísmo, o atendimento a demandas específicas da obra por meio de materiais e técnicas simples e quase vernáculas, parece ser um fio condutor entre as tradições modernas e as arquiteturas que representaram superação de sua hegemonia. É esta atitude que buscamos ressaltar com a publicação do Espaço Lúdico brasiliense e da casa Abu&Font, em Assunção.
Deparamo-nos hoje em nosso país com a recuperação do léxico moderno no que este tinha de mais redutor, excludente e simplista. Grande parte do chamado minimalismo dos anos noventa trouxe consigo a redução afetada de elementos, a solene desconsideração dos contextos sociais e locais, a pureza visual conseguida a altos custos construtivos. Um aparente abandono completo do pensamento inclusivo da década anterior.
 Acreditamos que é possível, com o panorama aqui apresentado, o planteamento consistente de alternativas à hegemonia fundamentalista que ronda o nosso meio. Se a diversidade de visões e aportes culturais é uma condição de nosso tempo, é através do diálogo que será possível a construção de uma cultura arquitetônica efetiva.

Danilo Matoso

mdc04-patrocinio

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Casa do Baile . Belo Horizonte
19 de março de 2006 . 16h



Abertura: Bruno Santa Cecília
Palestra: Jô Vasconcellos – MG
19 de março de 2006 . 16h



Palestra: Sylvio de Podestá – MG
19 de março de 2006 . 16h30



Palestra: Hugo Segawa
19 de março de 2006 . 17h



Palestra: Bruno Santa Cecília
[lançamento de livro]
19 de março de 2006 . 17h40

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MDC 004 – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2007/11/30/reflexoes-sobre-o-pos-modernismo/ //28ers.com/2007/11/30/reflexoes-sobre-o-pos-modernismo/#comments Fri, 30 Nov 2007 22:44:11 +0000 //28ers.com/?p=437 Continue lendo ]]> mdc 4Sylvia Ficher
Entrevista a propósito do artigo Anotações sobre o Pós-Modernismo, concedida a Danilo Matoso – Brasília 9/3/2007

[Ler o artigo em PDF]

Leia também:

Anotações sobre o pós-modernismo
[Sylvia Ficher, 1984]

A década de 1980 foi marcada por um movimento progressivo de reabertura cultural decorrente do processo político de democratização. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que, frente ao nacionalismo totalitário da ditadura, a cultura regionalista acabou por identificar-se com os movimentos de resistência ao regime. A arquitetura não funcionou de modo distinto. Superando a antiga polarização entre São Paulo e Rio de Janeiro, cada um dos núcleos urbanos emergentes do milagre econômico passou a alcunhar seus próprios valores e suas idiossincrasias, articulando-se em torno de pequenas hegemonias locais filhas de grupos profissionalmente dominantes. Um pragmatismo prancheteiro dos arquitetos mineiros vinha da explosão urbana de Belo Horizonte, polarizado na apologia ao design do grupo fundador da revista Pampulha. Em Brasília, a cultura arquitetônica acabou ilhada entre a sombra dos edifícios e arquitetos fundadores da cidade e a presença determinante e vigilante do Estado, que pouca vazão dava à diversidade plástica ou conceitual.
Foi nesse contexto que o denso trabalho acadêmico de Sylvia Ficher auxiliou na fundação de uma tradição regional brasiliense, ironicamente crítica em relação ao Movimento Moderno. Seus textos, acolhidos pela editoria de Hugo Segawa e Ruth Verde Zein na revista Projeto, tornaram-se referência conceitual obrigatória para os arquitetos formados pela Universidade de Brasília.
Formada na FAU-USP dos anos 60, cedo a arquiteta trabalhou no escritório de João Vilanova Artigas e de Fábio Penteado, tendo retornado à USP em seguida como pesquisadora. Em 1976, ruma a Nova Iorque, realizando seu mestrado na Columbia University – então, a base das exposições, conferências, publicações e construções da vanguarda da crítica e teoria da arquitetura mundial. Retornando ao Brasil, mudou-se para Brasília, onde trabalhou como fiscal de obras do Banco Nacional de Habitação – BNH, ingressando em 1983 como docente na Universidade de Brasília. Além sua própria produção como historiadora, crítica e teórica da arquitetura, ela esteve à frente da tradução e publicação no Brasil de diversos ensaios clássicos e contemporâneos, como A linguagem Clássica da Arquitetura, e Ensaio sobre o projeto.
A leitura do artigo Anotações sobre o Pós-Modernismo, quase vinte e cinco anos após sua publicação, demonstra não apenas a lucidez em traçar o panorama da arquitetura internacional de então, como também inclui o germe de uma crítica objetiva à hegemonia da Arquitetura Moderna na historiografia e cultura dominantes da arquitetura brasileira do século XX. A distância histórica aproxima hoje aqueles regionalismos díspares, e as palavras da teórica parecem complementar o sentido da diversidade projetual que se verificava no início dos anos 80 ?em Belo Horizonte ou Porto Alegre, por exemplo.
Intrigados pelos possíveis desdobramentos daquele impulso crítico, buscamos conhecer os pontos de vista atuais de Sylvia sobre as questões ali levantadas. A professora recebeu-nos gentilmente em sua residência, em 9 de março de 2007, para a realização da entrevista que aqui publicamos. Além da prosa bem-humorada e irônica, ela brinda-nos com a lucidez iconoclástica que sempre lhe foi característica, questionando mesmo algumas de nossas perguntas ?que trazíamos prontas e discutidas entre todo o conselho editorial da revista ?e ampliando a contribuição muito além do esperado. Convidamos o leitor acompanhar aqui, sem distração, o pensamento atual e pulsante de Sylvia Ficher.

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Em sua opinião, existe ou existiu um período pós-moderno em arquitetura como superação dos paradigmas modernos?

No meu entender, existiu. De fato, de inícios da década de setenta a meados da década de oitenta, houve claramente uma atitude muito vigorosa de rejeição do Modernismo, ainda que permanecessem certas manifestações – dentre aquelas que chamei das várias vertentes do Pós-Modernismo – de evidente caráter modernista, como é o caso do hightech. Há vinte e tantos anos atrás, eu tinha alguma esperança de que tal posicionamento tivesse continuidade, porém as coisas não tomaram o rumo que me parecia o mais promissor.

E mais ainda, o Pós-Modernismo existe também hoje, ele não se encerra naquele período. Existe hoje um pós-moderno, no sentido que existiu um pós-classicismo. Quando nós falamos em arquitetura clássica, somos nós que falamos em arquitetura clássica, que adjetivamos o termo arquitetura. Até meados do século XVIII, quando se dizia arquitetura – obviamente estou me referindo ao contexto ocidental, europeu – não era preciso adjetivar: arquitetura queria dizer arquitetura clássica, caso não fosse clássica, não era arquitetura. E não apenas quando se tratava de edifícios de exceção. Se uma edificação não é clássica, não é arquitetura: é uma construção. É por essa razão que ainda se fala uma bobagem dessas: “mera construção“… Estas besteiras ficam, você sabe, você escuta por aí. Particularmente entre professores de projeto…

Se analisamos o pensamento arquitetônico pós-renascentista, todo o discurso arquitetônico, este não coloca em dúvida o Classicismo. Então, quando se dizia “é uma obra de arquitetura“, a referência era naturalmente a uma edificação clássica. Veja o capítulo sobre Arquitetura da Estética do Hegel, por exemplo. Você só vai entendê-lo se considerar que o que ele diz tem a ver com o Classicismo. É claro. Isso aparece até no século XIX e, lógico, isso vem até o século XX, que essas coisas se repetem.

Tomemos o período pós-Primeira Guerra Mundial até fins da década de sessenta, quando se falava Arquitetura, não precisava nem adjetivar, não era necessário explicar nada, era arquitetura moderna. O [Robert] Venturi, pra mim, foi brilhante: lá por meados da década de 1960, de repente, ele diz que Arquitetura não é só a moderna.

Todas estas questões que estou colocando fazem sentido fora do Brasil. O caso brasileiro é radicalmente diferente. Este meu artigo em que vocês estão interessados agora seria uma primeira parte. Uma segunda parte discutiria a questão do Pós-Modernismo no Brasil, e esta eu nunca conclui. O caso brasileiro é extremo. Ou seja, mais ainda do que nos Estados Unidos ou na Europa, aqui, naquele momento – no nosso caso, da década de quarenta em diante – Arquitetura é Arquitetura Moderna. Se não é Arquitetura Moderna, não é Arquitetura, tout court, não é entendida pelos arquitetos como Arquitetura: é construção, é sei-lá-o-quê.

Então, existe um momento pós-moderno, um momento que, no meu entender, é extremamente rico, com uma produção extremamente interessante. Seria de inícios da década de setenta a meados da década de oitenta, e que tem uma produção arquitetônica muito criativa, de muita imaginação, mesmo quando historicista. Porque tal historicismo pós-moderno é muito livre. O [Charles] Moore é muito engraçado – eu, ao menos, gosto; eu me divirto muito com ele.

Ou seja, houve um fenômeno arquitetônico bastante evidente, que se pode delimitar muito bem, quando a Arquitetura Moderna não estava em vigor. Por outro lado, isto não acabou, porque hoje temos um leque de tendências, de personalidades, de individualismos… Pode-se estabelecer algumas pequenas categorias: hoje em dia você vai falar em Hightech, Historicismo, Minimalismo e Desconstrutivismo. Mais ou menos aí encaixa quase tudo do que está sendo feito no star system. Neste outro sentido, sem dúvida nós estamos num Pós-Modernismo.

Havia, na época, no Brasil, um academismo moderno de cunho dogmático?

Havia, não; no caso brasileiro permanece. Há arquitetos excelentes, gosto de um montão de gente, o pessoal mais jovem lá de São Paulo, por exemplo: gosto demais do Marcelo [Ferraz], do Bruno [Padovano], do [Héctor] Vigliecca, do Isay [Weinfeld]. Não estou muito ao corrente da produção mais contemporânea. Mas no nosso caso, o moderno tem uma permanência muito mais forte.

Os Estados Unidos nunca foram modernos de cabo a rabo. Nunca. Não há esta hegemonia de uma determinada arquitetura moderna. Primeiro, lá há várias arquiteturas modernas: tem o modernismo do Mies, tem o modernismo da Califórnia, tem o Modernismo de Nova York… E isto sem contar os “desviantes”, como um Bruce Goff, um [Edward Durell] Stone. Não tem um modernismo hegemônico. Veja um livro que todo o mundo despreza, mas que pra mim é genial, Da Bauhaus ao nosso caos [2], em que o Tom Wolfe mostra o conflito gerado pela chegada dos europeus, a disputa entre Wright, Mies e Gropius etc. Nos Estados Unidos, nunca houve um único moderno hegemônico. É mais complexo o panorama arquitetônico deles.

No caso brasileiro, o Modernismo, melhor dizendo, a Escola Carioca, se difunde pelo Brasil todo. Esta é a tese de nosso livrinho, da Marlene e meu – Arquitetura Moderna Brasileira [3]. Essa Escola Carioca vai ser o padrão do que é Arquitetura Moderna. Depois, mais adiante, entra o Brutalismo, que não é só paulista: existe um brutalismo carioca, sem dúvida. Discuto esse brutalismo carioca, e até um brutalismo brasiliense, num texto que está no Guiarquitetura Brasília [4], em que faço uma comparação entre o brutalismo paulista, o brutalismo carioca, o brutalismo brasiliense e até um brutalismo gaúcho que são bem diferenciados. Dá pra separar perfeitamente e distinguir um do outro.

O que nós temos é o seguinte: o desenvolvimento da Escola Carioca rumo ao Formalismo e rumo ao Brutalismo – e estes dois estão aí até hoje, o último chamado de Minimalismo, você dê o nome que quiser. Minimalismo é o nome novo do velho Brutalismo [risos]. Me perdoe, o tal Minimalismo…, mudaram o apelido da coisa, mas é a mesma coisa.

No Brasil há esta unidade muito mais generalizada. Veja a década de cinqüenta, o que se está construindo em Recife é idêntico ao que se está construindo no Rio, que é idêntico ao que se está em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre e assim por diante. Veja o bairro de Higienópolis, em São Paulo, o Comércio em Salvador: pilares de seção circular, panos de vidro, um ocasional brise-soleil… Há um Modernismo praticamente oficial no caso do Brasil e depois vai ter mais um, o Brutalismo. Todos os modernos de antes vão migrar para o Brutalismo. Oscar Niemeyer é um brutalista de primeiro momento: o Itamaraty é de 1962, a FAU-USP é de 1961. Ele adota o Brutalismo tão cedo quanto o Artigas. Niemeyer é brutalista também.

Agora, no meu entender, e é isto que dá o diferencial brasileiro: a formação da profissão de arquiteto no Brasil se dá aliada à difusão ou, se preferir, à assimilação do Modernismo. Você veja a nação na década de trinta: em 1933 a legislação que regulamenta as profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor. Ou seja, a oficialização dessas profissões. Arquiteto não existia enquanto profissão. Existia construtor, mestre-de-obras… Arquiteto, sistematicamente, queria dizer construtor. Este é o sentido da palavra até a década de quarenta. Ai vem a legislação criando o sistema CREA em 1933, a fundação do IAB em 1935, os concursos da ABI e do MEC em 1935 – em 1936 é o projeto com o Corbusier, mas o concurso é de 1935. Ou seja, a organização da profissão de arquiteto, da corporação dos arquitetos. E um dos elementos que vai dar conteúdo, que vai dar sustança, para a corporação é o Modernismo.

A organização da corporação dos arquitetos no Brasil teve, como um dos elementos que lhe deu fundamento, a adoção do Modernismo. E quem vai estar no IAB são os modernos, e se alguém quer ser arquiteto “de verdade”, quer estar na linha do IAB. E este não é assim com os americanos. Os americanos não estavam dependendo da Arquitetura Moderna para criar uma profissão. Eles tinham uma profissão muito bem organizada e já sistematizada, com um ensino que data de meados do século XIX, com uma tradição de formação de quadros na Europa. Em outras palavras, não têm uma dependência do Modernismo como uma linha estética para dar conteúdo para a profissão. Enquanto que no nosso caso, é a linha estética que vai ser um elemento de coesão, dando prestígio inclusive. A profissão se organiza no rastro do prestígio da Arquitetura Moderna no Brasil. Isso explica o porquê desta dificuldade de se abrir mão do moderno. Que uma geração mais velha do que a minha ainda tenha este apego, dá para entender – porque eu estava lá e foram meus professores. Mas a mim me espanta que a minha geração ainda tenha o mesmo apego. Quando estou na faculdade – não estou falando nem dos meus colegas -, quando falo com os meus alunos, encontro o mesmo apego: quando começo a colocar certas questões de crítica ao Modernismo, há pânico! Há esta permanência do Modernismo como o conteúdo por excelência da profissão de arquiteto.

Em seu texto, o hermetismo do meta-discurso arquitetônico pós-moderno é associado a uma aproximação entre arquitetura e universidade. Como você vê hoje a relação entre estes dois mundos?

De novo: estou colocando uma relação entre arquitetura e universidade no contexto norte-americano, numa determinada tradição de ensino da arquitetura e, mais ainda, numa tradição de estudos e pesquisas sobre história da arquitetura. O que, de novo, não é nosso caso: vamos ter situação que se aproxima disto muito mais tardiamente. O compromisso modernista no Brasil – voltando um pouco à segunda pergunta – é tão forte que ele está presente até na produção dos historiadores brasileiros. Os historiadores olham a arquitetura, fazem a história da arquitetura, tendo como referência a Arquitetura Moderna: tudo é avaliado bom ou ruim em termos de Arquitetura Moderna, em relação à Arquitetura Moderna. Quando defendi minha tese sobre o ensino de arquitetura na Escola Politécnica, ela foi criticada porque achavam que eu estava perdendo tempo com “uns arquitetos sem importância“: “Esses arquitetos não interessam, eles não são modernos.” Da velha guarda da Poli queriam que só me referisse ao Victor Dubugras, porque ele poderia ser considerado um proto-moderno – numa daquelas classificações esdrúxulas que fazem para justificar a existência de boa arquitetura fora do Modernismo e enquadrar aqueles arquitetos que não se enquadram… Já o Ramos de Azevedo, trate de esquecer. Com tal atitude joga-se fora, por exemplo, um sujeito como Alexandre Albuquerque, que talvez seja o arquiteto com a elaboração teórica mais sofisticada que nós já tivemos neste país [5]. Formado em 1905, era um arquiteto de prancheta, de obra, de todo o leque da prática profissional. É o sujeito que construiu a Catedral de São Paulo sem usar concreto, porque catedral tem que ser pedra sobre pedra, e no entanto saiu na frente no emprego de estruturas de concreto – isso muito antes da década de vinte, estou falando da década de dez, portanto muito antes da Semana de Moderna, muito antes de Warchavchik. Um arquiteto que tem tal currículo profissional, toda esta competência, e no entanto era um historiador e um teórico avançado. Acho difícil encontrar um profissional, muito ligado à prática, digamos assim, e que tenha uma produção intelectual comparável à dele – é um homem que faleceu em 1940.

Então, quando me refiro à universidade, estou me referindo particularmente ao caso americano, e poderia considerar o inglês, também. A Inglaterra tem uma tradição de história da arquitetura sem compromisso algum com a prática da profissão. O sujeito que está fazendo História da Arquitetura, está fazendo História da Arquitetura. Ele não está lá para valorizar nem a profissão, nem as instituições profissionais, a corporação. Enquanto que, no Brasil, como a profissão se organiza bem mais tarde, nós não temos tradição de história de arquitetura – e não é que não tenhamos tradição de história da arquitetura, não temos sequer tradição de história da arte, que até hoje é miserável!! A rigor, temos um Paulo Santos, o Donato Mello, no Rio, e aí, depois, aparece em São Paulo um [Carlos] Lemos, um Benedito [Lima de Toledo], mas é nos últimos vinte ou vinte e cinco anos que se construiu o campo acadêmico de História da Arquitetura.

E observe como é privilegiado o século XX: pouca gente se arrisca pelo período colonial, a não ser talvez na Bahia e em Minas Gerais. A arquitetura do período colonial brasileiro é muito mal estudada, tem muito pouca coisa!! A melhor fonte ainda é o Bazin [6], que é da década de cinqüenta, afora algum trabalho monográfico sobre uma igreja, sobre um convento, porém não há bons manuais sobre o assunto. Século XIX, então… É muito recente: agora saiu aquele guia Arquitetura Neoclássica no Rio [7], sai algo de vez em quando… Aracy Amaral se atreveu a levantar a questão do Neocolonial [8]. No Brasil, produção historiográfica está atrelada ao Modernismo. Por aí, percebe-se a sua força.

Tal hegemonia modernista, que está na raiz da organização da profissão, se reproduz em todos os campos: no ensino institucional, nos textos de história, nos textos de crítica arquitetônica, nos parâmetros das pesquisas tecnológicas, até nos hardwares -, ela permeia a quase totalidade da produção acadêmica e o entendimento do que é arquitetura. Estou falando na perspectiva da década de oitenta para cá. Na minha ingenuidade, achei: “Agora, com o Pós-Modernismo, isto aqui vai florescer, as pessoas vão se sentir livres para ter outras opiniões, para articular uma crítica arquitetônica mais rica, mais consistente, mais útil mesmo.” Mas não: a presença da tradição moderna entre nós é tão forte que não aconteceu nada. Saiu pouquíssima coisa: um [Eduardo] Subirats, um [Sylvio de] Podestá, uma coisa muito pontual. E quando você lê os textos de crítica é aquela velha reprodução, reprodução, reprodução daquelas idéias, as mesmas valorizações de sempre…

Mais ainda, na década de quarenta, a Europa e os Estados Unidos estão em guerra. E o lugar onde está se produzindo Arquitetura Moderna é o Brasil. O resultado é uma espécie de ufanismo modernista, porque nós realmente tínhamos uma Arquitetura Moderna para mostrar no pós-guerra. No segundo pós-guerra, quando se quer fazer Arquitetura Moderna, vai se olhar para quem, para onde? Para o MEC! O Ministério da Educação é o grande modelo arquitetônico não apenas aqui, veja o Lever House (1948-1949), do Bunshaft: é o MEC; lembre-se que o Brazil Builds [9] é de 1942. Quem tinha uma produção relativamente consistente e contínua de Arquitetura Moderna naquele momento era o Brasil.

O peso desta glória arquitetônica toda acaba também influenciando e sendo mais um elemento de reforço da tradição modernista no país. O que funciona nos Estados Unidos estimulando a reflexão em direção a uma crítica ao Modernismo, a uma diversificação na produção arquitetônica, aqui tem o papel oposto: a universidade reforça uma tradição, e não uma ruptura com a tradição. A relação que dá pra fazer entre universidade e produção profissional para explicar o surgimento de uma Arquitetura Pós-Moderna nos Estados Unidos, no nosso caso serve para explicar a permanência da tradição, devido àquela situação muito particular das décadas de trinta e quarenta. Somos especialistas em Arquitetura Não-Pós-Moderna!!!

No nosso caso ainda tem um agravante que é 1964: a ditadura. Então, no Brasil – e isto é relativamente verdade também em alguns outros países – havia uma razoável relação entre orientação estética e ideologia, nem sempre muito profunda. A situação é bem mais complexa…, aquele senhor um pouco ingênuo, Anatole Kopp, ficava sofrendo por que o Modernismo não era mais de esquerda [10]. Um dos conteúdos do Modernismo é uma posição ideológica, um discurso social – social num sentido anti-democrático, muito autoritário, mas enfim… – que acabou dando uma conotação de que ela era coisa de comunista. Nós temos uma ditadura anti-comunista a partir de 1964, e os principais nomes da arquitetura brasileira são homens – pelo menos nas palavras – de esquerda. Os dois principais, membros de carteirinha do Partido Comunista. Naquele momento, a crítica ao Modernismo significava uma postura de direita, era fazer o jogo da ditadura. Ao se fazer alguma análise crítica da Arquitetura Moderna estava-se indiretamente criticando Oscar e Artigas, estava-se enfraquecendo os dois comunistas pilares da arquitetura brasileira, portanto estava-se sendo reacionário. Devemos levar em consideração também este contexto político reforçando o apego ao Modernismo entre nós e que retardaria a crítica, retardaria a tal ponto que ela não vai existir: quando ela começa a se articular, ela já está superada, os Estados Unidos e a Europa já estão noutra.

Insisto: nestes comentários sempre estou separando um contexto europeu de um contexto anglo-americano. A Inglaterra e os Estados Unidos funcionam numa outra lógica, que é muito diferente da lógica européia, e os seus mundos profissionais têm outro perfil. Ser arquiteto na Inglaterra não é exatamente ser arquiteto em Barcelona ou Paris. A construção de uma cultura arquitetônica [11] é extremamente sofisticada no caso inglês e americano. No caso europeu, vamos falar de latino-europeu como França, Itália, Espanha, já não é bem assim, ainda que a Itália surpreenda…

A Inglaterra é um outro mundo: ela foi um dos últimos países a entrar no Modernismo. Na verdade, eles nem precisavam do Modernismo. Se você aceitar a análise do Pevsner [12], o Modernismo surge no continente por influência da arquitetura residencial inglesa – continente é a Europa…, o outro lado do canal. Então os ingleses vão entrar no moderno nas décadas de quarenta, cinqüenta, quando nós já estamos exportando Arquitetura Moderna. Essas nuances são muito importantes. No caso da Espanha, não podemos considerar tudo junto: temos que separar a Catalunha de Castela, ou seja, de Madri. Na Catalunha o moderno entra tardiamente, devido a um nacionalismo forte, às tradições locais…

Essa cultura arquitetônica, entre nós, acaba ficando reduzida a conhecer bem a obra do Niemeyer, do Artigas, do Paulinho, do Lelé… Há quem goste do Joaquim Guedes – eu, inclusive -, e tem a turma de admiradores da Lina. De um arquiteto requintado, que tem uma obra maravilhosa, nunca se fala: o Eduardo de Almeida. Alguém vai falar do Eduardo de Almeida [13]? “Não tem importância…” Pior, um Pedro Paulo de Mello Saraiva, arquiteto talentosíssimo, e ninguém nunca ouviu falar dele, não há trabalhos acadêmicos sobre ele. Então até o entendimento do que deva ser incluído em nossa cultura arquitetônica é muito restrito.

Diversas correntes pós-modernas, incluindo o pensamento de Robert Venturi, estabeleciam uma ponte direta entre aquela arquitetura e outras de cunho maneirista. Você não acredita que no Brasil, e mesmo nos EUA, a apropriação do Movimento Moderno sempre foi feita como um meta-discurso amaneirado similar?

Atenção, esta é a minha leitura do Venturi, outros podem discordar… Em primeiro lugar, estamos usando o termo Maneirismo de forma anacrônica. Quando nós usamos o termo, é com o sentido dado a ele pelo Hauser [14]. O Hauser é quem colocou esta questão do Maneirismo e vai interpretar o Michelangelo, o Palladio, o Serlio segundo esta ótica. Ao cabo, a alta Renascença já como manifestação maneirista, lá no sentido dele, como uma arquitetura que se baseia no clássico e viaja, vamos dizer assim. Ela viaja em cima de uma linguagem clássica. Então nós estamos usando um termo anacrônico: eu estava falando do Maneirismo aplicado à arquitetura contemporânea. Mas aceitemos o anacronismo.

Você vai ter sempre um fenômeno maneirista, na medida em que um determinado vocabulário é aceito como correto. E se um arquiteto trabalha em cima dele, é lógico que começa a retorcer para cá e retorcer para lá. E retorcer é uma boa palavra, porque lembra aquela coluna salomônica de Bernini, em São Pedro. Pega-se uma coluna e retorce a coluna, dá uma torcida como se fosse um pano. Uma linguagem, uma vez difundida, uns estão querendo usá-la “certinho” e não entenderam muito bem como se faz, e dá um maneirismo de um jeito. Outros estão entendendo muito bem, mas vão forçando tanto aquela barra…, dá um maneirismo de outro tipo.

Artigas é claramente maneirista. Mais até que o Niemeyer, na minha interpretação. Artigas faz um blend de Brutalismo com Frank Lloyd Wright – e vou longe na minha opinião, porque não tenho a menor dúvida da presença permanente do Wright na obra do Artigas. Você vai ver o Maneirismo nas colunas do Artigas. São variações de temas wrightianos executados em concreto armado.

Em fins da década de setenta, se Marlene e eu [15] dissemos alguma coisa interessante, ou surpreendente, foi esta questão de uma certa regionalização que já era possível observar naquele momento – não sei se é bem verdade hoje, isto desembocaria em uma outra discussão, mas naquele momento dava pra sentir – uma arquitetura própria em Pernambuco, moderna porém com certas características, a de Brasília, no Sul… e assim por diante. Dava pra sentir uma regionalização em curso. Nós pelo menos achávamos e interpretamos assim.

No caso norte-americano, sempre a coisa é, em certo sentido, muito mais rica. Entender esta regionalização, voltando aos Estados Unidos, exige que olhemos muito mais para trás: temos que percorrer toda uma tradição de arquitetura americana no século XIX, e muito regionalizada. Não regionalizada simples, mas tem uma arquitetura da Costa Oeste, tem uma arquitetura da Costa Leste – quando falo Costa Leste estou pensando em New England, em Nova York, em New Jersey -, mas tem também uma arquitetura sulista na Costa Leste. E tem Filadélfia, tem o Midwest… Cada região com o seu ensino diferenciado, uma vez que não há uma regulamentação profissional unificada para todo o país, como acontece aqui. Lá, tais distinções são ainda reforçadas por questões de técnica construtiva. Nós somos muito mais homogêneos, em termos de técnica construtiva, do que os Estados Unidos, digamos, ao longo do século XIX. Para nós é alvenaria – superadas as taipas etc… Nos Estados Unidos, vamos encontrar muito mais variedade de materiais e de sistemas construtivos, e a madeira por todo lado. Mas não só a madeira: a construção deles é mais complexa.

Em seu artigo, é apontada a autonomia do desenho como objeto de arquitetura. Você acredita que o desenho é, inexoravelmente, um caminho obrigatório para a extração de mais-valia?

Isto quem disse é Sérgio Ferro [16] [risos]. Nunca afirmei o mesmo…, ainda que ache uma proposição muito fecunda e que me influenciou muito!

Sem dúvida, o desenho faz parte do processo da produção no campo da construção. Quer dizer, há uma atividade econômica da qual um projeto é parte integrante do processo produtivo. Que isso não me leva a nenhum desespero em termos de mais-valia, é outra coisa. Este era um desespero que podia bater na gente nas décadas de sessenta ou setenta. Acho que hoje, na primeira década do novo milênio, tentar reduzir o processo produtivo à extração da mais-valia é muito ingênuo. É não entender a economia contemporânea, o crescimento exponencial das atividades de serviço. É não entender, por exemplo, que, nas condições urbanas atuais, você ser operário da construção é uma excelente posição na vida. É muito pior ser flanelinha…

Então, esta birra com a mais-valia, pra mim – usando uma palavra do Sérgio – é um fetiche da esquerda na década de sessenta, que hoje teria que ser processada noutros termos. Naquele tempo, a mais-valia era uma espécie de pecado capital, melhor dizendo, capitalista. Evidentemente, a questão da exploração do trabalho está aí. Não vou discutir que o trabalho manual é explorado, as desigualdades sociais estão grotescamente aí, os privilégios de classe são acachapantes… Não estou negando nada disso, porque continuo sendo de esquerda. O que não quer dizer que hoje seja marxista e, menos ainda – o que o Sérgio também nunca foi, mas outros foram e ainda são -, stalinista.

Mas sem dúvida entendo que o desenho, o projeto arquitetônico, é parte de uma mercadoria chamada prédio, o que não me incomoda en lo más mínimo. Mesmo porque, para fazer um automóvel é preciso um desenho, para fazer uma garrafinha industrialmente é preciso um desenho. Ou seja: certas coisas – quase tudo -, para serem produzidas, têm que ser desenhadas, principalmente na produção industrial. A arquitetura tem outras características e problemas próprios. Ela não é industrial, no sentido fabuloso do termo, mas evidentemente ela é grande e vai ser difícil construir um objeto grande sem ter um mínimo de parâmetros. Catedrais eram desenhadas, só que a gente esquece porque não eram desenhadas em um pedacinho de papel, mas eram desenhadas no chão: o desenho era em escala 1:1. Não tenho a menor dúvida que o desenho fazia parte do processo naquela época.

É tão simples! O projeto arquitetônico faz parte de um processo de produção. E como o mundo é capitalista, está na produção capitalista. E também não tolero essa coisa: “Ah isso é coisa da especulação imobiliária…“. Se você tem uma fábrica de sapatos, ninguém espera de você que venda o seu sapato sem lucro. Porque é que vou esperar que alguém que construiu um prédio tenha que vender o seu prédio sem lucro? Isso é fantasia esquerdista simplória: marxismo do mais primitivo e primário – nem é marxismo. Este vínculo, para mim, entre projeto e produção de edifícios, o tempo presente é o tempo da produção e a produção é capitalista, é econômica, e a construção faz parte do sistema.

Quanto à questão da autonomia do desenho… Esse artigo, o Anotações…, ele foi escrito em cima da minha experiência, da minha vivência do Pós-Modernismo, porque morava nos Estados Unidos naquela época. Na década de setenta eu estava lá, estava estudando em Nova York. E via o que o Philip Johnson, e antes do Philip Johnson, o Michael Graves, o [Peter] Eisenman e todos os outros, o [Robert] Stern, estavam fazendo. E ia a exposições de desenhos de arquitetura.

No Modernismo a postura era: o desenho faz parte do processo de projeto, o cara faz os seus rabiscos, os seus esquisses, os seus croquis… Faz parte do seu processo de concepção, que depois vira o detalhamento de um projeto, a partir do qual um prédio vai ser construído. Havia uma espécie de puritanismo em relação ao desenho, e eram desenhos puristas também: puritanos e puristas. É só traço. Ninguém mostra a textura, não se usa cor… Há como que um desprezo pelo rendering.

Rendering hoje é uma palavra que todos vocês usam, mas que, há vinte anos, ninguém sabia o que queria dizer aqui no Brasil. Com o computador entrou o rendering, mas rendering é uma palavra inglesa que, no fundo, quer dizer a rendição: como é que você rende o desenho, como é que você expõe o projeto, a sua exposição. Rendering é uma palavra de etimologia latina, mas é um termo anglo-americano: no fundo é o desenho de apresentação. E a tradição do desenho de apresentação vem da academia francesa. Vem da Beaux-Arts, onde era exigida a habilidade na representação do prédio que ainda não existe, aquela elegância toda, os guaches, as sépias, os nanquins, as aguadas…

Tal tradição se sofistica do século XVII em diante, arrebenta no século XIX e, com o Modernismo meio que desaparece, ou melhor, é escamoteada, fica envergonhada, cheia de pudores. É lógico que hoje é valorizado um croquis do Corbu, um croquis do Mies etc., eles até têm preço no mercado de arte, mas sua qualidade artística – ao menos oficialmente – não era a preocupação central.

No bojo do Pós-Modernismo, voltou à moda um certo “renderismo“. Antes, no quadro do Modernismo, o máximo de renderismo que havia eram aquelas perspectivas de concurso. Era uma falta de talento só: uma perspectiva onde aparecem umas pessoas ali no primeiro plano, umas árvores, raramente cor, tudo no preto-e-branco – um pouco determinado também pela heliográfica, pelas técnicas de reprodução da época, não só pela estética. Entre parênteses, hoje, com a impressão a cores tão barata e acessível com uma simples impressora doméstica, tudo isto parece arcaico!

Mas voltando… Na década de setenta começa o retorno ao renderismo, ao belo desenho: pastel, lápis de cor, papéis sofisticados… O que dava para perceber em Nova York naquele momento é o retorno à valorização do desenho de arquitetura. Eu me lembro de várias exposições importantes, em lugares importantes – no MoMA, na Castelli, no Museum of Design, lugares assim -, de desenhos de arquitetura, algo que fazia muito tinha desaparecido. Você via exposições de arquitetura com fotos, com maquetes. Como a exposição do International Style [17], não tem desenho, no máximo plantas e cortes. Daí falar no desenho de arquitetura como atividade autônoma. Não estou falando aqui de arquitetura utópica, de bolar projetos na cabeça – a la Archigram -, não estou falando disso: estou falando de rendering. Arquitetura utópica é outra coisa, vem de uma tradição a la Boullé ou Piranesi, uma arquitetura da fantasia.

Mas você não acha que, talvez, essa cultura esteja no bojo de uma arquitetura que se basta só pelo rendering, sem compromisso nenhum com construtividade? Por exemplo: Daniel Libeskind…

Ah sim! Vai desembocar também em: “O desenho é bonito, vai dar boa arquitetura“, o que é falso, puro wishful thinking. O bom desenho não dá necessariamente em bom prédio. Taí a obra recente do Niemeyer para demonstrar: o desenho pode ser até bacaninha, uma vez executado é apavorante.

O que quero dizer é o seguinte: na década de setenta há um retorno ao valor do desenho arquitetônico. Posso lhe mostrar alguns desenhos da Beaux-arts, os desenhos do Grand Prix, o top do rendering francês e você vai entender do que estou falando. Quando o desenho é bom na aparência!! O Griffin ganhou o concurso do plano urbanístico pra Canberra [1911] no berro: ganhou o concurso do plano de uma cidade toda graças a um desenho bonito. Ele nunca tinha projetado uma cidade, não entendia nada de cidade, mas desenhava… O plano é ruim, está lá, vá olhar a cidade que resultou. O Plano Piloto está ótimo perto daquilo, é muito mais realista como cidade. Agora, eu vi o desenho, é imenso o desenho. É deslumbrante o desenho! É uma obra de arte, você quer botar na tua sala e ficar olhando! E não é por acaso, o Griffin foi um dos melhores renderistas do Wright. E renderista o Wright sabia escolher, nossa, cada desenho, um mais lindo do que o outro!

Esta autonomia do desenho de arquitetura sempre existiu. Não é novidade, particularmente no contexto da academia onde se exige habilidade no desenho. O Carlos Lemos descreve como, no Mackenzie, ele foi aluno do Christiano Stockler das Neves – que era um arquiteto acadêmico -, e que era desenho, desenho e desenho: desenho de manhã, desenho à tarde e desenho à noite. Este pessoal do Mackenzie tem uma habilidade no desenho. Isso explica a qualidade compositiva do Paulo Mendes da Rocha. Nunca esqueça a formação acadêmica que ele teve como mackenzista. O Pedro Paulo [de Mello Saraiva] desenhava coluna grega, ele que me contou. Eles tinham aulas de composição – e exercícios daquilo que se chamava “arquitetura analítica”, ou seja, o estudo dos elementos compositivos – que os seus contemporâneos na FAU/USP não tinham. Em função da pedagogia acadêmica do Stockler das Neves: desenho, desenho e desenho. É aquarela, nanquim, guache…  E tudo no canson, que é um papel chato pra se desenhar…

E a valorização do desenho arquitetônico reapareceu a partir de então. O sujeito não só está fazendo um desenho para ganhar um concurso, ou não só fazendo um desenho para convencer um cliente, mas está produzindo algo que lá na frente, inclusive, vai ter valor no mercado de arte, se for um belo desenho.

O Anotações… é de 1982, 1983, foi escrito em cima do que acontecia no milieu entre 1970 e 1980. E que, de lá pra cá, só se reforçou. E hoje temos um novo meio de representação, que é o computador. Tem quem faz um desenho mais bonito do que outros no mesmo computador, assim como tinha um sujeito que era bom na aguada, outro que era bom no guache, hoje tem o sujeito que é o bom no Paint, no Corel etc. – não conheço bem esses programas porque não é a minha praia. Você pode mudar o quanto quiser o instrumento: tem uns que dominam o novo instrumento melhor que outros. E não dá para pensar em projeto arquitetônico sem considerar os meios de representação. Como afirma o Corona [18], projeto tem mais a ver com a representação do que com a construção… Fechando a tua questão: pros arquitetos, rendering é bem mais importante do que construtividade na hora em que estão projetando, ainda que esta seja uma constatação dolorida de se fazer…

Sob este aspecto, o Modernismo é muito enganador, o desenho modernista dá a impressão que a solução arquitetônica é fruto de necessidades construtivas, da tal construtividade a que você se refere. Ele é feito a lápis ou a nanquim em um papel branco; os modernistas adoram uma perspectiva axonométrica, um desenho esquemático, um desenho de máquina – a axonométrica é um desenho de máquina por excelência. Tudo isto dá um sabor técnico ao desenho, e nos convence que a solução arquitetônica também foi alcançada por razões técnicas!

E assim, fica fácil fazer o link entre o campo artístico e arquitetura, ainda que não se esgotem aqui outras dimensões de análise possíveis no caso da arquitetura, inclusive a dimensão técnica, construtiva propriamente. As diferentes formas de representação arquitetônica assimilam técnicas advindas das artes gráficas, particularmente do pessoal das artes gráficas. Veja um Archigram, mesmo o Koolhaas que começa desenhando, ele tem desenhos famosos na década de sessenta, antes de ter se metido a projetar prédios. Os mundos não são estanques. Uma estética que se difunde no campo das artes gráficas, que aparece nas publicações, nos impressos etc., contamina o desenho de arquitetura. Contamina não no sentido negativo do termo. Igual estas brincadeiras que se faz no computador, com recursos de efeitos especiais do cinema – é lógico que estão influenciando toda a produção das artes gráficas, da pintura e do desenho. E vice-versa, porque esta contaminação é permanente e de mão dupla. E obviamente certas modalidades, ou certas liberdades de linguagem, que aparecem num campo, vão correr pra outros, vão influenciar outros. O Corbusier não fazia desenhos com letras de chapinha? Agora chama stencil, mas na época era um meio muito prático, muito expedito na hora de se fazer um cartaz, um aviso, escrever algo no capricho. Depois veio o normógrafo, e depois a Letraset. Hoje vamos pro computador e escolhemos as letras. Tem milhares de tipos à disposição – o que aliás explica muito do mau gosto em comunicação visual, porque há um universo imenso de tipos e as pessoas escolhem de qualquer jeito. E tudo isto tem a ver com o que está ocorrendo na estética arquitetônica, gostemos ou não…

Algumas correntes pós-modernas apoiaram-se na codificação e uso sistemático de valores formais históricos que se acreditavam serem atemporais. Você acredita que é possível ainda hoje a crença nesse tipo de valor? Qual a validade da teoria tipológica de Aldo Rossi hoje?

No caso do Rossi, a situação é irônica – o Pós-Modernismo valoriza a ironia e eu gosto da ironia. O Aldo Rossi estava bebendo na tradição italiana, ele ao fazer uma arquitetura de sabor clássico, ele está sendo nativista. Igualzinho o Lúcio Costa está sendo nativista ao botar uma cobertura com telha canal e um muxarabi estilizado. Ele não é nativista? O Rossi também: ele está inserido na tradição lá dele. Acho a arquitetura do Rossi uma forçação de barra. Ele faz aquele cemitério lá em Modena [19] e diz que se inspirou na arquitetura vernácula da região -, porém não tem nada a ver com a arquitetura de lá. Esta mais para o Classicismo simplificado de um [Marcello] Piacentini. Aliás, o Mario Botta é outro que diz se inspirar no vernáculo, mas nunca consegui encontrar o vernáculo no qual ele se inspirou. Seria o Corbusier que teria aberto esta picada na década de trinta, que na obra dele alcança o apogeu com Ronchamp, segundo o Frampton [20].

No caso de Ronchamp dá até para perceber certas ligações, mas na obra do Botta com o vernáculo da Suíça italiana, tenho grandes dificuldades. E no caso do Rossi, ele faz muito mais uma espécie de neo-racionalismo, ou neo-neo-racionalismo italiano, ou, para cunhar uma outra expressão mais estrambótica, um hiper-neo-racionalismo. Aquele cemitério é racionalista, mais do que neo-clássico. O fato é que não tenho muita simpatia pela arquitetura dele… Excepcionalmente eu gosto do Rossi, gosto daquele teatrinho que não sobreviveu lá em Veneza [21]. É light, é delicado, é alegre, tem algo de desenho animado… É simpático, a arquitetura pop é sempre simpática. Mas tem um prédio dele em Paris que é detestável, e aquele cemitério então, a gente fica até com medo de morrer.

A questão do historicismo, no Brasil, ficava muito difícil para os arquitetos entenderem, e a reação dos arquitetos foi: “Oh! que barbaridade! Ecletismo!” Lembro de quando publiquei o Anotações…, fui convidada para dar uma palestra sobre Pós-Modernismo na FAU/USP. E estavam lá todos os professores, os meus ex-professores. Um deles, muito querido, falou assim: “Isso é arquitetura? Isso parece aqueles túmulos do cemitério da Consolação.” É tão arraigado o gosto modernista, a estética modernista, nesta geração – estou falando da geração que tem quinze ou vinte anos mais do que eu -, que qualquer coisa que fugisse dele era detestável. Me lembro de uma reação semelhante de um amigo meu, quando lhe mostrei um livro sobre o Norman Rockwell: “Mas isto? Isto é uma porcaria!” Tudo porque era figurativo, naturalista… Se o maior ilustrador americano é uma porcaria, sei lá o que é que é bom, amo o Rockwell!

Aliás, das bobagens que são ditas sobre o Pós-Modernismo, a que mais me irrita é: “Ah! É um Ecletismo…“, isto dito em tom de desprezo. O Ecletismo é uma arquitetura riquíssima, um dos momentos mais fecundos em toda a história da arquitetura: é fascinante quando se começa a entender a sutileza das diversas tendências neo-góticas inglesas ou a variedade dos classicismos! É um mundo complexo e sutil: tem várias tendências, correntes, e além do mais o produto final é maravilhoso; os melhores exemplos de qualidade construtiva, de inventividade construtiva, vamos encontrar justamente na arquitetura eclética.

Voltando ao historicismo pós-moderno, em primeiro lugar, ele tem seus contextos próprios. Se você considerar, por exemplo, um [Carlo] Scarpa. Ele é chiquetésimo e sabe como fazer a sua interpretação historicista. Ele está num contexto italiano, e ser historicista na Itália é absolutamente óbvio: por onde você olhar, você está com a história no seu nariz. O nosso caso, de país de passado colonial, de rejeição das raízes portuguesas – não no século XX, mas no século XIX -, tudo em nossa interpretação de nosso passado faz com que uma vertente historicista fique muito difícil de digerir. Mas para um inglês, que nunca teve que brigar com seu passado, para um americano que tem um futuro imperial, para um italiano que nunca saiu dessa tradição, não é tão esdrúxulo quanto ela pode parecer para nós.

Todo o mundo achou normal que, para fazer arquitetura brasileira, tenhamos importado um modelo corbusiano, fazendo simultaneamente um discurso nacionalista, como se não houvesse contradição alguma. O nacionalismo conseguiu ser blended, se misturar de um modo completamente esdrúxulo com a importação de um estilo internacional, que de fato era europeu. Tal nonchalance ideológica não seria aceita na Catalunha: lá o discurso nacionalista vai dar um Gaudí, um Berenguer. Vai dar não só Gaudí, um ou outro arquiteto, vai dar toda uma escola preocupada em recuperar tradições construtivas catalãs. Tradições tão efetivas que foram exportadas até para Nova York. Dê uma olhada no primeiro subsolo da Grand Station, lá onde fica o Oyster Bar, ou na cúpula de St. John the Divine, e você verá abóbadas de ladrilho típicas da Catalunha.

Para nós não vai dar – a não ser nos melhores momentos do Lucio Costa, quando temos um certo gênero de nativismo. Por sinal, tem uma vertente nativista na arquitetura brasileira muito mal-estudada – e quando estudada é torta porque os estudos são ruins. Você percebe esta tensão na década de quarenta: “Eu sou nacionalista e como é que estou importando modelito?” Veja o próprio Oswald de Andrade; veja o texto brilhante do Mário de Andrade, de 1944 [22], onde ele arrebenta fazendo a crítica da Semana de 22: resumidamente, estávamos nós ignorando o Brasil e querendo ser europeus!

Eu, pessoalmente, acho muito esdrúxulo o historicismo que já não é historicismo. Michael Graves vai lá e faz um historicismo em cima da tradição arquitetônica americana. Aí aquilo vira um cacoete, e aí tout le monde – inclusive os pós-modernos brasileiros – repetem o cacoete do Michael Graves. Ele usou aqueles elementos históricos, absolutamente amarrados naquela situação. De repente passa a ser uma solução tipo templo grego – o que chamo o “efeito templo grego“. No Brasil, particularmente em Belo Horizonte, encontra-se Graves pra lá e pra cá. Mas aí já não é mais historicismo, é o pastiche de um arquiteto que fez uma obra historicista. Então tem nuances aí das mais variadas. Acho triste que aqui não tenhamos partido para uma certa tradição historicista em termos de arquitetura brasileira, que seria bastante fecunda. O Neocolonial brasileiro tem momentos maravilhosos, tem uma arquitetura incrível. Tanto aquele mais chão, mas basicamente construtivo a la Lúcio Costa, quanto um Ernesto Becker, um Ferrucio Pinotti. Enfim: estes caras dominavam a linguagem que estavam usando, lá na década de vinte iam a Ouro Preto para ver arquitetura – e olha que não era uma viagenzinha fácil, até a esquina. Conheciam arquitetura colonial muito bem, e faziam aquela arquitetura meio pastiche, bem mais legítima. Ou então, num extremo mais sofisticado, o  [Victor] Dubugras, cujo Neocolonial é uma reinterpretação, uma reinvenção do colonial. Ainda que não devamos esquecer que livros eram publicados com motivos coloniais, do Ranzini, do Amadeu de Barros Saraiva, do Watsh Rodrigues, pra quem quisesse fazer colonial sem ter que ir atrás do original…

E pra nós o Pós-Modernismo poderia ter trazido este gênero de liberação, que é uma das questões que coloco no meu texto e que é central, sem dúvida, na década de setenta. A opção pós-modernista foi um “Ufa! Que bom, chega dessa chatice de Modernismo!“, o que é mais ou menos a mesma coisa que o “Less is a bore“, do Venturi. Saiu-se daquelas cadeias, daquelas amarras do Modernismo, e se deu espaço para, por exemplo, uma brincadeira como a Praça Itália, do [Charles] Moore. E deu lugar para uma coisa horrorosa como o prédio da AT&T, do Philip Johnson – era horroroso no desenho e ao vivo e a cores é pior; é um desastre, Nova York não merece aquilo, Nova York tem arranha-céus belíssimos. Então um espaço para um historicismo criativo, no Brasil isto definitivamente não aconteceu. Tem um exemplo aqui e acolá, como o Elvin Dubugras em Brasília, o Éolo Maia, o Podestá, o Gustavo [Penna] em Belô, mas não seriam os únicos, tem outros.

Outra coisa, no caso também do historicismo. Quando falo em historicismo, não estou pensando só necessariamente em Classicismo. Por exemplo: toda a tradição Art-Déco. É uma arquitetura maravilhosa, é uma arquitetura – para usar o termo elegante – tectônica. Se, como eu, você é chegado numa construção, numa qualidade construtiva, numa qualidade de detalhamento, nada bate o Art-Déco. O Art-Déco é deslumbrante: vá para Paris, vá para Nova York, para Londres ou Los Angeles, mesmo o Rio de Janeiro, é granito, é mármore, é bronze, é todo tipo de esmaltes, de ladrilhos, só materiais preciosos – não Miami, lá tudo é feito no estuque. Um Chrysler arrasa: sabe lá o que é um prédio revestido de aço inox na década de vinte? Toda esta qualidade construtiva do Art-Déco foi esquecida. E, no entanto, poderia inspirar uma produção arquitetônica contemporânea muito rica. Quando aparece entre nós, é o pastiche do pastiche. O Michael Graves faz um arco assim, assim, você vai a São Paulo e encontra a mesma coisa. Aí é o amaneirado. Assim como há um moderno amaneirado, há também um pós-moderno amaneirado…

E as características que não necessariamente se aplicam a historicismo, as características atemporais presentes na arquitetura de Pei, ou mesmo de Oscar Niemeyer em Brasília? Questões de simetria, ritmo, axialidade, características psicofísicas… Estas coisas começaram a ser recodificadas, depois da Arquitetura Moderna, a partir desse pessoal dos anos setenta, oitenta, Charles Moore [23] etc. A pergunta é: você acha que tal arquitetura realmente é atemporal?

Não. Como historiadora, não posso achar nada atemporal. Acho muito difícil conceituar esta categoria, apesar de usá-la no artigo – mas uso ironicamente, aliás aquele artigo tá cheio de ironia, de gozação mesmo… Mas o “atemporal“, “o homem“, “o ser humano e sua alma imaterial e eterna“… Tal atemporalidade é difícil de entender. É uma metafísica que não faz a minha cabeça. O que ocorreu é que com o Pós-Modernismo determinados recursos de composição arquitetônica voltaram. Recursos de composição arquitetônica que não tinham sido abandonados, mas tinham sido disfarçados. O Sr. Le Corbusier fala em traçados reguladores [24], mas não se dá ao trabalho de informar seus leitores de que se trata de um recurso acadêmico par excellence, como diria um francês…

O emprego dos traçados reguladores é uma disciplina acadêmica por excelência – a expressão tracé regulateur faz parte do jargão acadêmico. Com o Pós-Modernismo, todos aqueles esquecidos exercícios de composição are out-of-the-closet. Os arquitetos modernos usavam aqueles truques todos de composição, os tais traçados reguladores, mas não assumiam. Com o Pós-Modernismo, it´s out-of-the-closet. Se você olhar, por exemplo, para a arquitetura do Paulo Mendes da Rocha com este viés, vai ver a permanência da formação acadêmica que ele recebeu. Na década de cinqüenta o Mackenzie é acadêmico. Mais acadêmico que o Mackenzie então só Paris, onde o academismo só é definitivamente revogado em maio de 1968. Um dos motores do movimento estudantil francês foi a Escola de Arquitetura que estava pelas tampas de ensino acadêmico. Os estudantes queriam Arquitetura Moderna – igualzinho ao que aconteceu no Rio na década de vinte, imagine só! -, porém o ensino era acadêmico. Eles faziam Arquitetura Moderna porém dentro das regras de composição acadêmica. E no Mackenzie, tal situação perdura até 1956, 1957; lá esse ensino continuava em vigor.

Mas de repente está todo o mundo out-of-the-closet, assumidamente compondo na regra acadêmica. Sobre isto eu escrevi bastante, mas faz mais de vinte anos… Tem o Ensino, documentação e pesquisa [25]. Tem O ensino da construção no domínio da arquitetura [26], onde inverto a questão. Todo o mundo pensa que a engenharia manda e os arquitetos correm atrás. Não: existe uma situação oposta em que as regras da arquitetura ditam a direção das decisões construtivas. Está aí o uso do concreto, estas bobagens todas que se faz de concreto. É a arquitetura mandando, porque o bom senso não faria aquilo de concreto. Tanta coisa em que uma alvenaria cairia tão melhor…

Bom, mas não entendo de crença ou descrença, de temporalidades e atemporalidades, porque isso é muito subjetivo. O que sei, claramente, é que os truques de composição são imbatíveis. Vale a pena ler o livro do [Alfonso] Corona – Ensaio sobre o projeto [27]. A discussão do Corona serve bem para responder à questão tipológica. Segundo ele, teríamos dois caminhos para o projeto arquitetônico: ou a composição – acadêmica – ou a tipologia – também acadêmica. Não adianta: ensino de projeto é sempre a mesma coisa. Muda o vocabulário, muda se é no nanquim ou se é no computador etc., mas ou se projeta com base na composição de elementos ou com motivos do uso – que seria o caminho tipológico. Não tem muito mais do que isso: muda o estilo, muda a linguagem, muda a função, muda o uso, mas os procedimentos para projetar não têm muita variação, não dá pra ir muito além disso. E, hoje, com o computador, talvez o projeto não seja mais feito nem tipologicamente, nem compositivamente.

Para além das discussões baseadas no significado e no entendimento da arquitetura como linguagem, você vê algum indício de complexidade e contradição na arquitetura contemporânea? Quais são os exemplos?

Entender a arquitetura como linguagem é um instrumento didático extremamente útil, que uso muito em sala de aula, o que não quer dizer que devamos reduzir a arquitetura a ela. Uma leiturinha tipo Linguagem clássica da arquitetura, do Summerson [28], é excelente. Pelo menos quando li pela primeira vez, foi emocionante, ele fez a minha cabeça. Foi ótimo, foi útil, foi maravilhoso, agora nem o Summerson se reduz àquele livro, nem a arquitetura se reduz à linguagem. Aliás, o Summerson é o primeiro a saber disso, porque se tem um ensaísta de arquitetura brilhante é ele – todo o mundo lê o Linguagem clássica e não lê o resto.

Então é um dos instrumentos de análise, de compreensão. Não resolve tudo, assim como não se resolve tudo com matemática, não se resolve tudo recorrendo à linguagem. Agora, é bom para um crítico de arquitetura, para um arquiteto, ter domínio sobre este vocabulário, trabalhar com esta ferramenta. Se a gente espera que um poeta tenha domínio das palavras, nós temos que ter um certo domínio de nossos elementos de arquitetura e de composição.

Quanto a este negócio de complexidade e contradição, é uma expressão do Venturi, não é uma preocupação minha. Vejo complexidade e contradição em qualquer coisa. O mundo está cheio de complexidades e contradições, as pessoas são complexas e contraditórias… Um microorganismo é complexo pra caramba!! Esta pergunta eu não sei responder, não. Os exemplos seriam infinitos, estão em toda parte!

É possível falar de uma revalidação crítica atual dos princípios modernos ou o que vemos hoje é apenas mais uma vertente estetizante esotérica pós-moderna? É possível ainda hoje se falar em proposta de uma nova ordem social através de arquitetura?

Não e não.

Consideremos o período áureo do movimento moderno – o europeu é a década de vinte, ou melhor a longa década de vinte, de 1918 a 1933. Maravilha, aquela arquitetura é tão interessante. Vou ao cinema e vejo um filme da década de vinte, é fantástico, de tanta qualidade quanto a arquitetura daquele período. So what? Acho que os arquitetos têm o hábito de isolar a arquitetura do resto. Eles pensam que, quando estão produzindo arquitetura, a estética arquitetônica é autônoma do que está acontecendo no cinema, nas artes plásticas, nas artes gráficas, no teatro, na cenografia, até na música, onde você quiser. Fica parecendo que a arquitetura tem uma lógica própria e o resto do mundo desaparece.

A moda, por exemplo, a moda é criativa. A coleção de inverno que sai de Paris… É belíssima. Hoje, tudo na moda é precioso, bordados, brilhos, dourados, tecidos metalizados… Porque é que a arquitetura não pode acompanhar isto? Se há certas tendências que estão pegando no gosto, a arquitetura é igual. A atemporalidade da arquitetura é de outra ordem. A atemporalidade da arquitetura – e aí ela se difere do resto e o termo atemporal é interessante – é que um prédio fica, o objeto arquitetônico tem uma permanência muito grande. Comprei um objeto de uso e não gostei, compro outro. Vi um mais bonito, compro o mais bonito e deixo de escanteio o outro. Quando falamos de arquitetura, não estamos falando de um objeto tão facilmente descartável, porque o custo do descarte é muito alto. Ninguém sai descartando arquitetura por moda. Você descarta uma roupa por moda, você descarta um sapato, uma bolsa, até um eletrodoméstico, mas não um prédio.

Estou pensando na questão do vínculo da arquitetura com o momento da sua concepção. Esse vínculo com o momento da sua concepção, no caso da arquitetura é diferente do que acontece em outros campos. Por que no caso de uma roupa, é muito amarrado. Vejo um vestido da década de vinte e vejo um retrô década de vinte, sei qual é o da década de vinte, sei qual é o da década de noventa. Vejo um móvel dos anos cinqüenta e vejo um fake estilo Memphis, sei qual é o dos anos cinqüenta e qual é o fake. No caso da arquitetura, ela tem uma permanência muito grande, você não sai demolindo as coisas… Então, toda a lógica, em termos estéticos, estilísticos, que presidiu a concepção daquele prédio pode estar totalmente superada, e o prédio continua em excelente estado de conservação e sendo muito bem utilizado.

Costumo colocar um paradoxo para os meus alunos: qual a cidade mais moderna – moderna no sentido amplo, contemporânea, equipada de forma atualizada – Paris ou Brasília? Paris tem formação romana, Brasília comemora o seu aniversariozinho de nascimento de quarenta e tantos anos.  Mas qual é mais moderna? Paris. Sistema viário, transporte de massa, redes de fibra ótica… Você entra num prédio antigo: o Louvre. Ele é antigo por fora, mas está equipadíssimo com o que há de mais moderno em termos de prevenção de incêndio, de controle ambiental, de luz, de temperatura, de umidade, ele é avançadíssimo, é sofisticadíssimo tecnologicamente. Não é preciso demolir o Louvre e substituí-lo por um prédio contemporâneo para se ter o que há de mais avançado.

Está aí uma coisa que acho que os arquitetos não aproveitam como poderiam: tem o retrofit, tem o refacing… Não é preciso demolir um prédio: pode-se dar um upgrade em um prédio antiquérrimo, e ele continua sendo ótimo para ser museu. E, talvez, se você construir um prédio novinho em folha para ser museu, ele não seja nem tão bom espacialmente para museu, como não vai ser tão bom dar um upgrade nele no futuro. É muito difícil dar upgrade numa arquitetura moderna. Numa arquitetura antiga, convencional, é muito fácil. Pegue novamente Paris, ou qualquer cidade européia: não tinha encanamento e não tinha luz elétrica. Estão lá prédios velhíssimos de antes da água encanada, de antes da luz elétrica, que têm luz elétrica, água encanada, banheiro, elevador… Então não é uma boa demolir um prédio. Neste ponto, eu sou xiita como é a turma da ecologia quando se bole com as suas árvores e gralhas azuis…

As grandes demolições urbanas – o chamado urban renewal – tinham uma outra motivação. Acaba que você tem um prédio que vai permanecer, enquanto que o vestido não, porque não vou usar um vestido fora de moda ou porque o tecido puiu, lavou demais, desbotou, então será deixado de lado. O vínculo é diferente: esta é uma especificidade, no meu entender, da arquitetura, que faz com que tais questões do atemporal possam ser pensadas por aí.

Os princípios modernos estão aí. Você introduz coisas no mundo e elas ficam. Vai ter sempre alguém fazendo Modernismo. Alguém pode fazer Historicismo, Art-Déco ou não-sei-o-quê. Porque alguém não pode continuar fazendo Modernismo? Tem que entender que, no caso brasileiro, é mais simples, mais barato e mais eficiente fazer moderno. Os projetistas, os construtores e a mão-de-obra estão absolutamente treinados para fazer moderno, estão familiarizados com ele, então é muito eficiente. Estruturinha de concreto, laje de concreto e vedações de alvenaria: este é o sistema construtivo vernacular hoje no Brasil. A arquitetura vernácula brasileira é concreto e alvenaria. Pega uma foto de favela do Rio de Janeiro que você vai ver estrutura de concreto e alvenaria. Como ninguém na favela gasta dinheiro rebocando o exterior, você vê direitinho como foi feita a construção. É o sistema vernáculo. Qualquer mestre-de-obras sabe fazer uma laje, um pilar. Qualquer peão sabe levantar uma parede de alvenaria. Então, no caso brasileiro, tudo indica que esse moderno vai continuar por muito tempo. Não tem porquê ele ir embora. Nós temos que pensar arquitetura como uma coisa um pouquinho além desses projetinhos dos arquitetinhos.  Eu penso arquitetura como todo este universo construído, estes objetos grandes, imensos, que dá pra entrar dentro. A arquitetura é um objeto grande em que dá pra entrar dentro – uma definição simples e eficiente; não é a única, mas é útil de vez em quando.

Então não precisa nem de revalidação, no caso brasileiro. No meu entender a permanência está garantida, por um lado pelo prestígio permanente dos arquitetos de orientação moderna e, por outro, porque é o que se faz em toda esquina. A não ser que você seja muito rico e faça toda a sua casa de madeira, ou comece a meter umas estruturas metálicas. Mas o cotidiano funciona fora disso.

Isso qualificou o primeiro não. O segundo não, agora: nunca foi possível criar uma nova ordem pela arquitetura. Os arquitetos falavam, mas não quer dizer que era possível. É um discurso self-congratulating. É uma coisa que faz bem para o ego do indivíduo que fala: “Oh, a minha arquitetura é uma contribuição para a melhoria social…” Faz um bem pra consciência culpada… Mas realmente acho que nunca foi possível fazer isto. Aí é fundamental ler o Arquitetura nova, do Sérgio Ferro [29]. Então, para mim é uma bobagem:  por que um nova ordem social através da arquitetura, e não uma nova ordem social através da ginástica, ou uma nova ordem social através da agricultura, ou uma nova ordem social através da odontologia?

Eu faço esta pergunta porque existe uma corrente muito forte atualmente que procura trazer à tona, no Brasil, o pensamento situacionista. E uma das coisas que eles apregoam é que faz sentido voltar à idéia de objeto menos impositivo do ponto de vista do desenho, e aí eles se apropriam do pensamento de Sérgio Ferro também.

Gosto muito desta idéia: se você está fazendo uma arquitetura cívica em que o cara está gastando dinheiro para mostrar que é poderoso, ele não está querendo uma nova ordem social. Se eu quiser trabalhar com a Maria do Barro fazendo tijolo de solo-cimento e acho que estou contribuindo para o avanço social, tudo bem: isso existe. Mas fazer um discurso da arquitetura como motor de uma mudança social é jogo duro.

Se você quer contribuir para uma sociedade mais justa e cria uma instituição que dê abrigo a crianças abandonadas, isto é algo laudatório e que de fato contribui para a melhoria da vida de um montão de gente e tem todo o meu apoio. Agora, achar que fazer arquitetura cria uma nova ordem social é megalômano. O comunismo acabou e ficou todo o mundo órfão? Está órfão? Vai ser ambientalista então. Acho que isso é de uma megalomania…, é stalinista.

Por outro lado, se compreendi bem a questão, o teu situacionismo tem a ver com o local? Neste caso, é a tal questão do ajuste ao entorno? Bem, nisto os pós-modernos são imbatíveis. Ainda que a preocupação com o entorno, a qual não é uma má idéia, nem todo arquiteto tem que seguir. Um pouco naquela linha: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Alguns arquitetos podem, o exemplo óbvio é o Niemeyer, que pode construir o que quiser até em área tombada. Já outros, obedecem, ou seja, se não respeitarem o entorno vão ser duramente criticados…

Ou ainda, o teu situacionismo se refere a uma arquitetura mais friendly em relação a quem constrói ou a quem vai usar? Novamente, é uma idéia que me agrada. Afinal, na hora de projetar um pouco de atenção aos recursos técnicos locais – ao chamado substrato técnico, para usarmos uma expressão mais precisa – é no mínimo de bom senso, além de ser respeitoso. Já os usuários, então, coitados deles. Apesar do lip service que os arquitetos costumam prestar aos anseios dos clientes ou usuários, na vida real isto não costuma se revelar no produto final. Tanto prédio mal dimensionado, tão pouca atenção à acessibilidade. Em Brasília, a situação é calamitosa!! Escadinha por todo lado, dê uma voltinha de cadeira de rodas e você verá como o tal “usuário” sofre!

Em que medida uma arquitetura de inspiração moderna está sendo capaz de incorporar as experiências e superar os desacertos do período crítico pós-moderno?

Não acho que há desacerto no período crítico pós-moderno. Acho que o período crítico pós-moderno foi um show. Nossa, foi uma festa de arquitetura!

Vamos pegar o pequeno período que eu compacto aí: dez, quinze anos de Pós-Modernismo. É como o Art-Nouveau: o Art-Nouveau durou dez, quinze anos, não mais. Tem coisa mais bonita que a arquitetura Art-nouveau? Durou isto: de 1890 a 1905, estourando. Deu show de bola. E o Pós-Modernismo stricto sensu, de que eu estava tratando aqui, deu um show também! Era uma alegria ver aquela arquitetura depois de termos passado cinqüenta anos na mamadeira modernista, engolindo concreto… Concreto aparente, ainda por cima, que arranha, esfola. Blindex e concreto aparente. De repente vem aquela alegria: cor, massa, ornamento, uma festa para os olhos!

Quer ver um exemplo? Todos nós, arquitetos, vamos concordar que o Brasília Shopping é horroroso. As pessoas de Brasília adoram; pergunte na rua e elas respondem: “É um prédio que você reconhece, que é diferente…” Então é uma qualidade para elas. Não é para o meu olhar de arquiteto, acho ele muito feio, mas posso entender a curtição delas. E para mim o Pós-Moderno foi uma curtição. Veja aquela arquitetura pop do Site, aquele historicismo do [Thomas Gordon] Smith, o próprio Michael Graves…  Depois daquela chatice minimalista…

Sabe o que é sentar numa cadeira Wassily, ter que se agüentar numa Barcelona? Eu não dou conta… E o pior é que os arquitetos insistem nelas. A última coisa que quero é sentar numa cadeira Wassily. De repente vem aquela festa, e agora podemos sentar em uma cadeira Luís XV, Chippendale…, sem cometer nenhum crime estético. Uma delícia! No que você prefere se sentar? Numa fauteuil de estilo, ou numa cadeira Wassily, do Breuer? Onde você quer assistir seu DVD: numa fauteuil confortável ou naquela coisa de couro frio em que você fica com dor nas costas? O less is more é um desconforto! Como tenho um lado vitoriano e gosto de um excesso, aquilo me entedia.

Tem mais um motivo porque eu gosto muito dos pós-modernos. Têm uns arquitetos, digamos assim, de linha modernista, extremamente requintados. Por exemplo o Isay [Weinfeld], que faz um Modernismo chic. E que depois é completado com tapetes persas, móveis maravilhosos, pinturas maravilhosas, é lógico que fica um ambiente belíssimo. São coisas extremamente requintadas. Agora, esse Modernismo rampeiro, cansado, fatigado, de concretinho e blindex, não agüenta nada. Ele já me irritava na década de sessenta, eu estava no escritório onde se projetava isto fácil. E olhava para aquelas casas do Artigas e pensava, “Aqui eu não moro!” Imagine hoje… Pelo contrário: o Pós-Modernismo foi uma liberação!

Como você vê, na arquitetura contemporânea, a autonomia da imagem e dos processos formais em relação ao conteúdo programático. É possível pensar na forma pura sem ser excludente?

Chega a cansar. Autonomia hasta cierto punto, please. Esta coisa da imagem, tipo Bilbao, em que a imagem do prédio é que interessa, e que todo o mundo sabe que está em Bilbao…

Arquitetura para mim é um prédio legal, bem construído, que funciona direitinho, em que os banheiros têm o tamanho certo, as escadas tem seus degraus com a altura certa, que tenha uma qualidade construtiva que não me obrigue a ficar o resto da vida em cima da manutenção, que não fique descascando, ou pulando os azulejos… E, evidentemente, o critério primeiro é que não caia. Meus padrões de qualidade arquitetônica são simples, primários e primitivos.

A autonomia da imagem é um pouco aquele discurso do Oscar Niemeyer: “Minha arquitetura quer causar surpresa“. Isso aí desgasta rápido. No seu caso, você trabalha no Congresso e entra diariamente no Congresso. Você fica surpreso toda a vez que olha o Congresso? Não, né? Sem dúvida que, quando a gente gosta de alguma coisa é sempre um prazer revê-la, mas ela não está te causando surpresa.

Aquilo que estava falando sobre moda e arquitetura, aquele problema do atemporal em arquitetura, pega justamente na raiz desta questão da surpresa, em que discordo do Niemeyer. Porque a arquitetura tem uma tendência à permanência, a ficar, ao contrário de outras coisas. Posso mudar de carro, mas não mudo a garagem, nem pinto a garagem porque troquei de carro. Você pensar a arquitetura como surpresa é muito pobre, muito pouco, porque ela vai te surpreender uma vez, duas vezes. Toda vez em que passo em frente ao Itamaraty, eu penso: “Que belo prédio, que belas proporções.” Mas não estou surpresa. Assim como toda vez em que passo em frente à Notre-Dame, fico encantada, ou quando vejo outras obras de arquitetura que me agradam. E eu as conheço depois de décadas, e o mundo conhece algumas delas depois de séculos ou milênios. Entre parentes, as pirâmides não me emocionaram, nada mais dejà vu, já os templos de Luxor são impressionantes, a tectônica…, um luxo, para fazer uma aliteração.

Quer dizer: usar o surpreendente como valor arquitetônico, para mim é tiro no pé. Por quanto tempo ainda Bilbao vai surpreender? Então essa autonomia, eu não sei a que ela vem. Sempre há uma certa autonomia da imagem em relação ao uso. Mas o que você quer dizer com forma pura sem ser excludente?

O Venturi fala de algumas casas de um Philip Johnson que, talvez por serem muito simplistas, não estimulam as pessoas ao serem excludentes. Elas excluem a possibilidade do imponderável, do imprevisto, de coisas que fazem parte da vida humana. Ele justifica a preferência dele pela complexidade porque a complexidade é do isto e aquilo, é da inclusão…

…no sentido dele, ela é mais democrática. Tem um outro aspecto. O Venturi não estava fazendo uma crítica política, mas nós podemos fazer por nossa conta, né? O Modernismo, na verdade, requer uma apreciação modernista. Uma apreciação less is more é extremamente sofisticada: less is more, quanto menos ornamento melhor…. Se sou emergente, quero muito ornamento para mostrar que tenho grana! Só para quem tem muita grana, e não precisa mostrar que tem toda essa grana, que uma estética less is more é aceitável.

Mas você acha que a fachada toda de vidro de Lake Shore Drive, por exemplo, não é uma forma de ostentação também? E é moderno… É tudo de aço inox…

Isso eu aprendi com o Artigas, foi uma lição que o Artigas me deu uma vez e eu interiorizei. O metro quadrado do vidro é muito caro. Na década de quarenta então, um pano-de-vidro indicava riqueza. Você conhece as duas casas do Artigas iguais: a Bittencourt e a dele, as duas casinhas com cobertura em V. Perguntei: “Poxa, Artigas, porque a sua casa você fez toda de vidro e a outra você fez em alvenaria?” E ele: “Porque o proprietário não quis, era muito caro.” Uma resposta simples, evidente, corretíssima. Ele estava fazendo a casa dele, era arquiteto, e provavelmente se endividou todo para botar bastante vidro, pagou um preço alto por sua opção estética. Então é lógico, você tem razão, naquele momento era uma demonstração de poderio até: aço e vidro.

Por outro lado, há um componente low profile que é esnobe. É um pouco como o lorde inglês que não usa sapato novo. Compra um sapato e dá para o mordomo usar; e depois que o mordomo envelheceu um pouco o sapato, aí ele usa, por que usar sapato novo é coisa de novo-rico. Então o less is more tem um tal componente esnobe, ele é excludente no gosto. Se você pegar um prato com desenhinhos e o mesmo prato sem desenhinho nenhum, o arquiteto provavelmente escolhe o sem desenhinho, mas 99% das donas-de-casa vai escolher aquele com desenhinho. Este ornamento é agradável, é pleasing, ele agrada aos olhos, é simpático para qualquer um. A estética modernista tem um componente elitista muito grande.

E isso é inexorável? Não é possível tentar a forma pura sem ser excludente?

Não… Nada é inexorável… A la Venturi: não é isto ou aquilo, é isto e aquilo e mais quinhentas outras coisas que você quiser gostar. Neste ponto concordo com o Venturi: não é sim ou não, branco ou preto. É branco, preto, amarelo, colorido, com o tanto de cor nova que hoje existe com a tecnologia. Você não precisa ficar no inexorável.

notas

1.  Sylvia FICHER, Anotações sobre o Pós-Modernismo, Projeto, n. 74, pp. 35-42, abr. 1985. Publicamos novamente o texto na versão eletrônica deste número de nossa revista, que pode ser lido em //www.28ers.com.
2.  Tom  WOLFE, From Bauhaus to our house (New York: Farrar Straus Giroux, 1981).
3.  Sylvia FICHER e Marlene Milan ACAYABA, Arquitetura moderna brasileira  (São Paulo: Projeto, 1982).
4.  Sylvia FICHER e Geraldo Nogueira BATISTA, Guiarquitetura Brasília (São Paulo: Empresa das Artes, 2000).
5.  Cf. Sylvia FICHER, Os arquitetos da Poli (São Paulo: EDUSP, 2005). Trabalhos recentes sobre o arquiteto: Maria Beatriz Portugal ALBUQUERQUE, Luz, ar e sol na São Paulo moderna: Alexandre Albuquerque e a insolação em São Paulo (São Paulo: Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2006), e João Carlos GRAZIOSI, A trajetória profissional do engenheiro arquiteto Alexandre Albuquerque, 1905-1910 (São Paulo: Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2001).
6.  Germain BAZIN. A arquitetura religiosa barroca no Brasil (Rio de Janeiro: Record, 1983. 2 v). Edição original: 1958.
7.  Jorge CZAJKOWSKI (org.), Guia da arquitetura colonial, neoclássica e romântica no Rio de Janeiro. (Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2000).
8.  AMARAL, Aracy Abreu (org.). Arquitetura neocolonial: America Latina, Caribe, Estados Unidos (São Paulo: Memorial, 1994).
9.  A exposição Brazil Builds, com a curadoria de Philip Goodwin, foi realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1943. Seu catálogo foi um importante meio de difusão da arquitetura brasileira no exterior. Cf.  Philip L. GOODWIN, Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942 (New York: Museum of Modern Art, 1943).
10.  Anatole KOPP, Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa (São Paulo: Nobel e Edusp, 1990). Edição original: 1988.
11.  Sylvia FICHER, Ensino, documentação e pesquisa, Projeto, n. 114, pp. 135-40, set. 1988.
12.  Cf. Nikolaus PEVSNER, Pioneiros do desenho moderno (Lisboa: Ulisseia, 1962). Edição original: 1936.
13.  Cf. Abílio GUERRA (org.), Eduardo de Almeida: arquiteto brasileiro contemporâneo (São Paulo: Romano Guerra, 2006).
14.  Arnold HAUSER, Mannerism: the crisis of the Renaissance and the origin of modern art  (London: Routledge & Paul, 1965, 2 v.).
15.  FICHER e ACAYABA, op. cit.
16.  Os textos de Sérgio Ferro foram recentemente republicados na coletânea Arquitetura e trabalho livre  (São Paulo: CosacNaify, 2006).
17.  Cf. Henry Russell HITCHCOCK e Philip JOHNSON, The International Style  (New York: Museum of Modern Art, 1932).
18.  Alfonso Corona MARTINEZ, Ensaio sobre o projeto  (Brasília: EDUnB, 2000). Edição original: 1990.
19.  O Cemitério de San Cataldo, em Modena, Itália, de 1972.
20.  Cf. Le Corbusier and the monumentalization of the vernacular 1930-60. In Kenneth FRAMPTON, Modern Architecture: a critical history (New York and Toronto: Oxford University Press, 1981), pp. 224-230.
21.  O Teatro del Mondo, em Veneza, de 1979, projeto temporário para a Bienal de Veneza.
22.  Cf. O movimento modernista. [1943] In Mario de ANDRADE, Aspectos da literatura brasileira  (São Paulo: Livraria Martins, s/d), pp. 231-55.
23.  Cf. Kent BLOOMER e Charles MOORE, Body, memory and architecture  (New Haven: Yale, 1978).
24.  Cf. LE CORBUSIER, Vers une architecture (Paris: Crès, 1923).
25.  Sylvia FICHER, Ensino, documentação e pesquisa, Projeto, n. 114, pp. 135-40, set. 1988.
26.  Sylvia FICHER, O ensino da construção no domínio da arquitetura, Projeto, n. 112, pp. 129-30, jul. 1988.
27. MARTINEZ, op. cit.
28.  John SUMMERSON, A linguagem clássica da arquitetura  (São Paulo: Martins Fontes, 1982). Edição original: 1963.
29.  Cf. FERRO, op.cit., pp. 47-58.

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Na capa, um desenho de Oscar Niemeyer. As chamadas anunciavam um depoimento do próprio, e uma entrevista com Lucio Costa. O primeiro número, anotado como de novembro-dezembro de 1979, não poderia trazer uma conotação mais mainstream da arquitetura brasileira. A revista, ?em>de arquitetura, arte e meio ambiente? se chamava Pampulha. Verde, amarelo, branco e sobretudo o anil eram as cores que Álvaro Hardy, Paulo Laender e Sylvio de Podestá dispuseram para ressaltar certo ufanismo tão próprio da época com a frase que Oscar Niemeyer legendava seu croqui da Praça dos Três Poderes: ?em>Um dia o povo ouvirá o que deseja e a liberdade e os direitos humanos serão conquistas irreversíveis – 18.4.78.?/p>

No mês seguinte em que Niemeyer fez esse desenho, irrompia em São Bernardo do Campo a primeira greve operária no Brasil desde 1968, tendo como um dos líderes o metalúrgico Lula – então apenas Luiz Inácio da Silva. Em outro canto do planeta, muçulmanos fundamentalistas promoviam manifestações que, anos depois, solapariam o poder do Xá Reza Pahlevi e marcariam a ascensão do aiatolá Ruhollah Musawi Khomeini. Era a revolução islâmica no Irã.

No austero panorama arquitetônico brasileiro da segunda metade da década de 1970, havia muita construção e pouca arquitetura. O declínio do chamado “milagre econômico?não era evidente, e os arquitetos de modo geral locupletavam-se com a frágil prosperidade desse período de pouco debate, muitos projetos e obras. O colóquio mais acalorado que corria quase nos subterrâneos da universidade paulista era sobre as teses de Sérgio Ferro contidas em O Canteiro e o Desenho, a propósito do saber do construtor, a divisão e a alienação do trabalho operário ditado pelo desenho arquitetônico e a participação como processo de criação. Os historiadores da arquitetura no futuro poderão contestar a propriedade do uso do termo “austero? Mas é uma maneira de aquilatar o significado da revista Pampulha e de seus personagens.

cenário fechado

No ano anterior ao aparecimento de Pampulha, publicava-se no Rio de Janeiro a revista Chão. Em seu segundo número, o tema da edição era “Estado Novo: arquitetura e poder? A edição seguinte trazia outro tema: “Renda do solo urbano? E as promessas das próximas edições: “Cidades? “Arquitetura e Consumo? “Formação Profissional? A ter os pés no chão, os mineiros acabaram pisando no pé da arquitetura brasileira.

Na passagem dos anos 1970 para 1980, a imprensa especializada em arquitetura no Brasil resumia-se à ressuscitada revista Módulo no Rio de Janeiro, publicação de tendência ligada ao grupo de Oscar Niemeyer; às revistas CJ Arquitetura também do Rio de Janeiro, e a nascente Projeto em São Paulo – ambas tidas como revistas de mercado. Chão e Pampulha eram publicações nanicas, de incerta longevidade pelos seus perfis alternativos.

A Pampulha era uma revista artesanal, produzida por um dedicado e eclético coletivo editorial cujo amadorismo jornalístico explicava os altos e baixos de seu conteúdo. Não era uma revista de proposta, tampouco uma revista de mercado. Mas seu não-apelo por um não-alinhamento de qualquer ordem, olhar focado para o projeto arquitetônico e as artes em geral, geraram simpatias para além das fronteiras mineiras, sobretudo entre estudantes e jovens profissionais. Num ambiente política e ideologicamente carregado, a Pampulha era uma publicação demasiada leve para uma categoria profissional em boa parte tomada pelo discurso de resistência à ditadura; intelectualmente alienada, no desconfiado parecer das “patrulhas ideológicas?que condenavam a lepidez de canções como “Leãozinho?de Caetano Veloso no LP “Bicho?(1977). Num cotidiano de pouca informação a circular, a Pampulha tornara-se um respiro. Essa repercussão jamais poderá ser qualitativamente avaliada.

A aglutinação em torno da revista permitiu a organização de uma exposição itinerante de Arquitetura Mineira da Revista Pampulha em 1982. Ano de intensa atividade de divulgação, em especial, para Éolo Maia, cuja obra se viu na Exposição de Arquitetura Latino-americana que circulou por Berlim, Sevilha e Roma e em uma exposição individual com direito a palestra no Instituto de Arquitetos do Brasil em Niterói. Por fim, a publicação do livro 3 Arquitetos – Éolo Maia, Maria Josefina de Vasconcellos e Sylvio E. de Podestá [1], coroava o esforço de diálogo da nova arquitetura mineira com o resto do Brasil.

mineirices

Os mineiros faziam parte de uma orquestra sem maestro. Tocando músicas sem pauta, ou talvez com uma pauta sem arranjo, que na Europa e Estados Unidos se chamava pós-moderno. E que lentamente imiscuía-se no Brasil. Foi Ruth Verde Zein uma das primeiras a verbalizar essa perplexidade na arquitetura brasileira, na revista Projeto em dezembro de 1982:

Como encarar essa nova postura? Ironizando: vamos abandonar “nossos valores? que já estão incorporados no subúrbio, e construir alguma coisa mais cara, mais requintada, mais burilada? Ou talvez devamos entender essa revisão como uma crítica à história oficial da arquitetura moderna brasileira, que começa meio sem muita explicação, a partir de uns poucos autores, como se Le Corbusier tivesse descido dos céus, e antes disso ninguém tivesse feito nada, éramos todos índios (na visão colonialista que se tem dos mesmos)? Mas a tentativa de revisão crítica é também no sentido de entender a cidade naquilo que ela tem de mais positivo, negando certos valores da estética oficial, antes considerados vanguardistas, mas que hoje se verifica que eles não produziram conceitos realmente basilares.

Atualmente, pode-se aceitar tranqüilamente que não haja uma estética oficial, cristalizada, mas sim espaço para diferentes estéticas, possibilidade para a expressão pessoal, para a busca de conceitos com os quais o usuário se identifica [2].

A afirmação de uma arquitetura brasileira, tendo como marco inicial as realizações do Rio de Janeiro, simbolizada no Ministério da Educação e Saúde em Brasília, e a arquitetura paulista materializada nos anos 1960, faziam parte de uma “história oficial?– todavia, até então narrada de maneira teleológica. Identificar uma “estética oficial? promover “diferentes estéticas? soavam como revisionismo e iconoclastia num momento de resistência cultural, de entrincheiramento ideológico, em plena ditadura militar.

a recepção dos mineiros

Tenho como o primeiro ensaio sobre a emergente arquitetura mineira o escrito de Mauro Neves Nogueira publicado num subproduto da revista Projeto, o Anuário de Materiais e Serviços de 1984. Em “A nova arquitetura de Minas Gerais? Nogueira acusava o recebimento das várias iniciativas mineiras que alcançaram o Rio de Janeiro em 1982/83. Pode-se dizer que a simpatia de Nogueira pelos mineiros derivava de um proselitismo comum por mudanças no panorama vigente da arquitetura brasileira, mas por outra vertente – a promovida por Luiz Paulo Conde. Bem como o compartilhamento das pranchetas do escritório de Conde com o arquiteto argentino Juan Carlos Di Filippo, cuja cumplicidade com os mineiros o fez assinar a apresentação de 3 Arquitetos. Todavia, Nogueira nunca se mostrou complacente em sua avaliação dos mineiros:

O importante é que os arquitetos mineiros […] estão projetando e construindo edifícios que servem, além de tudo, para termos uma visão mais ampla (e não setorial Rio-São Paulo) do que é realmente a atual arquitetura brasileira. Trata-se de um trabalho que tem seu lado positivo – ao tentar sempre levar em consideração as condições locais da região, os métodos e processos construtivos existentes, as condições de nossa indústria da construção civil – e seus aspectos negativos – ao reproduzir, às vezes de maneira formal e simplória, os modelos já existentes, nacionais ou estrangeiros, ao fugir do formalismo determinado pelos dogmas existentes e cair em outros formalismos como aquele de Kahn, ao fazer prevalecerem as formas, os símbolos e outros elementos, em detrimento principalmente da função, da proporção dos espaços, das relações interior-exterior e arquitetura-cidade. Mas o que talvez seja mais importante é que tudo isso acontece num ambiente aberto e franco, no qual os mineiros procuram se organizar para discutir seus trabalhos, publicá-los e expô-los. Mérito grande têm esses arquitetos que fazem revistas, livros e exposições dos seus trabalhos, além de produzir arquitetura?[3].

Diferentemente das posições ortodoxas ou obscuras da época, a narrativa de Nogueira era receptiva, tolerante e referenciada. Ela revela ao menos duas posturas subliminares de um momento: o esforço de um carioca (poderia ser um paulista) abarcar horizontes para além de suas fronteiras, no contexto da hegemonia do eixo Rio de Janeiro/São Paulo (hoje sabemos que essa geografia efetivamente era maior), e o modo de praticar a crítica, acentuando alguns princípios da tradição arquitetônica (modernos ou não): função, proporção, relação interior-exterior e o diálogo com o urbano. Com esses filtros, seu texto de 1984 foi uma das mais concisas recepções às propostas dos 3 Arquitetos, elegendo a figura que, de resto, os fatos sancionaram mais tarde: “a arquitetura de Éolo Maia deveria merecer depois uma análise à parte, por ser ele uma espécie de ‘trator?da arquitetura mineira, aquele que conduz às outras partes do país. Seu trabalho talvez represente a somatória de tudo o que acontece, é uma espécie de leitmotiv dessa arquitetura?[4].

Como foi um dos primeiros retratos de corpo inteiro dessa arquitetura? Nas palavras de Mauro Neves Nogueira:

A arquitetura de Maia e dos arquitetos com que trabalha, como Maria Josefina de Vasconcellos, Márcio Lima, Sylvio Podestá e outros, tem muito de formal e simbólico em seus vários aspectos. Nela, é constante a procura de novas tipologias e modelos, de novas imagens arquitetônicas, de novas técnicas e métodos construtivos, de novos materiais de construção. Existe uma vontade em procurar uma comunicação mais direta e informal entre a arquitetura e o usuário, evitando certos discursos e conceitos que boa parte dos arquitetos preestabelecem ao projetar. Para atingir esses objetivos e ordenar todas essas procuras, recorrem à própria história da arquitetura. Ela é o fio condutor dessa arquitetura que é um “iniciar?constante. A cada novo programa, novo lote, novo sítio, recomeça-se da capo. Esse é o lado mais instigante desses arquitetos: são verdadeiros “operários da arquitetura? Mas, por outro lado, outros valores da arquitetura são marginalizados ou negados nesse processo “aberto?de se fazer arquitetura: pode gerar uma descrença em determinados valores constantes da arquitetura, facilita a suscetibilidade a certos grafismos de fachada e jogos de volumes, ocasiona a predominância de alguns elementos em detrimento de outros (“desequilíbrio?, mascara certos aspectos da construção, incentiva a desproporcionalidade/monumentalidade e outras coisas mais.

Tudo isso pode ser bem ou mal interpretado. Não quer dizer, entretanto, que tudo deve ser sempre segundo os mesmos conceitos e critérios de arquitetura, pois o próprio Maia, já mencionado, muito oportunamente renegou isso. Alguma liberdade, principalmente nos dias atuais de crise e de confusão da arquitetura, tem que existir, mas do outro lado um mínimo de coerência pelo menos se poderia perseguir, principalmente em relação aos valores constantes da arquitetura que cada arquiteto acredita [5].

ponto de inflexão

Em janeiro de 1985 era eleito pelo Congresso Nacional o primeiro presidente civil desde 1964. Nos meses seguintes, o Brasil acompanhou a agonia de um político: a morte de Tancredo Neves em 21 de abril monopolizou as compaixões no país, num fascinante ritual de mineiridade. De modo desapercebido para além do meio dos arquitetos, em janeiro morria João Batista Vilanova Artigas. Em novembro o Departamento de Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil promoveu o XII Congresso Brasileiro de Arquitetos. A reunião em Belo Horizonte foi uma homenagem ao grande arquiteto paulista. E configurou-se como a vitrine consagradora da arquitetura mineira, escancarando as portas da alteridade na arquitetura brasileira: nomes como Luiz Paulo Conde e Severiano Porto ganharam reconhecimento nacional.

O segundo retrato de época mais importante sobre os mineiros foi produzido pela revista Projeto, na edição de novembro de 1985, dedicada ao Congresso dos Arquitetos. “Acerca da arquitetura mineira (em muitas fotos e alguns breves discursos)?de Ruth Verde Zein é um périplo aparentemente sem rumo, um texto irresoluto, uma colagem de posições e impressões defensivas e ofensivas, sobre as quais a crítica, ao final, concluía seu flanar sob o entretítulo: “Agora falando sério? Escrito que pouco toca na arquitetura mineira em si, mas ao mesmo tempo está todo ele elaborado numa dialética entre os mineiros e o contexto arquitetônico vigente – e cujas referências e ironias talvez hoje passem como enigmas às novas gerações.

Em um dos trechos uma reflexão alude à condição mineira e seu contorno transformador:

O mito do novo aboliu do ensino a cópia como um exercício para treinar a sensibilidade do aluno e instaurou a cópia como repetição de verdades preestabelecidas.

E o que isso tem a ver com a arquitetura mineira? O mesmo que tem a ver com a arquitetura paulista, carioca, gaúcha etc.: o fato de que em toda parte, durante esse tempo todo, alguns arquitetos levaram a sério a vontade de buscar outras referências, e sair do círculo de giz. Foram brindados com epítetos como “pastiche? “falta de coerência? “imaturidade? “oportunismo? Dizer que tudo o que produziram é bom ou mau é avaliar segundo uma escala de valores tão limitada que mal enxerga o horizonte. Melhor, por enquanto, é apreciar sua coragem (quem faz algo que saia do óbvio sabe como a mediocridade é agressiva), e aproveitar o rebuliço para abrir perspectivas diferentes.

Se, como querem alguns, o ecletismo é uma fase intermediária entre dois momentos mais clássicos, mesmo assim era preciso sacudir a poeira?[6].

discurso e anti-discurso

Um grupo de estudantes de arquitetura da Pontifícia Universidade Católica de Campinas bem representava a inquietação vigente. Em 1985 eles lançavam uma revista, a Óculum [7]. A matéria principal era uma entrevista com Éolo Maia, Sylvio de Podestá e Maria Josefina de Vasconcellos. Ao proporem “fazer uma discussão teórica e de projetos, pois não temos uma produção marcante que seja nossa? produziram o melhor retrato dos 3 Arquitetos, cujo interlocutor mais desenvolto era Éolo Maia. Em que medida os mineiros expressavam uma postura alternativa em meados da década de 1980? Éolo Maia afirmava:

No Brasil o pessoal está meio com medo de discutir o que está acontecendo, principalmente em São Paulo, pois lá se tem uma linha muito definida. Artigas, Ruy Ohtake, etc., que têm um trabalho muito bom, mas as coisas estão se modificando um pouco e estão meio confusas, e eles não gostam muito de modificações ou brincadeiras, mas isso é muito saudável, pois nós estamos muito atrasados com relação a outras atividades culturais. […]. Nós trabalhamos muito, mas ao mesmo tempo tínhamos um questionamento para com a arquitetura do Niemeyer… Não que a gente seja contra o trabalho dele, mas é um trabalho muito individualista, muito próprio do gênio, com as características próprias, e nós estávamos sem saber o que fazer, pois havia dois lados, ou aquela arquitetura fantástica de malabarismo escultural, ou então aquele negócio de Libelu, oba, oba. Vamos fazer casa para o povo e ninguém fazia nada. Nessa época se produzia muito sem se questionar nada. É uma época própria, histórica no país [8].

O arquiteto estabelecia o cenário das referências correntes: Niemeyer, os paulistas e a politização da arquitetura. E elucidava a sua formação:

A minha geração foi muito influenciada pela Acrópole, porque era uma revista que na época mostrava muito da produção brasileira. Nós tivemos muita influência dos trabalhos do pessoal de São Paulo: Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes. Guedes já era uma influência que nos dava susto, porque era mais forte, eu acho que talvez ele tenha sido o primeiro arquiteto pós-moderno no Brasil. Ele questionou uma série de coisas da escola paulista tradicional e era muito pichado na época pelos colegas porque fazia umas coisas muito extravagantes, estranhas. Ele tinha muito de Aalto e de alguns portugueses. E essa arquitetura social que a gente nunca viu nada construído e nem vai ver porque é um problema político. Agora a geração antes da minha foi muito influenciada por Brasília, que tinha acabado de terminar. A minha geração escapou um pouco disso por causa da Acrópole e de outros serviços [9].

Frente à onda da discussão pós-moderna que vigorava em outras partes do mundo: os 3 Arquitetos formaram uma das primeiras vertentes do pós-moderno no Brasil? Os entrevistadores e Óculum questionaram: “Vocês acham que dá para fazer a mesma leitura crítica sobre a arquitetura moderna que foi feita na Europa, aqui no Brasil??Respondeu Éolo Maia:

Eu acho seguinte, eu não sei… depende de cada arquiteto e da situação. Porque nós estamos projetando numa situação financeira difícil, é muito difícil você fazer hoje uma estrutura de concreto aparente, um negócio de aço, não tem condições. Agora a arquitetura mais barata hoje é a arquitetura mais convencional, é tijolo furado e massa, aí você pinta. Isso não quer dizer que ela é pobre. Você pode criar algumas simbologias, dependendo do seu estado de espírito, da região, do proprietário ou da sua própria cultura, isso tudo dá um certo humor na Arquitetura e o brasileiro é um sujeito muito bem-humorado. Agora essa postura combina com a postura pós-moderna, tem uma série de correntes, tem o regionalismo, triunfal (sic), hi-tech, e vai aí uma folia, qualquer coisa é pós-moderna, ninguém gosta de ser chamado de pós-moderno, porque ninguém sabe o que é. É um acriticismo incrível que está ocorrendo. Agora, há posturas interessantes, que se ela vem [sic] de acordo com o seu modo de trabalhar, acho que você deve assimilar e adaptar às suas condições. Agora todo mundo pensa que arquitetura pós-moderna é botar coluna grega, pórticos… não é isso, pode até ser… mas não é só isso, é uma coisa muito mais ampla, ninguém sabe direito o que é, essa discussão é até mundial. Agora está todo mundo apavorado com a coisa, deixa a coisa acontecer. Essa folia toda está acontecendo, vamos ver o que vai dar. […].
Eu acho que a atitude corajosa é que a gente já tinha um trabalho e que poderíamos muito bem continuar neste tipo de linha. Agora era um negócio que não dava muita perspectiva de pesquisa e melhorar a coisa estava difícil, ela já estava esgotada, então a gente está tentando quebrar. Não é que você está mandando a Arquitetura Moderna à merda, ela tem coisas incríveis, maravilhosas, mas não trabalha naquela ortodoxia da arquitetura moderna. […]
Isso é um reflexo do momento histórico que estamos passando, em todos os sentidos… politicamente, culturalmente, fim de século. A necessidade está mudando… a informática, essas coisa todas… Acho que é preciso ter consciência que esse negócio não vai durar muito. Então eu acho natural ela não ser uma arquitetura superdefinida. Agora é uma arquitetura que o nego sente muito mais, ele vive a coisa muito mais, ele pinta e faz o que quiser [10].

E Éolo Maia atiçava:

É uma atitude reacionária dos arquitetos que têm o poder hoje de uma arquitetura oficial brasileira. Eles estão tendo os mesmos chiliques que o governo brasileiro porque a coisa está mudando e isso é inevitável. O pessoal mais jovem está cansado desse tipo de arquitetura e está procurando novos caminhos, agora não existe nenhum caminho, então você pode fazer alguma coisa muito mais interessante, muito mais livre [11].

Jô Vasconcellos, a propósito do pós-moderno, reforçava:

Essa arquitetura é um movimento de negação, de transformação. E nessa transformação você fica mesmo confuso, realmente dá penduricalho, tem muita coisa que limpar, não é! Mas esse é o processo até você chegar numa linguagem aprimorada?[12].

O discurso dos 3 Arquitetos confluía com as manifestações da crítica:  inexistência de uma estética oficial, espaço para diferentes estéticas, expressão pessoal, identificação do usuário – conforme Ruth Verde Zein escrevia em 1982. Confrontando-se as apreciações de Mauro Neves Nogueira sobre o grupo, e as declarações de Éolo Maia e Jô Vasconcellos a algumas  palavras-chaves do debate pós-moderno da época, as sobreposições são evidentes: historicismo e citação, arquitetura de memória e monumentos; contextualismo, sítio/lugar, regionalismo; desenho vernacular; pluralismo; busca de caráter, identidade urbana, referências visuais, criação de marcos, genius loci, legibilidade urbana; acomodação X imposição; populismo, postura inclusiva, participação do usuário, inteligibilidade, familiaridade; simbolismo, ornamento, elementos supérfluos, humor, metáfora, colagem, bricolagem; heterotopia [13].

trama de idéias

O discurso pós-moderno sugere atitudes de franco-atirador, pode parecer camaleônico. Os 3 Arquitetos pretendiam a busca livre de caminhos. O impressionístico ensaio de Ruth Verde Zein em “Acerca da arquitetura mineira?[14] resultava da dificuldade de perceber um estatuto evidente na obra dos arquitetos mineiros, para além da falta de definição e clareza de discurso, do “deixar acontecer? do “ver o que vai dar? para além de uma assumida iconoclastia e um não-assumido niilismo frente ao moderno. Os precisos comentários de Mauro Neves Nogueira, expressos em frases e termos como “cair em outros formalismos? “em detrimento da função… da proporção? “desequilíbrio? “mascarar aspectos da construção? “desproporcionalidade?etc; não constituíam necessariamente as prioridades na postura projetual ou do repertório do grupo.

Com discursos abertos, não é fácil estabelecer a circulação de referências. Éolo Maia foi o mais explicito: “os grandes mestres como Gaudí, Oscar Niemeyer, Louis Kahn, Hassan Fathy e o nosso povo nos abrem os caminhos que devemos palmilhar com humildade e de acordo com as novas (sic) limitações? dizia ele em 1981 [15]. Parecem poucas referências, e de fato são poucas. Não cabe no escopo deste ensaio rastrear esses pontos de contato com as idéias em movimento do período. Mas algumas palavras retiradas de memórias de projeto compõem um caleidoscópio de idéias.
Em meados dos anos 1980, duas obras representavam o tour de force do grupo. Na residência do Arcebispo em Mariana, escreviam:

a análise do passado e do presente, cuja somatória se tornará o futuro, a referência que o antigo nos transmite, as relações das diversas épocas, nos dá uma avaliação de critérios a serem adotados na inserção [16].

Sobre o polêmico Centro de Apoio Turístico, a primeira obra de grande repercussão de Éolo Maia e Sylvio de Podestá em Belo Horizonte, escreveram:

nossa principal intenção foi a de respeitar em escala a leitura tipológica, o contexto urbano preexistente e marcar a construção com características que salientam a sua contemporaneidade. […]. O prédio contém um objetivo didático e lúdico. Sua arquitetura serve também como leitura e informação a seus usuários, evocando referências próprias e materiais regionalistas. […]. Algumas sutilezas de humor complementam o projeto…?[17]

Ou no Centro Empresarial Raja Gabaglia, edifício na qual fazem alusão aos campanários das igrejas coloniais mineiras:

a arquitetura do edifício afasta-se do anonimato anêmico reinante e coloca uma nova presença no cenário urbano?[18].

Embora Mauro Neves Nogueira exaltasse o recurso “?própria história da arquitetura? em 1985 [19], na entrevista aos estudantes da Óculum, Éolo Maia não demonstrava compreensão ou familiaridade do “recurso à História? “os italianos, tipo Aldo Rossi tem uma linguagem histórica de projeto muito forte e nós não temos essa história. Vai ser uma loucura?[20]. O próprio Nogueira, anos depois, escreveria uma dura crítica a respeito do Centro de Apoio ao Turismo [21].

Na primeira metade dos anos 1980, a fama dos 3 Arquitetos também se creditava à qualidade gráfica das apresentações dos projetos publicados nas revistas. Sylvio de Podestá comentava: ?0% dos nossos projetos não foram construídos. De modo que você já trabalhava aqui pensando na publicação?[22]. As elaboradas isométricas remetiam a uma referência então recente:

Tem gente que só projeta com isométrica. Vejam o James Stirling, depois que o Rob Krier começou a desenhar para ele, o seu trabalho mudou completamente, ficou mais atrevido, um trabalho fantástico e só trabalhando com isométricas? dizia Éolo Maia [23].

Em 2002, lembrando-se de suas obras mais representativas, Éolo Maia evocou o Grupo Escolar Vale Verde (1982-85) em Timóteo, MG. O edifício realizado derivava de uma proposta básica de grupos escolares rurais todo concebido em tijolo, vencedor de um concurso público de idéias em 1981. Evidenciava-se a leitura de Construindo com o povo: Arquitetura para os pobres, do arquiteto egípcio Hassan Fathy, traduzido pouco antes [24]. O memorial do concurso revelava ao mesmo tempo uma utopia e uma heterotopia:

Quando se propôs um método construtivo utilizando o tijolo em sua plenitude, isto é, como fundação, piso, estrutura, abertura e coberturas, não se acreditava que seria um tipo de edificação que fosse repetida em grande escala em várias regiões. A intenção era de que, para locais específicos, isto é, onde existisse como tradição o forno de quitude (sic), o de queima de madeira para produção de carvão vegetal ou mesmo o forno cerâmico e, conseqüentemente mão-de-obra, fosse utilizada numa escala diferente, fosse utilizada num prédio público (no caso numa escola rural), que serviria de agente indutor pela sua importância para a comunidade, para a introdução de cúpulas e abóbadas agora, com novo uso.
 Esta escola influiria na região que fosse implantada em todos os sentidos a que ela se propõe, isto é, ativar uma mão-de-obra em vias de extinção; ativar o uso de tijolo (seja ela de olaria ou introduzindo o de solo cimento) que é produção normal destas regiões que seriam atingidas; barateamento sensível da construção, eliminando o uso de ferro, de cimento, etc., entre outras [25].

Entendo a realização do Grupo Escolar Vale Verde como o melhor documento do pluralismo de Éolo Maia: a confluência dos saberes de um mestre (Hassan Fathy), a sofisticação do desenho, a interpretação do regional, a pesquisa construtiva, a preocupação antropológica e social, e a percepção do debate naquele momento político e ideológico, introduzindo o fator “canteiro e desenho?em sua obra.

refluxo

No início dos anos 1990, Denise Scott Brown anunciava: “nós somos modernistas, não pós-modernistas. Ninguém é um pós-modernista. Talvez o pós-modernismo esteja morto?[26].
Em 2002, Éolo Maia afirmava: “acabou o pós-moderno?[27].
 Podemos entender este refluir da atitude de viés pós-moderna nas palavras de Douglas Crimp:

Em meados da década de 80, o pós-modernismo passara a ser visto menos como uma crítica do modernismo do que como um repúdio ao próprio projeto crítico do modernismo, uma percepção que legitimava um pluralismo “vale-tudo? O termo pós-modernismo descrevia uma situação na qual tanto o presente como o passado podiam ser despidos de quaisquer determinações e conflitos históricos. As instituições artísticas abraçaram essa posição de modo generalizado, usando-a para situar novamente a arte – mesmo a chamada arte pós-moderna – como algo autônomo, universal e atemporal [28].

Em uma de suas últimas entrevistas, Éolo Maia mostrava-se descrente, do mesmo modo como Denise Scott Brown, de seu papel – aliás, nunca auto-assumido – de vetor da pós-modernidade. No entanto, a essência de sua atitude permanecia intacta. Perguntado – quase como numa repetição de 18 anos antes pelos estudantes: “você se considera pós-moderno?? ele respondeu:

Não me classifico como nada, porque não tenho nada predeterminado, só sei que quero fazer arquitetura com prazer e contemporaneidade. A vida é muito dinâmica, eu mudo todo dia, e a arquitetura é uma expressão cultural que se reflete em meu trabalho. As fórmulas se tornam uma chatice, e a ânsia de estar na onda é um erro. Não se pode ser fechado, dogmático. É preciso ter liberdade total?[29].

Suas posições se mostravam mais serenas frente à recepção das idéias, sobretudo às internacionais:

Poucos arquitetos brasileiros têm a preocupação de procurar linguagem própria à nossa cultura. Há muita influência da literatura especializada estrangeira. A moda atual são os arquitetos holandeses, e nossos estudantes acham Rem Koolhaas fantástico. Eu também acho, mas o trabalho dele não tem nada a ver com o Brasil. Esses estudantes não conhecem a obra de [Affonso] Reidy, de Rino Levi, de Artigas. É importante que tenhamos informação de nossa própria cultura arquitetônica, porque, do contrário, vamos sucumbir nesse processo de globalização. Se não se tem história, passado, tradição, não se tem nada. Acho que esse excesso de informação e a pouca valorização do que é feito aqui aniquila nossa cultura. Tenho a esperança de que isso passe e voltemos a dar valor ao que é nosso [30].

Mudaram os tempos ou mudou Éolo Maia? Sem dúvida os tempos mudaram, e Éolo Maia, coerentemente, mudou também. Mas muito pouco, diria. Ao nos deixar, em 2002, ele deixou as mesmas dúvidas de sempre: que caminho seguir?

E ele nos deixa algum legado? Como um permanente inquieto, Éolo Maia foi antes de tudo um agitador, um arquiteto cuja teorização não estava à altura de sua obra arquitetônica. Não foi um pensador para estabelecer doutrinas, sistematizar pedagogias ou didáticas que caracterizassem um processo projetual. Entre a anarquia e o niilismo conscientes, Éolo Maia, ao ganhar notoriedade, acabou reproduzindo um comportamento típico de sua e das gerações anteriores, precisamente naquilo que ele criticava: produzir uma arquitetura individualista, “muito próprio do gênio? como afirmava acerca de Niemeyer. Ao ganhar o concurso do Centro Cultural do Grupo Corpo com uma equipe contando com jovens co-autores, possivelmente os próximos passos caminhariam para o abrandamento desse personalismo na arquitetura.

Não se pode qualificar a boa arquitetura apenas pela formulação de teses, pela exegese dos métodos projetuais. Essa racionalização pode sacrificar os elementos imaginários e emocionais, também imprescindíveis à melhor arquitetura. Não são apenas as biografias que explicam os fenômenos, mas certo hedonismo – tão próprio das atitudes de Éolo Maia e também de Veveco Hardy -, é uma expressão da arquitetura mineira – uma região cultural que, a meu ver, ostenta um dos melhores padrões de arquitetura no cotidiano urbano, sobretudo a partir da emergência da nova arquitetura nos anos 1980 e da qual, Éolo Maia e Veveco foram figuras de ponta. Creio que, se em 1985, a morte de Artigas e o XII Congresso dos Arquitetos em Belo Horizonte marcam um ponto de inflexão, ao nos deixarem, Éolo e Veveco podem simbolizar o encerramento de mais um ciclo.

Tomo a liberdade de concluir este ensaio com uma nota que escrevi em 1993, quando era editor de arquitetura da revista Projeto. Éolo Maia e Jô Vasconcellos gentilmente reproduziram aquela singela nota (que originalmente não saiu assinada, e até havia me esquecido dela!) como o último texto reproduzido no livro Éolo Maia & Jô Vasconcellos:

Há vários discursos sobre a idéia de mineiridade. “Minas é demorada em se mexer. Não se distingue pela audácia, pela inovação, pelo brilho. Sua marca é corrigir os excessos da velocidade? afirmava Alceu Amoroso Lima. “No discurso ideológico da mineiridade, a tradição e a modernidade não se constroem enquanto opostos, antes como complementaridade? afirma a professora Maria Ceres P. S. Castro, da UFMG.

Em 1979, arquitetos mineiros lançavam a revista Pampulha. Uma sublevação contra as regras vigentes, uma inconfidência mineira que virtualmente se confunde com a introdução do pós-modernismo arquitetônico entre nós. Éolo Maia e Jô Vasconcellos são nomes que se confundem também com essa desobediência. Irreverência que contrasta com a visão de Amoroso Lima.

Surpreendentes, admirados e detestados, provocar a discussão é uma virtude desses mineiros, com suas obras exuberantes – exuberância com raízes nos excessos do belo rococó das Minas setecentista, contracenando com a tranqüilidade que, dizem, caracteriza o espírito mineiro.

unca a arquitetura esteve tão presente na boca do povo de Minas como na inauguração do Centro de Apoio Turístico em Belo Horizonte, popularmente conhecido como “Rainha da Sucata? O Centro Empresarial Raja Gabaglia é o ato inaugural de Éolo e Jô ao vertical.

No início dos anos 80, eles subverteram a ordem com seus desenhos pós-modernos. Hoje, esses desenhos se submetem à tranqüilidade de uma ruptura consolidada.

Deve ser a pós-mineiridade [31].

notas

1. MAIA, Éolo, VASCONCELLOS, Maria Josefina de, PODESTÁ, Sylvio E. 3 Arquitetos. Belo Horizonte: Pampulha, 1982.
2. ZEIN, Ruth Verde. Um debate sobre o Rio de Janeiro e sua arquitetura. Projeto, São Paulo, n. 46, p. 34, dez. 1982.
3. NOGUEIRA, Mauro Neves. A nova arquitetura de Minas Gerais. Anuário de Materiais e Serviços Projeto, São Paulo, p. 25, fev. 1984.
4. Idem, p. 23.
5. Idem, p. 25-26.
6. ZEIN, Ruth Verde. Acerca da arquitetura mineira (em muitas fotos e alguns breves discursos). Projeto, São Paulo, n. 81, p. 106, nov. 1985.
7. A Óculum foi uma iniciativa estudantil capitaneada pelos então estudantes Abílio Guerra, Álvaro Cunha, Francisco Spadoni, Paulo Roberto Gaia, Renato Sobral Anelli, Tácito Carvalho, entre outros. Alguns deles se notabilizaram profissionalmente mais tarde.
8. ENTREVISTA da Revista Óculum realizada por João Paulo Pinheiros, Paulo Roberto Gaia, Francisco Spadoni, Luiz Fernando de Almeida e Renato Anelli com os Arq. Éolo Maia, Sylvio de Podestá e Maria J. de Vasconcellos, em Belo Horizonte. Óculum, Campinas, n. 1, p. 4, ago. 1985. Observam-se inúmeros problemas de transcrição e edição da entrevista, cujos originais não tenho acesso. Com as devidas cautelas, algumas correções foram introduzidas e assim se procederá doravante este ensaio.
9. Idem, p. 5.
10. Idem, p. 6.
11. Idem, p. 8.
12. Idem, p. 6.
13. Uma sumarização recente dos indicadores da pós-modernidade pode ser consultada em: ELLIN, Nan. Postmodern urbanism. ed. rev. New York: Princeton Architectural Press, 1999.
14. Ver nota 6.
15. VÃO LIVRE, Belo Horizonte, n. 20, p. 5, 15 ago. 1981.
16. PEREIRA, Marcos da Veiga. Éolo Maia & Jô Vasconcellos Arquitetos. Rio de Janeiro: Salamandra, 1995, p. 88.
17. Idem, p. 104-105.
18. Idem, p. 112.
19. Conferir nota 5.
20. ENTREVISTA da Revista Óculum, op. cit. p. 7.
21. NOGUEIRA, Mauro Neves. Criatividade a todo custo? Projeto, São Paulo, n. 165, p. 33, jul. 1993.
22. ENTREVISTA da Revista Óculum, op. cit., p. 5.
23. Idem, p. 5.
24. FATHY, Hassan. Construindo com o povo: arquitetura para os pobres. Rio de Janeiro; São Paulo: Salamandra; Edusp, 1980.
25. MAIA, Éolo, VASCONCELLOS, Maria Josefina de, PODESTÁ, Sylvio E. 3 Arquitetos op. cit. p. 68-71.
26. SCOTT BROWN, Denise. Urban concepts: rise and fall of community. New York: St. Martin’s, 1990.
27. ROCHA, Silvério. Se não conhecermos nossa cultura arquitetônica, vamos sucumbir no processo de globalização (entrevista com Éolo Maia). Projeto Design, São Paulo, n. 267, maio 2002.
28. CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 19.
29. ROCHA, cit.
30. Idem.
 31. SEGAWA, Hugo. Pós-mineiridade. Projeto, São Paulo, n. 165, p. 25, jul. 1993.

Hugo Segawa
Formou-se em Arquitetura e Urbanismo (USP, 1979), Mestre (FAU USP 1988), Doutor (FAU USP 1995) e Livre-docente (EESC USP, 2002) em Arquitetura e Urbanismo. É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Publicou, entre outros livros, Ao Amor do Público: Jardins no Brasil (Studio Nobel, 1996), Oswaldo Arthur Bratke (em co-autoria, ProEditores, 1997), Arquiteturas no Brasil 1900-1990 (Edusp, 1998), Prelúdio da Metrópole (Ateliê Editorial, 2000) e Arquitectura Contemporánea Latinoamericana (Gustavo Gili, 2005).
contato: segawahg@usp.br

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arquitetura da razão

“O genuíno e autêntico estilo do nosso século já estava constituído por volta de 1914?[1], anunciou Nikolaus Pevsner coincidentemente ao início do recorte proposto pelo historiador Eric Hobsbawn para “o breve século XX: 1914-91?[2].

O estilo único ganhou impulso e o perdeu pari passu ao projeto socialista global [3], evidente entre 1917-1968 [4]. Isto nunca caracterizou vínculo de causalidade. Demonstrou que ambos projetos se desenvolveram num mesmo substrato ideal-racional e anti-histórico, em circunstâncias filosóficas propícias à razão e à superação dos arcadismos artísticos e sociais.

O anti-historicismo social romperia com as relações de poder consolidadas pelas classes dominantes: com o domínio teocrático, com a propriedade da terra e dos meios de produção. Manfredo Tafuri explica o anti-historicismo artístico como recurso hegeliano ao fim do domínio da intuição na arte, a ser contraposto:

“Pela autoconsciência, pelo criticismo e pela racionalização dos processos criativos. O anti-historicismo das vanguardas modernas não seria, portanto, o produto de uma escolha arbitrária, mas a saída lógica da experiência que teve epicentro na revolução brunelleschiana e as suas bases no debate que durante mais de cinco séculos se desenvolveu na cultura européia?[5].

Aceitou-se a estética internacional como alternativa coletivista e ideal-racional ao individualismo eclético, de arbitrário e desestruturador relativismo desde o fim do século XIX [6]. Divulgou-se o estilo definitivo, que substituiu o sistema eclético manipulador de tipos históricos pela operação racional que estabelecia lógicas entre diretrizes projetuais e formas geométricas abstratas. Ambos processo de projetação iniciavam-se com uma opção conceitual eminentemente racional: fosse pelo objeto do “redesenho tipológico?(eclético) ou por determinar um “partido de projeto?(moderno) [7].

Ao redesenho tipológico precedia-se definir um tipo adequado às determinantes construtivas, programáticas, culturais ou locais. O partido também definia as diretrizes projetuais tectônicas, funcionais, estéticas ou topológicas. A diferença surgia na materialização dessas diretrizes em formas matemáticas (geométricas), visando a que a conceituação e a formalização fossem lógicas, autônomas e universalmente inteligíveis, transcendendo o esoterismo estilístico do ecletismo.

Na década dos vinte, sistemas artísticos puramente abstratos tornaram possível a estética racional, que corroboraria a racionalidade construtivo-programática evidenciada já antes do racionalismo estrutural de Viollet-Le-Duc [8]:

“Em arquitetura há dois modos necessários de ser autêntico. Pode-se ser autêntico de acordo com o programa e autêntico de acordo com os métodos de construção. Ser autêntico de acordo com o programa é cumprir exata e simplesmente as condições impostas pela necessidade; ser verdadeiro de acordo com os métodos de construção é empregar os materiais de acordo com suas qualidades e propriedades. (…) As questões puramente artísticas de simetria e forma aparente são apenas condições secundárias na presença de nossos princípios dominantes?[9].

Tal racionalidade construtiva e programática encontraria sua correspondente racionalidade plástica no primeiro pós-guerra, quando vanguardas artísticas européias caracterizavam sistemas estéticos com avançadas abstração e geometrização, integrando seus princípios artísticos de composição, equilíbrio e expressão à lógica construtiva industrial e à projetação racionalista.

O racionalismo abstrato estabeleceu-se como abordagem hegemônica na arquitetura erudita ocidental graças à profícua geração de repertório pelos pioneiros que, em algumas décadas, produziram alternativas sintáticas racionalistas para milênios de tradição histórica tipológica. Foram surpreendentes o desempenho do sistema arquitetônico racionalista e as relações possibilitadas entre técnica, estética, contexto e sujeito moderno.

sua historiografia

Com o estilo racionalista abstrato fundou-se sua historiografia, talvez a mais consistente abordagem teórica arquitetônica do século XX, com dissensões efetivas apenas nos anos sessenta.

A organização da exposição International Style (1932) definiu a estética ligada à produção dos pioneiros nos anos vinte. A coordenação lógica entre a conceituação teórica e a estética resultante – somadas ao crescente campo de aplicação daquelas pressuposições – motivou Pevsner, em Pioneers of the modern movement [10], de 1936, à dedução do estilo definitivo. A tese foi aceita e enriquecida pela historiografia do primeiro pós-guerra com Space, time and architecture [11], publicado em 1941 por Sigfried Giedion, que especificou as interfaces sociais pelo conceito de Existenzminimun.
 A partir de sua gênese unívoca, o racionalismo expandiu-se e ampliou o escopo, contrariando a unicidade à medida que se difundiu em espaço e tempo.

Bruno Zevi, com Storia dell’architettura moderna, de 1950, alternou a consolidação teórica desempenhada pelos historiadores do primeiro pós-guerra com a atuação crítica e a historiográfica: “O equívoco mais difundido na historiografia da arquitetura moderna está na valoração das personalidades e das obras do período racionalista – 1920-33?[12]. Atentou para as vertentes estéticas que fundamentaram a expressão da racionalidade arquitetônica moderna: “o cubismo, o neoplasticismo, o expressionismo, o purismo e, em pequena quantidade, o futurismo?[13]. Relativizou a unicidade inicial ao apresentar as alternativas organicistas de Wright e Aalto como abordagens que incorporavam os âmbitos culturais e topológicos.

Henri Russel Hitchcock, com Architecture, nineteenth and twentieth centuries [14], de 1958, e Leonardo Benevolo, com Storia dell’architettura moderna [15], de 1960, reiteraram a visão historiográfica de Zevi, embora em menor intensidade crítico-propositiva, mas preservaram o determinismo supra-histórico que caracterizava o projeto moderno universalista.

A despeito da cisão que a crítica pós-moderna promoveu na década de sessenta, abordagens racionalistas e idealistas prosseguiram até findar o século. Flexibilizaram o estilo único para absorver a pulverização de tendências significativas mas importunamente diversas. Foi sintomática a integração – proposta por Pevsner – de Gaudí e Sant´Elia na edição brasileira de Pioneiros do desenho moderno, de 1962:

“Quando escrevi este livro a arquitetura da razão e o funcionalismo estavam em plena expansão em muitos países […]. Não havia discussão sobre que Wright, Gramier, Loos, Behrens e Gropius eram os iniciadores do estilo do século e que Gaudí e Sant´Elia eram caprichosos e suas invenções delírios fantasiosos. Agora estamos novamente rodeados de fantasistas e caprichosos, e mais uma vez é posta em questão a validade do estilo cuja pré-história é tratada neste livro?[16].

Giulio Carlo Argan, em L´arte moderna. Dall´Illuminismo ai movimenti contemporanei [17], de 1970, situou expressões artísticas e arquitetônicas do século XX como concludentes do projeto de modernidade anunciado no renascimento, efetivado no iluminismo e esgotado [18] na sua noção de arte válida no modernismo. Para Argan, o apogeu do projeto, fundamentado na “racionalidade natural da sociedade?[19], caracterizou-se, em matrizes variadas, na arquitetura da década dos vinte: a matriz formal (França), a metodológico-didática (Alemanha), a ideológica (URSS), a formalista (Holanda), a empírica (Escandinávia) e a orgânica (EUA) [20] relacionadas às vertentes de Zevi (1950). Manfredo Tafuri e Francesco Dal Co, com Architettura contemporanea, de 1976 [21] – reiteravam a noção de projeto histórico.

Kenneth Frampton, com Modern architecture – a critical view, de 1980, aprofundara-se em temáticas específicas. Agrupou autores e tendências em capítulos autônomos, embora comprometidos em “ilustrar de que modo a arquitetura moderna evoluiu como esforço cultural contínuo?[22]. Resolveu a questão da época – diversidade e inter-relação de instâncias mundiais e locais modernistas – ao propor sintetizá-las no conceito de regionalismo crítico.

William J. R. Curtis, em Modern Architecture since 1900, de 1982, minimizaria as mais recentes reações ao modernismo, atribuindo-lhes incapacidade de suplantar o discurso divergente em formas não extensivas de proposições recorrentes no século [23].

rumo ao novo ecletismo

As reações citadas por Curtis configuraram-se nas extensões da crítica pós-modernista coincidentes ao refluxo histórico individualista gestado nos anos sessenta.

“Pode-se dizer que esta arquitetura ´pós-moderna` é o produto de uma teoria esotérica, articulada a partir da década de 60 por alguns grupos intelectuais europeus e em algumas escolas de arquitetura americanas (em especial, a de Filadélfia e a de Princeton), ao abrigo do estruturalismo. Com tal background ideológico, não é surpreendente que prescreva a substituição do reformismo modernista por um discurso convenientemente apolítico?[24].

Em decorrência disso a historiografia do século XX abrigou, simultaneamente à continuidade racionalista, dissensões pós-modernas.

“Na verdade, modas ‘pós-modernas? iniciadas sob vários nomes (desconstrução, pós-estruturalismo, etc.) entre a intelligentsia de fala francesa, chegaram aos departamentos de literatura americanos, e daí ao resto das humanidades e ciências sociais. Todos os pós-modernismos tinham em comum um ceticismo essencial sobre a existência de uma realidade objetiva, e/ou a impossibilidade de chegar a uma compreensão aceita dessa realidade por meios racionais. Todos tendiam a um radical relativismo?[25].

Prosseguiriam nos anos setenta as dissensões ao projeto moderno. A arquitetura erudita se reatou a valores tradicionais da ordem neoliberal: conformismo social e individualismo. Após ter sido relegada a coadjuvante pela superação ideal-racional, a história seria reintegrada como protagonista do novo sistema.

“Durante cerca de uma geração, de 1920 a 1955, a função do historiador na didática arquitetônica foi semelhante à do patético proponente do brinde. A sua tarefa consistia em prestar uma homenagem, mais ou menos embaraçada, a uma continuidade cultural agora desprovida de relação com o que a arquitetura considerava sua autêntica missão. Esta missão, tinham proclamado os mestres da arquitetura moderna nos anos 20, consistia em recomeçar tudo do início. A musa de Gropius, Mies van der Rohe, Le Corbusier, Aalto, Oud e dezenas de outros não admitia amores ilícitos com a história?[26].

Robert Venturi, em Complexity and contradiction in architecture, de 1966 [27], propôs reengajar à cena erudita a individualidade essencial ao gosto popular norte-americano e seus signos históricos, vernaculares, publicitários e cotidianos mais tradicionais. Paolo Portoghesi, em Dopo l´architettura moderna, de 1976, explicaria as reflexões de Venturi como decurso de tendências identificadas na produção tardia de Corbusier, Gropius e Kahn:

“Wright desencadeia um escândalo ao citar Sullivan na fachada de uma loja de flores em S. Francisco e, ainda mais, recuperando colunas e capitéis no projeto para a grande Bagdad; Gropius desenha a embaixada americana em Atenas inspirando-se explicitamente nas ruínas do Parténon.
[…] Le Corbusier, […] em Chandigarh recupera a seqüência de arcos das termas romanas e a intersecção das ordens de Campidoglio de Michelangelo?[28].

Charles Jenks, em The language of post-modern architecture, de 1977, reuniu todos como dissidência rumo a um ecletismo legítimo:

“Podemos esperar ver a futura geração de arquitetos usar a nova linguagem eclética com maior confiança. Isto parecerá mais semelhante à Art Nouveau do que ao International Style, incorporando a estrutura rica das referências do primeiro, a sua ampla disponibilidade para a metáfora, os seus escritos, a sua vulgaridade, os seus sinais simbólicos e os seus clichês, a gama inteira da expressão arquitetônica?

Contraposto ao recurso oportunista do relativismo arbitrário, o legítimo ecletismo teve gênese conceitual na revolução francesa e difundiu-se na arquitetura do século XIX como abordagem erudita capaz de integrar valores regionais fundados na figuração do redesenho tipológico.

“A noção de ecletismo no século XIX, tornou-se de uso corrente inicialmente na França na década de 1830, quando foi utilizada pelo filósofo francês Victor Cousin para designar um sistema de pensamento composto por diversas perspectivas obtidas a partir de vários outros sistemas. (…) Os Ecléticos reivindicavam de maneira sensata que cada um pudesse decidir racionalmente e independentemente quais fatos filosóficos (ou elementos arquitetônicos) utilizados no passado seriam apropriados para o presente, para então reconhecê-los e respeitá-los em qualquer contexto em que pudessem aparecer?[30].

Nos ulteriores desenvolvimentos das abordagens historiográficas, Josep Maria Montaner, em seu livro Después del movimiento moderno. Arquitectura de la segunda mitad del siglo XX, de 1993, relatou “a dispersão das posturas arquitetônicas?[31], que diluiu as últimas propostas metodológicas de Rossi, Venturi e Eisenman nos anos oitenta:

“Sobretudo entre arquitetos mais jovens, o princípio dos anos noventa caracterizou-se pelo abandono da confiança nas metodologias e pelo predomínio de atitudes raivosamente ecléticas que tomam referências fragmentadas fora de seu contexto e se nutrem de imagens desconexas dentro de uma cultura eminentemente visual, em que cada vez mais predominam mecanismos de transculturação, de incorporação acrítica de contribuições de contextos díspares. Tudo se manifesta em projetos que se destacam pela incoerente mistura de referências heterogêneas – tipologias, imagens, poéticas – que se contradizem por desconhecerem os autores, as diversas implicações e raízes de cada tipo, forma e linguagem utilizados. E é nessa encruzilhada de ecletismos difusos sem método que se encontra a arquitetura atual?[32].

As atitudes de jovens arquitetos na década de noventa retornaram a redesenhos de tipologias, elementos ou fragmentos arquitetônicos preexistentes, embora prescindissem do apuro metodológico pretendido pelo autor, que concomitantemente propôs:

“Atualmente, seguindo um espírito crítico e ecletista, é possível desenvolver a experiência de eleger para cada encargo e lugar concreto um sistema arquitetônico definido, que varia quando as condições do encargo e do lugar mudam. Estaríamos, portanto, no momento de entender a fundo as implicações do pluralismo cultural sem cair ingenuamente em um reacionário relativismo?[33].

Montaner confirmou o processo de expansão identificado na unicidade inicial do racionalismo abstrato com gênese nos anos vinte e no curto período em que aquela síntese ideal-racional da arquitetura, da sociedade e das ciências pareceu possível. Iniciado o processo de expansão, tudo conspirou para dissolver o cosmo racionalista do século XX: a dispersão de posturas arquitetônicas, o retorno ao individualismo liberal e até mesmo a física quântica [34], ainda que sob veemente protesto de Einstein: “Deus não joga dados?

Um novo ecletismo concluiu o século. Enriqueceu-se pela experiência racional abstrata, se comparado à edição do fim do século XIX. Permitiu autonomia metodológica calcada em exercitar a racionalidade além da mímesis tipológica. As “posturas individuais?que Montaner identificou à la fin de siècle sugerem possibilidades de expansão bem maiores que a limitada diversidade estilística eclética característica do século XIX.

O pêndulo histórico reincidiu sobre o pluralismo e tangenciou o absoluto relativismo. As precauções poderiam ter sido as usuais: erudição capaz de assegurar criticismo e pertinência de experiências metodológicas – a poucos – ou delineamento e adoção de matrizes metodológicas claras e seguras – à maioria.

notas

1. PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno: de Willian Morris a Walter Gropius. 2.ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 1994, p. 25.
2. HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-91. São Paulo, Companhia das Letras, 2.ª ed., 1999, p. 7.
3. Idem, ibidem, p. 435. “O que restava do movimento internacional comunista centrado em Moscou desintegrou-se entre 1956 e 1968, quando a China rompeu com a URSS em 1958-60?
4. Idem, ibidem.
5. TAFURI, Manfredo. Teorias e história da arquitetura. Lisboa, Editorial Presença, 2.ª ed., 1988, p. 56-57.
6. PEVSNER, Nikolaus. op. cit., p. 1. Inicia o livro com fatos inusitados do projeto para instalações do governo britânico em Whitehall, Londres (1873). As discussões estilísticas e as alterações de projeto receberam descabidas interferências externas.
7. MARTÍNEZ, Alfonso Corona. Ensaio sobre o projeto. Brasília, Editora UnB, 2000, p. 110. Distingue duas atitudes na projetação: “desenvolver um tipo, isto é, projetar um edifício pertencente a uma classe reconhecível de edifícios existentes, com um referencial preciso (…) ou compor um partido que dará origem idealmente a um edifício único?
8. FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p. 69.
9. VIOLLET-LE-DUC, Eugène. Entretiens sur l´architecture, 1863-72. Apud FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo, Martins Fontes, 3.ª ed., 2000. p. 69.
10. PEVSNER, Nikolaus. Pioneers of the modern movement, 1936. Em português: PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno: de Willian Morris a Walter Gropius. São Paulo, Martins Fontes, 2ª ed., 1994.
11. GIEDION, Sigfried. Space, time and architecture. Cambridge, The President and Fellows of Harvard College, 1941. Em português: GIEDION, Sigfried. Espaco, tempo e arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 2005.
12. ZEVI, Bruno. Storia dell’architettura moderna. Turim, Einaudi, 1950, p. 27.
13. Idem, ibidem, p. 42.
14. HITCHCOCK, Henri Russel. Architecture, nineteenth and twentieth centuries, 1958.
15. BENEVOLO, Leonardo. Storia dell’architettura moderna, 1960. Em português: BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo, Perspectiva, 1976.
16. PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno. Uma história do desenho aplicado e das modernas tendências da arquitetura desde Willian Morris a Walter Gropius. Rio de Janeiro, Ulisseia, 1962, p. 19.
17. ARGAN, Giulio Carlo. L´arte moderna. Dall´Illuminismo ai movimenti contemporanei, 1970. Em português: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.
18. ARGAN, Giulio Carlo. Salvezza e caduta nell´arte moderna. Milão, Il Saggiatore, 1964. p. 33. Para o autor: “Sinto-me despreparado para enfrentar o problema da arte de hoje, que não pode se colocar em termos de valor, já que justamente os valores e a idéia de valor são contestados, e falta uma unidade de medida que não tenha o privilégio do valor?
19. ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Op. cit., p. 392.
20. Idem, ibidem, p. 264.
21. TAFURI, Manfredo; DAL CO, Francesco. Architettura contemporanea. Milão, Electa, 1976.
22. FRAMPTON, Kenneth. Modern architecture – a critical view, Londres, Thames and Hudson, 1980. Em português: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p. X.
23. CURTIS, William J. R. Modern architecture since 1900. Londres, Phaidon, 1982, p. 7.
24. FICHER, Sylvia. “Anotações sobre o pós-modernismo? Projeto, nº 74. São Paulo, 1985, p. 42.
25. HOBSBAWN, Eric. op. cit., p. 499.
26. MOHOLY-NAGY, Sibyl. “Conferência em Pittsburg? Charette, abr. 1963. Apud TAFURI, Manfredo. Teorias e história da arquitetura. Lisboa, Editorial Presença, 2.ª ed., 1988, p. 32.
27. VENTURI, Robert. Complexity and contradiction in architecture. Nova York, Museum of Modern Art and Graham Foundation, 1966. Em português: VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 2004.
28. PORTOGHESI, Paolo. Dopo l´architettura moderna. 1976. Em português: PORTOGHESI, Paolo. Depois da arquitetura moderna. São Paulo, Martins Fontes, coleção Arte & Comunicação, 1982, p. 52.
29. JENKS, Charles. The language of post-modern architecture, Londres, Academy Editions, 1977. Apud Portoghesi, Paolo. op. cit., p. 48.
30. COLLINS, Peter. Changing ideals in modern architecture 1750-1950. Montreal, McGill / Queen’s University Press, 1965, p. 117-118.
31. MONTANER, Josep Maria. Después del movimiento moderno. Arquitectura de la segunda mitad del siglo XX. Barcelona, Gustavo Gili, 1993. Em português: MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona, Gustavo Gili, 2001, p. 6.
32. Idem, ibidem, p. 259.
33. Idem, ibidem.
 34. Leis probabilistas da mecânica quântica contrastam com pressupostos deterministas e com a causalidade lógica da física clássica de Isaac Newton a Max Planck e Albert Einstein.

referências bibliográficas das figuras

1. CURTIS, W. J. R. Modern Architecture Since 1900. 3a ed.
Londres: Phaidon, 1996. p 30.
2. SCULLY, V. Arquitetura Moderna. São Paulo: Cosac &
Naify, 2002. p. 55.
3. CARTER, P. Mies van der Rohe at work. Londres: Phaidon,
1999. p 99.
4. CURTIS, W. J. R. Modern Architecture Since 1900. 3a ed.
Londres: Phaidon, 1996. p 524.
5. CURTIS, W. J. R. Modern Architecture Since 1900. 3a ed.
Londres: Phaidon, 1996. p. 607.
6. JODIDIO, P. Contemporary California Architects. Colônia:
Taschen, 2004. p. 139.
7. JODIDIO, P. Architecture Now! Colônia: Taschen, 2004. p.
247.
Imagens editadas e tratadas pelo autor.

Texto originalmente publicado no Portal Vitruvius – fevereiro de 2006 – //www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp350.asp

rogério pontes andrade
Graduado em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília com mestrado em Teoria e História na mesma Instituição. Possui escritório próprio desde 1996, desenvolvendo projetos de arquitetura institucionais, comerciais, residenciais e habitacionais no DF e em vários outros estados. Professor de Teoria e História e Projeto de Arquitetura no UniCEUB – Brasília DF – desde 2000.
contato: arqrogerio@uol.com.br.

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