ARQBR – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Mon, 29 Apr 2024 14:16:58 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 ARQBR – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 ARQBR – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/07/11/paroquia-sagrada-familia/ //28ers.com/2023/07/11/paroquia-sagrada-familia/#respond Tue, 11 Jul 2023 18:21:06 +0000 //28ers.com/?p=11156 Continue lendo ]]> Por arqbr + Luciana Saboia
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Paróquia Sagrada Família (texto fornecido pelos autores)

?em>Encontrei-me no altiplano, aquele horizonte sem limite, excessivamente amplo. É fora de escala ?como um oceano com imensas nuvens movendo-se sobre ele. Colocando a cidade no meio, nós poderíamos estar criando uma paisagem.”? As palavras de Lucio Costa sobre as percepções e sensações iniciais ao deparar-se com o sítio escolhido para a edificação da Nova Capital do Brasil, Brasília, evoca um dos signos constituintes da concepção urbanística, bem como da representação de suas paisagens: a presença do horizonte. Para além do sentido de organização e orientação, o horizonte expressa a visão do todo e, primordialmente, o vínculo entre o observador e o ambiente, condição necessária ao aparecimento da paisagem.

Fotografia: Joana França

Do gesto projetual à inscrição no território, as quatros escalas – monumental, gregária, residencial e bucólica – assinalam a sensibilidade contemplativa dada à paisagem, a consideração às ambiências urbanas, assim como as distintas formas de tratá-las. Mas será precisamente a escala bucólica, que definirá o caráter de Brasília enquanto cidade-parque, ao evidenciar a proximidade com a natureza intocada e um continuum estético entre espaços habitados, espaços livres, grandes extensões do cerrado, parques, cinturões verdes esparramados ao longo de eixos viários e o horizonte sempre desimpedido.

No processo de expansão urbana iniciado antes mesmo de sua inauguração segundo o modelo de cidades-satélites, o sentido de continuidade e visibilidade do conjunto urbano será dado pelas estradas parques, inspiradas nas parkways de Olmsted e Vaux e projetadas como instrumentos de planejamento regional. Às margens da EPIA, Estrada parque Indústria e Abastecimento, uma das principais componentes do sistema viário radioconcêntrico implantado para resguardar o Plano Piloto idealizado por Lucio Costa, encontra-se o sítio destinado à Paróquia Sagrada Família.

Fotografia: Joana França

Caracterizada por uma exuberante alameda de eucaliptos que emoldurava a entrada da cidade, a EPIA, federalizada em 2004, foi transformada recentemente em via expressa, tendo seu leito principal ampliado e o tráfego de passagem segregado do tráfego local. Com a poda de quase a totalidade das árvores para abrigar vias marginais, o entorno esmaeceu de seu caráter bucólico distintivo, reforçado pelo parcelamento do solo, crescimento extensivo de moradias de alto padrão e grandes empreendimentos comerciais, criando rupturas no tecido urbano e conformando uma paisagem genérica em mutação constante. Assim, a função urbana da estrada, a atenção às qualidades cênicas e a experiência sensível do percurso dão lugar a velocidade, a eficiência e a fluidez sob uma lógica rodoviarista.

Implantação

O partido adotado desdobra-se segundo a relação entre espiritualidade, natureza e comunidade. A espiritualidade comunica-se na religião católica através de seus ritos, celebrações e signos sagrados. O sentido de sagrado permanece e renova-se no contato sensível da natureza, que evoca a presença divina e a integração com o cosmos. Por sua vez, a arquitetura tem sido o espaço privilegiado de manifestação do sagrado por aquele que a ocupa, onde a luz penetra com delicadeza ou o silêncio da pedra manifesta-se no murmúrio das preces. A nave circular traz como conceito esse gesto de acolhimento quando aproxima o altar dos fiéis.

Fotografia: Joana França

A luz natural penetra pelo anel circular da cobertura, transformando a espacialidade interna da nave, disposta meio nível abaixo da cota natural do terreno, o que permite o transbordamento da paisagem através de uma pequena abertura rente a rés-do-chão à medida que preserva a intimidade do espaço interno. Tal visada só é possível pela elevação do volume circular de concreto aparente, suspenso por seis pilares integrantes da estrutura de fundação encaixada na topografia. Ao revelar a presença do horizonte, a arquitetura torna-se elemento constitutivo da paisagem, uma abertura para a dimensão poética do mundo, entrelaçando a realidade material ao olhar de seu espectador.

Corte e detalhe ampliado

Fotografia: Joana França

O traçado gerador do projeto é determinado por dois eixos principais. O eixo noroeste-sudeste interliga a nave circular, o anexo e a edificação existente ao fundo, onde localizam-se as atividades paroquianas. Ao longo de sua extensão, configura-se uma praça linear, um espaço de estar voltado para a cidade, que atua como suporte ao percurso errático daqueles imersos no ato ritualístico ou mesmo ao viajante da estrada, na busca pela suspensão do cotidiano ou de um refúgio dos tormentos do próprio existir. Perpendicularmente, o eixo nordeste-sudoeste preserva a visão contemplativa: o cruzamento da linha do horizonte com o volume vertical do campanário sinaliza e orienta o visitante ou àqueles que à distância passam em grande velocidade na via expressa.

Plantas térreo e subsolo

Pode-se afirmar que o partido arquitetônico sintetiza três premissas fundamentais presentes em Brasília: a implantação edilícia inscrita delicadamente na topografia e sua abertura ao horizonte; a indissociabilidade entre o urbano e sua arquitetura, entre o espaço público e o privado e, por conseguinte, entre a comunidade e o sagrado; e terceiro, a consideração da paisagem enquanto elemento estruturante e fundamental da configuração arquitetônica, reconhecido no tombamento da cidade como patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO.

1 –  COSTA apud SHOUMATOFF. Profiles [Brasília]. The New Yorker. New York, nov. 1980, p. 94.


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Eder Alencar (E.A.)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

E.A. – É uma obra de importância significativa, pois marca o início do ARQBR e possui, em sua concepção, os princípios que nortearam toda a produção posterior do escritório, tais como a definição de eixos que regulam a ocupação do lugar, a relação com a topografia a partir do desenho do chão e o diálogo com a paisagem, tornando-a parte integrante do partido arquitetônico.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

E.A. – Foi uma concorrência fechada, com uma comissão julgadora formada por membros da comunidade, pessoas de diversas áreas profissionais. O projeto vencedor foi escolhido com base em parâmetros estabelecidos pela própria comissão. Cada membro dessa comissão, individualmente, atribuiu suas notas a cada parâmetro e o projeto vencedor foi aquele que atingiu a maior média.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

E.A. – A concepção se deu com total liberdade de proposição, sem interferência do cliente, como em um concurso. O processo foi um tanto linear, sem grandes inflexões. Logo de início, após algumas reflexões, foram estabelecidos os conceitos que norteariam a definição do partido arquitetônico – espiritualidade, natureza e comunidade.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

E.A. – Sim, fizemos a indicação dos profissionais responsáveis pelas demais disciplinas e fomos responsáveis pela coordenação dos projetos. Houve duas mudanças relativas a questões da estrutura, sem, no entanto, alterar o partido estrutural e também relativas a necessidades acústicas, como a adição do ripado de madeira, com tratamento absorvente por trás, e o forro acústico micro perfurado.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra?

E.A. – Tivemos participação durante todo o processo, por meio de visitas semanais à obra e reuniões em nosso escritório. Com o intuito de realizar a melhor técnica, foi constante o diálogo entre os autores do projeto e todos os profissionais envolvidos.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

E.A. – A obra proporcionou à paroquia novas possibilidades para a realização de eventos e de reunião da comunidade, oferecendo um espaço com diversas potencialidades para a cidade. Cabe ressaltar que o anexo e a casa do padre ainda estão em processo de conclusão.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

E.A. – Acreditamos que seria natural, após 13 anos, revisitarmos o partido adotado, sem, no entanto, desviar da simplicidade e daqueles princípios que orientam a nossa prática. Possíveis mudanças se dariam menos na esfera conceitual e mais em proposições técnicas. O aprendizado adquirido ao longo da obra, que se estende até hoje em virtude das dificuldades financeiras enfrentadas pela paroquia, certamente nos conduziria a uma solução estrutural mais econômica.

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

E.A. – A relacionamos com valores que reconhecemos em Brasília, os quais entendemos serem inerentes a uma arquitetura moderna brasileira. O diálogo da edificação com o chão livre e contínuo desenhando uma nova topografia e a presença da paisagem, em Brasília fortemente marcada pelo horizonte e amplitude do céu, como elemento estruturante do partido arquitetônico. Valores presentes nos projetos da Rodoviária do Plano Piloto, na Praça dos Três Poderes e nos prédios residenciais das Superquadras.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

E.A. – A obra da Paroquia da Sagrada Família, em conjunto com a produção geral do escritório, trouxe a reflexão sobre como a obra, ao realizar-se, quando passa do desenho à sua materialização, ganha autonomia. Para além do domínio técnico, inerente às disciplinas de projeto, a obra torna-se objeto da experiência do outro e da coletividade, alcança o ser humano em suas dimensões individual e coletiva.


projeto executivo


PARTE 1:
PLANTAS, CORTES E ELEVAÇÕES

23 pranchas (pdf).
19,50mb


PARTE 2:
AMPLIAÇÕES – ÁREAS FUNCIONAIS

9 pranchas (pdf).
3,49mb


PARTE 3:
ESQUADRIAS E CAIXILHOS

9 pranchas (pdf).
5,76mb


PARTE 4:
MOBILIÁRIOS E OUTROS OBJETOS

19 pranchas (pdf).
7,46mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Brasília – DF
Ano de projeto: 2012 – 2015
Ano de obra: 2019 – 2022
Área Construída: 3.915 m²
Autores: Arq. Eder Alencar, Arq. André Velloso e Arq. Luciana Saboia
Colaboração: Arq. Paulo Victor Borges e Margarida Massimo
Estagiários: Rodrigo Rezende, Pedro Santos e Julia Huff

Arquitetura: ARQBR Arquitetura e Urbanismo
Construção: Técnica Construtora
Estrutura metálica:
Comini Tuler
Estrutura de concreto:
Breno Rodrigues
Instalações:
Alencar Costa
Luminotécnico:
Beth Leite
Acústica:
Síntese Acústica Arquitetônica
Paisagismo:
Quinta Arquitetura, Design e Paisagismo
Conforto Ambiental:
Quali-A Conforto Ambiental e Eficiência Energética

Fotos: Joana França
Contato: contato@arqbr.28ers.com


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

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ALENCAR, Eder. SABOIA, Luciana. VELLOSO, André. “Paróquia Sagrada Família”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., jul-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/07/11/paroquia-sagrada-familia/ . Acesso em: [incluir data do acesso].


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