Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Sun, 28 May 2023 00:01:19 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2013/03/18/oscarianas-mineiras/ //28ers.com/2013/03/18/oscarianas-mineiras/#comments Mon, 18 Mar 2013 04:26:18 +0000 //28ers.com/?p=8890 Continue lendo ]]> serie-oscar

José Eduardo Ferolla

Cinquenta e Tantos

Mapa de bondes de Belo Horizonte. Fonte: www.skyscrapercity.com

A vida não era apenas subir Bahia e descer Floresta.

Para mim, ao contrário, começava descendo Bahia.

O fim da linha era logo aqui, na Congonhas com Leopoldina. Guimarães Rosa morava em frente, eu um quarteirão acima e menino em pé não pagava. De modo que à medida que o bonde ia descendo, a turba ia aumentando.

Na Afonso Pena, à meninada do Santo Antônio se agregavam as hordas das santas Tereza e Efigênia e o caldo engrossava de vez.

Dali, baldeávamos para Afonso Pena, Itapecerica e Antônio Carlos, saíamos das Minas e, cruzado o Arrudas, já nas Gerais, o destino final seria um parque na beira da lagoa, em frente a uma capela estranha, diferente de toda igreja que mineiro já tinha visto.

A garotada nem olhava, pois o objetivo daquele raid de domingo era correr pra alugar um bom cavalo e, no par-ou-ímpar, decidir quem ficava com sela ou em pelo, só na manta, e assim, respectivamente investidos de mocinho e índio, partir pra correria pelos cerrados em meio a pequizeiros e cagaiteiras, das cujas todos já havíamos aprendido a ignorar a abundante oferta daquelas frutinhas amarelas e perfumadas, pois o nome da árvore já dizia tudo.

A capela, entretanto, me chamava a atenção, inclusive porque já sabia da história de ter sido projetada por um tal de Niemeyer; que os desenhos naqueles azulejos azuis e brancos eram obra de um tal Portinari, de quem papai se arrependia não ter comprado uns quadros oferecidos por uma ninharia creio que pelo Capanema; que aquilo ali, portanto, era coisa de importância nacional, mas que o bispo refugou e não deixava celebrar missa porque, pra ele, com aquela forma não podia ser igreja, mas coisa de ateus comunistas. Mas nada disso me preocupava, pois eu gostava mesmo era de uma outra coisa, mais estranha ainda, chamada “casa do baile?

Menino, eu já me deslumbrava como aquelas ondulações incrivelmente me evocavam versos ensinados pela Dona Ester:

… Valsavas.
Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias;
Tremias;
Sorrias
Pra outro
Não eu…

Casa do Baile. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1940. Foto: Adriano Conde

Sessenta e Poucos

Régua, giz, borracha e mata-borrão, assim diziam.
Depois do Pedro II, do Rio, o melhor colégio do Brasil.
Também coisa daquele tal de Niemeyer.

Coincidência? Só sei que a gente ali respirava liberdade, ninguém te pajeando, ninguém preocupado se você estava na aula ou atrás do mata-borrão fumando e/ou namorando, sem muros pra te prender, só aquele arrimo fácil de pular nivelando o terreno. Mas, se não estudasse…

Muitos contemporâneos ilustres: Henfil, Tostão, Elke Maravilha, Martinha “Queijinho de Minas? Affonso Romano de Sant’anna, Humberto e Dorotéia Werneck, até a Dilma (mas, quem era ela, quem conheceu essa Dilma?).

Fernando “Mangabeira?Pierucetti, criador do “Galo? da “Raposa? do “Coelho? o que acabou virando regra esportiva no Brasil (não ganhou um tostão de royalties), com singularíssimo método de ensinar geometria, obrigando-nos a desenhar todas as suas aulas a mão livre num caderno previamente quadriculado também a mão livre. Amaro Xisto e as teorias de Paul Rivet e Alec Hrdlisca, ensinando antropologia e sambaquis para meninos cheios de espinhas. Quatro anos de latim me ensinaram que Gallia est omnis divisa em partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum lingua Celtae, nostra Galli apelantur, coroados por mais dois com Dona Etel nos regendo pelo Manual de Canto Orfeônico do Villa-Lobos.

Terá sido a obra de Niemeyer a indutora daquele clima no Colégio Estadual? Não há como saber, mas a gente tratava o colégio como casa da gente, sentíamo-nos honrados e privilegiados por viver e estudar num lugar tão bacana, obra daquele mesmo cara que, com Lucio Costa, estava construindo uma cidade no planalto central.

Veio a ditadura e ?primeiro ato de fazer-se presente ?gradeou o colégio.

Passados dois dias já não mais restava tela alguma, só os quadros tubulares vazios, que mais nos ajudavam, num balé coletivo, balançar o corpo para mais elegantemente aterrissarmos na São Paulo pro “pão-molhado?no seu Álvaro.

Colégio Estadual Central. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1954. Foto: Cartão postal de Belo Horizonte

Sessenta e Muitos

E como não havia como ser de outro jeito, em 66 lá estava eu, começando meu curso de arquitetura.

Na primeira escola do Brasil nascida como escola de Arquitetura, a da UFMG, onde se vivia um clima glorioso: Brasília já era uma realidade, a escola acabara de ser premiada no Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura da Bienal de São Paulo, Brasil era um país com arquitetura de ponta.

Quanto mais a ditadura ia arrochando o torniquete, mais descobríamos como burlá-la. Nunca mais fomos país tão criativo como tivemos que ser principalmente depois do AI-5.

A arquitetura do Oscar alçava voos vertiginosos. De um incrível projeto para uma edificação destinada à música, com teatros suspensos a cada lado de duas vigas estaiadas de Pier Luigi Nervi, ele dizia: desejosos de preservar a vista para o mar, suspendemos o edifício e criamos dois balanços de 50 metros, e a gente ria, ria…

Tinha de conhecer a nova capital pra ficar chocado ao ver ao vivo ?só não digo a cores ?a incrível leveza do Palácio do Planalto, a invenção da catedral, aquela sucessão de palmeiras como se me apresentou o Palácio do Itamarati. Logo depois, a Bienal de 67 me apresentou o conjunto do Ibirapuera (hoje completado por ele mesmo com um teatro e uma língua de Mick Jagger). A juventude ainda nos dava fôlego para subir, correndo, até o topo da Oca. Descer era outra estória…

O curso de arquitetura foi nos apresentando outros personagens, como Frank Lloyd Wright, Ludwig Mies van Der Rohe, Charles-Edouard Jeanneret Gris, dit Le Corbusier…

Se Le Corbusier me fez saber apreciar melhor o Cassino da Pampulha, calou-se passados mais de 20 anos ante o silêncio de Kahn em Ahmadabad. Mas os trabalhos de Niemeyer e Mies, pra mim, até hoje – depois dos construtores de catedrais – são insuperáveis invenções.

Oscar continuava aprontando, usando da Justiça pra fazer, como em na Fontana di Trevi, uma fachada-fonte, espicha e deforma o Itamarati em Milão, achata e rasga embaixo a Oca em Argel, e a Módulo a cada edição nos apresentava mais novidades, acompanhado de Bruno Contarini e de Joaquim Cardozo, aquele que fazia cantar os apoios.

Até 1971. No dia 4 de fevereiro, estava eu nas proximidades coletando material para minha dissertação de urbanismo. A peãozada almoçava sobre um grande espaço de 300x70m quando o canto virou estrondo. Morreram 69 na hora, quase metade depois e, logo mais, foi Cardozo quem não mais pôde suportar aquilo.

Seria um edifício bonito, duas enormes vigas paralelas de 300x15m separadas 70 metros, unidas acima por vigas-calha interligadas por abóbodas de vidro. Iria abrigar o acervo daquela Feira de Amostras do Berti demolida para dar lugar à rodoviária de Fernando Graça e outros.

O que sobrou, mais tarde, demoliram de pura vergonha.

Pavilhão de Exposições da Gameleira após o desabamento em 1971. Fonte: Arquivo Público Mineiro

Setenta e Muitos

Os bondes há muito já não existiam, nem mais aquela graça da aventura dominical, mas a nossa revista foi se chamar Pampulha ?revista de arquitetura, arte e meio ambiente.

Um bando de malucos fazendo uma revista toda a mão. Lançamos um número 1 em Brasília no primeiro congresso de brasileiro de arquitetos pós-silêncio.

Capa do Primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979

Oscar Niemeyer em seu escritório, 1979. Foto: José E. Ferolla

Os homenageados, não poderiam deixar de ser Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Não foi a primeira vez que nos encontramos, mas, desta vez, naquelas entrevistas, a conversa foi bem mais franca.

Primeiro Lucio, na Delfim Moreira, numa bagunça entre fotos da filha, brasão bizantino, lata de Ovomaltine e um quarto completamente lotado de jornais (será que nunca passou pela cabeça dele a possibilidade de por aquele velho prédio abaixo?).

Sua conversa nos fez ler, nas entrelinhas, que as coisas já não andavam tão bem entre eles.

Costa declara-se cansado de assistir àquele show de ferragens à milanesa.

Página do primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979. Foto: Maurício Andrés

Oscar, do seu costumeiro pouso Art Déco no Posto Seis ?em cujo terraço a vertigem nunca o deixou chegar – fez pose, xingou deus e o mundo, para depois nos entregar, datilografado, um mais do mesmo, aquela conversa de…quando eu fiz Pampulha… das curvas das mulheres brasileiras… blá, blá, blá…? mais um desenho (para a capa, ele disse ?nada menos…), com a praça defronte do Planalto cheia (no dizer de Lucio Costa) de pinguins à guisa de povo…

Engraçado ele citar as curvas das mulheres brasileiras, mas aquela topografia de matagais pélvicos da foto de Lucien Clergue, bem iluminada ao fundo de sua mesa (ele, pudicamente, punha um desenho seu à frente quando havia moçoilas no recinto…) são bem franceses. Ou serão argelinos?

Oitenta e Poucos

Pampulha, de novo…
 Essa coisa é que nem visgo, pegou, solta mais não.

Oscar Niemeyer e José Eduardo Ferolla. Foto: Herbert Teixeira

Nessas alturas, na diretoria do IAB-MG lutando pela preservação de nosso patrimônio natural e cultural, acabamos nos reencontrando e juntos, mais “autoridades?(como se não fosse ele a maior) percorremos a capela, o Cassino e a Casa do Baile. O Iate, depois das intervenções de colegas ali realizadas, nem perto quis passar, que aquilo estava uma xculhambação

Deu certo, a bronca.

As autoridades, feridas nos brios, resolveram dar um jeito naquilo. E tive a felicidade de participar do baile da reinauguração da Casa do Baile ao som de Carlos Fernando + Nouvelle Cuisine. Pas mal

Projeto de Concurso para a Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, José Eduardo Ferolla, Fernando M. G. Ramos, MIlton Castro, Thea Villas Boas., 1984

Ainda mal curado do trauma da entrevista da Pampulha, me envolvi noutro papelão.

Cenário: Rio de Janeiro, Avenida Presidente Vargas, em frente ao 2º Exército, ao lado do Campo de Santana e, atrás, junto ao casario da Rua da Alfândega. Concurso público nacional para a Biblioteca Pública do Rio.

Ele, no júri, premia projeto incompleto e inconcluso de um afilhado.

A grita é geral, principalmente entre os cariocas, para quem, até então, era unanimidade inquestionável, a ponto de deixar outro gênio da terra, Sérgio Wladimir Bernardes, praticamente no esquecimento.

A coisa engrossou, o IAB-RJ chiou, o CREA-RJ condenou, JB publicou, pra tudo se acabar em pizza. Com cabelo.

Noventa e Muitos

Concursos… Coisa complicada.

Capanema, funcionário público, melou um concurso público pra emplacar a turma do Lucio Costa no Ministério da Educação.

Niemeyer, nesta história do Rio, já era veterano. Debutou no concurso do Plano Piloto de Brasília, impondo a proposta do Lucio. Contava isso pra todo mundo nos seus detalhes mais sórdidos.

Mas sempre foi um Robin Hood. Ganhava pra repartir. Nisso um comunista autêntico, durante anos sustentou a família de Prestes. O problema de um temperamento destes é, como cavalo velho, a carrapatada que nele agarra.

Na ânsia de agradar gregos e baianos, tendo muitos a quem sustentar, tudo começava a contribuir para que a qualidade da criação começasse a declinar.

Bibliotheca Alexandrina, Alexandria, Egito. José Eduardo Ferolla, Fernando Ramos, Carlos Antônio Leite Brandão, 1989. Terceiro Lugar em concurso internacional

Os cinco minutos de fama proporcionados pelo sucesso alcançado no concurso internacional Bibliotheca Alexandrina me levaram a São Paulo como convidado no Congresso Brasileiro de Arquitetos, onde tive a oportunidade de reencontrar com Lucio Costa pela última vez.

Manifestando querer conhecer o Memorial da América Latina, lá fomos, Pirondi e eu, a ciceroneá-lo.

Eu, que também não conhecia a obra, fiquei horrorizado. Ele não disse palavra sequer, até que chegamos biblioteca e aí seus olhos brilharam: é uma extrusão da igrejinha da Pampulha! Mas não passou disso, dava pra sentir no ar a decepção.

Croquis do Memorial da América Latina. São Paulo, Oscar Niemeyer, 1987

No lusco-fusco da volta, nos fez parar sob o Minhocão, onde desceu, olhou pra lá, pra cá e, maravilhado, exclamou: que coisas incríveis podem acontecer aqui, vejam como esse lugar é cheio de vida!

Isso, depois de ver aquela desolação daquela enorme “bandeja?onde se dispõem as obras do memorial…

Dez e Poucos

A partir daí, salvo algumas exceções, fui vendo sua (dele?) obra degenerar.

Mais uma vez entramos em rota de colisão, desta vez por causa da nossa Cidade Administrativa.

Publiquei isso, sem o saber, a exatos 33 anos depois do estrondo.

Minha briga, na verdade, era com o rapaz então dirigindo o Estado, mas sempre me espantou como um personagem daqueles, assumidamente comunista, com todo o respeito com que o cercavam, nunca falava não, sempre sabia quando convenientemente se calar para assim fazer sua obra, por mais inconveniente que fosse.

Projeto não realizado para o Palácio da Liberdade. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1968

Às vezes, como aí ao lado (1969), a gente achava até que era brincadeira, que ele jamais imaginaria alguém louco o suficiente para demolir o Palácio da Liberdade pra fazer isso no lugar, mas como Isreal Pinheiro, de uma twinscrapper, muito pouco se diferenciava, e como nós estávamos no auge de uma ditadura, quando, se alguém apenas triscasse, levava chumbo, sinceramente, eu não brincaria e menos ainda arriscaria…

O fato é que passei cada vez mais a questionar algumas de suas mirabolices e de suas justificativas. No nosso Palácio das Artes, por exemplo, onde ele começava justificando não ter outro lugar para fazê-lo que não no nosso já exíguo e mutilado Parque Municipal, sempre estranhei, logo ele que, desde o começo de sua obra, não dispensava um brise soleil, deixar o foyer e as salas de ensaio do corpo de baile rachando ao noroeste sem proteção alguma, até o dia em que achei o projeto lá mesmo, num depósito do teatro, e naqueles desenhos pasmo constatar que a orientação estava errada. Será que ele não foi lá nem uma vez dar uma olhadela, nem que rapidinha, e nem precisaria disso, se bastava ver a posição da Afonso Pena em qualquer mapa da cidade? Fiquei muito, muito assustado.

Não que ele se preocupasse em contextualizar seus projetos ?todos os modernistas eram messiânicos e sempre desprezavam o que antes houvesse ?mesmo porque suas obras, de tão grandiosas, sempre criaram um novo contexto ou dominariam qualquer contexto urbano que fosse, mas, daí a cometer descalabros desta ordem?

Chegando a projetar o mesmo para qualquer lugar?

A Cidade Administrativa, por exemplo. Primeira vez que a vi seria localizada num topo, num arranjo tipicamente niemeyeresco, tudo e a todos dominando. Foi preciso, graças a Deus, que engenheiros demonstrassem que ali não dava, que o custo de criar acessos àquela cidadela compatíveis ao grande afluxo viário inviabilizaria a obra. E eis que, num passe de mágica, o projeto vai parar num brejoso fundo de vale, sem nada tirar, nem por, como se fosse maquete que, de um mesa, foi pro tamborete. Quando vi os desenhos adesivados nos ônibus, comentei que péssima foto-inserção, quem fez não percebeu como estava fora de escala? Hoje, sempre que vou ou volto de Confins, percebo que o erro não foi de quem fez a fotomontagem. Aquilo é um desastre. Meu consolo foi supor que nada mais daquilo era dele, mas da vassalagem, que ele, se pudesse ver, jamais se enganaria daquele jeito, não aceitaria que aqueles dois enormes edifícios passassem de norte-sul para leste-oeste, não deixaria de propor amebas ibirapuerianas interligando-os ao palácio e jamais admitiria que aquela pequena e desproporcional caixinha de talco Royal Briar se fizesse de centro de convivência e vai por aí afora.

¿Hasta Cuándo?
¿Hasta Cuándo?

Niemeyer passou da hora de parar e nem tenho como afirmar se queria ou mesmo poderia tal a enorme flora intestinal a sustentar.

Um absurdo, essa franquia familiar, como que desenterrando das mapotecas coisas recusadas, muitas vezes pelo próprio autor, mexendo daqui, dali, reciclando (mal) o que encontrava, procurando a todo custo manter contínuo o fluxo proporcionado por esta safadeza denominada notória especialização, desenvolvendo mal e detalhando porcamente, sem qualquer escrúpulo, o que o mestre rabiscava.

Na hora em que não mais for possível manter o que em qualquer empresa se chamaria “controle de qualidade? seria a hora de parar.

O detalhamento e os acabamentos do Memorial da América Latina são uma vergonha. Dá dó ver o primitivismo tosco com que foram resolvidos e detalhados os guarda-corpos das rampas ?e as próprias rampas ?do Museu de Niterói, com aqueles policarbonatos alveolares ora num sentido, ora no outro…

Claro que não daria mais para hoje continuar com os requintes de alabastros, cristais belgas âmbar e pilares de inox do Cassino. Mas a singeleza dos detalhes do piso e do forro da capela, a coerência com que dialogavam, a propriedade de cada escolha, na dose certa para não sujar o branco, tudo isso se foi. Só salvou o branco.

Por que a decadência? Será que a resposta pode ser tão simples, ele não mais estar mais no comando?

Às vezes ainda deu certo, como o novo teatro. Ao contrário de Brasília, desta vez assentado num cateto e, da hipotenusa, brotando a nova lingua do Mick Jagger do Ibirapuera.

Centro Administrativo de Minas Gerais. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 2004. Foto: Danilo Matoso

E, no Centro Administrativo de Minas, aí está mais uma vez o coitado, avalizando a mediocridade dos nossos mandatários.

Contratar Niemeyer, depois de 1993, passou a ser garantia de atropelo à Lei de Licitações e Contratos por um artifício que ninguém tinha coragem de retrucar: que aquele senhor, então com apenas 86 anos, era um gênio incontestável.

E tudo ficava mais fácil, e muito mais rápido: nada de concursos, concorrências ou tomadas de preço, processos demorados, frequentemente passíveis de impugnação, acarretando aquilo a que político tem verdadeiro horror – lentidão e auditoria. Ao contrário, resultava no que os fazia, digamos, delirar: não prestar contas nem dar satisfações a quem quer que seja e tudo isso sob chuva de aplausos da mídia e do povo em geral.

Tem obra de Niemeyer neste Brasil pra tudo quanto é canto e, como coelhos, continuaremos a assistir a proliferação desta escorchante e perversa franchising.

Parente é serpente.

Dezembro de 2012.


José Eduardo Ferolla é Engenheiro Arquiteto, Urbanista e
professor da Escola de Arquitetura da UFMG.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC
See everything on Oscar Niemeyer published on MDC magazine

Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Arquitetos e comunidade local mobilizam-se contra a demolição

O Mercado Distrital do Cruzeiro, em Belo Horizonte, projetado em 1972 pelo arquiteto mineiro Éolo Maia (1942-2002), pode ser demolido para dar lugar a dois hotéis e um estacionamento para quase dois mil veículos. O projeto de lei que autoriza a demolição do Mercado do Cruzeiro será votado no dia 18 de maio na Câmara de Vereadores. Arquitetos e a comunidade local mobilizaram-se contra a obra, organizando um abaixo-assinado.

Cumprindo importante papel como centro de convivência regional, como outros mercados distritais da capital mineira, o Mercado do Cruzeiro seria a segunda grande perda neste universo local, sucedendo a recente demolição do Mercado Distrital da Barroca (abandonado havia uma década).

Agora porém, as comunidades local e profissional mobilizaram-se contra o projeto da Prefeitura de Belo Horizonte, que nele pretende investir verbas destinadas à infraestrutura da Copa do Mundo. O mercado cumpre uma função gregária natural, além de ser uma relevante obra da arquitetura mineira da década de 1970, com seus elegantes pilares metálicos. A construção do hotel incomoda ainda pelo significativo aumento da densidade em uma área de sistema viário já congestionado.

Para impedir a realização do projeto foi organizado um abaixo-assinado direcionado à prefeitura, contra a demolição defendendo um projeto de revitalização que mantenha o caráter histórico e social do Mercado.

A revista mdc uniu-se a este grupo, apoiando a preservação do mercado como arquitetura e como centro comunitário natural.

Link do abaixo assinado:
//www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=AMOREIRO


Imagens


Nota sobre os mercados

José Eduardo Ferolla

Mercados, como qualquer comércio, só têm sucesso se localizados em regiões de grande fluxo de pessoas.
Originários do souq árabe, ocorriam quase que espontaneamente em encruzilhadas (carrefours) de rotas de caravanas, com o tempo – em função da periodicidade e da importância destas caravanas – uns se firmando mais que outros e se transformando em importantes cidades. Como Marrakesch.

A política dos Mercados Distritais, coisa do início dos anos 70 (foram três, construídos simultaneamente, entre 1972-73, ), já começou equivocada ao ignorar esta vocação na escolha das respectivas localizações. Todos, sem exceção, ficaram situados em locais praticamente inacessíveis:

Mercado Distrital de Santa Tereza (Arqs. João Alberto Bethônico e Luiz Carlos Garcia Chiari):
Num buraco de fim de bairro, numa “vesícula” praticamente cercada pelo Arrudas e pela linha férrea, longe de tudo e de todos.
Várias tentativas de reaproveitar aquelas instalações para fins culturais, relacionadas à tradição boemio-musical do bairro, acabaram por conduzir consulta pública online para decidir a sua destinação, anulada após constatação de que, dentre outros menos conhecidos, até o finado ex prefeito Célio de Castro havia votado… Continua às traças.

Mercado Distrital da Barroca (Arqs.Celso Eustáquio de Oliveira, José Eduardo Ferolla e Sérgio de Paula):
Num local anteriormente ocupado por um sanatório (o que, de origem, já afastava dali as pessoas), não teve como competir com o comércio ao longo do vale, abaixo (Avenida Francisco Sá), onde tudo era também encontrado sem a necessidade de subir encosta tão íngreme e atravessar o trânsito intenso da Avenida do Contorno. Do lado oposto, a barreira era imposta pela linha de quarteirões privativos da polícia. Acabou depredado pelos despachantes que gravitam em torno dos Detrans de qualquer cidade.
 Foi o que mais sofreu com a falta de cuidado: primeiro, acrescido sem respeitar suas diretrizes espaciais originais, depois, pela rapinagem de elementos de vedação e cobertura. Ao final dos anos noventa já estava condenado pela corrosão nos pés dos pilares. Após demolição recente, o espaço foi leiloado e arrematado por rede hospitalar privada, assim, de certa forma, recuperando o seu uso original.

Mercado Distrital do Cruzeiro (Arq. Éolo Maia):
Geograficamente situado em condições similares ao Barroca, por um lado, com o morro do Cruzeiro impedindo o acesso e o forte aclive impedindo competir, do outro lado, com o comércio da Vitório Marçola, conseguiu, contudo, melhor sobrevida. Não como mercado, mas pelo sucesso do restaurante que o ocupou e ainda ocupa, sucesso creditado, inclusive, ao elevado nível socioeconômico daquela região.
E como o que é usado – até sapato – dura mais, é o que se encontra em melhores condições.

A Secretaria Municipal de Abastecimento, vendo-se desprovida de condições de competir com as redes de supermercados e “sacolões”, acabou por deixá-los de lado, naturalmente se decompondo.
Foram todos desaparecendo como os “armazéns” da minha infância e juventude. A maioria, de portugueses. O Armazém Colombo, por exemplo, na esquina de Paraiba com Cristóvão Colombo, atendeu a minha família até ser fechado. Era também meu banco 24 horas. Num aperto, era só assinar na “caderneta” e sair com dinheiro na mão. E entregavam as compras em casa e conheciam todos pelo nome e todos igualmente os conheciam e isso bastava como crédito.
 Não sei se é saudosismo valorizar um tempo em que honestidade era valor.


Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/07/02/arquitetura-inteligente/ //28ers.com/2009/07/02/arquitetura-inteligente/#comments Thu, 02 Jul 2009 03:43:43 +0000 //28ers.com/?p=3064 Continue lendo ]]> Casa em S.J. del rey . foto - j.e.ferolla

José Eduardo Ferolla

A moda agora é falar em “casa inteligente? contudo qualquer curioso logo descobre sobre o que, de fato, a este respeito estão falando: casa inteligente, para a mídia nem tanto, é a mesma coisa, apenas adornada de gadgets destinados a algum tipo de automação.
Há, de fato, edificações inteligentes, como outras bem burras, mas não devido a esta – no jargão automobilístico – tecnologia embarcada.
Fosse o bastante, muito carro nem deixaria que entrassem certos motoristas.
O que seria, então, uma casa inteligente?
A questão antecede o projeto.
Começa pelo lugar escolhido. Por que são mais valorizados os terrenos em aclive desde a rua se nestes gastamos mais arrimos e perdemos muito com acessos, privacidade e área útil quando comparados aos terrenos em declive?
Quase sempre lote em aclive não é a escolha mais inteligente.
A nossa topografia é complicada. Aqui, então, nem se fala, mas uma vista vende – e há quem compre – barrancos viáveis só para circulação de bodes só para usufruir de um panorama que amanhã vai virar extração de minério ou ser tampado por um edifício.
Mais inteligente é comprar lote melhor e sair pra curtir a vista. Cada vez, uma vista diferente.
Convém avaliar também a orientação solar, principalmente perante a topografia. Um terreno voltado para a nascente às vezes não recebe, dali, insolação alguma devido ao sombreamento de algum morro próximo. Muitas vezes até mesmo uma edificação próxima, ou contígua, poderá acabar com o sol.
Como implantar a casa no lote?
Na maioria das vezes são desenvolvidas longitudinalmente, deixando dois becos laterais mal iluminados para devassar o vizinho, ou ser por ele devassado.
Inteligente é construir transversalmente, se possível de divisa a divisa: a casa, abrindo apenas para a maior extensão do terreno, que usualmente é a profundidade, usufrui mais das suas áreas livres, e com mais privacidade.
O mundo anda violento e os muros subindo.
Estamos construindo prisões para nós mesmos. Aqui a eletrônica tem, de fato, muito a contribuir, com soluções mais eficientes e de menor transtorno estético do que cercas eletrificadas e “concertinas?(como foram arrumar nome tão bonito para aqueles enrolados de arames farpados de terras-de-ninguém militares?).
Inteligente é a casa cujo muro, participando da estética da arquitetura, já seja a fachada, e não uma barreira entre esta e a rua, sem agredir a vizinhança, favorecendo acesso a moradores, convidados e serviços.
Quanto é preciso construir neste nosso clima permitindo 80% do ano usar a varanda, que é onde todos preferimos ficar? A casa média japonesa tem 40m². Serão eles tão mais pobres? Nossas famílias estão menores e mais voláteis, já as casas, só aumentando. Criamos dois filhos em 200m². Hoje, com uma filha já casada, sobram 30m², mais outros tantos onde ficamos semanas sem entrar. Pra quê escritório se você é do tipo que nunca trabalha em casa? Pra quê biblioteca se você gosta mesmo é de ler no banheiro? Pra quê suntuosa sala de jantar se o povo não sai da copa e da cozinha, agora rebatizadas de espaço gourmet? Pra quê home movie se você acaba mesmo vendo os filmes no aconchego da sua cama?
Não me cabe questionar os que podem, nem aqueles que, por razões até profissionais, precisam de grandes espaços para receber, mesmo assim, ao dimensionar nossas casas, convém lembrar que só ocupamos um espaço de cada vez, e mesmo ali ainda podemos sobrepor usos diversos.
O planeta está esquentando.
Agora é moda usar vidros duplos atérmicos e é um conforto o ar condicionado, contudo geralmente são empregados estes recursos para corrigir erros do projeto: seriam dispensáveis numa construção protegida dos excessos do sol, aproveitando uma brisa conduzida pela sombra ou pela água que, naturalmente, e de graça, amenizaria o clima interno.
Inteligente é uma casa fresca e clara, preferencialmente aberta para leste e sul, poupando energia.
Esta orientação, entretanto, não é regra geral: se a moradia estiver em altitudes superiores a 1.400m, como a nossa, vamos precisar de muito sol, principalmente à tarde, para aquecê-la nas noites de inverno.
Uma casa não é só construção, é o resultado do diálogo desta com as áreas livres.
Lugares para serviço e convivência precisam de extensões descobertas e um bom projeto determina, aí, áreas de lazer separadas de varais.
Importante também o papel da vegetação: um jardim bem planejado continua lá fora a arquitetura, ajuda no sombreamento onde desejável e cria barreiras visuais para favorecer a privacidade.
A água vai ficar escassa, mas grassa uma obsessão escatológica por banheiros.
Na nossa infância, com famílias bem mais numerosas, compartilhávamos, sem problemas, um, no máximo dois, agora enchemos nossas casas de suítes e vangloriamo-nos da economia do aquecimento solar…
Chove demais em BH.
Inteligente é a casa que armazena e aproveita deste aguaceiro para faxina, irrigação e descarga sanitária.
Inteligente é parar de desperdiçar e reciclar, para que dure mais o que ainda resta da Terra.
É usar corretamente o terreno, que um erro, nele, não terá mais conserto.
É rever nosso estilo de vida, despindo-o das efêmeras “tendências?impostas pelo consumo. O último lançamento de Milão será descartado pelo próximo, do ano que vem, e não se troca de casa nem de mobília como se troca de roupa, logo convém dimensionar correta e conscientemente os espaços das nossas necessidades, dos nossos desejos.
É escolher, ao edificar, a solução com o menor impacto ambiental e consumo energético, materiais mais duráveis e de menor manutenção, respeitando o vizinho e os lugares públicos, é por aí afora.
 A partir de casas inteligentes para cidadãos inteligentes iremos tornando nossas cidades inteligentes.

AI-MarioVale


explicação necessária

Desenterrei este artigo inédito, escrito às vésperas de um Brasil x Croácia (bonito, o uniforme deles, sempre achei), numa conversa outro dia com o Danilo, o qual insistiu em sua publicação. Mesmo eu argumentando que não havia sido escrito para arquitetos, mas para uma seção dominical de meia página de um jornal mineiro, o qual não só o descartou como também descartou a mim de seus “colaboradores?por motivos que nem valem mais a pena recordar, tamanha a baixaria da editora. Mesmo eu achando que ele fosse, de certa forma, “datado? ele argumentou que era um texto que ele mandaria para os pais dele, e mandou, o que muito me lisonjeou. Então, lá vai…

Dedico isso ao grande amigo Mário por esta incrível ilustração.
 Tá certo: arquitetura inteligente tem que andar bem acompanhada.


José Eduardo Ferolla

Engenheiro arquiteto, urbanista e professor da Escola de Arquitetura da UFMG,
que anda por aí ?fazer o que – a projetar casas cada vez maiores…
Jun 06

]]> //28ers.com/2009/07/02/arquitetura-inteligente/feed/ 7 3064 Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/01/12/globo-alisado-ou-globo-azulado/ //28ers.com/2009/01/12/globo-alisado-ou-globo-azulado/#comments Tue, 13 Jan 2009 00:20:44 +0000 //28ers.com/?p=1340 Continue lendo ]]> José Eduardo Ferolla

A primeira tentativa do colonizado é a de mudar de condição mudando de pele. Um modelo tentador e muito próximo a ele se oferece e se impõe: precisamente o do colonizador. Este não sofre de nenhuma de suas carências, tem todos os direitos, goza de todos os bens e se beneficia de todos os prestígios; dispõe de riquezas e de honrarias, da técnica e da autoridade. É, enfim, o outro termo da comparação que esmaga o colonizado e o mantém na servidão. A primeira ambição do colonizado será a de igualar-se a esse modelo prestigioso, de parecer-se com ele até nele desaparecer.
Albert Memmi [1]

Houve um tempo em que havia inteligência no planeta. Mesmo naquele antecipadamente global, na sua telinha.
Havia um programa de entrevistas conduzido pelo Otto Lara Resende.
Num deles, o entrevistado foi o Nélson Rodrigues.
A época? Ah, era uma brasa, mora? Tudo era jovem: poder jovem, moda jovem, até a guarda era jovem, e ai daquele que confiasse em alguém com mais de trinta anos.
Sobre isso indagou o Otto:
“… Nélson, e esse negócio, agora, de jovem guarda, de poder jovem, de moda jovem, tudo tem que ser jovem, qual a sua opinião a respeito? O que você diria a estes jovens…?
Envelheçam“, foi a lacônica resposta.

colonialismo

Enquanto isso, a gente tem que aturar muito dente de leite tresandando a fralda descartável (ou cueiros. A palavra, sem dúvida, é muito mais apropriada), mas já desandando a falar besteira. Outro dia teve um aqui ostentando um “trabalho” premiado “lá fora”.
Não era músico (que não mais fazem músicas, só “trabalhos“. Terão virado pais-de-santo?), mas colega nosso.
O “trabalho” era uma chocante e descabidamente jocosa proposta de um cemitério pairando sobre Bagdá.
Isso mesmo, um cemitério. Pairando por sobre onde, mesmo? Isto mesmo, ali, entre o Tigre e o Eufrates.
E premiado por instituição sediada em membro das “forças de coalizão”, um dos fornecedores da “matéria prima”, a qual, estatisticamente considerados os anos de “ocupação”, constataram os autores, surpresos, ser bem menos do que esperavam. Incrível, não é mesmo?
Mas os desenhos, ah, os desenhos, eram lindos!…
Difícil esperar que esta jeunesse à dorée envelheça, ainda que faisandée.
Gentes colonizadas “lá fora”, debocham de longe, não pisam na lama, vivem (?) on line num virtual “Manhattan Disconnection“. Esta mediocridade juvenil anda preocupantemente contaminando outras gerações, e não podemos atribuir toda a culpa apenas àquele comprimidinho azul. O fenômeno é mais sério. Burrice nunca teve idade, nem origem, mas agora ficou genérica e universal.
A globalização da estupidez.

…Xerxes mandou que chicoteassem o mar que não cooperava com a navegação de sua frota rumo à guerra. Os jovens, ah, os jovens, os jovens precisam de rock, quebrar guitarras, pular do palco, falar palavrões. Dêem rock aos jovens e ficarão mansos. Os jovens de coquetel molotov de Paris, arremessando-os contra os carros, reclamam emprego. Incendeiam carros como Xerxes descia o sarrafo no pélago. Emprego é só um pretexto. Dêem-lhes shows de rock e ficarão quietinhos[2]

sociedade caracu

As tão propagadas benesses da globalização nem de longe relam o totum o planeta, não é do interesse dos seus detentores. Já os malefícios, como cobertores contaminados com tifo, todos se apressam a disseminar.
Os norteamericanos, levianamente brincando de banco imobiliário, quebraram todos.
Não há mais, na CE, nem lugar e muito menos para quem construir. O mercado está saturado, a legislação extremamente rígida e o crescimento populacional, negativo.
A Rússia vai ter que se livrar, antes, da máfia que a domina e da máfia que dominava.
Na Ásia já manda a China, com Austrália, que não é boba e com mais know-how, a reboque. Para ocasiões e obras especiais, vimos, abrem algum espaço para enfants gatés. Mas só neste momentos.
Índia? Muita gente a alimentar, muita hostilidade vizinha para conter, para os seus tem muito ainda o que fazer.
África? Certamente um mundo a se fazer, mas ali o desmanche ainda não terminou. Enquanto ainda houver algo para rapinar, não haverá nada mais rentável onde investir.
Parece que estamos nas bicas de virar a bola-da-vez para aplicação desta ociosa mão-de-obra ocidental.
Primeiro chegou o capital, depois incorporadoras e construtoras, agora é a vez dos arquitetos.
Estão chegando famintos, mas querendo passar a impressão de bem saciados, de tanto que arrotam.
Direto para a nossa maior cidade do interior onde se concentra o dinheiro, onde, que nem animal aleijado, a boca do luxo é a mesma boca do lixo, tal a enorme a voracidade acrítica para o consumo, ali, de “novidades”.
 E vem com a mesma conversa de sempre, com a mesma superioridade colonial, cheios de miçangas.

a missão francesa

Gravura de Theodore de Bry (1592)

Antes, chegavam somente pelo litoral.
Alguns dos primeiros regalaram os nativos. Sardinha daquele tamanho, os Caetés jamais haviam visto, nem a tantos alimentado. Mas o melhor, diziam, eram os dedos…
Crises, admitamos, tem as suas vantagens. Há duzentos anos foram enormes, “anfitrionávamos” uma esperta corte, a única a driblar Bonaparte, e como por aqui pretendia permanecer por bom tempo, viu-se obrigada a criar no além-mar condições “aceitáveis”.
Ganhamos a Academia, da qual jamais nos livramos. Ô peso! Mas vieram viajantes catalogando tudo e a todos, passamos a conhecer um pouco mais sobre nós mesmos, criaram um belo Jardim Botânico, alguma urbanização, tanto que até hoje o Rio de Janeiro continua lindo.
Com a abertura dos portos (patrocinada, ou melhor, exigida por quem, mesmo?) ocorre a nossa primeira globalização, o comércio deixa de ser exclusivamente fruto de contrabando, e de onde saem ouro, café e açúcar, entram sedas do Malabar, os tweeds de Shetland e, “… e, envoltas em perfume, mocinhas francesas, jovens polacas e batalhões de mulatas…”[3], junto com muitas outras coisas não exclusivamente nobres.
Como a sífilis.

…a terra bola azulada numa vitrine gigante…

[4]

E nunca mais pararam de chegar.
E de novo vem chegando, não os alquimistas, os arquitetos.
Como músicos, só falando besteira. E com cada “trabalho”…
Quem não se lembra daquele estupor proposto pelo Nouvel para o Guggenheim, ali na Praça XV?
Pitoresco como escravos em gravura de Debret, sous les grands cocotiers qui se balancent[5]
Nossa última “missão francesa”? Não, teve ainda a hiperfaturada, inconclusa e “inaugurada” Cidade da Música.
De minha parte, nada tenho contra estes “intercâmbios”. Assim como tem poderosos dispostos a exibir um Niemeyer lá fora, teve gente aqui disposta a pagar por um Siza, e deve ter valido a pena.
Pra que questionar esta presença estrangeira, se o melhor em Paris é obra de alemão, de suíço, de italiano e inglês? Até mesmo de americano?
Considero louvável os  fitzcarraldos tupiniquins patrocinadores de mentes brilhantes, até mesmo públicos poderes, para a grandiloqüência de nosso patrimônio cultural, entretanto, neste caso, há uma questão impositiva: democracia. Dificilmente conseguiria Haussmann chegar a termo em Paris sob este estatuto. Por muito menos Aarão Reis jogou aqui a toalha… Em tempos republicanos há leis, e onde estão vigentes, o mais democrático, o mais legítimo, é o concurso público de arquitetura. Nacional ou Internacional, tanto faz, depende da impostância que queiram atribuir à obra.
Assim construíram em pleno Marais o Centre Georges Pompidou, a sede da ONU, em NYC, o novo acréscimo Reichstag, em Berlim, a nova Bibliotheca Alexandrina, no Egito. Nenhum destes por arquitetos do país de origem.
Não significa, de modo algum, globalizar a cultura, a arquitetura. Cada obra destas representou a melhor opção ali, naquele lugar. Com toda impregnação cultural que ali existia, e da que, a partir daí, passou a coexistir.
Mas como cada vez mais reina a mediocridade, o que não somos obrigados a ver publicado:

Há uma rede global de estudantes e de jovens arquitetos que sabem como trabalhar com… ferramentas de design paramétrico… em Londres, por exemplo, ensinamos estudantes de todo o mundo, que voltam a seu país de origem e a utilizam… É uma necessidade para entrar no domínio da arquitetura de alto nível. Como um ticket de entrada: você não pode participar se não adquirir as habilidadesAs arquiteturas nacionais são coisa do passado... arquitetos vão a várias partes do mundo e participam de concursosSe você tem um profissional muito bom, ele imediatamente se torna internacional. Por isso as culturas das arquiteturas nacionais desapareceram, ou, se ainda existem, estão com os dias contados… Ainda há algumas ilhas resistentes e (sic) anti-globalização. O Brasil é uma delas, mas há muitas pessoas se aproximando. Nós queremos vir pra cá. O país está se abrindo e pessoas como Mendes da Rocha devem também sair para construir… Em 10 anos, os arquitetos mais jovens não terão chances se não puderem competir com profissionais internacionais – se não puderem competir com os meus alunos em Londres[6]

Impressiona a arrogância de mais este cristiano-ronaldo, atripado de teoria, mas que, da arquitetura, só deve conhecer de vista, de fotografia, ou do que, sobre ela algum outro tenha dito ou publicado alhures. “Com os seus alunos em Londres e suas maravilhosas ferramentas de design paramétrico”, com certeza, muita coisa publicarão, mas o que veremos de tão especial, assim, de construção?
Para ele – e os seus alunos de Londres – arquitetura só seja mesmo isso, a aparência, o virtual, o simulacro. Torcendo para que desapareça qualquer traço de regionalismo, qualquer dialeto, qualquer sotaque, pois assim não haverá dificuldade alguma para eles, de Londres, é claro, trabalharem onde quer que seja. Inclusive aqui.
Pois já não sugere o acordo? “… só eu, não, o Mendes da Rocha também…”
É espantoso como esta geração nem um pouco se envergonha de ser tão explícita.
É, precisaremos de muita paciência para esperar que gente assim envelheça, e, pior, como com os vinhos, sem quaisquer garantias. Hoje estão todos assim, com esta cara-de-pau, este cinismo, este descompromisso ético e histórico, e o que é muito, muito pior, é que está assim de gente, e até gente velha, que se lhes dá a atenção.
Uma coisa, disso tudo, merece atenção:
ele sabe que lá, por lados dele, só é ouvido, só é considerado quem ganha concurso.
É o que, numa democracia, dá legitimidade à escolha. Temos aqui todos os instrumentos, uma legislação minuciosa, instituições regulamentadoras etc, mas o Estado prossegue fazendo as coisas ao seu modo.
Aos nossos dirigentes repugna – e nos estranha, pois tiveram de se submeter à vontade popular para chegar onde estão – o rictus democraticus, acham um absurdo gastar tempo com papel, desconhecem os procedimentos e prazos de um planejamento correto, preferem gastar muito mais, depois, com o outro papel, o moeda. Para eles, concurso dá trabalho, demora, sempre dá problema, sempre tem alguém querendo contestar e/ou impugnar, é muito mais fácil contratar um Niemeyer, um “notório saber”. Mas, como ele – convenhamos – não é imortal, já estão pensando em outros caminhos.
Concurso? Nem pensar!

pros amigos, tudo, pros inimigos, a lei

(ou: manda quem pode, obedece quem tem juízo)

O debate mais recente, no nosso meio, foi o anúncio da  contratação de certa parelha suíça, em total descompromisso com a ética pública, para projetar os espaços para uma instituição pública, dedicada à dança.
Só gentes muito especializadas sabem e podem projetar estes espaços“, disseram.
Difícil, mesmo, é dançar!
São arquitetos que levam em consideração todos os aspectos do programa e do sítio“.
Qualquer estudante de arquitetura sabe que só será aprovado o trabalho final de graduação que der resposta coerente a estes requisitos.
São pessoas de notória especialização“.
Andam repetindo muito isto, como se fosse dispensável, neste mundo de wahroliana, momentânea e midiática fama, qualquer explicação. A única brecha na legislação para dispensar licitação é a inexistência de outrem com igual expertise, coisa hoje, neste mesmo mundo de informação instantaneamente compartilhada e globalizada, simplesmente impensável.
Já a parelha, pelo menos não está, como os outros, a deitar falação, mesmo porque havia já um encarregado do besteirol o senhor-professor-doutor-secretário-de-Estado João Sayad, que, como economista, tem mais prática em explicar o inexplicável, mas que, mesmo assim, ao tentar consertar, piorou, que aqueles nomes não saíram da cartola – e olha que isso, de cartola, por aqui, é mais que usual, a gente melhor entenderia – mas de uma “concorrência informal”. Considerando o contexto público onde deverá ocorrer esta contratação, é mesmo que dizer “ligeiramente grávida”ou “superficialmente morto”.
E assim vai girando o nosso mundo, deste jeito besta e macunaímico, sem moral, sem ética, sem nenhum caráter.
Disse uma vez Antonil que na língua nativa não havia “… o ‘F’, nem o ‘L’, nem o ‘R’, porquanto não têm Fé, nem Lei, nem Rei…“.
 Hoje, então, não sabem mais usar o plural, concordar sujeito com predicado e muito menos pontuar, mas nunca tiveram tanto espaço para pontificar.

é proibido proibir

Cada um, ao seu modo, de acordo com as suas conveniências, vem aqui buscando os meios de apoitar.
E, como se não bastasse, chega-nos agora, senão a derradeira flor, pelo menos uma esta pérola do Lácio:
O estilo do século 21 é não ter estilo[7]
Millor há muito autointitulado “escritor sem estilo”, deve estar rolando de rir de sua “eternidade”…
Trata-se da nova sede do Istituto Italiano di Cultura. Assim como a Fundação Iberê Camargo, não é instituição pública, logo contrata quem quiser e provavelmente deve ter-lhe agradado nome de tal prestígio para “sacralizar” aquele escorredor de pratos – que qualquer um compraria baratinho em qualquer lugar da 25 de Março –  nos fundos de sua sede neoclássica.
Diz o repórter que as obras do arquiteto “… tem como espinha dorsal a tentativa de emocionar…”.
Conseguiu: quase morri de rir!
E como deita besteira, na entrevista, o colega:
“… É muito, muito matérico (sic)… Este século tem outros elementos, que, podemos dizer, são mais próximos da teoria do caos, da imprevisibilidade do que faz o homem, começando com a meteorologia e chegando até a economia…”
Poderá o leitor me indicar um século em as coisas não tenham sido assim?
Já não é de hoje esta história da aplicação teoria do caos na arquitetura. Se o caos é incerteza, movimentação, dinamismo imprevisto, não pode ser imobilizado, congelado, como quiseram os descontrutivistas. Vira coisa previsível, perde a incerteza, vira ornamento.
Mas pode servir para os intuitos dos que, como ele, consideram a arquitetura “… uma filosofia científica…”
“… Acho que [devemos] voltar a colocar o homem no centro do palco. Não sei bem como fazer isso…”
Uff! Ainda bem! Para quem começou pretendendo criar “… um projeto muito orgânico, que acredita na sustentabilidade, no ambiente… com lâminas de madeira submersas na água esverdeada…“, vai de novo começar mal, partindo para, disto, a antítese. Não foi assim, a partir deste iluminismo, de situar o ser humano como centro de um universo que o cerca e o serve, que todo o desequilíbrio começou?
Uma qualidade, pelo menos, demonstra, contrariando o garnizé anterior: “… contrastar as formas, ir contra o que virou regra na arquitetura comercial norteamericana, por exemplo, que constrói os mesmos prédios em todos os lugares do mundo, em vez de pensar no cenário local, na arquitetura. Ocorreu uma má interpretação da globalização…”
Não vou aqui mais me ater nos delírios deste barroco personagem, que do caos de sua filosofia científica passa a enveredar pelo esoterismo pós-metabolismo de moradias como “… moléculas que dão vida a um corpo…” e daí uma arquitetura de autoajuda, nas “… ofertas que acreditam nas emoções positivas, que descartam a angústia…”
Repito, é de morrer de rir, mas não deixa de haver certa coerência. Depois de lermos sua reposta ao repórter, perguntando sobre suas fontes de inspiração, de que “…basta olhar para o que faz Ferran Adriá na cozinha molecular…”, fica tudo claramente explicado, passa a ter todo o sentido aquele escorredor de pratos. Mesmo que sobre água esverdeada…
São estas, colegas, as novas miçangas.
E como vem sob forma de design paramétrico, somente os iniciados nos seus ritos, como os alunos de Londres, saberão como distribuí-las.
Tudo bem, vamos esperar que pousem…

AK47- obra prima na chuva da África, na poeira do Saara, no gelo da Sibéria. Para uns, simbolo libertário. para outros, simbolo de terrorismo.

José Eduardo Ferolla
Engenheiro Arquiteto e professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais



notas

[1] MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador. Trad. Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1967. p.106-107. (Ecumenismo e Humanismo, 11).

[2]//blogauti.wunderblogs.com/archives/020516.html

[3] João Bosco e Aldir Blanc, Mestre-Sala dos Mares

[4] Gilberto Gil, Vitrines

[5] H. Salvador, Dans mon île

[6] Grifos meus. Toda a besteira está, na íntegra,  na AU de dezembro último, mas não vale a pena ler mais que o resumo.

[7] Folha de São Paulo, Ilustrada, 06/01/09, em matéria com o mesmo título.

]]> //28ers.com/2009/01/12/globo-alisado-ou-globo-azulado/feed/ 17 1340 Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2007/11/30/grand-aegyptian-museum-egito/ //28ers.com/2007/11/30/grand-aegyptian-museum-egito/#comments Fri, 30 Nov 2007 22:28:20 +0000 //28ers.com/?p=423 mdc 4Grand Aegyptian Museum - EgitoÉolo Maia | José E. Ferolla | Jô Vasconcellos | Maurício Campomori

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Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2006/01/31/mdc-1-debates-videos/ //28ers.com/2006/01/31/mdc-1-debates-videos/#respond Tue, 31 Jan 2006 07:00:46 +0000 //28ers.com/?p=485 Continue lendo ]]> mdc 01Encontros e palestras

Casa do Baile . Belo Horizonte
11 de março de 2006 . 16h



Abertura: Carlos Alberto Maciel
Palestra: José Eduardo Ferolla
11 de março de 2006 . 16h



Palestra: Ascanio Merrighi
11 de março de 2006 . 16h30



Palestra: Edson Mahfuz
11 de março de 2006 . 17h



Palestra: Angelo Bucci
11 de março de 2006 . 17h40



Debate
11 de março de 2006 . 18h30


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//28ers.com/2006/01/31/mdc-1-debates-videos/feed/ 0 485
Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2006/01/31/a-pertinencia-da-forma-e-a-poetica-da-construcao/ //28ers.com/2006/01/31/a-pertinencia-da-forma-e-a-poetica-da-construcao/#respond Tue, 31 Jan 2006 05:56:58 +0000 //28ers.com/?p=267 Continue lendo ]]> mdc 01

José Eduardo Ferolla

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O que ocorreria a vocês, se fossem convidados a falar sobre estes assuntos? Eu, precisei perguntar: o quê com isto, ou a partir disto, esperavam que eu dissesse?

A tradução dos organizadores começou com uma história do pedreiro, passou para o preço do saco de cimento,  e acabou resvalando num piano… já que estava assim, tão ad libitum, poderia eu comentar ainda, ou senão, sobre as seguintes questões: “A Pertinência da Poética e a Forma da Construção? ou “A Pertinência da Construção e a Poética da Forma? ou “A Forma da Poética e a Pertinência da Construção? ou “A Forma da Pertinência e a Poética da Construção? ou “A Poética da Pertinência e a Construção da Forma? ou “A Construção da Pertinência e a Forma da Poética? ou  “A Construção da Poética e a Forma da Pertinência?etc, sem que fizesse a menor diferença, tudo renderia assunto e um causo. Giochezze, giochezze! comentaria meu pai.

Mas esta ausência de limites sempre perturbou este mamífero, cuja prosa, clássica por herança genética, faz da poética da construção o seu cons­truir, e da obsessão geométrica das estruturas o seu deleite. Cabe julgar a pertinência. Como defesa, apresento esta liberdade do quê dizer que me foi concedida, mas, contraditoriamente, prefiro e preciso falar dos limites,e sempre que neles penso me ocorre a primeira lição da Fayga: ?em>criar é conhecer os seus limites?

Um bom ponto de partida é começar pelos “deles? o que todos, no nosso ofício, estamos sujeitos: limites do sítio versus necessidades dos usos limites da disponibilidade financeira dos meios. Limites lógicos, mensuráveis e consensuais, ciência. Já os “seus? os de nós outros, são fruto de como cada um percebe e manipula isso: qualidades dos limites físicos do sítio versus adequacidade de meios à necessidade dos usos. O custo do texto da forma e os valores que esta acrescentará ao contexto. L­imites sensuais, emocionais, intelectuais e mentais, portanto subjetivos e imprevisíveis. Tem muito mais, contudo já dá para definir um território.

Com muito menos o cachorro já mijou e d­elimitou o seu. Mas a gente tende a complicar para explicar o que nos aflora pela consciência de nossas próprias limitações, e o entendimento e a resposta de cada um de nós aos mesmos estímulos pode ser a mais variada.

Algumas, inconscientes de si mesmas, se manifestam pela repetição de um arquétipo que, ao longo do tempo, foi aperfeiçoado com o que demonstrou sucesso e garantia de alguma consistência.

Outras, conscientes de si mesmas, compreendida a História e recebida a instrução do ofício, obrigam-nos à mudança e às periódicas e inevitáveis rupturas. Para uns salvação, para outros danação.

Mas tudo isso só faz sentido, só existe porque compreendido, sentido, usufruído ou sofrido pelos demais, o que impõe compartilhar alguns desejos comuns e códigos tradutores de intenções, a começar do idioma. Limites de todas as culturas que, pela crença ou pela ética, caso a caso determinam o bem e o mal. Uff!

Parti pris: tudo isto fruto de demandas exclusivas de homo sapiens. Para o cão já vimos como é simples,  mas a nossa espécie, extremamente predadora, armada o suficiente para destruir o meio da própria  subsistência, como é pernóstica, esta espécie: cogito, ergo sum, (pensa!…), mas como se viesse (?) de outro planeta, não suporta o terror da vida, e para não entrar em pânico, inventa  utopias, nirvanas, samadhis, paraísos. Sabe que vai morrer, mas como só a eternidade lhe interessa, sai a ditar regras e adaptar a si o seu ao redor.

Há outros predadores, mas nenhum, com tamanho poder de fogo, cuspindo no prato e comprometendo seu habitat.

A sobrevivência dos outros bichos não depende de tão complexa estrutura existencial, basta-lhes a essencial. Sabem que viver é muito perigoso, mas não se consideram figura no fundo, são figura-e-fundo, e ignorando a eternidade, vivem, procriam e morrem. E pronto. Seríamos diferentes?

Mas a nossa estrutura existencial alcançou complexidade só inferior à nossa total dependência dela, e os meios de construí-la tornaram-se cada vez mais danosos ao planeta. Quem (sobre)viver, verá. Nós, ou as baratas. É este, de fato, o nosso atual “mínimo denominador comum? Como cada um, vivencio isto com os instrumentos que adquiri e delimito o meu território à minha maneira.

Vou tentar em seguida explicar algo que andei fazendo nele.

Edificio Sede da Fapergs

josé eduardo ferolla (1947)
Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1970), especializado em Urbanismo (UFMG, 1971),  professor assistente de projeto arquitetônico na Escola de Arquitetura da UFMG (desde 1977) e no Curso de Especialização em Arquitetura de Interiores do IEC-Instituto de Educação Continuada – da PUC-MG (desde 2002). Participa de concursos nacionais e internacionais, tendo recebido premiações em diversos deles.
Possui escritório próprio desde 1970.

contato: ferolla@brfree.com.br

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Jos茅 Eduardo Ferolla – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2006/01/31/edificio-sede-da-fapergs-rs/ //28ers.com/2006/01/31/edificio-sede-da-fapergs-rs/#comments Tue, 31 Jan 2006 05:55:09 +0000 //28ers.com/?p=270 mdc 01

Sede da Fapergs - RSJosé Eduardo Ferolla | Eduardo Oliveira Fança

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