Oscar Niemeyer 1907-2012 – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Sat, 27 May 2023 20:47:47 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Oscar Niemeyer 1907-2012 – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Oscar Niemeyer 1907-2012 – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2013/03/18/oscarianas-mineiras/ //28ers.com/2013/03/18/oscarianas-mineiras/#comments Mon, 18 Mar 2013 04:26:18 +0000 //28ers.com/?p=8890 Continue lendo ]]> serie-oscar

José Eduardo Ferolla

Cinquenta e Tantos

Mapa de bondes de Belo Horizonte. Fonte: www.skyscrapercity.com

A vida não era apenas subir Bahia e descer Floresta.

Para mim, ao contrário, começava descendo Bahia.

O fim da linha era logo aqui, na Congonhas com Leopoldina. Guimarães Rosa morava em frente, eu um quarteirão acima e menino em pé não pagava. De modo que à medida que o bonde ia descendo, a turba ia aumentando.

Na Afonso Pena, à meninada do Santo Antônio se agregavam as hordas das santas Tereza e Efigênia e o caldo engrossava de vez.

Dali, baldeávamos para Afonso Pena, Itapecerica e Antônio Carlos, saíamos das Minas e, cruzado o Arrudas, já nas Gerais, o destino final seria um parque na beira da lagoa, em frente a uma capela estranha, diferente de toda igreja que mineiro já tinha visto.

A garotada nem olhava, pois o objetivo daquele raid de domingo era correr pra alugar um bom cavalo e, no par-ou-ímpar, decidir quem ficava com sela ou em pelo, só na manta, e assim, respectivamente investidos de mocinho e índio, partir pra correria pelos cerrados em meio a pequizeiros e cagaiteiras, das cujas todos já havíamos aprendido a ignorar a abundante oferta daquelas frutinhas amarelas e perfumadas, pois o nome da árvore já dizia tudo.

A capela, entretanto, me chamava a atenção, inclusive porque já sabia da história de ter sido projetada por um tal de Niemeyer; que os desenhos naqueles azulejos azuis e brancos eram obra de um tal Portinari, de quem papai se arrependia não ter comprado uns quadros oferecidos por uma ninharia creio que pelo Capanema; que aquilo ali, portanto, era coisa de importância nacional, mas que o bispo refugou e não deixava celebrar missa porque, pra ele, com aquela forma não podia ser igreja, mas coisa de ateus comunistas. Mas nada disso me preocupava, pois eu gostava mesmo era de uma outra coisa, mais estranha ainda, chamada “casa do baile?

Menino, eu já me deslumbrava como aquelas ondulações incrivelmente me evocavam versos ensinados pela Dona Ester:

… Valsavas.
Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias;
Tremias;
Sorrias
Pra outro
Não eu…

Casa do Baile. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1940. Foto: Adriano Conde

Sessenta e Poucos

Régua, giz, borracha e mata-borrão, assim diziam.
Depois do Pedro II, do Rio, o melhor colégio do Brasil.
Também coisa daquele tal de Niemeyer.

Coincidência? Só sei que a gente ali respirava liberdade, ninguém te pajeando, ninguém preocupado se você estava na aula ou atrás do mata-borrão fumando e/ou namorando, sem muros pra te prender, só aquele arrimo fácil de pular nivelando o terreno. Mas, se não estudasse…

Muitos contemporâneos ilustres: Henfil, Tostão, Elke Maravilha, Martinha “Queijinho de Minas? Affonso Romano de Sant’anna, Humberto e Dorotéia Werneck, até a Dilma (mas, quem era ela, quem conheceu essa Dilma?).

Fernando “Mangabeira?Pierucetti, criador do “Galo? da “Raposa? do “Coelho? o que acabou virando regra esportiva no Brasil (não ganhou um tostão de royalties), com singularíssimo método de ensinar geometria, obrigando-nos a desenhar todas as suas aulas a mão livre num caderno previamente quadriculado também a mão livre. Amaro Xisto e as teorias de Paul Rivet e Alec Hrdlisca, ensinando antropologia e sambaquis para meninos cheios de espinhas. Quatro anos de latim me ensinaram que Gallia est omnis divisa em partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum lingua Celtae, nostra Galli apelantur, coroados por mais dois com Dona Etel nos regendo pelo Manual de Canto Orfeônico do Villa-Lobos.

Terá sido a obra de Niemeyer a indutora daquele clima no Colégio Estadual? Não há como saber, mas a gente tratava o colégio como casa da gente, sentíamo-nos honrados e privilegiados por viver e estudar num lugar tão bacana, obra daquele mesmo cara que, com Lucio Costa, estava construindo uma cidade no planalto central.

Veio a ditadura e ?primeiro ato de fazer-se presente ?gradeou o colégio.

Passados dois dias já não mais restava tela alguma, só os quadros tubulares vazios, que mais nos ajudavam, num balé coletivo, balançar o corpo para mais elegantemente aterrissarmos na São Paulo pro “pão-molhado?no seu Álvaro.

Colégio Estadual Central. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1954. Foto: Cartão postal de Belo Horizonte

Sessenta e Muitos

E como não havia como ser de outro jeito, em 66 lá estava eu, começando meu curso de arquitetura.

Na primeira escola do Brasil nascida como escola de Arquitetura, a da UFMG, onde se vivia um clima glorioso: Brasília já era uma realidade, a escola acabara de ser premiada no Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura da Bienal de São Paulo, Brasil era um país com arquitetura de ponta.

Quanto mais a ditadura ia arrochando o torniquete, mais descobríamos como burlá-la. Nunca mais fomos país tão criativo como tivemos que ser principalmente depois do AI-5.

A arquitetura do Oscar alçava voos vertiginosos. De um incrível projeto para uma edificação destinada à música, com teatros suspensos a cada lado de duas vigas estaiadas de Pier Luigi Nervi, ele dizia: desejosos de preservar a vista para o mar, suspendemos o edifício e criamos dois balanços de 50 metros, e a gente ria, ria…

Tinha de conhecer a nova capital pra ficar chocado ao ver ao vivo ?só não digo a cores ?a incrível leveza do Palácio do Planalto, a invenção da catedral, aquela sucessão de palmeiras como se me apresentou o Palácio do Itamarati. Logo depois, a Bienal de 67 me apresentou o conjunto do Ibirapuera (hoje completado por ele mesmo com um teatro e uma língua de Mick Jagger). A juventude ainda nos dava fôlego para subir, correndo, até o topo da Oca. Descer era outra estória…

O curso de arquitetura foi nos apresentando outros personagens, como Frank Lloyd Wright, Ludwig Mies van Der Rohe, Charles-Edouard Jeanneret Gris, dit Le Corbusier…

Se Le Corbusier me fez saber apreciar melhor o Cassino da Pampulha, calou-se passados mais de 20 anos ante o silêncio de Kahn em Ahmadabad. Mas os trabalhos de Niemeyer e Mies, pra mim, até hoje – depois dos construtores de catedrais – são insuperáveis invenções.

Oscar continuava aprontando, usando da Justiça pra fazer, como em na Fontana di Trevi, uma fachada-fonte, espicha e deforma o Itamarati em Milão, achata e rasga embaixo a Oca em Argel, e a Módulo a cada edição nos apresentava mais novidades, acompanhado de Bruno Contarini e de Joaquim Cardozo, aquele que fazia cantar os apoios.

Até 1971. No dia 4 de fevereiro, estava eu nas proximidades coletando material para minha dissertação de urbanismo. A peãozada almoçava sobre um grande espaço de 300x70m quando o canto virou estrondo. Morreram 69 na hora, quase metade depois e, logo mais, foi Cardozo quem não mais pôde suportar aquilo.

Seria um edifício bonito, duas enormes vigas paralelas de 300x15m separadas 70 metros, unidas acima por vigas-calha interligadas por abóbodas de vidro. Iria abrigar o acervo daquela Feira de Amostras do Berti demolida para dar lugar à rodoviária de Fernando Graça e outros.

O que sobrou, mais tarde, demoliram de pura vergonha.

Pavilhão de Exposições da Gameleira após o desabamento em 1971. Fonte: Arquivo Público Mineiro

Setenta e Muitos

Os bondes há muito já não existiam, nem mais aquela graça da aventura dominical, mas a nossa revista foi se chamar Pampulha ?revista de arquitetura, arte e meio ambiente.

Um bando de malucos fazendo uma revista toda a mão. Lançamos um número 1 em Brasília no primeiro congresso de brasileiro de arquitetos pós-silêncio.

Capa do Primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979

Oscar Niemeyer em seu escritório, 1979. Foto: José E. Ferolla

Os homenageados, não poderiam deixar de ser Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Não foi a primeira vez que nos encontramos, mas, desta vez, naquelas entrevistas, a conversa foi bem mais franca.

Primeiro Lucio, na Delfim Moreira, numa bagunça entre fotos da filha, brasão bizantino, lata de Ovomaltine e um quarto completamente lotado de jornais (será que nunca passou pela cabeça dele a possibilidade de por aquele velho prédio abaixo?).

Sua conversa nos fez ler, nas entrelinhas, que as coisas já não andavam tão bem entre eles.

Costa declara-se cansado de assistir àquele show de ferragens à milanesa.

Página do primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979. Foto: Maurício Andrés

Oscar, do seu costumeiro pouso Art Déco no Posto Seis ?em cujo terraço a vertigem nunca o deixou chegar – fez pose, xingou deus e o mundo, para depois nos entregar, datilografado, um mais do mesmo, aquela conversa de…quando eu fiz Pampulha… das curvas das mulheres brasileiras… blá, blá, blá…? mais um desenho (para a capa, ele disse ?nada menos…), com a praça defronte do Planalto cheia (no dizer de Lucio Costa) de pinguins à guisa de povo…

Engraçado ele citar as curvas das mulheres brasileiras, mas aquela topografia de matagais pélvicos da foto de Lucien Clergue, bem iluminada ao fundo de sua mesa (ele, pudicamente, punha um desenho seu à frente quando havia moçoilas no recinto…) são bem franceses. Ou serão argelinos?

Oitenta e Poucos

Pampulha, de novo…
Essa coisa é que nem visgo, pegou, solta mais não.

Oscar Niemeyer e José Eduardo Ferolla. Foto: Herbert Teixeira

Nessas alturas, na diretoria do IAB-MG lutando pela preservação de nosso patrimônio natural e cultural, acabamos nos reencontrando e juntos, mais “autoridades?(como se não fosse ele a maior) percorremos a capela, o Cassino e a Casa do Baile. O Iate, depois das intervenções de colegas ali realizadas, nem perto quis passar, que aquilo estava uma xculhambação

Deu certo, a bronca.

As autoridades, feridas nos brios, resolveram dar um jeito naquilo. E tive a felicidade de participar do baile da reinauguração da Casa do Baile ao som de Carlos Fernando + Nouvelle Cuisine. Pas mal

Projeto de Concurso para a Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, José Eduardo Ferolla, Fernando M. G. Ramos, MIlton Castro, Thea Villas Boas., 1984

Ainda mal curado do trauma da entrevista da Pampulha, me envolvi noutro papelão.

Cenário: Rio de Janeiro, Avenida Presidente Vargas, em frente ao 2º Exército, ao lado do Campo de Santana e, atrás, junto ao casario da Rua da Alfândega. Concurso público nacional para a Biblioteca Pública do Rio.

Ele, no júri, premia projeto incompleto e inconcluso de um afilhado.

A grita é geral, principalmente entre os cariocas, para quem, até então, era unanimidade inquestionável, a ponto de deixar outro gênio da terra, Sérgio Wladimir Bernardes, praticamente no esquecimento.

A coisa engrossou, o IAB-RJ chiou, o CREA-RJ condenou, JB publicou, pra tudo se acabar em pizza. Com cabelo.

Noventa e Muitos

Concursos… Coisa complicada.

Capanema, funcionário público, melou um concurso público pra emplacar a turma do Lucio Costa no Ministério da Educação.

Niemeyer, nesta história do Rio, já era veterano. Debutou no concurso do Plano Piloto de Brasília, impondo a proposta do Lucio. Contava isso pra todo mundo nos seus detalhes mais sórdidos.

Mas sempre foi um Robin Hood. Ganhava pra repartir. Nisso um comunista autêntico, durante anos sustentou a família de Prestes. O problema de um temperamento destes é, como cavalo velho, a carrapatada que nele agarra.

Na ânsia de agradar gregos e baianos, tendo muitos a quem sustentar, tudo começava a contribuir para que a qualidade da criação começasse a declinar.

Bibliotheca Alexandrina, Alexandria, Egito. José Eduardo Ferolla, Fernando Ramos, Carlos Antônio Leite Brandão, 1989. Terceiro Lugar em concurso internacional

Os cinco minutos de fama proporcionados pelo sucesso alcançado no concurso internacional Bibliotheca Alexandrina me levaram a São Paulo como convidado no Congresso Brasileiro de Arquitetos, onde tive a oportunidade de reencontrar com Lucio Costa pela última vez.

Manifestando querer conhecer o Memorial da América Latina, lá fomos, Pirondi e eu, a ciceroneá-lo.

Eu, que também não conhecia a obra, fiquei horrorizado. Ele não disse palavra sequer, até que chegamos biblioteca e aí seus olhos brilharam: é uma extrusão da igrejinha da Pampulha! Mas não passou disso, dava pra sentir no ar a decepção.

Croquis do Memorial da América Latina. São Paulo, Oscar Niemeyer, 1987

No lusco-fusco da volta, nos fez parar sob o Minhocão, onde desceu, olhou pra lá, pra cá e, maravilhado, exclamou: que coisas incríveis podem acontecer aqui, vejam como esse lugar é cheio de vida!

Isso, depois de ver aquela desolação daquela enorme “bandeja?onde se dispõem as obras do memorial…

Dez e Poucos

A partir daí, salvo algumas exceções, fui vendo sua (dele?) obra degenerar.

Mais uma vez entramos em rota de colisão, desta vez por causa da nossa Cidade Administrativa.

Publiquei isso, sem o saber, a exatos 33 anos depois do estrondo.

Minha briga, na verdade, era com o rapaz então dirigindo o Estado, mas sempre me espantou como um personagem daqueles, assumidamente comunista, com todo o respeito com que o cercavam, nunca falava não, sempre sabia quando convenientemente se calar para assim fazer sua obra, por mais inconveniente que fosse.

Projeto não realizado para o Palácio da Liberdade. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1968

Às vezes, como aí ao lado (1969), a gente achava até que era brincadeira, que ele jamais imaginaria alguém louco o suficiente para demolir o Palácio da Liberdade pra fazer isso no lugar, mas como Isreal Pinheiro, de uma twinscrapper, muito pouco se diferenciava, e como nós estávamos no auge de uma ditadura, quando, se alguém apenas triscasse, levava chumbo, sinceramente, eu não brincaria e menos ainda arriscaria…

O fato é que passei cada vez mais a questionar algumas de suas mirabolices e de suas justificativas. No nosso Palácio das Artes, por exemplo, onde ele começava justificando não ter outro lugar para fazê-lo que não no nosso já exíguo e mutilado Parque Municipal, sempre estranhei, logo ele que, desde o começo de sua obra, não dispensava um brise soleil, deixar o foyer e as salas de ensaio do corpo de baile rachando ao noroeste sem proteção alguma, até o dia em que achei o projeto lá mesmo, num depósito do teatro, e naqueles desenhos pasmo constatar que a orientação estava errada. Será que ele não foi lá nem uma vez dar uma olhadela, nem que rapidinha, e nem precisaria disso, se bastava ver a posição da Afonso Pena em qualquer mapa da cidade? Fiquei muito, muito assustado.

Não que ele se preocupasse em contextualizar seus projetos ?todos os modernistas eram messiânicos e sempre desprezavam o que antes houvesse ?mesmo porque suas obras, de tão grandiosas, sempre criaram um novo contexto ou dominariam qualquer contexto urbano que fosse, mas, daí a cometer descalabros desta ordem?

Chegando a projetar o mesmo para qualquer lugar?

A Cidade Administrativa, por exemplo. Primeira vez que a vi seria localizada num topo, num arranjo tipicamente niemeyeresco, tudo e a todos dominando. Foi preciso, graças a Deus, que engenheiros demonstrassem que ali não dava, que o custo de criar acessos àquela cidadela compatíveis ao grande afluxo viário inviabilizaria a obra. E eis que, num passe de mágica, o projeto vai parar num brejoso fundo de vale, sem nada tirar, nem por, como se fosse maquete que, de um mesa, foi pro tamborete. Quando vi os desenhos adesivados nos ônibus, comentei que péssima foto-inserção, quem fez não percebeu como estava fora de escala? Hoje, sempre que vou ou volto de Confins, percebo que o erro não foi de quem fez a fotomontagem. Aquilo é um desastre. Meu consolo foi supor que nada mais daquilo era dele, mas da vassalagem, que ele, se pudesse ver, jamais se enganaria daquele jeito, não aceitaria que aqueles dois enormes edifícios passassem de norte-sul para leste-oeste, não deixaria de propor amebas ibirapuerianas interligando-os ao palácio e jamais admitiria que aquela pequena e desproporcional caixinha de talco Royal Briar se fizesse de centro de convivência e vai por aí afora.

¿Hasta Cuándo?
¿Hasta Cuándo?

Niemeyer passou da hora de parar e nem tenho como afirmar se queria ou mesmo poderia tal a enorme flora intestinal a sustentar.

Um absurdo, essa franquia familiar, como que desenterrando das mapotecas coisas recusadas, muitas vezes pelo próprio autor, mexendo daqui, dali, reciclando (mal) o que encontrava, procurando a todo custo manter contínuo o fluxo proporcionado por esta safadeza denominada notória especialização, desenvolvendo mal e detalhando porcamente, sem qualquer escrúpulo, o que o mestre rabiscava.

Na hora em que não mais for possível manter o que em qualquer empresa se chamaria “controle de qualidade? seria a hora de parar.

O detalhamento e os acabamentos do Memorial da América Latina são uma vergonha. Dá dó ver o primitivismo tosco com que foram resolvidos e detalhados os guarda-corpos das rampas ?e as próprias rampas ?do Museu de Niterói, com aqueles policarbonatos alveolares ora num sentido, ora no outro…

Claro que não daria mais para hoje continuar com os requintes de alabastros, cristais belgas âmbar e pilares de inox do Cassino. Mas a singeleza dos detalhes do piso e do forro da capela, a coerência com que dialogavam, a propriedade de cada escolha, na dose certa para não sujar o branco, tudo isso se foi. Só salvou o branco.

Por que a decadência? Será que a resposta pode ser tão simples, ele não mais estar mais no comando?

Às vezes ainda deu certo, como o novo teatro. Ao contrário de Brasília, desta vez assentado num cateto e, da hipotenusa, brotando a nova lingua do Mick Jagger do Ibirapuera.

Centro Administrativo de Minas Gerais. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 2004. Foto: Danilo Matoso

E, no Centro Administrativo de Minas, aí está mais uma vez o coitado, avalizando a mediocridade dos nossos mandatários.

Contratar Niemeyer, depois de 1993, passou a ser garantia de atropelo à Lei de Licitações e Contratos por um artifício que ninguém tinha coragem de retrucar: que aquele senhor, então com apenas 86 anos, era um gênio incontestável.

E tudo ficava mais fácil, e muito mais rápido: nada de concursos, concorrências ou tomadas de preço, processos demorados, frequentemente passíveis de impugnação, acarretando aquilo a que político tem verdadeiro horror – lentidão e auditoria. Ao contrário, resultava no que os fazia, digamos, delirar: não prestar contas nem dar satisfações a quem quer que seja e tudo isso sob chuva de aplausos da mídia e do povo em geral.

Tem obra de Niemeyer neste Brasil pra tudo quanto é canto e, como coelhos, continuaremos a assistir a proliferação desta escorchante e perversa franchising.

Parente é serpente.

Dezembro de 2012.


José Eduardo Ferolla é Engenheiro Arquiteto, Urbanista e
professor da Escola de Arquitetura da UFMG.


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Kenneth Frampton

Stamo Papadaki. The work of Oscar Niemeyer: capa

Mesmo hoje, após mais de sessenta anos, o estudo inicial de Stamo Papadaki sobre a obra de Oscar Niemeyer (o primeiro livro sobre Arquitetura Moderna que comprei) é uma permanente fonte de inspiração para mim. Aquela foi a visão de uma modernidade totalmente diversa, que então, como hoje, era não apenas a apoteose do Movimento Moderno brasileiro mas também, ao mesmo tempo, uma representação simbólica da promessa em curso do Brasil como um todo. Este modelo de uma modernidade completamente distinta e verdadeiramente libertadora seria igualmente bem documentada à época pela principal revista inglesa The Architectural Review, e pela L’Architecture d’Aujour d’Hui. Os editores daquelas revistas apoiaram totalmente o vocabulário neocorbusiano pós-purista de Niemeyer e ajudaram a tornar sua obra conhecida no mundo.

Na tentativa de fazer justiça à contribuição de Niemeyer no auge de sua capacidade ?i.e. a sua brilhante reinterpretação da planta livre corbusiana ?não sabemos o que deve ser mais louvado. O seu gênio evidente e sua simplicidade como o idealizador de um espaço hedonista, ou a infinitamente fluida paisagem tropical que ele inventou em sua colaboração de toda a vida com o paisagista Roberto Burle Marx.

Nesse momento da história, em que nós parecemos perder todo o sentido daquilo que Hannah Arendt uma vez chamou de “espaço da aparência humana? o melhor da obra de Niemeyer sobressai como uma constante lembrança do que significa criar uma representação monumental verdadeiramente articulada do espaço humanista (comparável ao espaço da Grécia Antiga), como no caso do peristilo monumental que embeleza o interior da entrada do Ministério da Educação no Rio de Janeiro.

Algo semelhante pode ser visto na maquete e plantas do edifício sede da Empresa Gráfica O Cruzeiro, de 1949. Não se sabe qual característica mais admirar. Talvez o brilhante rigor tectônico da malha de colunas que, como sistema estrutural, sustenta toda a massa cúbica de onze andares. Ou a habilidade simples e a ingenuidade com que o primeiro e o segundo pavimentos são orquestrados para acomodar, com toda a facilidade, tanto o atendimento ao público no nível do chão, na rua abaixo, quanto o tráfego comercial de caminhões no fortemente carregado segundo pavimento. Acresce que o conjunto seria fechado (pelo menos na proposta) por uma pele de brise-soleil habilmente ritmada. É precisamente neste ponto que duvidamos da cisão ideológica que supostamente divide o rigor da tradição paulista da Escola Carioca de Lucio Costa. Neste trabalho monumental singular, Niemeyer transcende totalmente a aparente divisão entre as duas maneiras brasileiras de pensamento e prática. Este edifício simples, pragmático, mas ainda assim monumental, é o testemunho, no meu ponto de vista, da grandeza abrangente do melhor de Niemeyer, e do mais profundo significado do legado cultural que ele deixa.

Empresas Gráficas

Empresas Gráficas

Por fim, devemos admitir que, à época em que ele voltou sua mão para Brasília, a inspiração de sua melhor obra já havia passado. Por isso, em última análise, ficamos com sua capacidade inicial incomparável. Ela, somada ao compromisso político de suas crenças de 1949, são um testemunho, mesmo agora nessa hora pós-moderna, do chamado libertador original da arquitetura moderna no seu auge.


Kenneth Frampton é arquiteto, crítico e historiador de arquitetura.
Autor de História Crítica da Arquitetura Moderna.


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Homage à Oscar via Stamo Papadaki

Even now after more than sixty years, Stamo Papadaki’s initial study of the work of Oscar Niemeyer (the first book on modern architecture that I ever purchased) remains a source of enduring inspiration for me. This was the vision of a totally other modernity which then as now was not only the apotheosis of the Brazilian modern movement but also at the same time a symbolic representation of the progressive promise of Brazil as a whole. This model of a totally other, truly liberative modernity would be equally well documented at the time by the British leading magazine The Architectural Review and by André Bloc’s L’Architecture d’Aujourd’hui. The editors of these magazines put their full weight behind Niemeyer’s post-Purist, Neo-Corbusian vocabulary and helped to make it nominally available to the world.

In aspiring to do justice to Niemeyer’s contribution at the height of his power?i.e. to his brilliant re-interpretation of the Corbusian free-plan?one does not know quite which to celebrate the most, his evident genius and simplicity as a planner of hedonistic space or the infinitely flowing tropical landscape that he invented via his life-long collaboration with Brazilian botanist-designer Roberto Burle Marx.

At this moment in history, when we seem to be losing all sense of that which Hannah Arendt once called “the space of human appearance? Niemeyer’s finest work stands out as a constant reminder as to what it means to create a truly articulate, monumental representation of humanist space (comparable to the space of ancient Greece) as in the case of the monumental peristyle that graces the interior of the entry to the Ministry of Education in Rio de Janeiro.

Something similar may be witnessed in the model and plans of the Empresa Gráfica O Cruzeiro publishing house printing works of 1949. Herein one does not know which feature to admire most, whether it is the brilliant tectonic rigor of the columnar grid which, as a structural system, sustains the entire eleven storey cubic mass or, say, the sheer skill and ingenuity with which the ground and second floors are orchestrated so as to accommodate, with the greatest ease, both public facilities at the lower grade level and commercial trucking at the heavily loaded second floor. In addition, the whole was to be clad (at least as a proposal) in a brilliantly syncopated brise soleil skin. It is just at this juncture one might have doubts about the implacable ideological schism supposedly dividing the absolute rigor of the Paulista tradition of Artigas from Lucio Costa’s school of Rio de Janeiro. In this singular monumental work, Niemeyer will totally transcend the seeming division between the two modes of Brazilian thought and practice. This simple pragmatic but nonetheless monumental building testifies, in my view, to the comprehensive greatness of Niemeyer in his prime and to the deeper significance of the cultural legacy he leaves behind.

In the end, one has to concede that by the time he turned his hand to Brasilia the felicity of his finest work had already passed. Thus, in the last analysis, we are left with his unmatched initial capacity plus the political commitment of his credo of 1949 that testifies, even now, in this post-modern hour, to the original liberative calling of modern architecture in its prime.


Kenneth Frampton is an architect, architectural critic and historian.
Author of Modern Architecture: a critical history.


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Tradução: Danilo Matoso
Colaboração editorial: Luciana Jobim
Imagens: Papadaki, Stamo. The work of Oscar Niemeyer. 2ed. New York: Reinhold, 1951. (1ed. 1950).

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Oscar Niemeyer 1907-2012 – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2013/01/17/o-brasil-de-luto/ //28ers.com/2013/01/17/o-brasil-de-luto/#respond Thu, 17 Jan 2013 03:38:55 +0000 //28ers.com/?p=8605 Continue lendo ]]> serie-oscar

Oscar de Vianna Vaz

Edifício Niemeyer

Se uma das funções da escrita é também expurgar as tristezas, as linhas que seguem devem reconfortar-me quanto à perda do grande arquiteto Oscar Niemeyer. Cento e quatro anos é pouco. Um sopro, como ele mesmo costumava dizer quanto à duração de uma vida humana. Sua obra, certamente, durará uma eternidade, assim como a lembrança de sua personalidade, na qual se equilibravam de forma amena traços tão contrastantes, como o rigor crítico e a amizade incondicional, a impaciência e a tranquilidade, a acidez e a ternura. Não é de se estranhar, portanto, a convivência harmoniosa na obra do mestre de elementos tão opostos quanto a leveza e o concreto, o movimento de corpos estáticos, o simples e o monumental.

Falar de eternidade quanto à obra de Niemeyer é, porém, de certa forma, contradizê-lo. Pois ele percebia, e seu discurso o comprova, a insignificância e a impotência do homem diante do eterno e do infinito. Talvez seja exatamente esta uma das principais características dos grandes homens: a escolha de parâmetros como a eternidade e a infinitude para balizar suas ações. E, depois, a modéstia: “O mais importante é a vida, os amigos…? Ninguém que tenha compartilhado de sua convivência deixou de ouvi-lo dizer tal frase.

É por isso que acredito que não seja a hora de uma análise técnica ou estética de sua vasta obra. Inúmeros estudiosos da arquitetura já o fizeram, e outros muitos ainda irão tentar preencher as lacunas deixadas pelos estudos já realizados. Nessa hora de luto, em que familiares, amigos e admiradores perdem o chão, melhor falar dos sentimentos oriundos desta falta.

Niemeyer, dentro e fora do Brasil, é sinônimo de criatividade, leveza, alegria, busca de perfeição, beleza. Talvez o que torna mais difícil para os brasileiros aceitar a morte de Niemeyer é que ele fazia parte daquele Brasil de que nos orgulhamos, daquele ao qual nos afiliamos imediatamente, sem hesitação ?o cartão-postal, a foto de viagem, o encantamento perante o belo. É o paradoxo de se dizer brasileiro, conterrâneo, “irmão?de Niemeyer, quando na verdade nos refletimos naquilo que o torna universal, cosmopolita, motivo de orgulho para o mundo. É, portanto, a ausência desse elo entre o Brasil e a humanidade ?no sentido de excelência do humano ?que lamentam os brasileiros com a desaparição do mestre. Felizmente, porém, no caso de grandes artistas, tal elo não se rompe com a morte. Muitas vezes até ele se consolida e se desdobra em outras correntes. Inútil dizer que a grandeza de sua obra e seu lastro, que arrebataram a admiração do mundo inteiro, estendem o sentimento de vazio também pelos lugares por onde ele passou, deixando sua marca.

Quanto a mim, sou arquiteto, belo-horizontino, e tive a sorte de morar, por quase dez anos, no Edifício Niemeyer, na Praça da Liberdade. Nesse período, de 1998 a 2007, não nos cansamos, eu e minha mulher, de abrir as portas da nossa casa aos curiosos, amigos e desconhecidos, leigos e arquitetos, brasileiros e estrangeiros, que quiseram conhecer, por dentro, uma das belas obras que o Oscar nos deixou em Belo Horizonte. Aliás, a cidade é pródiga em obras que encarnam a beleza da arquitetura de Niemeyer. Desde o edifício onde morei até as obras da Pampulha, marco apontado pelo arquiteto como início de sua obra e ponto turístico obrigatório da cidade, não só a admiração mas a comoção é o sentimento que domina o visitante desses espaços ímpares. Digo isso com um certo conhecimento de causa, pois, além de ter experimentado tais sentimentos, presenciei inúmeras reações desse tipo. As turmas de alunos da Escola de Arquitetura da UFMG, trazidas por meus antigos professores, os estrangeiros de passagem, os amigos acompanhados de outros amigos ?a surpresa e o fascínio eram comuns ? o que aumentava nosso prazer em compartilhar o espaço que habitávamos. Imaginem como seria Belo Horizonte sem as obras de Niemeyer, que iluminam a cidade, pululam em nossos cartões-postais e conferem ao belo-horizontino uma referência, um senso de pertencimento a um mesmo lugar, a um mesmo grupo…

Vale, porém, lembrar que a beleza alcançada por Niemeyer em suas obras não era um fim em si, mas uma porta de entrada em um universo arquitetônico de coerência interna, um universo guiado pelo rigor ético e pelo engajamento político de seu criador. O modernismo brasileiro, do qual ele foi o maior representante, foi por ele utilizado como forma de expressar, em sua arquitetura, a esperança de um mundo melhor, compartilhado por todos. Não é por acaso que vemos sua alegria em poder levar ao menos o prazer estético para todos, independente de credo, cor ou classe social. E o período modernista foi também um momento em que o Brasil teve a coragem de propor algo novo, e soube como fazê-lo, contra um destino supostamente inelutável.

Hoje, relembrando alguns pensamentos de Niemeyer, vejo o quanto eles são pertinentes à nossa época e à nossa situação. Refiro-me especialmente aos princípios da amizade, da justiça e da solidariedade. Como arquiteto, não me impeço de enxergar a coerência de tais princípios com sua arquitetura. Arquitetura que o manteve jovem até o fim. Fica aqui, portanto, meu sentimento nesta hora de despedida: Morreu jovem demais!

Texto originalmente publicado, com pequenas alterações, no Estado de Minas do dia 5 de janeiro de 2013, caderno Opinião.


Oscar de Vianna Vaz é mestre em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Raymund Ryan

Alguns anos atrás, o atrevido artista galês Cerith Wyn Evans fotografou o interior da Catedral Metropolitana projetada por Oscar Niemeyer para a área central de Brasília. Nessas imagens, um vazio em forma de vórtice é inundado de cor e luz; anjos esculpidos por Alfredo Ceschiatti parecem voar na rede modernista de concreto e vidro de Niemeyer. Ou estaria a estrutura iluminada de Niemeyer de fato girando sobre as figuras que pairavam, congeladas momentaneamente no espaço e no tempo? Na minha experiência, os melhores projetos de Niemeyer instigam tais pensamentos sobre movimento, exploração, dança. Cinestesia concreta.

 Brasilia 01.09.04

Cerith Wyn Evans
Brasilia 01.09.04
2006
C-print
Paper size: 25.4 x 30.5 cm
© Cerith Wyn Evans
Courtesy White Cube

Na mesma época, tive a oportunidade de visitar Brasília. Vim da Irlanda para apresentar uma conferência sobre a arquitetura contemporânea irlandesa, um tema de certo modo irônico já que diversos dos edifícios irlandeses caberiam integralmente no interior dos espaçosos saguões dos projetos autorais de Niemeyer. Eu nunca tinha visto um edifício de Niemeyer “em carne e osso?e tinha minhas dúvidas sobre as realizações do mestre. Essa reação, a um só tempo emocionada e cética, é evidente em um breve artigo publicado em Irish Architect em Dublin.

Contatos posteriores com o trabalho de Niemeyer me atraiam para suas qualidades. Aos 7 minutos e 20 segundos do filme Orfeu Negro (1959), encontramos o Ministério da Educação e Saúde Pública, projetado por uma equipe que incluía Le Corbusier e um jovem Oscar. A câmera registrou a chegada de Eurydice, interpretada pela atriz nascida em Pittsburgh Marpessa Dawn, e seu percurso através do centro do Rio. Repentinamente vemos a silhueta da laje retilínea do Ministério contra o céu azul. A câmera move-se para os heróicos pilotis onde Eurydice, com seu vestido branco virginal, serpenteia através da ensolarada praça modernista e seu paisagismo por Roberto Burle Marx.

Recentemente, viajei de Pittsburgh, onde hoje trabalho, para Belo Horizonte. Lá vi obras  impressionantes de Niemeyer dos anos 50. O destaque foi um passeio pelos quatro pavilhões edificados por Niemeyer ao redor da Lagoa da Pampulha, edifícios sociais com deliciosas formas esculturais e uma continuidade espacial entre interiores e o mundo exterior da natureza. Fotografias de Luisa Lambri revelam a intimidade dos pavilhões de Pampulha; dificilmente alguém não se entusiasma com o puro deleite que esses pequenos edifícios oferecem. Várias das imagens de Lambri foram exibidas aqui no Carnegie Museum of Art em 2006, apresentadas sob a instalação de Ernesto Neto  Okitimanaia Ogu ?um grande brasileiro junto a outro.

Untitled (Casino, #09),  2003

Luisa Lambri
Untitled (Casino, #09),  2003
Lasrechrome print mounted on Plexi
Edition of 5 + 1 AP
unframed: 110.5 x 132.7 x 0 cm
Courtesy of the Artist and Marc Foxx, Los Angeles

 

Os Estados Unidos e Niemeyer tiveram um relacionamento tortuoso. Ele e Lucio Costa, é claro, realizaram o pavilhão temporário para o Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque em 1939. Tendo o visto recusado por motivos políticos, Niemeyer nunca viu a casa que ele projetou no início dos anos 60 para o cineasta Joseph Strick em Santa Monica; felizmente, a propriedade foi meticulosamente restaurada por Michael e Gabrielle Boyd. É o trabalho de Niemeyer no projeto da Sede das Nações Unidas em Nova Iorque que lhe assegura um legado norte-americano. Os visitantes hoje podem apreciar uma evocativa vista do complexo das Nações Unidas desde o FDR ?Four Freedoms Park ?inaugurado no último mês de outubro a partir de desenho de um dos mais importantes arquitetos contemporâneos de Niemeyer, Louis I. Kahn.

Visitando-se o www.mapquest.com e buscando-se “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? encontra-se uma propriedade longilínea com duas piscinas e diversas estruturas alongadas para sul para mirar para o Mediterrâneo. Esse paraíso projetado para a família de editores Mondadori é praticamente invisível desde a rua. Na última primavera meu avião para Nice sobrevoou o lugar de modo que parecíamos flutuar, momentaneamente, sobre a piscina biomórfica à beira-mar. Eu me lembrei da visita à casa de Niemeyer em Canoas com sua rocha aparente, sua delgada laje de cobertura e sua sedutora piscina; tão sedutora de fato que fiquei tentado a me despir e mergulhar.

O legado ou desafio de Oscar Niemeyer aos arquitetos reside em como lidar com o planejamento crítico e o projeto de edifícios, tanto em termos sociais e técnicos, sem se esquecer de buscar o prazer na vida.


Raymund Ryan é curador do Heinz Architectural Center Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
Sua exposição atual é White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Homage to Oscar : a Niemeyer Montage

A few years back, the cheeky Welsh artist Cerith Wyn Evans photographed the interior of the Metropolitan Cathedral designed by Oscar Niemeyer for the centre of Brasilia. In these images, a vortex-like void is infused with colour and light; angels sculpted by Alfredo Ceschiatti appear to fly in Niemeyer’s modernist net of concrete and glass. Or could it be that Niemeyer’s flared structure is in fact rotating about the levitating figures frozen momentarily in space and time? In my experience, Niemeyer’s best projects instigate such thoughts of movement, exploration, dance. Concrete kinaesthesia.

Around the same time, I had the opportunity to visit Brasilia. I made my way from Ireland to give a talk about contemporary Irish architecture, a topic not without irony as many of the Irish buildings would fit in toto within the spacious foyers of Niemeyer’s signature projects. I had never seen a Niemeyer building “in the flesh?and had mixed feelings about the master’s achievements. This reaction, being simultaneously thrilled and sceptical, is evident in a brief article I contributed to Irish Architect in Dublin.

 Subsequent exposure swayed me to the merits of Niemeyer’s work. 7 min 20 sec into the film Orfeu Negro (1959), we find the Ministry of Education and Health, designed by a team including Le Corbusier and a young Oscar. The camera has tracked the arrival of Eurydice, played by Pittsburgh-born Marpessa Dawn, and her tentative progress through downtown Rio. Suddenly we see the taut slab of the Ministry silhouetted against a blue sky. The camera pans down to heroic pilotis as Eurydice, in her virginal white dress, sashays across the sunny modernist plaza with its landscaping by Roberto Burle Marx.

More recently I flew from Pittsburgh, where I now work, to Belo Horizonte and saw impressive interventions there by Niemeyer from the 1950s. The highlight was a tour of four pavilions erected by Niemeyer around the lake at Pampulha, social buildings with delicious sculptural form and flow of space between indoors and the external world of nature. Photographs by Luisa Lambri reveal the intimacy of the Pampulha pavilions; one cannot but be enthused by the sheer joy of these smaller projects. Several Lambri prints were exhibited here at the Carnegie Museum of Art in 2006, arranged beneath Ernesto Neto’s installation Okitimanaia Ogu ?one great Brazilian hanging with another.

The United States and Niemeyer had a rather tortuous relationship. He and Lucio Costa realised of course the temporary pavilion for Brazil at the New York World’s Fair in 1939. Refused visas on political grounds, Niemeyer never saw the home he designed in the early 1960s for filmmaker Joseph Strick in Santa Monica; happily, that property has been meticulously restored by Michael and Gabrielle Boyd. It is Niemeyer’s role in designing the United Nations in Manhattan that ensures him a US legacy. Visitors now enjoy an evocative view of the UN complex from the FDR Four Freedoms Park inaugurated this October to designs by one of Niemeyer’s greatest contemporaries, Louis I. Kahn.

 If you go to www.mapquest.com and search for “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? you’ll find an elongated property with two swimming pools and several structures stretching south to overlook the Mediterranean. This paradise designed for the Mondadori publishing family is almost illegible from the road. Last spring my plane into Nice banked above the site so that we seemed to hover, momentarily, above the biomorphic sea-side pool. I was reminded of my visit to Niemeyer’s home at Canoas with its exposed rock, wafer-thin canopy roof, and enticing pool; so enticing in fact I was tempted to strip and plunge right in.

 Oscar Niemeyer’s legacy or challenge to architects is to grapple with critical planning and construction projects, in both social and technical terms, without forgetting to take pleasure in life.


Raymund Ryan is Curator, The Heinz Architectural Center, Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
His current exhibition is White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Tradução: Carlos Alberto Maciel
Colaboração editorial: Danilo Matoso

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Kenneth Frampton

Oscar Niemeyer, Cassino da Pampulha. Belo Horizonte, 1941. Foto: Adriano Conde

Para mim, como para André-Bloc, da L’Architecture d’Aujourd’hui, Niemeyer foi sempre o arquiteto a representar a promessa da América Latina. Ele é a figura única que transformou o legado da plan libre de Le Corbusier num novo tipo de espaço hedonista que se fundia à paisagem. Nesse sentido, sua perspectiva libertadora, no seu auge, era inseparável da visão de mundo de Roberto Burle Marx. Como Alvar Aalto, ele foi um arquiteto que seguiu as primeiras incursões dos chamados pioneiros do Movimento Moderno, e ao fazê-lo introduziu no discurso moderno um conceito mais sensível da racionalidade a serviço do humano. Isso, junto a seu programa político libertador, garantirá a crescente importância cultural de seu trabalho no futuro.


Kenneth Frampton é arquiteto, crítico e historiador de arquitetura.
Autor de História Crítica da Arquitetura Moderna.


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On Niemeyer

For me, as for Andre-Bloc of L’Architecture d’Aujourd’hui, Niemeyer was always the one architect who represented the promise of Latin America. He is the one figure who transformed the legacy of Le Corbusier’s plan libre into a new kind of hedonistic space that fused into the landscape. In this regard his liberative vision, in its prime, was inseparable from the worldview of Roberto Burle Marx. Like Alvar Aalto he was an architect who followed on the first excursions of the so called pioneers of the Modern Movement and so doing introduced into the receive modern discourse a more sensuous concept of rationality in the service of the human subject. This together with his liberative political agenda will guarantee the increasing cultural significance of his work in years to come.


Kenneth Frampton is an architect, architectural critic and historian.
Author of Modern Architecture: a critical history


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Tradução: Danilo Matoso Macedo

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Maria Elisa Costa

Oscar Niemeyer, Lucio Costa, "Leleta" e Maria Elisa Costa, Anita Baldo e Anna Maria Niemeyer. A bordo do "Pan America", chegando a Nova York, abril de 1938. Foto: Casa de Lucio Costa

Pela circunstância de ser filha de Lucio Costa, conheci Oscar tão pequena que nem sei se as lembranças que tenho são de fatos ou de fotos. Foi em Nova York, quando foram projetar o Pavilhão do Brasil para a Feira Mundial de 1939.

Nas trajetórias dos dois, houve quatro interseções, e o Pavilhão do Brasil foi a terceira delas. A história é conhecida: houve um concurso para o projeto, Lucio ganhou o primeiro lugar e Oscar o segundo. Ao perceber no projeto de Oscar ingredientes novos, sobretudo em relação à liberdade da implantação do edifício, Lucio o convidou para juntos elaborarem, em Nova York, um terceiro projeto, que revelou ao mundo que ao sul do Equador alguma coisa inesperadamente rica estava acontecendo.

A interseção precedente ocorreu no edifício do antigo Ministério da Educação e Saúde, hoje Palácio Capanema, projetado em 1936 e ainda em construção por ocasião da Feira Mundial de Nova York.. Houve um concurso para o projeto da sede. do ministério recém criado, cujo titular era o mineiro Gustavo Capanema, homem sensível e inteligente. Insatisfeito com o resultado do concurso, pagou os prêmios mas o anulou, e convidou Lucio Costa pessoalmente para fazer o projeto. Lucio houve por bem montar uma equipe, e além de seu sócio, Carlos Leão, convidou Afonso Eduardo Reidy e Jorge Moreira, que haviam participado do concurso, Ernani Vasconcellos, a pedido de Jorge Moreira, de quem era sócio, e Oscar Niemeyer (que na época estagiava no seu escritório).

Consciente de que aquela seria a primeira oportunidade mundial de se construir um edifício de grande porte de acordo com a doutrina de Le Corbusier, Lucio recusou-se a começar a obra sem o aval do mestre. Capanema terminou por levá-lo ao Catete, para que pleiteasse a causa diretamente com o presidente Vargas. Diante da apaixonada insistência do jovem arquiteto, Getúlio acabou concordando: ?em>Se é tão importante assim, tragam o homem!?E o “homem?veio de Graff Zepelin, permanecendo no Rio por quatro semanas e tendo à sua disposição um moço discreto que desenhava bem, chamado Oscar Niemeyer Soares.

A terra fértil do talento de Oscar recebeu ao vivo a semente corbuseana, e com a liberdade do trópico gerou belos frutos, livres e saudáveis, que deixaram marca definitiva no sotaque brasileiro do movimento moderno ?Lucio costumava dizer que Le Corbusier era a força, Mies Van der Rohe a elegância, e que o Oscar introduziu a graça.

A presença dele no escritório que Lucio tinha com Carlos Leão em 1935, foi a primeira interseção direta entre as trajetórias dos dois. Era uma época de trabalho escasso, já que a clientela antiga queria casas “de estilo?que ele já não fazia mais. Assim, quando Oscar procurou o escritório, lhe foi dito que não havia condições de contratá-lo. A surpreendente resposta foi nada menos do que ?em>então eu pago para trabalhar?/em>! Ficou acertado que evidentemente ele não pagaria, e que frequentaria o escritório pelo tempo que quisesse, como uma espécie de estagiário, sem remuneração. Assim, quando houve o episódio do Ministério, ao saber que o sócio do Jorge Moreira seria incluído na equipe, Oscar reivindicou a sua própria inclusão, o que, a meu ver, revela o quanto, desde então, já tinha plena consciência do seu talento.

Vinte anos depois do Ministério, aconteceu Brasília, o último encontro profissional entre Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

Lucio “inventou?a nova capital absolutamente sozinho em casa, e ganhou o concurso público para o plano piloto da nova capital. Na concepção da parte monumental da cidade, onde determinou a implantação dos prédios e a volumetria construída, ele já sabia contar com a excepcional ?e indispensável ?presença da arquitetura do Oscar na tradução arquitetônica dos edifícios. É incrível que a Praça dos Três Poderes não seja fruto de uma só cabeça, como à primeira vista se poderia imaginar, mas da soma de duas personalidades tão diferentes, mas unidas pela convicção com que ao longo da vida batalharam pela qualidade da arquitetura brasileira.

A meu ver, Oscar é o único artista plástico popular do século XX, não apenas no sentido da sedução instantânea que sua arquitetura exerce sobre as pessoas comuns, mas pela liberdade com que é assimilada, incorporada e recriada por essas pessoas.

E com o passar do tempo, a coerência das suas convicções políticas, a sua generosidade, seu amor ao Brasil e o seu jeito de ser, tão completamente carioca, o tornaram um personagem querido em todo o país, uma referência “do bem? independente do vulto e do valor da sua obra.


Maria Elisa Costa


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Oscar Niemeyer 1907-2012 – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2012/12/20/oscar-niemeyer-em-belo-horizonte-muito-ainda-que-ser-dito/ //28ers.com/2012/12/20/oscar-niemeyer-em-belo-horizonte-muito-ainda-que-ser-dito/#respond Fri, 21 Dec 2012 01:13:56 +0000 //28ers.com/?p=8230 Continue lendo ]]> serie-oscar

Danilo Matoso Macedo

Croquis de Oscar Niemeyer alusivo à sua participação no projeto da sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1936, com a colaboração inicial de Le Corbusier.

Parece que tudo já foi dito sobre Oscar Niemeyer ?parafraseando Drummond.

Assim seria se o mestre centenário, como um deus mitológico, não teimasse em assumir forma humana e descer à terra das obras monumentais para, com astúcia e poder, subtrair aos arquitetos locais a possibilidade de primazia em suas próprias gerações. Sua lição profissional, na verdade, sempre foi a da vitalidade que pulsa na lavra cotidiana dos assuntos do ofício da arquitetura. Por mais que seu traço leve teime em ocultar o peso dessa maturidade, ela é visível nas hábeis soluções de planta, na escala humana, na inteligente implantação de suas obras em Belo Horizonte.

E sempre há algo mais que ser dito sobre a obra de Oscar Niemeyer.

A capital mineira oferece um ponto de vista privilegiado para uma visão panorâmica do trabalho do arquiteto. Está próxima do Grande Hotel de Ouro Preto, obra de 1938 fundamental na constituição de um doméstico, tátil e multicolorido nativismo moderno, por assim dizer, com uma articulação de materiais recorrente em sua trajetória profissional de quase oitenta anos. A profícua relação com Juscelino Kubitschek prefeito se iniciaria em Pampulha, no início da década de 40, com a casa do estadista, o Cassino, a Casa do Baile, o Iate Clube, o Golfe Clube e a Igrejinha. Ela amadureceria dez anos depois com Juscelino governador, nos edifícios da Praça da Liberdade e da Praça Sete de Setembro, e no Colégio Estadual Central. Ela chegaria ao ápice em 1957, evidentemente, nos edifícios de Brasília.

Na Capital Federal, a arquitetura de Oscar Niemeyer atingiria um alto nível de concisão formal e conceitual, a que ele cada vez mais se afeiçoaria. Se os volumes puros do Colégio Estadual Central já prenunciavam esse viés, ele pode ser bem apreciado nos espaços abertos encimados por vigas de concreto aparente no Pampulha Iate Clube e, mais recentemente, na alvura da Cidade Administrativa, talho purista na periferia da cidade que ocupação humana agora talvez comece a cicatrizar.

Niemeyer tratou de aquilatar pessoalmente suas realizações, à frente da revista Módulo, que circulou ?com um hiato de onze anos ?desde 1955 até o final da década de 80. Além de seus projetos e de outros arquitetos brasileiros, a revista trouxe à tona seu profícuo discurso escrito, iniciado com uma vigorosa campanha explicativa simultânea à construção de Brasília. Uma energia que infelizmente aos poucos esmaeceu ?após a Módulo ?numa coleção de anedotas e máximas articuladas em textos invariavelmente similares, que em todo caso bem servem para neutralizar o achaque das centenas de admiradores e dos críticos. O escritório de Niemeyer em Copacabana, de fato, parece ser parada obrigatória de toda celebridade do mundo da arquitetura que aporta no Rio de Janeiro, e espalhados nas mesas da sala de recepção encontram-se diversos livros com obras dos maiores arquitetos do mundo no último século, sempre com dedicatórias de seus autores. Trata-se de um reconhecimento refletido não apenas nos prêmios internacionais que recebeu, como também nas dezenas de trabalhos realizados em diversos países.

A influência de Oscar Niemeyer na arquitetura mundial é ainda imensurável. Cabe-nos agora documentar não apenas o rico acervo que o mestre vem deixando, como registrar a notável habilidade de muitos de seus colaboradores, de modo a atenuar o seu ofuscamento pelo brilho de nosso arquiteto maior. Desde Nauro Esteves, responsável pelo desenvolvimento das obras dos anos 50 em Minas Gerais; passando por Milton Ramos, que trabalhou na obra do Palácio do Itamaraty, e depois viria a ser autor do projeto do Aeroporto de Confins; até o pernambucano Glauco Campello, responsável por obras em Brasília e na Itália. Isso sem esquecer os engenheiros Joaquim Cardozo e Marco Paulo Rabello ?um responsável por grande parte dos cálculos estruturais, e outro à frente da construção de muitas das melhores obras. Estes são apenas alguns entre dezenas de profissionais hoje espalhados pelo mundo e com destacadas carreiras autônomas.

E sempre haverá algo mais que ser dito sobre a obra de Oscar Niemeyer.

Brasília, abril de 2012
Texto publicado originalmente, com pequenas alterações, na edição de maio de 2012 da revista Encontro, de Belo Horizonte.


Danilo Matoso Macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: danilo@mgs.28ers.com | www.danilo.28ers.com


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Eduardo Pierrotti Rossetti

Praça dos Três Poderes. Foto: Eduardo Rossetti

Longe de qualquer traço de ironia, o título acima traduz certa surpresa e contém outra dose de acaso. O fato que é que eu participei do velório de Oscar Niemeyer no Palácio do Planalto em Brasília. Eu gostaria de ter participado do velório do Ayrton Senna e me lembro da comoção que foi o enterro de Tancredo Neves, mas nunca imaginei que participaria de um tal fato histórico, mesmo sabendo que o falecimento de Niemeyer estivesse se tornando algo ainda mais eminente nas últimas semanas.

Ontem, dia 5 de dezembro, era uma data em que somente havia a lembrança da data do aniversário de Lina Bo Bardi. Quando soube do passamento de Niemeyer me lembrei da conversa telefônica que havia travado com uma amiga em que comentava que o estado de saúde de Niemeyer me parecia mais triste do que preocupante, pois sua lucidez devia lhe informar que ainda estava numa U.T.I., etc, e segui a conversa lembrando que Lucio Costa havia falecido num contexto cotidiano, de maneira suave. Mas não foi assim que a “a Indesejada das gentes?chegou (…e nesse assunto sempre me lembro de meu avô que tinha paura de morrer em hospital!). Pois bem, quando soube, havia acabado de corrigir trabalhos universitários, justo quando uma chuva intensa e rápida caiu na ponta da Asa Norte. Desliguei a música, fiquei quieto, fui pra varanda olhei as poucas estrelas entre as nuvens e me sentei numa poltrona.

Fiquei pensando nas duas vezes em que havia visto Niemeyer (1996 e 2009), no fato de eu ter me tornado arquiteto com ele na ativa, que aos 89 anos inaugurava o Museu em Niterói e dominava novamente as páginas de revistas, mostrando seu domínio e sua condição plena de trabalho. Em 1996, Niemeyer fez uma palestra memorável no Salão Caramelo da FAU-USP, para milhares de estudantes: ele andava de um lado para outro, desenhava e dizia frases já conhecidas, mas era o próprio gênio, ali, a alguns metros, que impressionava e impactava a todos com sua agudeza, com sua precisão e com sua plenitude. Depois, em 2009, acompanhando o arquiteto Andrey Schlee —então Diretor da FAU-UnB?numa palestra de Niemeyer para os estudantes, ocorrida num de seus edifícios em Niterói! A lucidez parecia intacta, e mesmo que o vigor físico não fosse o mesmo, ele, qual Beethoven, continuava a vislumbrar novas obras, novas formas, projetos em diferentes países, produzindo, inventando ou re-inventando!

Segui pensando, folhei um livro, olhei outros, ponderei tomar um whisky, mas nada interessava muito. Vingou mais meia hora de silêncio que foi quebrada pela versão instrumental de Veleno, de Marina Lima, seguida de Take Five, de Dave Brubeck, repetida umas cinco vezes e, finalmente, muitas faixas de Tom Jobim. Imagina, imagina... e o Trem Azul trouxe outras memórias, ideias soltas, frases esparsas: coisas que havia conversado com os alunos, desenhos, a lembrança da primeira vez que vi a Pampulha, a primeira vez que vim a Brasília, as anotações em desenhos do acervo do Itamaraty, fotos dele durante a construção da cidade, a visita ao Planalto em obras em 2010 quando, por dever de ofício, pude subir e descer a rampa…

Vai tua vida...

Morar em Brasília recuperou lições de arquitetura, me fez reler artigos, repensar questões da história da arquitetura brasileira, repensar escalas, espaço e técnica. De certo modo, morar em Brasília faz Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Darcy Ribeiro e tantas outras pessoas se tornarem menos abstratas e mais próximas. Sei que ver Niemeyer está longe de conhecer Niemeyer e nunca tive tal ilusão, mas me sentia particularmente feliz com estes dois encontros. Entre imagens e lembranças, tudo ampliava a presença dele, revigorava o mito, mas apontava indagações que sempre são importantes de serem recobradas para não perder o prumo do senso crítico: o que e a obra que ele deixa? Como é a trajetória deste sujeito? Que obras ele leu? Que arquitetos ele estudou, de fato? Como era seu diálogo com Lucio Costa? …com Juscelino? Indagações para as tantas histórias a serem formuladas.

Tudo isso reafirmava uma outra certeza: nós, arquitetos, historiadores e pesquisadores de arquitetura temos muito, muito trabalho pela frente! Há muito que descobrir e revelar de Oscar Niemeyer e de sua vastíssima e complexa arquitetura. Este foi um dos comentários que pude verbalizar hoje para um jornalista durante o velório. Se o enfrentamento crítico de sua obra vem sendo construído com maior intensidade nos últimos 10, 15 anos —através de artigos, dissertações e teses?a grande questão que se coloca agora, com urgência, é: abram os arquivos! Deve haver croquis inimagináveis para projetos em lugares e momentos históricos inacreditáveis, casas desconhecidas, obras não construídas ao redor do mundo. Enfim, um Oscar Niemeyer tão potente e instigante quanto aquele que, hoje, julgamos conhecer.

Biografias são mais que necessárias, ao mesmo tempo em que as questões que sua arquitetura provocam e fazem pensar, sua obra precisa ser objeto de um amplo debate pelos arquitetos e urbanistas, articulando-se com outros campos do conhecimento. Pensar e repensar Niemeyer poder ser muito importante pare pensar e repensar o Brasil. O respeito por Oscar Niemeyer e o interesse por sua arquitetura transcendem, em muito, um âmbito profissional específico. Tão conhecido como Pelé, tão genial quanto Michelangelo e talvez tão citado quanto Freud(!), vale lembrar o comentário de um taxista ou a deferência do frentista do posto de gasolina no Eixinho, que acenava para o cortejo que conduzia seu corpo ao palácio.

Não tenho informações sobre quantas pessoas passarem pelo Palácio do Planalto, não sei qual o tamanho da fila na Praça dos Três Poderes, não acompanhei a repercussão na imprensa internacional, não sei quantas twittadas foram “arremessadas?ou como as redes sociais se comportaram desde que seu falecimento foi anunciado. O que sei é que o gesto da Presidente Dilma Rousseff ao abrir o palácio e realizar o velório de Oscar Niemeyer em Brasília, redime a cidade da malograda comemoração de seus 50 anos. Mais que uma visão de estadista ou o reconhecimento do arquiteto que a liturgia do cargo poderia incitar, este convite parece traduzir seu apreço pela cidade.

Bandeiras a meio-pau

Desde que soube que o velório em Brasília seria no Planalto, fiquei atento ao funcionamento do “evento? movimentação da Esplanada, policiais monitorando a Plataforma Rodoviária, helicópteros, comitivas, rol de nomes para entrar, credenciais. Ao chegar ao Planalto por volta de 14:30h já havia muita movimentação. Contudo, a chegada do corpo de Oscar Niemeyer ao palácio ocorreu sob um silêncio respeitoso e profundo, que só foi acentuado pela balbúrdia desnecessária dos jornalistas que acompanhavam o cortejo. Mesmo sabendo um pouco do protocolo, o entra-e-sai de carros, o vai-e-vem dos Dragões da Independência indicava o que estava para acontecer, inclusive porque enquanto os boatos corriam, enquanto o sinal da internet permanecia fraco! O carro do Corpo de Bombeiros estacionou em frente à rampa, o caixão desceu e assim que começou a subir a rampa houve uma salva de palmas seguida de silêncio para sua entrada no salão do palácio. Em alguns momentos, a Presidente ficou bem próxima à porta de acesso, parecendo tão ansiosa quanto eu e quanto todos aqueles —arquitetos, jornalistas, fotógrafos, estudantes, funcionários e curiosos?que estavam entre as colunas do Planalto, na sombra, aguardando.

Depois da chegada do caixão e do horário reservado, haveria uma espera para que fosse possível entrar e participar enfim do velório propriamente dito. A fila oficial já se formava na Praça dos Três Poderes, mas decidi ficar ali e aguardar na sombra. Por uma situação fortuita e para minha sorte, junto com outros dois arquitetos, entrei no Palácio do Planalto. Assim que a porta do elevador se abriu reconheci algumas pessoas, me situei na logística da organização dos espaços. Entre conversas, comentários, acenos e apertos de mão e engatei a fila certa para ver Oscar Niemeyer pela última vez.

Lá de cima, do salão, avistava-se muita gente na Praça. Ao sair do palácio, cruzei a Praça, vi estudantes, encontrei conhecidos, reparei no espírito cívico que emanava daquela fila formada sob o sol, mas também vi expressões de curiosidade e respeito de quem foi lá. Ao invés de tomar um táxi, resolvi subir toda a Esplanada caminhando, parei para comer um pastel próximo ao Ministério da Cultura, fato que ajustou o tempo da caminhada para que eu pudesse ouvir os sinos dobrando ao passar pela Catedral! Hoje, durante todo o dia o céu de Brasília esteve lindo: azul celeste-puro, com nuvens variadíssimas, numa profusão de formas, armando um jogo imprevisível, sob uma luz potente, emocionante, como a arquitetura de Oscar Niemeyer é.

Brasília, 06 de dezembro de 2012


Eduardo Pierrotti Rossetti
Arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador-pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília


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Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC.

Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Bruno Santa Cecília

Sua casa é bonita, mas não é multiplicável.

Walter Gropius

Como alguém pode falar tanta burrice com ar de seriedade?
Como pode ser multiplicável uma casa que se adapta tão bem ao terreno?

Oscar Niemeyer[1]

01Casa Oscar Niemeyer 01

Para Alfredo Volpi, a inspiração inicial de um fazer artístico não poderia ter outra função se não a de resolver um problema. Pintava para resolver os problemas inerentes da pintura. Para ele, “resolver um quadro?era descobrir as relações formais e cromáticas que proporcionassem as soluções mais harmônicas e equilibradas dentro da maior economia de meios. Revisitar Volpi é manter a consciência de que a arte se realiza no encontro entre a idéia e a matéria. Se na pintura esse encontro é intermediado pela técnica ou capacidade de execução do artista, na arquitetura ?se a entendemos também como arte ?esse intermédio se dá através do domínio do arquiteto sobre o sítio e sobre a construção. Portanto, fazer arquitetura é resolver os problemas da construção e de sua relação com o lugar para abrigar a vida. É nesse sentido que devemos procurar seu sentido artístico.

Os procedimentos arquitetônicos aproximam-se dos procedimentos artísticos ao mobilizar esforços e recursos para a concretização de uma situação particular. Neste sentido, a arquitetura pode ser entendida como uma resposta específica a uma conjuntura física, social e espacial muito singular. A impossibilidade da reprodução desta conjuntura determina os limites de reprodução da própria arquitetura.

Portanto, a qualidade artística da obra de Oscar Niemeyer não resulta da subjetividade ou da criatividade inata de um “arquiteto-artista? mas da sua capacidade em produzir soluções singulares para problemas da arquitetura. Neste sentido, a Residência de Canoas mostra-se emblemática pela forma inventiva com que articula questões técnicas e de uso dos espaços, com uma inserção cuidadosa no seu contexto físico, para produzir um objeto singular e de inegável qualidade artística.

No projeto de sua primeira residência, construída em 1942, Niemeyer colocava em prática o slogan dos cinco pontos corbusianos, sendo a cobertura inclinada o único desvio em relação ao repertório purista do modernismo europeu dominante. Já no projeto de Canoas, Oscar deixou-se guiar pela situação privilegiada do terreno sem, contudo, negligenciar as outras dimensões da arquitetura. Nestes dez anos que separam as duas obras, é notável a grande mudança não apenas na maneira como o arquiteto agencia as questões determinantes de projeto, mas na própria forma como compreende e produz arquitetura. Se o primeiro projeto é uma transposição adaptada do repertório e dos ideais da arquitetura moderna, a Residência de Canoas é um exemplar único e indicativo de uma postura nova e consistente em relação ao vocabulário da arquitetura moderna européia.

A Residência da Lagoa

Em 1942, Oscar Niemeyer projeta e constrói sua primeira residência no Rio de Janeiro, simultaneamente à realização da Pampulha, em Belo Horizonte. De pequenas dimensões, esta obra integra-se ao conjunto de seus primeiros trabalhos que buscavam adaptar os ideais da arquitetura moderna, proveniente da Europa, ao contexto brasileiro.

Não é tarefa difícil identificar a aproximação deste projeto com as soluções encontradas por Le Corbusier na Villa Savoye, de 1929, onde então demonstrados um a um seus “cinco pontos para uma nova arquitetura? Oscar trabalha, de fato, a partir dos temas do pilotis, da planta livre, da fachada livre, da janela em fita e da promenade architecturale corbusiana.

Fig. 1 ?Residência na Lagoa. Oscar Niemeyer, 1942.  Plantas do térreo, do primeiro e segundo pavimentos. Fonte: CAVALCANTI (2001) Fig. 2 ?Villa Savoye. Le Corbusier, 1929.  Plantas do térreo, do primeiro pavimento e do solário.  Fonte: CORBUSIER (1990)

O pilotis libera área no nível do solo, como propunha Corbusier, e acomoda a casa ao declive do terreno sem a necessidade de grandes movimentações de terra. A planta livre e a fachada livre são resultado do sistema estrutural adotado, o concreto armado, a permitir a independência da estrutura das vedações internas e externas. Ainda que a presença de parte da estrutura no mesmo alinhamento das alvenarias externas comprometa a continuidade da janela em fita, a intenção de realizá-la torna-se clara pela minimização das vedações entre aberturas, bem como pela continuidade das mesmas entre espaços distintos.

O tema da promenade architecturale comparece na Residência da Lagoa tal e qual no projeto de Corbusier em Poissy, como demonstra a solução da rampa interna que conecta os ambientes num percurso cujo gradiente de privacidade se amplia conforme se ascende o espaço, permitindo, ainda, a variação contínua da relação entre fruidor e objeto arquitetônico. Apenas escapa aos “cinco pontos?e ao repertório formal modernista mais difundido o telhado de uma água que impossibilita a laje plana e, conseqüentemente, o terraço-jardim, embora a varanda ofereça a possibilidade de fruição de uma área externa acima do nível do solo. A solução adotada mostra-se, no entanto, mais adequada ao clima tropical brasileiro.

Ainda que Oscar o faça com competência, produzindo grande riqueza espacial através do vazio sobre o estar e a articulação em meios níveis entre pavimentos, o projeto da Residência da Lagoa basea-se na importação de um repertório arquitetônico alheio ao contexto brasileiro, mas que se acreditava possuir validade universal. Temos aqui uma confusão entre forma e conteúdo: ainda que muitos dos princípios da arquitetura moderna fossem em seu conjunto verdadeiramente consistentes e até certo ponto universalizáveis, muitas das formas associadas a eles não o eram. É certo que o arquiteto tinha consciência deste fato, não apenas pela solução que adota para a cobertura, mas pelas suas experiências pregressas em que busca incoporar elementos e técnicas da cultura arquitetônica local, como no projeto do Grande Hotel de Ouro Preto.

Dentro de poucos anos, a experiência de Pampulha tornaria-se um ponto de inflexão na obra do arquiteto, passado a se caracterizar pela constante pesquisa tipológica e pela busca da invenção plástica e formal, ainda lastreadas no contexto físico, nos hábitos de uso e no profundo conhecimento da técnica construtiva. Esta nova postura seria determinante para a realização de sua segunda residência na estrada de Canoas.

A Residência de Canoas

Construída em 1953, a casa das Canoas é, provavelmente, uma das obras primas da arquitetura brasileira. O edifício se desenvolve em torno de uma grande rocha de granito encontrada no terreno que ainda permite uma bela vista das montanhas do Rio de Janeiro. Neste projeto, Oscar desenvolve o tema miesiano do pavilhão de vidro e desfaz a crença de que a integração com a natureza só seria possível através do mimetismo[2]. Em Canoas, Niemeyer reformula um a um o receituário proposto por Corbusier, atuando com liberdade sobre as peculiaridades do programa, do sistema construtivo, bem como aquelas oferecidas pelo terreno.

Fig. 3 - Residência de Canoas. Oscar Niemeyer, 1953.  Planta dos andares principal e inferior. Fonte: MINDLIN (1999)

Se a solução da casa corbusiana sobre pilotis argumentava pela liberação do solo e manutenção das visadas através do edifício, Canoas oferece a riqueza da continuidade espacial entre interior e exterior. Oscar assegura esta continuidade pela diluição do volume que se assenta no nível do terreno. Este efeito é obtido pelo somatório de algumas soluções arquitetônicas:

  1. A localização dos espaços mais íntimos sob o nível de acesso, possibilitando não apenas maior liberdade plástica e transparência dos espaços do andar superior;
  2. A adoção de formas mais livres a abstratas em seus contornos, não apenas para a cobertura, mas também para os planos situados sob ela, evitando a geração de um volume compacto e bem definido. A geração de vazios e espaços de intervalo concorre, ainda, para tornar menos precisos os limites da edificação;
  3. A manutenção do bloco de pedra encontrado no terreno, que passa a organizar os espaços interno e externo, tornando-se o centro da composição e elemento de integração entre eles.

Possibilitado pela técnica do concreto armado, assim como o pilotis, o terraço jardim permitia a multiplicação da área utilizável do terreno e “destacava claramente o edifício do céu por uma linha horizontal pura, sem cornijas nem saliências?a id="_ednref3" href="#_edn3">[3]. Em Canoas a cobertura comparece como uma laje plana de formas livres e sinuosas, geradora de uma área sombreada a proteger os panos de vidro e definir áreas de uso externas. Se, por um lado, esta solução não multiplica o terreno em área, por outro atua ampliando as possibilidades de uso da edificação e de seu espaço exterior. No entanto, a laje dos quartos converte-se ela própria no teto-jardim que se mistura ao plano de acesso à casa. A articulação horizontal do terraço colocado no mesmo nível do pavimento de acesso inegavelmente amplia sua possibilidade uso e fruição em relação ao espaço articulado verticalmente.

Para Corbusier, a planta livre consistia num dos pontos fundamentais da “nova arquitetura? Se nas construções tradicionais as alvenarias deveriam corresponder às necessidades de sustentação do edifício, a técnica do concreto armado permitiu a dissociação plástica e funcional entre estrutura e vedações. Em Canoas, a solução do pavimento de acesso poder parecer enganosamente uma variação menos rígida da planta livre. No entanto, uma análise mais cuidadosa demonstra a não continuidade entre a estrutura deste pavimento e do inferior. O nível dos quartos apresenta uma planta compartimentada, com a estrutura oculta dentro dos planos de alvenaria. Já no nível de acesso, os esbeltos pilares metálicos de seção circular comparecem com a função de sustentar a laje cobertura. Ainda assim, esta também encontra apoio nos planos opacos que configuram o estar e a cozinha. Nesta casa, Oscar se valeu plasticamente da estrutura independente onde melhor convinha ?ou seja, no andar principal – não hesitando em recusá-la onde não se fazia mais necessária ?no andar inferior.

A conquista técnica da estrutura independente permitiu que o invólucro exterior do edifício fosse trabalhado de maneira autônoma na composição de suas massas e aberturas. No entanto, na Residência de Canoas, não temos uma fachada no sentido mais tradicional – um plano vertical ou oblíquo composto de vedações e aberturas ?mas uma alternância entre planos opacos e translúcidos. A sinuosidade e a continuidade dos fechamentos do pavimento superior impossibilitam o reconhecimento de fachadas, no sentido tradicional do termo. Já no pavimento inferior, as aberturas comparecem para proporcionar a iluminação e ventilação adequada aos ambientes, bem como a visão da paisagem. Ou seja, não se percebe nenhuma intenção de composição plástica destas aberturas, unicamente coincidentes com os vãos entre fechamentos verticais.

Para Corbusier, com a liberação do plano da fachada da necessidade de suportar as cargas do edifício, as aberturas poderiam atravessar a edificação de fora a fora, sem interrupções. Embora por vezes tenha sido utilizada unicamente para fins compositivos, a janela em fita permite uma vista panorâmica contínua a partir do interior da edificação. À exessão do quase oculto pavimento inferior, na Residência de Canoas não podemos falar de janelas ou aberturas convencionais. A liberação da vista se dá através da alternância entre planos opacos e translúcidos, conferindo qualidades ambientais distintas à cada porção da casa.

Sobre esta casa, é valioso observar a sutil adequação da orientação das aberturas em relação às vistas e à insolação mais favorável. Da mesma forma, o pavimento em nível inferior ao acesso não apenas soluciona as demandas de uso e de continuidade espacial, mas ainda permite melhor adequar a casa ao declive natural do terreno, minimizando os movimentos de terra. O agenciamento dos espaços, a diferenciar hierarquicamente o pavimento de acesso como mais social e o pavimento inferior mais íntimo, não apenas sugere os modos de usos da residência, mas concorre de maneira fundamental para a sensação de leveza do volume edificado.

A exploração da maleabilidade do concreto armado permitiu a criação da cobertura com formas livres e de grande efeito plástico, a exempla da Casa do Baile, a definir espaços e áreas sombreadas. As qualidades da estrutura de aço comparecem na solução da cobertura para definir pontos de apoio mais leves e esbeltos e valorizar a sinuosidade da laje maciça.

A Residência de Canoas nos ensina que a arquitetura não nasce da manipulação de repertórios formais pré-existentes, muito menos de uma suposta autonomia da imaginação criativa do arquiteto, mas sim do trabalho consciente e inventivo sobre os próprios condicionantes oferecidos por uma situação de projeto. Apesar de sua magnífica qualidade plástica, em nenhum momento a casa parece negligenciar as demandas técnicas, de uso ou de agenciamento do contexto físico. Pelo contrário, sua forma advém exatamente do trabalho consciente sobre essas dimensões.

Canoas, definitivamente, não é uma obra manifesto. Ao contrário, resulta de uma arquitetura que se pretende mais circunstancial e menos ideal.


notas

[1] Cf. NIEMEYER (1998).

[2] Cf. CAVALCANTI, 2001:293.

[3] “Le bâtiment se détache nettement sur le ciel par une ligne horizontale pure, sans corniche ni acrotère.?em>(ITINÉRAIRES D PATRIMOINE. La villa savoye. Paris: Éditions du patrimoine, 1998).).


referências bibliográficas

CAVALCANTI, Lauro (organizador). Quando o Brasil era moderno: guia de arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.

ITINÉRAIRES D PATRIMOINE. La villa savoye. Paris: Éditions du patrimoine, 1998.

CORBUSIER, LE. Ouvre complete. Berlin: Birkhauser Architecture, 1990.

MINDLIN, Henrique. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.

NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo. Rio de Janeiro: Revan, 1998.

WILQUIN, Luce & DELCOURT, André (tradutores). Oscar Niemeyer. Paris: Editions Alphabet, 1977.


Bruno Santa Cecília
Arquiteto urbanista [1999], doutorando e mestre em teoria e prática do
projeto pela Escola de Arquitetura da UFMG [2004], professor nos cursos de arquitetura
da UFMG e FUMEC e sócio-titular do escritório ARQUITETOS ASSOCIADOS.


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Nonato Veloso

Auditório do Colégio Estadual Central, Oscar Niemeyer, Belo Horizonte, 1954. Foto: Danilo Matoso Macedo

Estudar em escolas públicas, por si só, já é bastante confortável, principalmente quando tem boa arquitetura.

Aconteceu comigo, em diversas ocasiões, ou melhor, em todas elas, já que frequentei o Jardim de Infância Bueno Brandão, em Belo Horizonte, um belo edifício Art Nouveau, importado, pré fabricado e já desmontado, para a tristeza daquelas crianças que ali brincaram. Não paguei por isso. Em seguida, cursei o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, com seus espaços generosos, neoclássico, mas as melhores lembranças vem do Colégio Estadual de Minas Gerais, também público, projeto de Oscar Niemeyer de 1953/54, onde passei dos onze aos dezoito anos. Por ali passaram estudantes que depois iriam se destacar seja como vereadores, deputados, prefeito, intelectuais, artistas e empresários de sucesso, além da própria Presidente Dilma. Era o tempo do “Henfil?e do “Irmão do Henfil? que estudaram ali no mesmo período.

Me recordo com muita nitidez daquele tempo, mas principalmente das belas proporções daqueles espaços, do pilotis, da rampa e do auditório “mata-borrão? O edifício era muito visitado, inclusive por delegações estrangeiras, querendo conhecer alguma coisa da obra do arquiteto que já despertava a curiosidade internacional. Também não paguei mensalidades, e devo este período. Cursei arquitetura na UFMG, federal, portanto e, igualmente, saí sem pagar.

Em seguida, me deixaram lecionar na UnB, habitar por vinte anos o edifício do IdA ?Instituto de Artes, Oscar Niemeyer, um exemplo de como um espaço pode ser altamente qualificado dentro de extrema simplicidade, concebido e executado com poucos elementos pré fabricados, permeado por belos jardins, vidros protegidos por beirais, tudo isso dentro de um espaço murado, intimista, nos moldes do atual CEPLAN, da mesma época. Continuo até hoje habitando o ICC, com suas proporções delicadas, seu pés direitos e jardins capazes de transmitir a tranquilidade que parece deixar em seus vazios, os espaços a serem preenchidos com ideias, e não com luxos e supérfluos. De novo, Oscar. Oscar e Lelé juntos.

Nestes casos, a dívida é ainda maior. Além de não pagar, me pagam pra isso…

Depois vem a cidade. Aí a coisa fica bem mais difícil. Circular livremente pela cidade de Lucio e Oscar, me deixa meio sem graça, com aquela sensação de estar furando fila, sei lá. Ver os palácios inéditos que eternizaram a arquitetura brasileira, a esplanada a partir da plataforma da rodoviária, a maior aula de perspectiva de todos os tempos, milimetricamente pensada, no risco e na prancheta, sem Photoshop nem maquete eletrônica, ao vivo e a cores, já é demais, a cidade vira escola, e aí,… não posso pagar. Me desculpem os contribuintes.

Brasília, 7 de dezembro de 2012


Nonato Veloso
Arquiteto e Professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Sylvia Ficher

Niemeyer, eis um arquiteto cuja obra e influência se estende de um século a outro. Em termos quantitativos, difícil encontrar outro com mais projetos executados em toda a história. Em termos de metros quadrados construídos, a sua obra é incomensurável. Em termos temporais, é ele quem ?na companhia de alguns poucos ?determinou a arquitetura mundial nos últimos setenta anos.

A criatividade demonstrada desde o início da carreira, no Ministério da Educação (1936), seguiria em um crescendo, passando pela Pampulha, até as realizações para a Brasília dos primeiros anos. Do Palácio da Alvorada (1956) ao Instituto Central de Ciências da UnB (1962), Niemeyer está no auge da sua inventiva ?para a sorte da jovem cidade.

Mesmo assim, apesar de todo o renome e do forte impacto de seu estilo formalista, Niemeyer tem sido injustiçado quando se trata de reconhecer a sua ascendência sobre outros profissionais mundo afora. E no entanto, já nos anos quarenta o seu escritório havia se tornado local de peregrinação. Por lá passavam profissionais de destaque em seus países, como Norman Eaton, autor do Ministério de Transportes da África do Sul (1944), descrito como “o primeiro edifício público de orientação moderna na África do Sul e também o primeiro que foi diretamente influenciado pela nova arquitetura brasileira, devendo muito ao Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro.”

Em 1948 foi a vez de Helmut Stauch, quem “…viajou ao Rio de Janeiro com a principal intenção de conhecer Oscar Niemeyer e ver o seu trabalho… Quando pouco depois, foi encarregado do projeto da sede do Meat Board, em Pretória, a influência de Niemeyer ficou clara.”[1]

Helmut Stauch, National Meat Board Building, Pretoria, 1951.

O vienense Harry Seidler lá estagiou também em 1948, mudando-se em seguida para Sydney, onde iria se tornar um dos mais prestigiados profissionais da Austrália. Em suas próprias palavras: “Primeiro, e antes de mais nada, deve vir o meu reconhecimento pela inspiração e orientação que recebi na minha juventude de meus mentores Walter Gropius, Marcel Breuer, Josef Albers e Oscar Niemeyer. Eles me deram a fundação sobre a qual desenvolvi meus trabalho ao longo dos anos.”[2]

Seidler and Associates, Residência Meller, Sydney, 1950

Dos Estados Unidos, veio Morris Lapidus. Conforme relatou: “Eu fui ao Brasil em 1949 e, claro, o homem que eu tinha que ver era Oscar Niemeyer, porque ele era um homem que estava fazendo as coisas do jeito que eu pensava que elas deveriam ser feitas… E tenho certeza de que sua influência muito forte está lá no Fontainebleau.”[3]. Atenção, trata-se do célebre Hotel Fontainebleau de Miami, concebido três anos depois.

Morris Lapidus, Fontainebleau Hotel, Miami, 1952

A digital de Niemeyer está impressa até em obras icônicas de Nova York, como o Edifício Lever (1951). Primeiro arranha-céu da cidade a ter uma fachada toda de vidro, “este esplêndido projeto dos arquitetos da Skidmore, Owens e Merrill… foi pioneiro na forma dos edifícios de escritórios comerciais… Um volume simples vertical, com aproximadamente a mesma forma do Ministério da Educação no Rio.”[4]. Sempre em Nova York, veja-se o não menos icônico Lincoln Center (1959-78), de Wallace Harrison. Nada surpreendente a clara referência a Brasília, uma vez que Harrison conhecia sua obra de longa data, tendo sido o responsável pela finalização do projeto das Nações Unidas (1947-53), em cuja concepção Niemeyer teve papel de relevo.

Gordon Bunshaft, Lever House, Nova York, 1952

Para lembrar um arquiteto português, considere-se Pancho Guedes, quem desenvolveu uma obra originalíssima em Moçambique. Sobre suas preferências: “…Apesar de admirar o compromisso de Le Corbusier com a pintura e as formas de seus edifícios, ele não se sentia atraído pela estética da máquina do estilo internacional… Seu temperamento latino respondia mais às formas esculturais e expressivas mais livres dos arquitetos brasileiros como Alfonso Reidy e Oscar Niemeyer…”.[5]

Pancho Guedes, Padaria Saipal, Maputo

Sem falar na releitura de soluções inequivocamente de Niemeyer por seu próprio mestre Le Corbusier. Assim como Niemeyer costumeiramente “niemeyerizava” Corbusier, este também “corbusierizou” Niemeyer. Esta via de mão dupla se estabelece já na Unidade de Habitação de Marselha (1945), alcançando a Maison de la Culture de Firminy (1956) e o Pavilhão da Philips na Exposição Internacional de Bruxelas (1958).

Arrolando nomes, chega-se até o star system dos dias de hoje. Nele, Niemeyer não só preservou sua liderança, como tem seguidores de peso. Zaha Hadid, Frank Gerhy, Santiago Calatrava, Arata Isozaki, Coop Himmelblau, David Libeskind, todos compartilham do seu formalismo, têm todos um débito estético para com ele.

Bernini ditou o estilo da Roma barroca, deixando sua marca na cidade eterna. Niemeyer não apenas ditou o estilo de Brasília, como dita aquele de seu tempo em todo o mundo.

Texto publicado originalmente na edição de 7 de dezembro de 2012 do Correio Braziliense.

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notas

[1] //upetd.up.ac.za/thesis/available/etd-12092008-085230/

[2] //seidler.net.au/?s=office&c=acknowledgements

[3] J. W. Cook e H. Klotz, Conversations with architects, 1973

[4] P. Johnson-Marshall, Rebuilding cities, 1966

[5] //www.guedes.info/abcontfram.htm


Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Oscar Niemeyer recebeu todas as honrarias e homenagens possíveis a um arquiteto em vida. Quando de seu centenário, há cinco anos, a profusão de cerimônias, exposições, publicações foi tamanha, e tanto material foi produzido que é até hoje de difícil apreensão. Após seu falecimento, há duas semanas, o fenômeno vem se repetindo. Novas e antigas matérias vêm reverberando a vida e a obra de Niemeyer em todos os meios possíveis. Poucos apresentam de fato dados novos. A maioria repete o que já se sabe, ou multiplica erros históricos comuns. Praticamente nenhum meio de comunicação, porém, foi indiferente ao fato de que o mais relevante arquiteto brasileiro de todos os tempos havia nos deixado.

A revista MDC não será exceção. Lançamos a partir de hoje uma série em homenagem a Oscar Niemeyer, intitulada Oscar Niemeyer 1907-2012, recolhendo textos de diversos arquitetos que  compartilham conosco seu diálogo com Niemeyer e com sua obra. Visões pessoais, panorâmicas, estudos sistemáticos: interessa aqui não a forma, mas a relação arquiteto a arquiteto, pessoa a pessoa. Cada um, junto a nós, diz o mesmo:

Obrigado, Oscar.


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William J. R. Curtis

Alvorada. Foto: Danilo Matoso

Dizer que Oscar Niemeyer era uma lenda viva é pouco. Sua vida abarcou mais de um século da história universal, e sua carreira levou-o a circular entre o “terceiro mundo” e as nações industriais mais avançadas. Niemeyer deixa-nos aproximadamente seiscentas obras em lugares tão distantes entre si como o Rio de Janeiro e a Argélia, Pampulha e Paris. Muitas delas são obras-primas, como o Cassino da Pampulha (1943) ou a Casa de Canoas (1952), que combinavam o rigor da estrutura moderna, com a fluidez do espaço e da forma, e a sensibilidade para com a natureza. Niemeyer pertenceu ao que às vezes é chamado de “segunda geração” de arquitetos modernos: ele herdou e transformou as descobertas de pioneiros como Le Corbusier e Mies van der Rohe, de modo a lidar com a realidade da súbita modernização do Brasil. Trabalhou juntamente com Lucio Costa e Le Corbusier no projeto para o Ministério da Educação no Rio de Janeiro em 1936, um dos primeiros arranha-céus a ser equipado com venezianas de proteção solar, e um edifício de feição tão nova hoje quanto no dia em que foi construído. Desenvolveu então uma arquitetura que funcionava bem em todas as escalas, da residência individual ao conjunto monumental.  Lidava com questões de monumentalidade e de representação estatal com bastante elegância, como atestam o Palácio da Alvorada e suas demais contribuições à nova capital, Brasília, projetadas nas décadas de 50 e 60 no Plano de Lucio Costa.

Apesar de seu viés moderno e progressista, a arquitetura de Niemeyer incorporou lições do passado e da natureza. Seus perfis biomórficos foram inspirados tanto por Picasso e Arp quanto pela herança barroca brasileira. Ele desenvolveu um estilo que abstraía as formas de rios sinuosos, os contornos da paisagem tropical, e a figura feminina. Sua arquitetura combinava curvas sensuais, a riqueza material e o movimento através de camadas espaciais. Seus edifícios assemelham-se a filtros através dos quais o ar passa, mas o calor e a luz em excesso são excluídos por telas. Na “utopia” de Niemeyer, o homem deveria atingir a harmonia com a natureza por meio da liberação do espaço e do uso da nova tecnologia ?um posicionamento que expressava quase inconscientemente os mitos nacionais brasileiros de progresso e identidade. Niemeyer foi tudo menos ideologicamente coerente: um comunista que fez casas para os ricos, uma catedral, habitação social, e numerosos edifícios para a burocracia estatal. Os mundos para que ele construiu já se foram, mas seus edifícios permanecem, com toda sua intrigante riqueza. Por vezes, próximo do fim, ele caiu no formalismo vazio e na auto-caricatura. Mas sua vasta obra inclui numerosos exemplos de sua fecunda imaginação espacial e sua habilidade em resolver obras em todas as escalas. É como um livro aberto de lições arquitetônicas e princípios. Mais que um conjunto de edifícios, Niemeyer deixa atrás de si um universo criativo capaz de influenciar os demais por muito tempo ainda.

Texto originalmente publicado no dia 7 de dezembro e posteriormente incorporado à série Oscar Niemeyer 1907-2012.


William J.R. Curtis
Historiador e crítico de arquitetura, autor de Arquitetura Moderna Desde 1900

Tradução: Danilo Matoso Macedo


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