Arquitetura Moderna Brasileira – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Sat, 27 May 2023 19:41:11 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Arquitetura Moderna Brasileira – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Arquitetura Moderna Brasileira – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2015/02/25/antonio-garcia-moya-um-arquiteto-da-semana-de-22-parte-2/ //28ers.com/2015/02/25/antonio-garcia-moya-um-arquiteto-da-semana-de-22-parte-2/#comments Wed, 25 Feb 2015 04:57:23 +0000 //28ers.com/?p=9055 Continue lendo ]]> ou

la mala suerte

Templo, Antonio Garcia Moya, s.d.

Sylvia Ficher

*

Não farei apologias porque me repugnam de igual maneira diatribes e descompassado louvor.

Mario de Andrade, De São Paulo II, 1920.2

O “Modernismo”, no sentido que lhe deram seus fundadores, pertence hoje ao Passado. Dir-se-ia, pois, falando linguagem cara aos insurrectos de 1922, que virou passadismo. Quer dizer: foi superado. Mas não seria justo nem honesto recusar-lhe importância histórica. Negá-lo seria ingênuo. Como seria tolice repeti-lo.

Peregrino Júnior, O movimento modernista, 1954.

Plunct Plact Zum
Não vai a lugar nenhum!!
Tem que ser selado, registrado, carimbado
Avaliado, rotulado se quiser voar!

Raul Seixas, Carimbador maluco, 1983.

Desconcerto: ainda a prótase

Residência Remo Corsini, Moya & Malfatti, 1938.Afinal, em que consiste o juízo que se estabeleceu sobre Antonio Garcia Moya (1891-1949), juízo este que tanto me incomoda? Num improcedente infortúnio ?para não dizer azarão ?crítico. O que predomina são meras opiniões expostas em comentários superficiais, quando não preconceituosos e intransigentes, assentadas no mais das vezes no vácuo de informações que as fundamentem.De 1922 até a edição entre 1954 e 1955 das “Notas para a história do modernismo brasileiro”, de Mário da Silva Brito (1916-?)3 ?notas essas que dariam origem ao seu Antecedentes da Semana de Arte Moderna em 1958 ? raras são as referências a ele, afora a publicação de uma bela série de projetos de seu escritório, Moya & Malfatti, de fins da década de trinta a inícios da de cinquenta.Ausente está até naquelas notícias que versam diretamente sobre a Semana de Arte Moderna. Juntamente com o de outros expositores e sem comentário algum, seu nome é registrado em matérias de jornal ?meros press releases ?antes e durante a realização do evento, de 13 a 17 de fevereiro. Com um tiquinho de informação, veja-se, por exemplo, “Semana de Arte”, no Correio Paulistano, de 29 de janeiro; “De uma noite a outra” (original em italiano), no Il Piccolo, ou “Semana de Arte Paulistana no Municipal” (original em alemão), no Deutsche Zeitung, ambas de 13 de fevereiro.4

Alguns projetos da Moya & Malfatti na Acrópole.

Residência Reynold King Hughes, Moya & Malfatti, 1938. Residência Reynold King Hughes, Moya & Malfatti, 1938.
Residência Domicio Pacheco e Silva, Moya & Malfatti, 1950. Residência Domicio Pacheco e Silva, Moya & Malfatti, 1950.

22 por 22, a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos, Maria Eugenia Boaventura, 2008.Minimamente mais atento à arquitetura foi Sergio Milliet (1898-1966) em “Une semaine d’art moderne à São Paulo”, artigo publicado dois meses depois na Bélgica e o mais detalhado dentre aqueles da época:

Em arquitetura podemos admirar os templos de Moya e as casas de campo de Przyrembel.5

Templo, Antonio Garcia Moya, s.d. Taperinha na Praia Grande, Georg Przyrembel, 1922.

Lembrado de fato será por Menotti del Picchia (1892-1988), que reiteradamente o cita nos artigos que escreve por ocasião de aniversários da Semana, sempre incluído entre os integrantes do sodalício vanguardeiro. Já no primeiro decenário, em 1932, ao descrever o clima pré-1922, Menotti não deixa dúvidas quanto ao membros de seu núcleo duro. E não poderia ser mais peremptório quanto à precedência que atribui a Moya em relação a Gregori Warchavchik (1896-1972) e Flávio de Carvalho (1899-1973) ? quem iriam compor, juntamente com Rino Levi (1901-1965), o triunvirato moderno-arquitetônico paulistano por excelência:

As conspirações iniciais da grande revolta ?da verdadeira revolta brasileira ?eram feitas por Oswald, Mario e eu numa casinha da rua Rui Barbosa, onde havia um gramofone, ou em nossa casa, então na rua da Consolação ou no gabinete muito erudito, muito cheio de revistas alemãs e francesas do criador da Paulicea desvairada.

O grupo de artistas ?escultores, músicos, pintores e arquitetos, que preparavam o assalto no setor da plástica, eram Victor Brecheret, Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Moya. Nesse tempo, Tarsila era acadêmica e não havia notícias de Flávio, o homem do lincha! lincha!, nem do Warchavchik, nem do Segall.6

Tarsila, de acadêmica a moderna.

Estudo (Nu sentado), Tarsila do Amaral, 1921. Interior do atelier de Auteuil, Tarsila do Amaral, 1921. Estudo colorido de composição cubista I, Tarsila do Amaral, c. 1923.
Experiência no 2 : realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi, Flavio de Carvalho, 1931. Casa da rua Santa Cruz, Gregori Warchavchik, 1927.

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Segall, antes e depois da vinda definitiva para o Brasil em 1924.

Interior de pobres II, Lasar Segall, 1921.Menino com lagartixas, Lasar Segall, 1924.

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Igualmente em 1952:

Trinta anos! Nesta data, em 1922, no palco do Teatro Municipal, sentado displicentemente diante de uma plateia hostil, o grande Graça Aranha ?embaixador, membro da Academia Brasileira de Letras, famoso autor de Canaan ?rebelado e temerário, com uma surpreendente palestra, dava início à Semana de Arte Moderna, revolução sem sangue que revolveu toda a mentalidade do país.

...No “hall” do nosso teatro máximo os “novos” haviam organizado uma exposição de pintura, escultura, arquitetura. Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Zina Aita, Vitor Brecheret, Moya e outros artistas antecipavam as irreverências da Bienal com telas abstracionistas, cubistas, surrealistas. No estrado de diretor, Villa-Lobos dirigia suas sinfonias consideradas malucas e hoje consagradas pela crítica do mundo.7

Chanaan, Graça Aranha, 1902.1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1951.

Note-se a alusão nada gratuita, muito bem endereçada à recém-concluída 1ª Bienal de Arte de São Paulo.

E mais nada sobre o Antonio Garcia Moya quando o assunto é a Semana.

Injusto seria nos queixarmos da inexistência de referências seja a ele, seja a ela, em Brazil builds ?ou, melhor, Construção brasileira,8 documento de 1943 e tão extraordinário para a revelação da nossa arquitetura moderna mundo afora, no entanto catálogo de uma exposição voltada para momento bem posterior. Como que lhe dando continuidade, as publicações em periódicos estrangeiros vão se centrar na produção arquitetônica da hora, conforme discutido por Nelci Tinem em O alvo do olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna (2002). Igualmente o esforço pioneiro dos estudantes da então novíssima Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil com sua Ante-projeto, revista editada por Edgar Graeff (1921-1990), Marcos Jaimovich (1921-2009), José Duval, Nestor Lindenberg e Slioma Selter, e cujos números estão reunidos em Arquitetura contemporânea no Brasil (1947).

"Construção brasileira", mais conhecido por "Brazil builds", Philip L. Goodwin, 1943. "O alvo do olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna", Nelci Tinem, 2006 (1ª ed. 2002). "Arquitetura contemporânea no Brasil", 1947.

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Ainda na década de quarenta, a arquitetura começa a se fazer presente em balanços de caráter mais geral sobre o desenvolvimento do modernismo no Brasil ?porém não aquela da Semana. Desde o precursor Retrato da arte moderna do Brasil (1947), onde o paulista Lourival Gomes Machado (1917-1967) acuradamente mostra como a Semana dava continuidade a movimentos de renovação artística já em curso no país. Só que tal renovação na arquitetura seria tardia, ocorrendo em São Paulo apenas a partir de meados da década de vinte, “com algum natural atraso, é certo ?à fase vanguardeira que a literatura e a pintura já tinham conhecido, pelo menos uns dez anos antes.”9 Para tomar fôlego na década seguinte quando “a liderança passou ao Rio de Janeiro (para onde aliás já viajara, em multiplicação, boa parte da pintura modernista).”10

"Retrato da arte moderna do Brasil", Lourival Gomes Machado, 1947. "Muita construção, alguma arquitetura e um milagre", Lucio Costa, 1951. "A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX", Mario Barata, 1952.

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Relatos históricos especificamente voltados para a arquitetura brasileira, encontramos alguns deles dos anos cinquenta; contudo, ao abordarem o modernismo tendiam a ser mais focados no Rio de Janeiro e na década de trinta, sequer se referindo à Semana.

Do franco-carioca Lucio Costa (1902-1998), temos “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” (1951) no qual afirma ?com cordialidade bem distante do tom ríspido empregado anos antes em sua “Carta-depoimento” (1948)11 ?a precedência de São Paulo em relação ao Rio no que se refere à arquitetura moderna, entretanto localizando a novidade, como já se tornara praxe, em fins da década de vinte.

Conquanto o movimento modernista de São Paulo já contasse desde cedo com a arquitetura de Warchavchik (o romantismo simpático da casa da Vila Mariana data de 1928), aqui no Rio somente mais tarde, depois da tentativa frustrada de reforma do ensino das belas-artes, de que participou o arquiteto paulista e que culminaria com a organização do Salão de 1931, foi que o processo de renovação, já esboçado aqui e ali individualmente, começou a tomar pé e organizar-se12

O carioca nascido na Suíça Mario Barata (1921-2001) vai no mesmo rumo em seu A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX (1952):

Em 1927 ou 1928 Gregory Warchavchik iniciava no Brasil a luta por esse funcionalismo arquitetônico, ligado ao cubismo plástico. Com ele passará a trabalhar Lucio Costa.13

Acrescentando que “o surto da arquitetura moderna brasileira” muito deveu tanto a Costa, como

ao ambiente intelectual e artístico do país ?a Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Rodrigo M. F. de Andrade e outros, que renovaram a nossa cultura a partir de 1922.14

L'architecture moderne au Brésil, Henrique Mindlin, 1956. Modern architecture in Brazil, Henrique Mindlin, 1956. Neues Bauen in Brasilien, Henrique Mindlin, 1957.

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Um pouco mais detalhado é o posicionamento do paulista Henrique Mindlin (1911-1971), cujo L’architecture moderne au Brésil (1956) trata a Semana com gentileza, ressaltando seu significado cultural ainda que sem entrar em maiores particulares e nada dizer sobre a arquitetura nela exposta. Apesar de apontar seu crédito para a recepção dada por São Paulo ?senão calorosa, ao menos sem maiores estranhamentos ?ao nosso trio pioneiro oficial, também deixa implícita a ideia de que nela não houve a presença de algo a ser considerado “arquitetura moderna”, uma vez que este algo se manifestaria somente anos depois, de 1925 em diante:

L’influence de la Semaine d’Art Moderne sur l’architecture ne tarda pas à se faire sentir. En 1925, Gregori Warchavchik lança dans les journaux de São Paulo et Rio son “Manifeste de l’Architecture Fonctionelle”…, et Rino Levi, encore etudiant a Rome, publiait … un article où il réclamait un urbanisme brésilien. Lorsque, en 1927, eut lieu un concours pour la construction du Palais du Gouvernement de São Paulo, Flávio de Carvalho scandalisa l’opinion publique avec un project “moderniste”15

Acerca da Arquitetura Moderna, Gregori Warchavchik, 1925.Palácio do Governo de São Paulo, Flávio de Carvalho, 1927.

Simplório seria ver nessas nuances meras manifestações de bairrismo; muito mais estava em jogo, todavia esta não é a ocasião para nos aprofundarmos em porquês… Seu tempo e circunstância virão muito adiante, no compasso lento que vem tomando essa minha infinda tagarelice.

Interessa notar é que, turvando o contexto, por então é a própria Semana que entra na berlinda, dita movimento sem programa estético consistente. Demanda das mais despropositadas, na medida em que o estabelecimento de um ideário em comum ou de uma linha de ação conjunta não parece ter sido um propósito dos participantes. Mesmo assim, as tantas conferências então realizadas expunham as opiniões de seus autores frente às temáticas da vanguarda. Ou seja, elas contemplavam algum tipo de posicionamento, mesmo que não necessariamente um consenso ?ou ao menos uma convergência ? sobre o que cada um estava pensando ser “arte moderna.” Veja-se as duas mais conhecidas: “A emoção estética na arte moderna,” de Graça Aranha (1868-1931), proferida a 13 de fevereiro; e “Arte moderna”, de Menotti del Picchia, proferida a 15 de fevereiro.16

Programação que pertenceu a Paulo Prado, 1922.Um imprescindível espicilégio: "Vanguarda européia e modernismo brasileiro", Gilberto Mendonça Teles, 2012 (20ª ed. ampliada; 1ª ed., 1972).

Para o primeiro, a subjetividade é a questão central:

E eis chegado o grande enigma que é o precisar as origens da sensibilidade na arte moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo subjetivismo. É uma resultante do extremado individualismo que vem vindo na vaga do tempo há quase dois séculos até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.

Sua fé é tanta que, para ele, a subjetividade não implica em uma arte cuja instância é restrita, individual:

Este subjetivismo é tão livre que pela vontade independente do artista se torna no mais desinteressado objetivismo, em que desaparece a determinação psicológica.17

Além disso, nessa conferência Graça Aranha teve, como notou Wilson Martins (1921-2010),18 a primazia no emprego do termo “modernismo” entre nós. Neste belíssimo trecho:

É verdade que há um esforço de libertação dessa melancolia racial, e a poesia se desforra na amargura do humorismo, que é uma expressão de desencantamento, um permanente sarcasmo contra o que é e não devia ser, quase uma arte de vencidos. Reclamemos contra essa arte imitativa e voluntária que dá ao nosso “modernismo” uma feição artificial. Louvemos aqueles poetas que se libertam pelos seus próprios meios e cuja força de ascensão lhes é intrínseca. Muitos deles se deixaram vencer pela morbidez nostálgica ou pela amargura da farsa, mas num certo instante o toque da revelação lhes chegou e ei-los livres, alegres, senhores da matéria universal que tornam em matéria poética.19

"História da inteligência brasileira Vol. VI (1915-1933)", Wilson Martins, 1978.Graça Aranha pagando o mico de sua conversão ao modernismo...

Bem menos filosófico e bem mais específico, Menotti se coloca inequivocamente contra o academicismo, ao mesmo tempo que não vê problema algum na ausência de uma orientação monolítica, concertada e mancomunada:

O que nos agrega não é uma força centrípeta de identidade técnica ou artística. As diversidades das nossas maneiras são verificáveis na complexidade das formas por nós praticadas. O que nos agrupa é a idéia geral de libertação contra o faquirismo estagnado e contemplativo que anula a capacidade criadora dos que ainda esperam ver erguer-se o sol atrás do Partenon em ruínas.

E deixa claro o viés nacionalista, esse sim compartilhado por boa parte dos participantes da Semana:

Dar à prosa e ao verso o que ainda lhes falta entre nós: ossos, músculos, nervos. Podar, com a coragem de um Jeca que desbasta a foice uma capoeira, a “selva áspera e forte?da adjetivação frondosa, farfalhuda, incompatível com um século de economia, onde o minuto é ouro…

Nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com sangue ?que é humanidade; com eletricidade ?que é movimento, expressão dinâmica do século; violência ?que é energia bandeirante.

Assim nascerá uma arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do homem e do mistério.20

Incidentalmente, nacionalismo não é monopólio de modernos, ele perpassa toda a nossa história ?não só política, como cultural ?desde a colônia. E estava particularmente operante no ambiente literário de então. Como esclarece Wilson Martins:

A verdade é que desde 1900, quando Olavo Bilac apontava os remadores do Flamengo como exemplo à juventude, lembrando-lhe que rapazes como aqueles haviam ganho a batalha de Salamina, o vigor físico era a forma por assim dizer concreta e sensível do nacionalismo, correspondendo simetricamente às suas manifestações intelectuais e ideológicas. O herói atlético e sadio será, dentro em pouco, uma das figuras prediletas da ficção modernista, a começar por Oswald de Andrade (em harmonia com a filosofia de vida de Graça Aranha). E, de fato, a aurora modernista começava a mostrar-se ao longe, sob as espécies de vagos clarões, ainda indecisos. Assim, por exemplo, o Estado de São Paulo anunciava para breve o aparecimento da Revista do Brasil, sob a direção de Luiz Pereira Barreto, Júlio de Mesquita e Alfredo Pujol, o que efetivamente aconteceu, em janeiro de 1916. Não há paradoxo nenhum em que um grupo ideologicamente conservador (no sentido amplo da expressão) criasse um órgão de expressão das ideias e sentimentos nacionalistas ?por onde se instituía o máximo denominador comum que havia de identificar mais tarde a Revista do Brasil com o movimento modernista.21

Mais incidentalmente, note-se que cisões entre “tradicionalistas” e “progressistas” e entre “nacionalistas” e “internacionalistas” não demorariam. Sintomaticamente, a confraria da Semana escolhe uma palavra francesa, Klaxon, para nominar sua revista…22 Novamente, com a palavra Wilson Martins:

Ainda mais expressivo é o titulo de Klaxon dado ao órgão oficial do primeiro modernismo, lembrando, talvez por coincidência, Le Klaxon, “journal humouristique, fantaisiste et mondain des tranchées”, publicado em Nancy durante a guerra; acrescente-se que, subintitulada “Mensário de arte moderna”, o anuncio inserto na terceira capa do ultimo numero indicava significativamente: “Revista internacional de arte moderna.” E internacional ela o era, com efeito, não só pelo corpo de colaboradores (onde predominavam os de língua francesa, como Roger Avermaete [1893-1988], Bob Claessens [1901-1971], Joseph Billiet, Charles Baudouin [1893-1963], Nicolas Beauduin [1881-1960], Marcel Millet, Henri Mugnier [1890-1957]), pelos brasileiros que se esmeravam em escrever na mesma língua (Serge Milliet, Manuel Bandeira) e ainda pelos pontos de referencia críticos, que eram todos franceses.23

Porém não percamos a métrica e retomemos o fio de nosso andamento.

A rigor, as lamúrias quanto à falta de uma linha propositiva da Semana têm origem no próprio Mario de Andrade (1893-1945), quem permite extrair tal interpretação da leitura do seu balanço canônico, o nosso já conhecido “O movimento modernista”, de 1942, onde insiste abusadamente na dimensão destruidora, vale dizer insensata, da Semana:

Porque, embora lançando inúmeros processos e ideias novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor. Até destruidor de nós mesmos… Mas nós estávamos longe, arrebatados pelos ventos da destruição E fazíamos ou preparávamos especialmente pela festa, de que a Semana de Arte Moderna fora a primeira. Todo esse período destruidor do movimento modernista foi para nós tempo de festa, de cultivo imoderado do prazer.24

Em uma apreciação de viés militante e não muito realista da era Vargas, a seu ver esse ambiente exaltado será substituído de 1930 em diante por “uma fase mais calma”, um clima construtivo de busca, aí sim consequente, de uma nova realidade social.

E no entanto, é justo por esta data de 1930 que principia para a inteligência nacional uma fase mais calma, mais modesta e quotidiana, mais proletária, por assim dizer, de construção.25

Ninguém menos do que Di Cavalcanti (1897-1976) ?consensualmente o responsável pela ideia de uma semana de apresentações artísticas como parte das comemorações do centenário da Independência ?dá testemunho do pessimismo de Mario, ao comentar em sua autobiografia:

Viagem da minha vida, E. di Cavalcanti, 1955.Oswald de Andrade e Menotti del Picchia acharam sempre que tudo que surgiu no Brasil artístico e literário depois de 1922 vem da Semana: é um exagero, como exagerada a completa desilusão de Mario de Andrade em relação à Semana.26

Pelas mãos de seu mais incensado protagonista, numa interpretação por ele em certa medida facultada, a Semana de Arte Moderna poderia ser entendida como mera explosão emocional sem rumo. Quesito em que Mario também fez escola e cobranças dessa ordem iriam se eternizar. Veja-se, por exemplo, “O jeitinho moderno brasileiro” (1993), artigo de Ronaldo Brito no qual é feito um exame da contribuição da Semana ?procedimento absolutamente lídimo.

Ao dispor sem maiores mediações ou especulações compromissos estéticos heterogêneos, a Semana repetia involuntariamente o sincretismo colonial, embora incorporasse, numa esperta manobra moderna, a dinâmica do cotidiano urbano industrial. Assim, um “estilo Léger” tropicalizado, com um astuto toque literário, adaptava-se à técnica rudimentar de Tarsila e, mediante soluções tão ousadas quanto ingênuas, vinha a ser o veículo adequado para uma pintura que procurava captar a nova mecânica social.27

A bizarrice da análise reside no fato de que, em seu afã, no mesmo embalo o autor tece críticas ?pertinentes ou não, não vem ao caso ?à habilidade pictórica de Tarsila do Amaral (1886-1973). Causa perplexidade!! A vontade de exigir da Semana o que dela ao que tudo indica seus realizadores nem pretenderam é tanta que, pasmem, vale nela encaixar a Tarsila, que sequer por lá andou, que sequer conhecia o pessoal, a ele sendo apresentada por Anita Malfatti (1889-1964) após seu regresso de Paris em junho de 1922, quando aí sim iria integrar-se ao contubérnio.28

Grupo dos Cinco, Anita Malfatti, 1922.

Não sejamos mesquinhos e deixemos de lado as picuinhas, afinal associar a Tarsila com a Semana é equívoco dos mais comuns. Inteiramente dedicado à Semana, um número da revista Cultura de 1972 ?ao qual voltaremos em um próximo capítulo… ?tem sua capa ilustrada com uma pintura… da Tarsila. E isso só se acentua: em pleno século 21, a revista Piauí mantém a tradição com artigo sobre a Semana: ilustrado com? …Tarsila. Curiouser and curiouser, referências dedicadas à Semana ilustradas com pinturas de Tarsila do Amaral, para todo o sempre hyperlinkada com a Semana…

A negra, Tarsila do Amaral, 1923.São Paulo, Tarsila do Amaral, 1924.

A questão de fundo, o que parece incomodar o Ronaldo Brito, é a inexistência de “maiores mediações ou especulações.” Traduzindo: cadê os manifestos?

Ora, os tão ansiados manifestos não haviam tardado, desde o primeiro artigo do primeiro número da Klaxon, em maio de 1922. Dentre os mais óbvios: “Poesia Pau Brasil” (1924) e “Antropófago” (1928), de Oswald de Andrade (1890-1954); “Programa do Centro Regionalista” (1926/1952), de Gilberto Freyre (1900-1987); “Grupo Verde de Cataguases” (1927), de vários autores; “Nhengaçu Verde-Amarelo” ou “Escola da Anta” (1929), Plinio Salgado (1895-1975), Menotti del Picchia, Alfredo Ellis (1896-1974), Cassiano Ricardo (1895-1974) e Cândido Mota Filho (1897-1977).29

Klaxon, no 1, maio 1922. Manifesto da Poesia Pau Brasil, Oswald de Andrade, 1924.
Verde, no 3, nov. 1927. Nheengassu da tribu verdamarella, Plinio Salgado, Menotti del Picchia, Alfredo Ellis, Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho, 1929.

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Parafraseando o dileto Wilson Martins, “havia numerosas moradas no mundo do modernismo.”30 Todas elas refletindo à perfeição as diferenças programáticas que então se expressavam, emergidas na esteira da Semana. Ou seja, mesmo que se desconte as conferências da própria Semana e apressadamente se aceite que ela não teve seu ínsito manifesto, foi ela quem emprenhou grande parte das ideias paridas nos manifestos que a ela se seguiram. E que no pós-1930 iriam se radicalizar em partisanismos políticos, num clima belicoso que em nada se assemelhou à leniente descrição dele feita por Mario de Andrade.

"The painted word", Tom Wolfe, 1975.É fato que esses manifestos foram vazados por poetas & Cia. E será justo cobrar o mesmo pendor para o verbo de músicos, artistas plásticos e arquitetos? Será que para ser vanguarda mais vale um bom texto explanatório, é imperioso um manifesto? Pelas reclamações, tudo indica que sim. Como nos assegura Tom Wolfe em The painted word (1975), as artes visuais no século vinte deixaram de valer em si para meramente ilustrar discursos teóricos: pintura que se respeita vem com bula…

Deixemos de lado esses preciosismos; afinal, são querelas de literatos, afeitos a disputas de ideias e hábeis com as palavras. Além do que, não temos que concordar com a autoanálise que se autoinflige Mario de Andrade. O que nos impede de nos beneficiarmos de um olhar revisionista, quiçá pós-moderno? Por que acusar a inexistência de um manifesto textual, quando o que foi oferecido em 1922 foi um magnífico manifesto performático, se menos literal, bem mais efetivo na transmissão da sua mensagem.

Aproveitando para citar mais uma vez um participante da Semana patrulheiramente expurgado de sua hagiografia devido a seu perfil político conservador, uma descrição de Menotti nos autoriza contrapor palavras e imagens:

Três noites memoráveis num ambiente elétrico: a primeira de calma e de ânsia, capitaneada por Graça Aranha. A segunda, catastrófica: eu a liderei apresentando a turma dos escritores novos ?Oswald, Mario de Andrade, Raul Bopp, Manoel Bandeira, Ronald, Ribeiro Couto e outros mais. Foi uma noite de uivos, de vaias, um inferno! Por fim coube a Ronald aguentar a plateia já descalmada, numa terceira noite espantosa, na qual só faltaram linchamentos. Mario de Andrade falou sobre musica moderna: Villa-Lobos era o corifeu…

Ao lado de toda retórica, a documentação plástica da revolução em marcha: a escultura de Brecheret, projetos de Moya, pintura da Malfatti. O “hall” do grande Teatro parecia um pátio de milagres: quadros incríveis dependurados nas paredes e troços mutilados, figuras aos pedaços em cima dos socos. E o povo a urrar, a vociferar, a injuriar… Verdadeira Semana do Terror.31

Coitada da arquitetura da Semana, coitado do Przyrembel, coitado do Moya

A Semana é um sem-fim, ela faz presença em teses, livros, artigos e mais artigos, além de comentada quando nem é o caso. Recente, de 2013, é o artigo de Luís Augusto Fischer, “Reféns da modernistolatria”. Lançando com finesse um olhar instigante sobre a velha senhora (o que é coisa rara), o autor pede um pouco mais de comedimento com o tal “espólio modernista paulista”, uma vez que,

depois de estabilizada como Fato Incontornável, a Semana de Arte Moderna paulista pode tudo. Inclusive acumular méritos que não lhe são próprios… E toda aquela novidade gritante, no plano dos enunciados artísticos, passou a ser mastigada, incansavelmente, no cotidiano escolar de todas as salas de aula Brasil afora, pelos manuais de ensino preparados já pela visão modernistocêntrica.

Fechado este abraço que a força histórica comandada por São Paulo ia dando, nada restou fora de seu alcance: o modernismo, aquele exclusivamente ligado à Semana de 22 segundo a depuração que podemos chamar, sem maior rigor, de tropicalista (que excluiu os Menotti del Picchia e os Graça Aranha do cenário), o modernismo agora era a lente certa e única para ler tudo, do começo ao fim: da formação colonial, agora ressubmetida a avaliação, até o futuro, que já tinha sido alcançado e era, então, mera decorrência do que já estaria, para sempre, previsto e mesmo desempenhado pelos mártires do novo panteão. O mundo da invenção estética brasileira passou a viver essa aporia conceitual ?tudo que vale é modernista, sendo que o modernismo ao mesmo tempo já aconteceu e é a coisa mais moderna que se pode conceber ? aporia cuja figuração banal aparece nos livros escolares e na crítica trivial com a patética sequência de termos pré-modernismo>modernismo>pós-modernismo, tomados como capazes de descrever tudo que o século XX (o XXI também, claro) já produzira, produzia e viria ainda a produzir. Essa aporia foi plenamente aceita e até naturalizada: todas as tentativas de invenção, em todos os campos, daí por diante, seriam quando muito atualizações de propostas ou de ações ou de desejos já plenamente configurados ou em Mário ou em Oswald. Fora disso, tudo era regressivo, conservador, caipira, regionalista, qualquer coisa assim de péssimo.32

Concordo, meu caro Luís Augusto, nada mais justo, porém não adianta chiar! Até a revista i., do requintado Shopping Iguatemi, traz, obviamente em um ano final 2, número dedicado à Semana. Um desses anacronismos que pululam no seu mapa astral, o artigo denominado “Tupi or not Tupi”33 ?manjadíssimo trocadilho do “Manifesto Antropofágico”,34 que veio à luz, como sabem todos, em Piratininga, no Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha, ou seja, seis anos depois da Semana ?informa os incautos que a Semana é muito bem recebida pelos “amantes da estética vintage.”

"revista i", edição 47, 2012."Prefácio interessantíssimo", Patrícia Favalle.

Em mais uma indesculpável digressão, vale apontar que nas últimas décadas vem crescendo a atenção dada à dupla Tarsila & Oswald, isto apesar da conturbada separação. Pelas mãos de seus cultores, esses dois personagens vêm de mansinho abocanhando a Semana, ela que lá nem estava, ele que, ao que parece, não desempenhou papel tão destacado assim, tendo sido mais agent provocateur do que protagonista. E, à medida que crescem seus papéis, vai saindo de cena o descartável Menotti, e até mesmo Mario perde a realeza.

Entre páginas e mais páginas de bolsas de grife, perfumes de grife, homens e mulheres de grife, pomadas e sabonetes de grife, diamantes de grife e o escambau de grife, em meio ao requinte da parafernália do consumo do establishment, noventa anos depois brilha domesticada a Semana. A Semana é vintage! Aliás, a Tropicália também é vintage. E a quatrocentona São Paulo, então, mais vintage impossível…

A música e os músicos da Semana, a poesia e os poetas da Semana, a pintura e os pintores da Semana, a escultura e os escultores da Semana, todas e todos aclamados, todas e todos esteticamente corretos. Repetindo o dito de Luis Augusto: “tudo que vale é modernista, sendo que o modernismo ao mesmo tempo já aconteceu e é a coisa mais moderna que se pode conceber.”

A gente escreve o que ouve ?nunca o que houve.

Só a arquitetura da Semana e seus arquitetos ?Georg Przyrembel (1885-1956) e Antonio Garcia Moya ?é que não emplacaram.

E por que não? É justamente para esta pergunta, quando feita aqui no mundinho arquitetônico, que não tenho encontrado boas respostas. Como já deu para perceber, mal se fala da arquitetura da Semana. Aliás, nem se falava dela até princípios da década de sessenta, esquecida, por exemplo, em Duas arquiteturas no Brasil (1961), de Benjamin de Carvalho. E quando se falava, era para recorrentemente taxá-la de inexpressiva, se não de equivocada.

Flavio de Aquino e Paulo Santos

O primeiro que encontrei que se refere à sua presença na Semana é Flavio de Aquino (1919-1987). Em “Os primórdios do modernismo no Brasil” (1961), com certeza tendo o Antecedentes da Semana de Arte Moderna (1958), do Mario da Silva Brito, como principal fonte impressa, o autor faz uma breve revisão do que aconteceu da exposição de Anita em 1917 ao “estrondo violento” da Semana. Inaugurando a versão que se tornaria lugar-comum, Moya é apresentado já lastimavelmente descontextualizado; Przyrembel, este nem é digno de menção:

Em realidade, a renovação era mais sentida e praticada no campo da literatura que nos das artes plásticas. Serve de exemplo o fato de que um dos componentes da Semana de 22, o arquiteto Antonio Moya projetava edifícios em estilo neomanuelino.35

Que Moya tenha realizado casas em estilos variados, isso é inegável, ainda que eu não tenha encontrado nenhuma “neomanuelina” propriamente. Paradigmático do gótico português ?o chamado estilo manuelino ?é o Mosteiro de Belém, mas Moya era mais afeito a um gótico de sabor italiano, como aquele que empregou na Residência João Miguel Sanches, à avenida Paulista, infelizmente já demolida.36

"Noticia Historica e Descriptiva do Mosteiro de Belem", Francisco Adolfo de Varnhagen, 1842.

Residência João Miguel Sanches, Moya & Malfatti, 1942.

Residência João Miguel Sanches, Moya & Malfatti, 1942.

"Quatro séculos de arquitetura", Paulo F. Santos, 1977.Mesmo assim, independente de tê-lo feito bem depois de 1922, esse fato em nada diminui sua competência ?uma vez que são projetos de elevada qualidade ?e em nada detrata dos projetos que constituíram sua presença na Semana.

Poucos anos depois é a vez das palavras bem típicas de Paulo Santos (1904-1988) em “400 anos de arquitetura” (1965). Apesar da cabal ausência de fontes, e além da queixa de sempre quanto à falta de uma agenda (já sabemos, de um manifesto), a coitada da arquitetura mereceu apenas um “quase” presente:

O surto Moderno… só adquiriu o sentido de um Movimento com a Semana de Arte Moderna…

O Movimento ?de que a arquitetura esteve praticamente ausente (ou quase) ?germinou nos salões paulistas e teve expressão predominantemente literária. Vago, impreciso, não tinha programa, não defendia uma tese.37

Mais adiante, radicaliza na apreciação, deixando-a deterministicamente sem importância. Para variar, note-se a inclusão da Tarsila, ainda que com a devida ressalva:

Se a pintura e a escultura modernas no Brasil tiveram nos artistas da Semana ?Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Brecheret, depois Tarsila (de algum modo ligada à equipe da Semana) ?os iniciadores de um movimento de renovação, a arquitetura moderna do Brasil, melhor: a arquitetura contemporânea do Brasil deixa à margem a Semana ou ignora a Semana, filiando-se diretamente à Le Corbusier.38

Este trecho bem exemplifica a construção, em andamento desde a década de trinta no Rio de Janeiro, da mui conveniente distinção entre “arquitetura moderna” e “arquitetura contemporânea” em resposta a críticas de diferentes matizes entorno da cansativa dicotomia “nacional vs internacional”.

No mais é silêncio… Até que Antonio Garcia Moya ressurge. E ressurge classificado, rotulado, (des)qualificado e quantificado, para sempre “selado, registrado, carimbado” como personagem irrelevante, sequer um coadjuvante no enredo central da história da arte brasileira.

Yves Bruand

"Arquitetura contemporânea no Brasil", Yves Bruand, 1981.Um dos primeiros que contribuiu para tal parece ter sido Yves Bruand, quem deve ter repetido ?na minha opinião e inadvertidamente ?algum julgamento que lhe foi transmitido por estas plagas.39 Se assim se passou, isso deve ter ocorrido durante sua estadia como professor na Universidade de São Paulo entre 1960 e 1969,40 período em que levou a cabo as pesquisas que redundariam em sua magistral ?e no geral acurada ?tese de doutorado L’architecture contemporaine au Brésil (1973).41

Não encontro outra explicação, uma vez que sobre a Semana e sobre Moya, Bruand dá uma única fonte. E esta, como sempre, o elogioso Antecedentes da Semana de Arte Moderna. Até os textos dos Andrade e de Menotti que cita vêm daquele livro…

Para deixar bem claro o que vai se passar, considere-se o que diz nosso informante de sempre, Mario da Silva Brito:

Mas, outros fatos, dignos de registro, ocorrem em 1921, que é ano rico de acontecimentos. Fatos que aceleram a evolução do movimento e o levam a culminar na Semana de Arte Moderna.

O grupo modernista já está constituído, por esse tempo, em sua quase totalidade. Não só praticamente constituído, como também subdividido de acordo com as vocações de seus diversos componentes. Poetas são Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa e Plínio Salgado. Menotti e Oswald de Andrade são romancistas. Na crítica, sustentando a polêmica, estão Mario de Andrade, Oswald, Menotti, Cândido Motta Filho e, com menor desempenho, Sergio Milliet. A pintura conta com Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e John Graz, já sagrados nas batalhas antiacadêmicas e feridos pela crítica conservadora. A escultura apresenta um grande nome: Victor Brecheret. Armando Pamplona, interessado em cinema, acompanha o grupo, e está, quase sempre, ao lado de Menotti del Picchia. Nesse ano, é descoberto um arquiteto “bizarro, original, cheio de talento, sonhando e realizando coisas enormes”: Antonio Moya

Estão aí citados alguns dos “Dragões do Centenário”, como Mario de Andrade chamava aos integrantes das hostes modernistas. Mais alguns nomes, acrescentados a estes, comporão o grupo que vai aparecer no saguão e no palco do Municipal durante a Semana de Arte Moderna.42

E atente-se no que isso vai dar. Inicialmente, Bruand destaca a relevância do neocolonial como vestíbulo da modernidade:

Esse movimento [o estilo neocolonial] foi na realidade a primeira manifestação de uma tomada de consciência, por parte dos brasileiros, das possibilidades do seu país e da sua originalidade. Já assinalamos anteriormente [p. 25 e ss.] a importância desse fenômeno sem o qual a arquitetura brasileira não seria hoje o que é.43

No que segue o entendimento de Paulo Santos:

Nem pelo que tinha de negativo deixou o Neo-Colonial de ter a sua significação ?e não apenas como expressão da sensibilidade romântica da época, mas como fato positivo, já que teria paradoxalmente influído no próprio movimento dito Moderno e para a criação de condições propícias ao estudo de questões de raça, costumes, economia e vida social e artística do nosso povo.44

E não aquele de Lucio Costa, para quem o neocolonial ?em sua ótica de 1951, depois de tê-lo praticado por boa parte da década de vinte ?nada mais era do que

o artificioso revivescimento formal do nosso próprio passado, donde resultou mais um “pseudo-estilo”45

"Por uma história não moderna da arquitetura brasileira", Marcelo Puppi, 1998.Conforme bem sintetiza Marcelo Puppi:

O capítulo de Bruand dedicado às três primeiras décadas do século é em grande parte uma superposição de ideias retiradas de Lucio Costa e de Paulo Santos, adaptando-as a seus propósitos. Do autor de Documentação necessária [Costa], ele retém sobretudo… o panorama de conjunto da arquitetura brasileira esboçado neste texto e a consequente desvalorização do “decorativismo” eclético. Do autor de Quatro séculos de arquitetura [Santos], ele absorve, principalmente, a simpatia pelo neocolonial (bem como a defesa da influência do movimento sobre a arquitetura moderna)…46

Bruand ressalta, inclusive, a contribuição do substrato modernista paulistano:

Assim como evidentemente os estilos históricos não desaparecem de um momento para o outro, o movimento “moderno” não surgiu repentinamente. Por mais que assim possa parecer, ele é no entanto resultado da evolução do pensamento de alguns grupos intelectuais brasileiros, especialmente paulistas, evolução esta que criou um mínimo de condições favoráveis…47

Contudo, quando aborda de fato a Semana, não se contém e retoma a batida cantilena, ecoando Mario de Andrade:

Na realidade, seus participantes não tinham nenhum programa coerente. O denominador comum era sobretudo de natureza negativista e demolidora: a ruptura com o passado e a independência cultural frente à Europa… eram os dois pontos fundamentais, de uma clareza por sinal ilusória…

A prova mais evidente da falta de coerência da Semana, enquanto conjunto de propostas de vanguarda, estava na sessão consagrada à arquitetura. Os organizadores contavam com grande número de literatos, quatro pintores (Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e o suíço John Graz), um escultor (Brecheret), um compositor (Villa-Lobos): era também necessário um arquiteto para que a exposição fosse completa48

Ignorando Przyrembel como fez Flavio de Aquino, no mesmo fôlego, extrapola:

Recorreram, então, a um espanhol radicado em São Paulo, Antonio Garcia Moya, autor de casas inspiradas na tradição mourisca espanhola, que, em suas horas livres, colocava no papel desenhos de uma arquitetura visionária que agradava aos futuristas por sua fisionomia extravagante. Nada de válido poderia daí resultar e torna-se difícil caracterizar melhor a diferença entre o caráter puramente especulativo e gratuito dos projetos visionários, fortemente marcados por um cunho passadista e as necessidades concretas, que o arquiteto jamais pode abandonar… Portanto, de um ponto de vista objetivo [sic], não exerceu a Semana de Arte Moderna qualquer influência direta sobre a arquitetura.

Do nada, sem documentação e iconografia de apoio, sem sequer provas do crime estava passada a sentença: Moya se esgueirando sorrateiro pelo Teatro Municipal, estrangeiríssimo, conhecedor da arquitetura mourisca talvez por ter nascido na Espanha e tê-la incorporado via algum jungiano inconsciente coletivo, extravagante e meramente especulativo e gratuito, por conseguinte sem fundamento na realidade, além de ?horribile dictu ?passadista. Desfeito o mistério sobre quem o havia qualificado de visionário, descobrimos também que é um diletante, trabalha nas horas livres…

Fica no ar a pergunta: afinal, o que fazia nas demais horas, qual seu real metier, como ganhava a vida o tal forasteiro?

O tom empregado, bastante distante do comedimento habitual de Yves Bruand, reforça a sugestão de que fora influenciado por algum de seus interlocutores, muito provavelmente um paulista. Curiosamente, muitos anos depois, em depoimento sobre Lucio Costa, descreve-o em termos muitos semelhantes, no entanto agora com empatia:

Sua modéstia me impressionara igualmente; ele apresentava-se um pouco como um arquiteto que trabalhava somente em suas horas vagas, por prazer, quando suas funções no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) lhe permitiam. 49

Testemunhamos nessas duas passagens a aura de prestígio ?ou seu indeferimento ?em gestação.


Leia também:

Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22:

Parte 1 ou pro Mario, o Moya era moderno?/a>
por Sylvia Ficher

1922: quando o moderno não era um estilo, e sim vários
Editorial
por Danilo Matoso Macedo


Notas

* Neste segundo tempo contei, além dos já citados Danilo Macedo e Eduardo Rossetti, com informações de Aracy Amaral, Paulo Emílio Vanzolini, Sophia Silva Telles e Thomaz Simões. Andrey Schlee foi um leitor cheio de sugestões.? class=

  1. Em Ilustração Brasileira, ano VIII, no 4, dez. 1920; apud Telê Ancona Lopez (org.), De São Paulo: cinco crônicas de Mário de Andrade, 1920-1921, 2004, p. 81.? class=
  2. Mário da Silva Brito, Notas para a história do modernismo brasileiro, Anhembi, no 40, mar. 1954 e ss., até no 51, fev. 1955.? class=
  3. Apud Maria Eugenia Boaventura (org.), 22 por 22, a Semana de Arte Moderna…, 2008, pp. 399-400, pp. 417-18 e pp. 421-22, respectivamente, os dois últimos incluídos apenas em português.? class=
  4. Em Lumière, Anvers, ano III, no 7, 15 abr. 1922; apud Boaventura, op. cit., 2008, p. 129-34, igualmente apenas em português.? class=
  5. Menotti del Picchia, 1922-1932: A revolta dos intelectuais, Folha da Manhã, 15 jan. 1932, apud Jácomo Mandatto, Menotti del Picchia, a “Semana” revolucionária, 1992, p. 27.? class=
  6. Menotti del Picchia, A “Semana” revolucionária, A Gazeta, 9 fev. 1952, apud Mandatto, p. 33.? class=
  7. Philip L. Goodwin, Brazil builds: architecture new and old 1652-1942, ou Construção brasileira: arquitetura moderna e antiga 1652-1942, 1943.? class=
  8. Lourival Gomes Machado, Retrato da arte moderna do Brasil, 1947, p. 81.? class=
  9. Idem, ibidem.? class=
  10. Lucio Costa, Carta-depoimento, O Jornal, 20 fev. 1948; republicado in Lucio Costa, Sobre arquitetura, 1962, pp. 123-24.? class=
  11. Lucio Costa, Muita construção, alguma arquitetura e um milagre, Correio da Manhã, Caderno Urbanismo e Construções, pp. 1, 9 e 15, 15 jun. 1951; republicado em 1952 como Vol. 5 d’Os Cadernos de Cultura sob o título Arquitetura brasileira, aqui citado (pp. 29-30).? class=
  12. Mario Barata, A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX, p. 11, separata de Aspectos da formação e evolução do Brasil, 1952.? class=
  13. Idem, ibidem.? class=
  14. Henrique Mindlin, L’architecture moderne au Brésil, 1956, p. 4. Publicado no mesmo ano em inglês, no ano seguinte, em alemão, e apenas em 1999 em português.? class=
  15. Esses textos são facilmente encontrados; aqui a fonte foi Gilberto Mendonça Teles, Vanguarda européia e modernismo brasileiro, 2012 (20ª ed. ampliada; 1ª ed., 1972), pp. 409-16 e 417-24 respectivamente.? class=
  16. Idem, pp. 411-12.? class=
  17. Em História da inteligência brasileira (1915-1933), v. 6, 1978, pp. 239-40.? class=
  18. Mendonça Teles, op. cit., p. 413.? class=
  19. Idem, pp. 418-19 e 422; grifo meu.? class=
  20. Martins, op. cit., p. 28.? class=
  21. Periódico editado de maio de 1922 a janeiro de 1923 pelos literatos de sempre ?Mario, Menotti, Oswald, além de Manoel Bandeira (1886-1968), Guilherme de Almeida (1890-1969), Sérgio Milliet e alguns amigos suíços deste último (Lisbeth Rebollo Gonçalves, Sérgio Milliet, crítico de arte, 1992, pp. 24-25). Para o n. 1, //www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01005510; série incompleta disponível em //www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/62.? class=
  22. Martins, op. cit., p. 277.? class=
  23. In Mario de Andrade, Aspectos da literatura brasileira, 1972, pp. 240-41.? class=
  24. Idem, p. 242.? class=
  25. Emiliano di Cavalcanti, Viagem da minha vida I ?o testamento da alvorada, 1955, p. 120.? class=
  26. In Ronaldo Brito, Experiência crítica, 2005, p. 135; grifo meu.? class=
  27. Aracy Amaral, Tarsila, sua obra e seu tempo, 1975, v. 1, p. 46.? class=
  28. Novamente, a fonte é Mendonça Teles, op. cit. Para o “Programa do Centro Regionalista” é aconselhável consultar o texto integral conforme apresentado por Freyre em 1951 e publicado em 1955 já com o título de Manifesto regionalista de 1926.? class=
  29. Martins, op. cit., p. 156: “Vemos que havia numerosas moradas no mundo do nacionalismo.”? class=
  30. Menotti del Picchia, Como aconteceu a Semana de Arte Moderna, artigo sem data transcrito em Mandatto, op. cit., p. 67.? class=
  31. Luís Augusto Fischer, Reféns da modernistolatria, Piauí, no 80, pp. 60-63, maio 2013; //revistapiaui.estadao.com.br/edicao-80/questoes-de-literatura-cultura/refens-da-modernistolatria? class=
  32. Paula Queiroz, Tupi or not Tupi, revista i, edição 47, pp. 160-63, 2012.? class=
  33. Oswald de Andrade, Manifesto antropófago, Revista de Antropofagia, ano I, no 1, maio 1928. Pode ser encontrado, como de hábito, in Mendonça Teles, op. cit., pp. 497-506, e //www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/060013-01.? class=
  34. Flavio de Aquino, Os primórdios do modernismo no Brasil, Módulo, no 22, pp. 32-34, abr. 1961; republicado in Alberto Xavier (org.), Depoimento de uma geração, 1987, aqui citado, pp. 10-13.? class=
  35. Moya & Malfatti, Acrópole, no 49, p. 25-28, maio 1942.? class=
  36. Paulo F. Santos, 400 anos de arquitetura, in Universidade do Brasil, Quatro séculos de cultura, 1966. Aqui citada a edição em livro: Quatro séculos de arquitetura, 1977, p. 104.? class=
  37. Idem, p. 106.? class=
  38. No momento estou à caça de quem poderia ter sido este informante. Entretanto minhas suspeitas ainda não foram suficiente comprovadas, razão pela qual me calo. Mas aceito sugestões!!? class=
  39. Yves Bruand, Lucio Costa: o homem e a obra, in Ana Luiza Nobre et alii, Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea, 2004, p. 13.? class=
  40. Em Por uma história não moderna da arquitetura brasileira (1998), Marcelo Puppi expressa opinião algo semelhante: “Bruand apresenta de fato ao leitor um útil manual sobre a história da arquitetura contemporânea no Brasil, sem similar nacional e até agora insuperado” (p. 100).? class=
  41. Mario da Silva Brito, Antecedentes da Semana de Arte Moderna, 1958, pp. 278-79; grifo meu.? class=
  42. Yves Bruand, Arquitetura contemporânea no Brasil, 1981, p. 52.? class=
  43. Paulo F. Santos, op. cit., 1977, p. 104.? class=
  44. Lucio Costa, op. cit., 1952, p. 22.? class=
  45. Puppi, op.cit., p. 107.? class=
  46. Bruand, op. cit., 1981, esta citação e seguintes: pp. 61-63, grifos meus.? class=
  47. Há, na nota (14) que consta neste trecho do texto de Bruand um equívoco menor, fruto talvez até da tradução: nela consta referência a artigo de Menotti que teria revelado Moya ao “grande público”, dando sua data como 20 de julho de 1927, quando o ano correto é 1921.? class=
  48. Bruand, op. cit., 2004, p. 13.? class=

Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br

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Luis Berríos-Negrón
Atelier Niemeyer . Rio de Janeiro
Janeiro de 2002

Entrevista Oscar Niemeyer
Entrevistador:Luis Berríos-Negrón
2 de janeiro de 2002
 Atelier Niemeyer, Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil

A MDC . revista de arquitetura e urbanismo, agradece à arquiteta Mariza Machado Coelho, que forneceu o vídeo da entrevista e ao arquiteto Luis Berríos-Negron, que autorizou a publicação e forneceu a transcrição em inglês.

Nota do autor:

Essa entrevista aconteceu enquanto eu era estudante de Belas Artes da Parsons School of Design em Nova York . Foi possibilitada por Mariza e Veveco Hardy, que colaboravam com Niemeyer à época. Foi marcada antes dos eventos de 11 de setembro acontecerem, e quando o 11 de setembro ocorreu, a perda de vidas foi aterrorizante. Eu também fiquei horrorizado com o tipo de ódio que um prédio como ícone pode gerar. Eu fiquei profundamente confuso sobre o papel da Arquitetura. Eu precisava de respostas… Nenhuma veio, apenas mais confusão. Um dos atributos da confusão foi que, já em Outubro, houve uma “exposição?das propostas para o Marco Zero na Max Protech Gallery no distrito da arte de Chelsea, em Nova York. Muitos starchitects enviaram propostas. Eu vi a mostra. Eu não era capaz de entender o quão rápido aquilo ocorrera. Ao ser informado pelos Hardys que eu teria a chance de conhecer e questionar o provavelmente mais experiente arquiteto vivo, eu já estaria fazendo meu melhor por não tentar fazer uma entrevista, mas apenas procurar por respostas pessoais, para ver se a sabedoria de Niemeyer me tocaria. No final não foi apenas sua sabedoria que calou fundo em mim, mas com certeza sua paciência, humildade, humor e experiência que indubitavelmente mudaram minha vida para sempre somente por explicar, como só Dr. Oscar poderia, que era muito cedo para propor qualquer coisa para o Marco Zero.

Imediatamente após meu retorno a Nova York, eu me matriculei em uma disciplina de projeto que tinha por tema o Marco Zero, lecionada por Bill Sharples da SHoP architects. E foi durante este semestre onde eu pratiquei resistência pela primeira vez, e apesar da possibilidade de falhar por não produzir “um prédio? eu atendi o conselho de Niemeyer. Meu esforço resultou não em um prédio, mas em uma análise ambiental e cultural do local, que informou uma serie de diagramas programáticos para a Geo and Bio Ethics University na Lower Manhattan. Este programa estava estritamente baseado na ideia da paciência, tempo, respeito e consideração que não estava exatamente no currículo da minha educação arquitetônica. É uma ideia, especialmente no contexto das mudanças climáticas, das bolhas imobiliárias e da gananciosa desestabilização neoliberal dos mercados e de sociedades inteiras, que até hoje ainda é o toque do tambor que dá ritmo ao meu trabalho. Por isso, e por seu imenso legado construído e social, eu serei eternamente grato a Niemeyer e a Veveco.

Entrevista Oscar Niemeyer

Em Dezembro de 2001, estava eu sentado no novo terminal 4 do aeroporto JFK em Nova York, prestes a embarcar em um avião para o Brasil. O stress das condições da viagem são graciosamente diminuídas pela grande luz do móbile de Alexander Calder?serenando-me, lembrando-me da razão para este voo: Oscar Niemeyer. Eu me concentro no móbile de Calder e sinto a gravidade zero, uma escala atemporal. Sentimentos que Niemeyer também havia me provocado enquanto eu navegava em obra, uma licença maleável para sonhar com a qual ele nos premiou décadas atrás. Então me ocorreu: o que eu iria perguntar, dizer, para Niemeyer? Como eu poderia, um inexperiente estudante-arquiteto conectar com essa lenda viva de 94 anos, comunista, associado relutante de Le Corbusier, e contemporâneo de grandezas como Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? Anos-luz de informações existem entre nós. Como poderíamos eliminar aquela distância?

Oscar Niemeyer é brasileiro, carioca para ser exato. Ele nasceu com o modernismo. Aos 33 anos ele construiu sua primeira grande comissão, diversos construções de lazer em torno da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, onde sua capela de São Francisco fica localizada. Aos 40, ele participou de um concurso de projetos contra os mais renomados arquitetos do mundo, Le Corbusier sendo um dos concorrentes, para a sede das Nações Unidas na cidade de Nova York. Ele foi premiado e, apesar do desentendimento com Le Corbusier, ele aceitou o premio e foi em frente com sua construção, feita em 1953. De 1955 até 1960, ele, junto a seu mentor, o urbanista Lucio Costa, projetaram e construíram a nova capital do Brasil, Brasília. Durante a década de 60 e 70 Niemeyer é ameaçado e perseguido pela ditadura militar. O principal engenheiro de Brasília, e bom amigo de Niemeyer, Joaquim Cardozo, foi julgado e processado por “incompetência? por seu papel na construção da nova capital. Niemeyer foi forçado a procurar asilo político na Europa por quase duas décadas. Durante esses anos, é até hoje, ele continua a construir em 5 continentes, com dezenas de trabalhos transcendentais em sua obra.

Ele é criticado por Brasília não ter funcionado. Niemeyer escreveu ?“Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras: um gesto, uma palavra de afeto e solidariedade.?Talvez Niemeyer dependesse da humanidade…

Cercado pelo inebriante espírito do Rio, e com a minha vaga versão em Espanhol do Português, sou recebido com cordialidade e simpatia contagiante pelo Sr. Niemeyer (ou Dr. Niemeyer, como ele é chamado por lá).

Luis Berríos-Negrón: Em nome do departamento de arquitetura da Parsons School of Design, o nosso mais sincero agradecimento por essa oportunidade.

Luis Berríos-Negrón: Sei que o senhor estará se reunindo essa semana com membros da imprensa francesa. Porque o senhor acha que, aos 94 anos, o senhor é tão aclamado?
Oscar Niemeyer: Não vejo razão não (risos). Sou um homem comum como todos os outros.

LBN: Como escrevi em uma carta ao senhor, temos um grande desejo de escutar a sua opinião sobre esse período histórico de mudança e conflito. Especificamente, o 11 de setembro instigou mudanças dramáticas de percepção a nível local e global. Para muitos de nós que estivemos a metros da tragédia ficou um sentimento de angústia e desilusão. Muitos estudantes de Arquitetura estão preocupados com a relevância da profissão, considerando a profundidade de políticas ocultas que algumas vezes causam essas reações radicais de nossos camaradas do outro lado do mundo. Com isto em mente, o senhor visualiza uma nova função ou responsabilidade para a Arquitetura? Para o estudante, para o profissional, para as pessoas?
ON: Eu sempre digo aos estudantes que não basta sair da escola como ótimo profissional. O importante é que ele se informe dos problemas do mundo e da vida, de modo a poderem participar dignamente, igual ocorre pelo mundo afora. Por isso quando eu estive na Universidade Algiers, -e propus um programa para a escola de Arquitetura- eu propunha que, além do curso normal de Arquitetura, houvesse paralelamente conferências sobre política, sobre sociologia, sobre literatura, sobre filosofia, de modo que o estudante saísse pra vida, como eu disse, apto a viver decentemente e se manifestar. De modo que a minha opinião é essa. Eu passei a vida debruçado na mesa de desenho, mas eu acho que a vida é muito mais importante que a Arquitetura.

LBN: O senhor acha que o arranha-céu ainda tem o seu lugar no expansivo mundo do neoliberalismo, depois do que aconteceu com o World Trade Center?
ON: Eu acho que o urbanismo tem diversas opções. Ele pode ser horizontal, pode ser vertical. Qualquer solução pode ser boa. Eu acho que o arquiteto deve ter sensibilidade para procurar ser útil para a comunidade e o urbanismo deve ser uma solução, solução que vise a proteção do homem, do trabalho. Eu acho que a Arquitetura mudou muito. Eu acho que, depois do concreto armado, qualquer outro tipo de arquitetura não interessa mais. No passado, por exemplo em Roma, eles fizeram uma cúpula de 35 metros de diâmetro. Ontem nós fizemos um desenho aqui de uma cúpula com 70 metros e 20 cm de espessura. Então a técnica mudou. Depois do concreto armado, é a técnica do concreto armado que prevalece. É o espaço com que o arquiteto vai ter que lidar para entender as funções da sociedade moderna. De modo que acho que cada arquiteto deve fazer a sua arquitetura. Eu não acredito em uma arquitetura que sirva a todos, que seja uma arquitetura ideal. Seria a repetição, monotonia. Eu acho que o arquiteto, dentro das suas possibilidades, deve procurar o seu trabalho. Eu acredito na intuição. Eu faço o meu trabalho, eu procuro uma arquitetura mais leve, quando o tema permite, baseada na técnica mais apurada. Eu não critico os colegas, acho que cada um deve fazer o seu trabalho. Agora eu sigo a minha intuição com toda liberdade. Tem muito livro aí escrito sobre o meu trabalho. Eu não li nada, eu não quero influências. Eu não tive influência nenhuma. Eu trabalhei com o Corbusier, mas o meu primeiro trabalho, Pampulha, era tão diferente do que se fazia, que prova que eu não estava interessado. Eu quero fazer o meu trabalho do meu jeito. Essa é a minha posição na Arquitetura. Acho que deve haver esse entendimento e cada um aceitar o que o outro faz com simplicidade.

LBN: O senhor tem alguma sugestão para a área onde antes estava o World Trade Center?
ON: Não, não tenho. Querem fazer uma exposição em Nova York. Uma exposição de estudos sobre essas torres. E mandaram pedir para eu dar minha opinião também nos croquis. Eu não quis fazer. Eu acho que nós entramos em um momento dos piores da vida dos homens. Um momento de violência. A gente não pode dizer que as torres, por exemplo, foi um ato de terrorismo, mas invasões, bombardeiros, também são um ato de terrorismo. Quando começaram os bombardeiros contra o Saddam já era um ato de terrorismo. Acho que existe uma confusão, uma coisa toda errada. Eu acho que o mundo esta num momento em que a gente não sabe aonde vai parar.
Nós fizemos um curso de sete dias sobre Arquitetura. Então eu falei, dei a minha aula, o meu colega que é engenheiro calculista deu a dele e nós chamamos outros amigos. Um falou sobre Literatura, o outro falou sobre Filosofia e o outro falou sobre o mundo atual. Eu me lembro quando ele acabou de falar, eu perguntei a ele: “o que você acha que vai acontecer??Ele disse: “Eu to assustado.?E a gente, a gente mesmo, o homem deve estar hoje assustado. Sem saber pra onde isso vai. Porque é uma violência como nunca houve. Está se expandido pelo mundo árabe todo, daqui a pouco pode abrir outros movimentos também de terrorismo.
De modo que é um momento negro da vida dos homens, eu acho horrível que tenha acontecido. Você veja: quando derrubaram as torres foi horrível aquilo, muito sério, as mortes que causou. Mas também estão derrubando as cidades lá do mundo árabe, matando gente que não tem nada que ver com isso. Outro dia, num bombardeio, morreram mais de cem pessoas. De modo que há um clima de coisa que parece maluquice, em a gente não sabe onde é que vai parar. Eu acho o pior momento que nós estamos vivendo.

LBN: Por isso nós, estudantes, estávamos desejosos de falar com você… Porque nós estamos deprimidos e preocupados…
ON: Eu acho que a vida é um minuto não é? Então vale a pena vivê-la melhor, de mãos dadas, fraternais. A vida não é tão importante assim, é uma coisa à toa. Então a gente tem que viver bem, botar de lado. Eu quando olho pra uma pessoa, quando eu lido com uma pessoa, eu penso sempre que ela deve ter um lado bom. E se não tem, é uma surpresa. Talvez a genética explique. Mas eu acho horrível a gente ver o mundo assim como se fôssemos inimigos uns dos outros, afinal árabes, americanos, europeus, são todos irmãos. Porque essa miséria, porque esse ódio? Eu andei no mundo árabe, num mundo atrasado. Eu fui até a Arábia Saudita, é completamente fora da civilização. Eu estive nos Estados Unidos, somando dá mais ou menos 2 anos, eu gostei. Quando cheguei nos Estados Unidos foi quando estava para estourar a guerra e eu vi o povo americano pulando na rua, os estudantes, dizendo ‘up democracy, down fascism? foi um momento de entusiasmo contra o mundo pior que eles queriam criar. Mas isso passou. Agora esta uma confusão: eu não gosto do Bin Laden, mas também não gosto do Bush.

LBN: Olhando para Brasília depois de meio século, e considerando a proliferação de elites, das comunidades fechadas, como as Alphavilles em São Paulo, o senhor acha que Arquitetura e Urbanismo tem a capacidade de facilitar mobilidade social?
ON: Eu acho que o homem é que mexe nas coisas. Por exemplo, a Argentina agora, num momento de entusiasmo, vê que o povo saiu pra rua e mudou o governo. Isso precisava acontecer no Brasil. A vida brasileira não está boa também, não. Venderam o país. Mas isso é muito complexo não é? Eu não sou um especialista político, eu sou um simples arquiteto. Mas eu me interesso, acho que o arquiteto precisa ver, e tenho a minha opinião, opinião pequena de arquiteto. Mas digo, protesto, passei a vida protestando, porque a gente quer um mundo melhor, a gente quer um mundo mais justo, todos de mãos dadas, isso que a gente quer.

LBN: Em um recente artigo de sua obra Pampulha na revista Wallpaper, nos Estados Unidos, o senhor falava que suas obras públicas são para criar espaços para todos. O Sambódromo é um projeto satisfatório no ponto de vista sociopolítico?
ON: O carnaval é a distração do povo não é? O povo é gente mais pobre que vive nas favelas. Quando vem o carnaval eles juntam dinheiro para se fantasiar, pra ir dançar lá no sambódromo. Eles são inocentes, eles não sabem que estão ali distraindo justamente a burguesia que oprimia eles o ano inteiro. E ali batem palma e no dia seguinte estão todos uns contra os outros outra vez. A vida é muito perversa.

LBN: Qual seria o seu projeto mais satisfatório para você?
ON: Eu fiz projetos tão diversos… Se você for ver o meu trabalho, você vai ver que eu não fiz apartamentos, não fiz escritórios. Eu fiz museus, teatros, projetos que pedem muito mais trabalho de imaginação. E é isso que eu gosto de fazer. Não gosto de residência. Eu sei que é importante, mas é difícil lidar com os proprietários né? Eu fiz uma casa pra um sujeito em Brasília. A casa era boa. Quando ficou pronta, ele queria mostrar a casa pra mim, eu fui, cheguei antes dele e a mulher dele que me esperou na entrada. Uma senhora simpática, e disse – “Dr. Niemeyer, essa casa mudou a vida da gente. Eu gostei tanto da casa que eu fiz a decoração? (risos). Eu disse: “eu to frito? E foi o que aconteceu. Quando eu entrei não tinha mais nada da arquitetura. De modo que a arquitetura não é só o prédio por fora, é também o interior, e isso é difícil a gente conseguir. A arquitetura é o espaço que envolve a arquitetura.
Agora eu acho o seguinte, eu faço uma arquitetura que me agrada. Quando o tema permite, eu especulo na técnica, eu convoco meu engenheiro, a gente pensa em utilizar… Por exemplo, eu fiz um prédio agora em Brasília, um prédio governamental. Ele é grande, e você chega embaixo dele, e só tem o apoio central, ele parece que está solto no ar. Então essa coluna sobe, com os elevadores, e as vigas de cima sustentam com tirantes todos os andares. É uma demonstração de técnica, está ajudando a Arquitetura a evoluir. E o presidente passou lá, e disse -“ah, porque esse prédio tão luxuoso??Ele não compreendeu. Quando eu faço o prédio público, como esse, eu imagino que o sujeito mais pobre que vai lá, que vê o prédio, e não vai usufruir nada desse prédio (os outros é que vão ganhar dinheiro) ele pelo menos tem aquele momento de prazer, de ver uma coisa diferente, de indagar: “o que é isso?. De modo que a Arquitetura é cheia de segredos. A gente quer ver o espetáculo. Por exemplo, a Catedral de Brasília, quem olha e não conhece pensa que é muito complicado de fazer. Foi muito simples. Nós construímos as colunas no chão, pré-fabricadas, e suspendemos. Está pronta a Catedral!

LBN: O senhor provavelmente esta cansado de escutar pergunta sobre a seguinte citação de Le Corbusier que diz: “Oscar, você faz o Barroco em concreto armado, mas faz bem.?br /> ON: De Corbusier, a única influencia que eu tive, foi no dia em que ele me disse: “Arquitetura é invenção.?Quer dizer, eu procuro fazer uma arquitetura, que tenha qualquer coisa diferente, e crie surpresa, e isso é importante. Minha Arquitetura é muito diferente da dele. Ele cria uma coisa mais pesada, ele não especulava muito na técnica. Se você vir Chandigarh, tem coluna por todo lado. Ele podia diminuir aquilo e ter só a metade das colunas, muito menos da metade. Mas com certeza ele queria aquele aspecto, um pouco egípcio, das colunas. De modo que a gente não tem que criticar nada, cada um faz o que quer.

LBN: Arquitetura hoje esta em um estado de Rococó?
ON: Não sei. Cada um faz o que quer. Outro dia veio aqui me visitar, o Bofill. O Bofill é o que faz pós-moderno, e ele veio, ele é simpático. Eu faço Arquitetura diferente da dele, tudo bem, não vou criticar o que ele faz.

LBN: Qual foi a sua intervenção política mais importante?
ON: Eu entrei no partido, eu militei no partido, eu fui proibido de entrar nos Estados Unidos durante 20 anos porque eu era comunista. Eu continuei com as minhas ideias. Eu acho que o comunismo é uma ideia que está no ar. Que visa a confraternização dos homens. O que ocorreu na União Soviética um dia vai se modificar. O que os soviéticos querem é o que eles tinham antigamente. É o apoio governamental, era a casa, era a alimentação, era a medicina. Eu acho que o capitalismo está em decadência. Os Estados Unidos vão entrar em crise um dia. Pode demorar, o Império Romano levou 300 anos para acabar. Pode demorar muito tempo, esse clima do poder assim, da intervenção desmedida: até intervir nos outros países. Isso um dia vai acabar. A gente não sabe como.
Eu acho que o homem deve olhar para o céu e ver como ele é pequenino, não tem a menor importância. Então os sujeitos estão ai querendo aparecer. Outro dia um jornalista me perguntou -“Mas o seu trabalho vai ficar pros outros verem, muita gente vai ver depois que você morrer, vão gostar? Eu disse, mas vocês vão morrer também. -“Mas os outros vão ver? Mas os outros vão morrer também. Tudo vai acabar. Por isso que eu acho que o homem deve estar ligado (não é uma posição pessimista, que não tem sentido), tem que estar dentro da realidade.

LBN: “Corbu?intitula, em lngês, um de seus livros: “Towards in new architecture? (Em direção a uma nova Arquitetura). Nós ainda estamos nos movendo?
ON: O que muda a Arquitetura é a evolução social, é a evolução da técnica. Isso é que muda a Arquitetura. O dia que aparece um material diferente. Hoje é o concreto armado que domina, o sujeito queira ou não queira, é o concreto armado que permite uma Arquitetura mais livre. Quando eu termino uma estrutura, a arquitetura já está ali. Porque eu procuro fazer uma coisa muito simples, não tem nenhum apoio que depois vai desaparecer no meio das alvenarias. Mas a estrutura metálica, quando você termina uma estrutura, é uma confusão, você não sabe o que vem depois. De modo que eu prefiro trabalhar com o concreto armado, acabou uma estrutura é aquilo, o resto é acabamento. Agora, se vier um material novo, uma estrutura de vidro, outra coisa qualquer, aí a Arquitetura pode mudar. No dia em que nós estivermos no regime socialista, a Arquitetura brasileira vai mudar. Porque a nossa Arquitetura hoje só serve pra quem tem dinheiro. Os pobres estão trepados na favela. Num regime mais popular, vão mudar os temas da Arquitetura. E eles serão naturalmente mais importantes, mais generosos, e eles vão se dirigir ao povo mesmo, aos problemas populares.

LBN: O que o senhor quer dizer com “O arquiteto deve nascer como arquiteto, assim como o pintor deve nascer como pintor?/em>?
ON: Eu acho que nesse setor das Artes tem que haver intuição. O sujeito não aprende Arquitetura, o sujeito vai pra uma escola. Se ele tiver talento ele pode fazer uma arquitetura diferente. Senão, ele pode ser útil, ele faz uma arquitetura normal, indispensável para a vida, essa coisa toda. É feito com uma criança: eu acho que deve-se proteger a intuição. Uma criança com 8 anos às vezes faz um desenho fantástico. Se você ampliar sai um mural extraordinário. Depois que ela vai para a escola, que conhece os mestres, aí cai na rotina. É a coisa já cheia de regras. De modo que o ensino da Arquitetura também devia dar ao estudante mais liberdade. Eu conheci muito desenhista melhor arquiteto do que arquiteto. Corbusier nunca frequentou uma escola de Arquitetura. Ele tinha uma ideia de Arquitetura. Ele saiu do escritório que ele trabalhava, e saiu desenhando o que ele gostava e tal, e fez a sua Arquitetura. De modo que eu acho que o importante é a intuição, quando não há intuição é mediocridade. E por isso que é muito difícil ter unidade na Arquitetura. Você vai a Brasília hoje e é péssimo, aquelas ruas, a arquitetura medíocre, confusa… Que se pode fazer? Você vai ao Rio de Janeiro e se pergunta: “o que estão fazendo aqui? Eu fico envergonhado. Levam você pra Barra, que é uma merda. A Barra é Miami, subúrbio de Miami. Em qualquer cidade moderna para você ver um prédio bom, você tem que saber o endereço. Porque em geral não tem unidade, é confuso… Mas é assim, o que se vai fazer?

LBN: Hoje em dia se nota um aumento no número de arquitetos emigrando para outras disciplinas…
ON: É comum. Eu tenho amigos meus, por exemplo, muito amigos, feito o Chico Buarque e o Tom Jobim. Eles cursaram Arquitetura até o terceiro ano, e depois largaram. Foi nesse sentido que eu fiz a Universidade de Constantine. A Universidade de Constantine é um dos trabalhos de que eu gosto mais. Quando eu fiz aquela universidade, o programa que eles tinham era para vinte prédios. Nós fizemos sete. Nós fizemos o edifício de classes, onde têm auditórios, essas coisas. Fiz um edifício de ciências, tem uma biblioteca, restaurante, o auditório. E qualquer faculdade nova não precisa de um edifício. Usa o prédio de ciência e o prédio de classes. (telefone toca).

LBN: Recentemente tem surgido um interesse no trabalho dos neo-vitalistas, como Kenzo Tange ?que eu sei que você conhece. Isto dentro do campo do desenho sustentável ou ecológico. O seu vernáculo tropical é sustentável?
ON: Eu quando tenho um projeto pra fazer, eu penso no projeto. Às vezes a solução vem de repente, até sem pegar no lápis. Eu, por exemplo, estava em Alger e tinha que fazer a mesquita. Fiquei de noite pensando na mesquita, levantei e desenhei. Outras vezes, me obrigo a pensar… O Museu de Niterói por exemplo, era simples, tinha um braço de terra, em volta era o mar. Tinha um apoio vertical e surgiu a arquitetura. Quando eu faço o projeto, e tenho uma ideia, eu faço o texto explicativo. Então eu escrevo como é que eu vejo o projeto. Se eu não tenho argumentos, eu volto à prancheta. Se tenho, aí eu começo a trabalhar.
O projeto varia muito. Primeiro, do espaço em volta, da ideia de criar uma coisa nova. Por exemplo, o Mondadori, que era o dono da editora Mondadori de Milão, veio me procurar. Ele tinha estado em Brasília, e ele queria fazer um prédio em Milão que tivesse as colunas de Brasília, a colunata. Eu disse: “está bem, eu faço.?#8211; mas eu fiz diferente. Eu fiz as colunas sustentando as vigas do teto, que por sua vez sustentavam os andares. Então eram colunas muito mais fortes. Eu queria variar a colunata.
Num período da renascença italiana, se você examinar, você vai ver que eles se preocupavam, naquela época, eles ainda se preocupavam com as colunas gregas. Você vai ver os trabalhos daqueles arquitetos italianos, e os prédios estão cheios de coluninhas. Eles discutiam a parte de cima das colunas variando. Eles não tinha coragem de fazer coisa diferente. Na Mondadori, em que eu queria mexer nas colunatas, eu mexi no espaço. Porque o espaço faz parte da Arquitetura. Em vez de eu fazer colunas com espaços iguais eu fiz com quinze metros, três metros, cinco metros. Então eu mudei o tipo de colunata. Eu nunca vi antes uma colunata assim, com espaços diferentes. Então é uma novidade. Isso é que, a meu ver, é Arquitetura.
Agora, quando eu tenho um tema, eu procuro estudar. Tenho uma ideia, e às vezes a coisa é rápida, outras vezes é complicada. Por exemplo, eu fiz um prédio em São Paulo, uma cúpula. Ela ficou entregue aos militares a vida inteira. Agora recuperaram a cúpula, a cúpula é bonita. As grandes exposições em São Paulo agora são feitas nessa cúpula. Eu fiz essa cúpula há 40 anos atrás. Ela tem umas sobrelojas, que encostam assim na cúpula e deixam espaços vazios. Agora o Pompidou está fazendo uma exposição em São Paulo. Está fazendo nessa cúpula, que eu fiz há 40 anos atrás.
Agora eu fiz um museu, que eu tinha feito um projeto para o Paraná, que era uma escola. Era uma escola em pilotis. Ela tinha 200 metros de comprimento e 40 de largura. Mas quando eu vi a escola agora, 40 anos depois, eu fiquei surpreso. Porque é bonita. Ela é toda fechada, a iluminação é por cima, zenital. Então os espaços de colunas, tem espaço de 60 metros, feito há 40 anos atrás, entre uma coluna e outra. Então o diretor, com o prefeito, resolveu fazer um museu, e pensou que nesse prédio ele podia ter tudo que um museu precisa: cursos, auditórios, tudo que o museu mais moderno precisa chegava nesse prédio. Faltava então fazer um salão de exposições. E ele queria um salão de exposições que não escondesse o prédio, porque lá gostam muito desse prédio. Então eu fiz uma torre e fiz um salão no ar. De modo que a Arquitetura é isso, cada tema é diferente.
Agora me pediram um projeto pra São Paulo, não me lembro a cidade, e eu fiz o projeto. Então eles queriam um auditório pra 3000 pessoas e, além do auditório, uma arquibancada para 3000 pessoas também, para voleibol, basquetebol. Mas eu não queria fazer duas coisas isoladas. Eu queria fazer um prédio que tivesse o auditório, com todo o conforto que auditório deve ter –som, aquilo tudo– as salas necessárias para encontros, congressos, e, ao mesmo tempo, no mesmo prédio, a arquibancada. Duas coisas no mesmo prédio, mas independentes. E assim sobrava mais espaço. E eu fiz. Então é um prédio diferente que, eu imagino, você nunca viu. Tem um auditório moderno, pra 3000 pessoas, e uma arquibancada para voleibol e basquetebol, para jogos especiais. Então sai um prédio diferente. Porque o programa é que leva a gente a uma solução. Eu vou mostrar pra vocês uma maquete de trabalho, maquete muito simples, mas que já dá ideia do se vai fazer, e vou mostrar a outra maquete desse prédio lá do Paraná, que já começou. Porque o prefeito veio aqui e ficou tão espantado com o prédio que viu que era bom, pra ele, pra construir lá. Ele achava que o tal bloco ficava solto na cidade. Então já começou a obra. Mas o arquiteto não escolhe os assuntos. Os assuntos aparecem, e a gente faz.

LBN: Como o senhor se sente ao ser citado como o outro comunista que existe no mundo, sendo que Fidel Castro é o outro?
ON: Ah, Fidel Castro é uma figura fantástica. Está ali ao lado dos Estados Unidos desafiando o poder americano. O Bush está querendo invadir, mas não tem coragem. Seria ruim demais pra humanidade. Fidel transformou, ele vive lá de braços dados com o povo, é um país fantástico, não tem miséria, são todos amigos. Quando vem um cubano aqui eu fico espantado, não tem analfabeto lá, eles tem uma noção da vida, dos direitos. É um exemplo para a humanidade.

LBN: O que o senhor pensa que vai acontecer com a solidariedade e o comunismo?
ON: Acho que o que houve na União Soviética foi um acidente de percurso. A coisa vai mudar. Porque o comunismo é a ideia que está no ar. Pode ter outro nome, até. Mas a ideia é de que os homens possam ser iguais, vivam iguais, em meio às possibilidades, ninguém pode ser contra isso. Só tarado, não é?

LBN: Para um ateu, o senhor tem um imenso dom para condicionamento espiritual. Como o senhor se conecta com essas sensibilidades em sua obra eclesiástica?
ON: Eu era de família católica. Eu me lembro que, em casa…
Era uma família de fazendeiros. Meu avô veio para o Rio, era juiz de paz, depois foi ministro do Supremo Tribunal. Eu fui criado num ambiente assim: vinham uns políticos ficavam na casa, a casa era grande, e tinha uma sala de visitas, tinha umas seis janelas, minha avó abria, uma delas era o oratório, tinha missa em casa. Mas quando eu saí pra vida, a vida é injusta demais. De modo que o que se pode fazer é protestar. Eu tô [SIC] sempre ai protestando contra o que for preciso.

LBN: Alguns anos atrás, o senhor dividiu a sua vida em três partes: Pampulha, Brasília e a terceira, a Arquitetura mais perto da terra com vigas mais compridas. Você conseguiu nomear a terceira?
ON: Não, a arquitetura que eu faço é sempre a mesma. O que muda são os problemas, os assuntos que aparecem. Eu devia parar. Eu devia ter parado há muito tempo. Mas eu tenho gente que depende de mim, eu não posso nem morrer. Senão eu teria parado há muito mais tempo.

LBN: Qual o projeto que o senhor esta desenvolvendo atualmente?
ON: É esse projeto que eu estou dizendo. Eu tenho um projeto para a Noruega, uma casa e me interessa muito, porque é diferente de todas lá. Tem outro projeto na Itália…Aqui eu estou fazendo esse museu, em Niterói, estou fazendo o caminho Niemeyer que é lá em Niterói, e esse museu Paraná.
Tem o caminho Niemeyer que tem uma catedral, são diversos prédios. É um projeto que me interessa muito. Esses prédios são um conjunto na beira do mar, é um lugar que vai dar muito realce à arquitetura. No momento, eu tenho estudado os prédios, mas pensando que eles devem coincidir. Entre eles, deve ter um elemento plástico que liga e cria unidade do conjunto. É um trabalho que me interessa, mas que é difícil de andar porque é complicado…
Mas esses dois, esse museu e esse prédio, são os dois que estão me ocupando mais.

LBN: Há um interesse próprio de refletir ideias sociopolíticas através das liberdades plásticas e da estética gestual da sua obra?
ON: Não. A obra que eu faço é resolver o problema que vem às mãos. É convocar os artistas para trabalhar, tentar voltar àquela integridade das Artes, àquela ligação das Artes com a Arquitetura. Convoco os artistas. Esse projeto que eu estou fazendo em Niterói, por exemplo, não vai ter materiais caros, não. Eu não faço da minha Arquitetura propaganda de material, não. A parede lisa, branca. Agora, quando é possível, tem uma pintura, tem um desenho.

LBN: O autor marxista Hal Foster afirma: “A livre expressão de Gehry implica a falta de liberdade da nossa inibição. O que quer dizer que sua liberdade é na maioria uma franquia na qual ele representa a liberdade mais do que ele a concretiza. Em outros sentidos, e com grandes consequências, esta visão da expressão e liberdade é opressiva, porque Gehry projeta desde a lógica cultural do capitalismo avançado em termos da linguagem de correr riscos e efeitos espetaculares.?Durante esta época onde o capitalismo e o comunismo parecem chegar em um ponto de saturação, o senhor poderia dar algumas palavras como sugestões para interpretar essas experiências, a fim de torná-las intuições?
ON: Não entendi bem. Eu faço Arquitetura que eu gosto. Eu procuro a forma diferente, mas sempre pensando na função. Por exemplo, fiz o projeto do Mondadori, que é um palácio.
Quando ele ficou pronto, e ele teve que fazer outro projeto, em outra cidade, ele me chamou. Então o projeto era funcional.
Eu fiz a sede do Partido Comunista em Paris. Quando eles quiseram fazer o jornal, anos depois, eles me chamaram. Quer dizer, o meu trabalho funcionava bem. De modo que eu acho que a arquitetura tem que atender à finalidade, mas deve ser bonita, deve ser diferente.
Agora, cada arquiteto escolhe o tipo de arquitetura, de forma plástica, que lhe agrada mais. De modo que eu não critico ninguém, eu acho que está tudo bem, cada um faz o que quer. Eu não leio nada sobre o meu trabalho. Tem muitos livros publicados, eu nunca li. Eu quero fazer o meu trabalho, modestamente, como eu gosto. Se me perguntam do arquiteto, o arquiteto é bom, mas eu não digo quem é melhor ou quem é pior. Eu estive lá na casa do Frank Lloyd Wright. Passei uma noite na casinha de Oak Park. Uma casa bonita, ótima. O que ele gostava de fazer. O principal é que o arquiteto esteja satisfeito com o que ele faz. O resto, os outros, não deve interessar. Quando eles começam a se interessar pelo que vão dizer da sua arquitetura, aí ela não está bem, acho que deve ser uma coisa espontânea. O trabalho desse arquiteto deve ser ótimo, se ele está contente de fazer, está ótimo.

LBN: Eu tenho uma pergunta pessoal. Eu li um artigo na revista Trip, recentemente, em que você fala que a sua droga é a mulher. E eu pergunto: qual a sua religião?
ON: Acho mulher importante, é o mais importante. Mais importante que Arquitetura. Acho que deve ser. A vida é isso: a gente rir e chorar o tempo todo, a gente viver os momentos bons e os maus e aguentar. É isso. Não tem mistério.

Niemeyer em 2002


Luis Berríos-Negrón entrevista Oscar Niemeyer

English version by the author

Note by the author

This interview occurred while I was student of fine arts at the Parsons School of Design in New York City. It was made possible by way of Mariza and Veveco Hardy who were collaborating with Niemeyer at the time. It was scheduled before the events of 9.11 took place. And when 9.11 went down, the loss of life was horrific. I was also horrified about the kind of hatred a building as icon could generate. I became deeply confused about the role of architecture. I needed answers?none came, only more confusion. One of the attributes to the confusion was that, already in October, there was an “exhibition” of Ground Zero proposals at the Max Protech Gallery in the art district of Chelsea in New York. Most starchitects sent a submission. I saw the show. I was not able to understand how fast this happened. As I was made aware by the Hardy’s that I will have a chance to meet and speak to arguably the most experienced living architect, I was already doing my best, not trying to make an interview, but just to look for personal answers, to see if Niemeyer’s wisdom would bleed into me. In the end, it was not his wisdom that bled into me, but surely his patience, humility, humour, and experience that undoubtedly changed my life forever by merely explaining, only as Dr. Oscar could, that it was too early to propose anything for Ground Zero.

Immediately upon my return to New York, I enrolled in a Ground Zero architectural design studio by Bill Sharples of SHoP architects. And it was during that semester where I practiced resistance for the first time, that despite the possibility of being failed for not producing “a building”, I heeded to Niemeyer’s advice. My effort resulted not in a building, but in an environmental and cultural analysis of the site, that informed a series of programmatic diagrams for a Geo and Bio Ethics University in Lower Manhattan. This program was strictly based on the idea of patience, of time, respect and consideration that was just not in the curriculum of my architectural education. It is an idea, especially in the context of climate change, of real estate bubbles, and the greed-driven neoliberal destabilization of the markets and of entire societies, that to this day still is the beating drum that gives rhythm to my work. For this, and his enormous built and social legacy, I will be forever grateful to Niemeyer, and to Veveco.

Interview Oscar Niemeyer

On December of 2001, there I sat in the new terminal 4 at the JFK airport in New York about to board a plane heading to Brazil. The stress of the current travel conditions is gracefully diminished by the enormously light Alexander Calder mobile?grounding me, reminding me of the reason for this flight: Oscar Niemeyer. I focus on Calder’s mobile and feel the zero gravity, a timeless scale. Feelings Niemeyer has also given me upon navigating his oeuvre, a malleable license to dream he awarded us decades ago. And then it hits me, what am I to ask, to say to Niemeyer? How can I, a wet-behind-the-ears student-architect, connect with this 94 year old living legend, communist, reluctant associate of Le Corbusier, and contemporary of greats such as Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? There are light years of information in between us. How shall we wormhole the sense in this one?

Oscar Niemeyer is Brazilian, “carioca?to be exact (from the state of Rio de Janeiro). He was born with modernism. At 33, he built his first mayor commission, several leisure buildings around the Pampulha Lake in Belo Horizonte, where his St. Francis of Assisi chapel is located. At 40 he submits a design competing against the most renowned architects in the world, Le Corbusier being one of the competitors, for the see of the United Nations in New York City. He is awarded with the commission, and despite disagreements with Le Corbusier, he accepts the award and goes forth with its construction, built in 1953. From 1955 through 1960, he, alongside his mentor/urbanist Lucio Costa, designs and builds the new capital city of Brazil, Brasilia. During the 60’s and 70’s Niemeyer is harassed and persecuted by the insurgent military dictatorship. The chief engineer of Brasilia and good friend of Niemeyer, Joaquim Cardozo, is judged and prosecuted for “incompetence?for his role in the building of the new capital. Niemeyer is forced to seek political asylum in Europe for almost 2 decades. During those years, and still to this day, he continues to build in 5 continents with dozens of transcendental works credited to his oeuvre.

He is criticized, alleging that Brasilia did not work. Niemeyer wrote ?“I hope that Brasilia becomes a city of happy people, people that feel life in all its plenitude, in all its frailty; people who understand the value of the simple things ?a gesture, an expression of affection and solidarity.?Perhaps Niemeyer depended on humanity…

Surrounded by the intoxicating spirit of Rio and with my vague Spanish version of Portuguese, I am welcomed with warmth and contagious sympathy by Mr. Niemeyer (or Dr. Oscar as he is referred to around these parts).

Luis Berríos-Negrón: So, you’re meeting today with Le Monde (newspaper of largest circulation in France), for the publishing of a brief biography. Why do you think you are, at 94, as requested as ever?
Oscar Niemeyer: I do not know the reason (smiles). I am a common man just as everyone else.

LBN: As described in my letter to you, I feel there’s a great desire to hear your opinions during this period of drastic change and conflict. 9.11 has instigated a vast reassessment of perceptions, from local to global standpoints. And for many of us who were meters away from the collapse, we have been left with a profound feeling of despondence. For us specifically, as new students of the profession, we are beginning to wonder what is to become of the world, little less of the profession… its seeming irrelevance due to inexplicit geopolitics causing the radical dismay of our fellow citizens across the globe. Considering this, do you envision a new role for architecture… for the student, for the professional, for the people?
ON: I have always told students that school is not enough to be a professional. I always say that one needs to be aware of the world and of life so to be able to participate with dignity in the events of actuality. When I designed the University of Algiers in Africa I also proposed a program for the school of architecture that, in addition to the traditional curriculum, it implemented parallel courses in science, philosophy, sociology, literature and politics. All so that the student can leave the academia to live in decency, able to manifest. That is my opinion. I go through life tied to my drawing table, but I find that life is much more important than architecture.

LBN: Do you feel that the skyscraper still has a place in these times of neoliberal sprawl?
ON: I believe that urbanism has options. It can be vertical, it can be horizontal. Any solution can be good. I believe that the architect must be sensitive, procuring the needs of the community. Urbanism must be a solution that provides for the well-being of humanity. I understand that architecture changed many things. For me, after reinforced concrete, I have not had any interest in other architectures. In the past, in Rome for example, they made a dome of thirty-five meters in diameter and one meter of thickness. Yesterday, we released a design for a dome of seventy meters in diameter with a twenty-centimetre thickness. So, the technique has evolved. Reinforced concrete is what prevails. The space that the architect designs must procure the function of society. Therefore, the architecture makes the architect make the architecture. I do not credit an architecture that serves all. It would be repetition, it would be monotony. I believe architects, within reason, must procure their own architecture. I believe in intuition. I do my work. I procure a lighter architecture.

LBN: Do you have any suggestions as to what should be done with the site where the World Trade Center used to be?
ON: No, I do not. I understand there will be an exhibition in New York (Max Protech Gallery) about these proposals. I was invited to participate in this exhibition, but I respectfully declined to submit any ideas. I feel that we are entering one of the darkest periods in human history, a period of violence. Many see that what happened to the Towers was an act of terrorism, but I believe that the invasions and the bombardments are also acts of terrorism. I find it horrible. The death and the horror caused by the collapse of the Towers were horrible, but the destruction of entire cities and nations in the Arab world is also horrible. Many innocent people are dying.

ON: I believe that life is a minute (smiles). I believe we should live better. We must live well. Why that misery, that hatred? I travelled the Arab world and it is an antiquated world. I was in Saudi Arabia and it is outside of civilization. I was in the United States and I liked it. During those years students were jumping on the streets saying – “up democracy, down fascism…?It was a time of enthusiasm trying to make a better world. But that’s in the past, now it is all confused. I don’t like Bin Laden, but I don’t like Bush either.

LBN: Looking at Brasilia after half a century, and considering “the urban proliferation of confusion?1) abetted by the Alphavilles (model of gated communities of Brazil, ironic considering Goddard), can architecture and urbanism still facilitate social mobility?
ON: I find that it is man who damages things. Look at Argentina. It is a moment of enthusiasm where the people come out to the streets. In Brazil, things are not well either. They have sold our country. It is very complex, don’t you think? I am not a political analyst, I am just a simple architect, but I am interested and I have my opinion. I lived my life protesting for a better, common life, for a more just world.

LBN: I read a recent article about you in Wall Paper magazine where you described La Casa do Baile in Pampulha, as you would describe many if not all of your public works, as a place for the people. Is the Sambadrome a satisfying project from a socio-political point of view?
ON: Carnaval is an event of the people. The people are those who are poor and live in the favela. When Carnaval comes, those who live in the favelas innocently spend the bit of money they saved during the year on their costumes to go and entertain those who have oppressed them all throughout the year. There goes the bourgeoisie to applaud, only to return the next day to the same oppression and rejection of the poor. The world is very perverse.

LBN: And the United Nations?
ON: Like I said, man damages everything.

LBN: Which project has given you the most satisfaction?
ON: I have made such diverse projects… if you look at my work, I have made few apartment and office buildings. I have made more theatres, museums… projects that require more imagination. Those are the commissions I enjoy. I like making residences but it is always a pain in the ass dealing with proprietors (smiles). I made a house in Brasilia. The house was good. When the house was ready, the owner called me to go see it. I did. When I arrived, the owners were waiting for me at the entrance, a nice couple. They say to me ?“Dr. Niemeyer, this house has changed our lives. We liked it so much we decorated it ourselves.?I was frozen [laughs]. When I went in, the house had no architecture left. So, architecture is not only the outside, it is also the inside, the program. That is something that it is difficult for people to understand. The design is the space that envelops the architecture. Now, I will tell you that I do what I enjoy. When the theme allows it, I speculate a technique, I convene my engineers. I made a building in Brasilia. It is a government building, it is large. When one arrives under it one only sees one structural member, seemingly floating in the air. This building rises and all the floors are held by two beams that come down into the ground. This is a demonstration of technique. I try in helping architecture evolve. The President of Brazil passes by and says ?“why such a luxurious building??He does not comprehend. When I make a public building as such, I imagine the poor person that will never get anything out of it. That although it is the others that will benefit, that will make money from it, it is this poor person that can at least look at it and say with pleasure ?“this is different.?Therefore, architecture is full of secrets. The people want to see the architectural spectacle.

LBN: You are probably tired of listening to people ask you about this quote by Le Corbusier – “Oscar, you do baroque in reinforced concrete, but you do it very well.?
ON: The only influence I had from Le Corbusier was when he told me “Oscar, architecture is invention.?Therefore I procure the making of an architecture that has something different, which creates surprise. But my architecture is very different from his. He made this heavy thing. He did not speculate much on the technique. When one arrives into his work there is a lot of columns. He used columns at less than a half the distance of what was needed, you know, like the Egyptians [smirks]. But, I do not criticize him. Everybody does what they please.

LBN: What are your most important interventions, politically or otherwise, as to protest a social or government action? Have you ever intervened in the misuse of one of your buildings?
ON: I joined the communist party. I was prohibited from visiting the United States for 20 years. I continued with my ideas. Communism is an idea that continues to be, in the air. It exists for the fellowship of humanity. What happened in the Soviet Union will one day be modified. What the Soviets wanted was government support for housing, food, health, science. I find that capitalism is in decadence. The United States is in a path of crisis. It took 300 years for the Roman Empire to crumble. They might remain in that climate of power and of excessive intervention in the lives of others for many years. But that will end. I believe that man should look to the sky and realize that he is a little thing, of little importance. People are living on appearances… what appearances? A journalist once asked me ?“Doctor, after you die, people will see your buildings and then they marvel at your genius.?Marvel about what [laughs]?! People die too, you know. We all die. Everything ends.

LBN: What do you mean when you say ?“the architect should be born an architect, just as a painter should be born a painter??
ON: I believe that there should be intuition in the arts. The person learns architecture. The person goes to school. If the person has talent, a different architecture might emerge. If not, the person can be useful in making normal architecture, indispensable for life. Like a child, one must protect intuition. An eight year old child can make a fantastic design. The child goes to school, meets the teachers, learns the rules. I would like for schools of architecture to allow for more freedom. I know many graphic, furniture, and interior designers that are better architects than architects. Le Corbusier did not go to school. He had an idea of architecture. He worked in an architect’s studio and from there he went on to design the things that he liked. That is why I believe there should be intuition. If there is no intuition, there is mediocrity. Architects are making things that are uniform. If you go to Brasilia today, it is very sad. You see buildings on the streets that are methodical, mediocre, confusing. But what can I do? If you look here in Rio de Janeiro and you ask what is being built, you will be taken to Barra (beach-front area southwest of Rio). Barra is shit. It is another Miami. It is a suburb of Miami. In any modern city, to see good architecture, you have to have an address on hand, because there is no unity. But that’s how it is.

LBN: How does it feel to be referred as to the other communist left in the world… the other of course being Fidel?
ON: Ah… Fidel Castro is a fantastic figure. There he is, alongside the United Sates, defying American power. Fidel transformed the life of humanity, relating himself to others in a wonderful country. There is no misery, there is fraternity, they have an extraordinary public health system, there is no illiteracy. It is a great example for all humankind.

LBN: What is to become of solidarity and communism?
ON: I believe that what happened in the Soviet Union was an unforeseen accident. It will evolve, because, again, communism is something that is in the air, which will soon have another name. The idea is that we should live as equals, that we live well. Who can go against that? Only the insane [laughs].

LBN: For an atheist you have quite a gift for making space for spirituality. How do you connect with these sensibilities in your ecclesiastic work?
ON: I was from a Catholic family. My family were landowners. My father came to Rio and got involved in politics. Our house was big and they held gatherings. My mother would open the six windows in our living room, then she would open the “oratorio?(enclosed altar) and there they would hold mass. But when I left on to live life, I realized that life is very unjust. Therefore, it is important to protest. I go through life protesting that which is unjust.

LBN: What is the project you are currently working on… that you are most enthusiastic about?
ON: In addition to the projects I have already mentioned to you, I am currently making a house in Norway. I have great interest in this house. I am also making a building in Italy. Here in Rio, I am making “El Camino Niemeyer?in Niteroi that will be a complex of buildings that include a cathedral. That complex will be alongside the coast near the ocean. It is a site that interests me because it will enhance the architecture there. I need to closely analyze the conditions as I feel that the buildings must coincide, that there needs to be a soft, plastic element that connects them. But, the auditorium in Sao Paulo and the museum in Paraná are taking up most of my time.

LBN: Is there intent to project socio-political ideas through the “plastic freedoms?and “gestural aesthetics?of your work?
ON: My oeuvre is: the work that I make that comes to my hands, it is to convene my fellow artists to work, it is an attempt to return to the integrity of the arts, it is an attempt to return to the ligation between art and architecture. That project that I am making in Niteroi is not going to be done with expensive materials. I do not make my architecture propaganda of materials. My wall is smooth of white. Whenever possible I add a painting or a drawing.

LBN: American critic Hal Foster states ?“[Frank Gehry’s] free expression implies our unfree inhibition, which is also to say that his freedom is mostly a franchise in which he represents freedom more than he enacts it. Today, this exceptional license is extended to Gehry as much as to any artist, and certainly with greater consequences. In another sense this vision of expression and freedom is oppressive because Gehry does indeed design out of “the cultural logic?of advanced capitalism, in terms of its language of risk-taking and spectacle effects.?– So I ask you, at a time where capitalism and communism seem to be reaching points of saturation, could you give us a few more words that might help us adapt to these changes?
ON: I do the architecture that I like. I don’t criticize anyone, everyone do as they please. I don’t read anything about my work. There are a lot of books published about my work but the only thing I want is to do the work I like. If you ask me about an architect I will say the work is good. I will never tell you which architect is better, which one is worst. I visited Frank Lloyd Wright at one of his houses, a beautiful house that he liked. The principal element is that the architect is satisfied with the work. When the architect becomes preoccupied with what is being said about the work then the architecture is no good. I always feel that it should be more spontaneous. The best work is that which makes you feel well. Then it can be good.

LBN: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios?/em> (Of love and other demons). If women are “your drug? what is your religion?
ON: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios?(Of love and other demons). If women are “your drug? what is your religion?


Luis Berríos-Negrón is Bachelor of Fine Arts at the Parsons School of Design, New York,  and Master in Architecture at the Massachusetts Institute of Technology, Cambrigde.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012
See all the texts in the series Oscar Niemeyer 1907-2012

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC
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Degravação em Português e edição: Luciana Jobim

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José Eduardo Ferolla

Cinquenta e Tantos

Mapa de bondes de Belo Horizonte. Fonte: www.skyscrapercity.com

A vida não era apenas subir Bahia e descer Floresta.

Para mim, ao contrário, começava descendo Bahia.

O fim da linha era logo aqui, na Congonhas com Leopoldina. Guimarães Rosa morava em frente, eu um quarteirão acima e menino em pé não pagava. De modo que à medida que o bonde ia descendo, a turba ia aumentando.

Na Afonso Pena, à meninada do Santo Antônio se agregavam as hordas das santas Tereza e Efigênia e o caldo engrossava de vez.

Dali, baldeávamos para Afonso Pena, Itapecerica e Antônio Carlos, saíamos das Minas e, cruzado o Arrudas, já nas Gerais, o destino final seria um parque na beira da lagoa, em frente a uma capela estranha, diferente de toda igreja que mineiro já tinha visto.

A garotada nem olhava, pois o objetivo daquele raid de domingo era correr pra alugar um bom cavalo e, no par-ou-ímpar, decidir quem ficava com sela ou em pelo, só na manta, e assim, respectivamente investidos de mocinho e índio, partir pra correria pelos cerrados em meio a pequizeiros e cagaiteiras, das cujas todos já havíamos aprendido a ignorar a abundante oferta daquelas frutinhas amarelas e perfumadas, pois o nome da árvore já dizia tudo.

A capela, entretanto, me chamava a atenção, inclusive porque já sabia da história de ter sido projetada por um tal de Niemeyer; que os desenhos naqueles azulejos azuis e brancos eram obra de um tal Portinari, de quem papai se arrependia não ter comprado uns quadros oferecidos por uma ninharia creio que pelo Capanema; que aquilo ali, portanto, era coisa de importância nacional, mas que o bispo refugou e não deixava celebrar missa porque, pra ele, com aquela forma não podia ser igreja, mas coisa de ateus comunistas. Mas nada disso me preocupava, pois eu gostava mesmo era de uma outra coisa, mais estranha ainda, chamada “casa do baile?

Menino, eu já me deslumbrava como aquelas ondulações incrivelmente me evocavam versos ensinados pela Dona Ester:

… Valsavas.
Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias;
Tremias;
Sorrias
Pra outro
Não eu…

Casa do Baile. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1940. Foto: Adriano Conde

Sessenta e Poucos

Régua, giz, borracha e mata-borrão, assim diziam.
Depois do Pedro II, do Rio, o melhor colégio do Brasil.
Também coisa daquele tal de Niemeyer.

Coincidência? Só sei que a gente ali respirava liberdade, ninguém te pajeando, ninguém preocupado se você estava na aula ou atrás do mata-borrão fumando e/ou namorando, sem muros pra te prender, só aquele arrimo fácil de pular nivelando o terreno. Mas, se não estudasse…

Muitos contemporâneos ilustres: Henfil, Tostão, Elke Maravilha, Martinha “Queijinho de Minas? Affonso Romano de Sant’anna, Humberto e Dorotéia Werneck, até a Dilma (mas, quem era ela, quem conheceu essa Dilma?).

Fernando “Mangabeira?Pierucetti, criador do “Galo? da “Raposa? do “Coelho? o que acabou virando regra esportiva no Brasil (não ganhou um tostão de royalties), com singularíssimo método de ensinar geometria, obrigando-nos a desenhar todas as suas aulas a mão livre num caderno previamente quadriculado também a mão livre. Amaro Xisto e as teorias de Paul Rivet e Alec Hrdlisca, ensinando antropologia e sambaquis para meninos cheios de espinhas. Quatro anos de latim me ensinaram que Gallia est omnis divisa em partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum lingua Celtae, nostra Galli apelantur, coroados por mais dois com Dona Etel nos regendo pelo Manual de Canto Orfeônico do Villa-Lobos.

Terá sido a obra de Niemeyer a indutora daquele clima no Colégio Estadual? Não há como saber, mas a gente tratava o colégio como casa da gente, sentíamo-nos honrados e privilegiados por viver e estudar num lugar tão bacana, obra daquele mesmo cara que, com Lucio Costa, estava construindo uma cidade no planalto central.

Veio a ditadura e ?primeiro ato de fazer-se presente ?gradeou o colégio.

Passados dois dias já não mais restava tela alguma, só os quadros tubulares vazios, que mais nos ajudavam, num balé coletivo, balançar o corpo para mais elegantemente aterrissarmos na São Paulo pro “pão-molhado?no seu Álvaro.

Colégio Estadual Central. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1954. Foto: Cartão postal de Belo Horizonte

Sessenta e Muitos

E como não havia como ser de outro jeito, em 66 lá estava eu, começando meu curso de arquitetura.

Na primeira escola do Brasil nascida como escola de Arquitetura, a da UFMG, onde se vivia um clima glorioso: Brasília já era uma realidade, a escola acabara de ser premiada no Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura da Bienal de São Paulo, Brasil era um país com arquitetura de ponta.

Quanto mais a ditadura ia arrochando o torniquete, mais descobríamos como burlá-la. Nunca mais fomos país tão criativo como tivemos que ser principalmente depois do AI-5.

A arquitetura do Oscar alçava voos vertiginosos. De um incrível projeto para uma edificação destinada à música, com teatros suspensos a cada lado de duas vigas estaiadas de Pier Luigi Nervi, ele dizia: desejosos de preservar a vista para o mar, suspendemos o edifício e criamos dois balanços de 50 metros, e a gente ria, ria…

Tinha de conhecer a nova capital pra ficar chocado ao ver ao vivo ?só não digo a cores ?a incrível leveza do Palácio do Planalto, a invenção da catedral, aquela sucessão de palmeiras como se me apresentou o Palácio do Itamarati. Logo depois, a Bienal de 67 me apresentou o conjunto do Ibirapuera (hoje completado por ele mesmo com um teatro e uma língua de Mick Jagger). A juventude ainda nos dava fôlego para subir, correndo, até o topo da Oca. Descer era outra estória…

O curso de arquitetura foi nos apresentando outros personagens, como Frank Lloyd Wright, Ludwig Mies van Der Rohe, Charles-Edouard Jeanneret Gris, dit Le Corbusier…

Se Le Corbusier me fez saber apreciar melhor o Cassino da Pampulha, calou-se passados mais de 20 anos ante o silêncio de Kahn em Ahmadabad. Mas os trabalhos de Niemeyer e Mies, pra mim, até hoje – depois dos construtores de catedrais – são insuperáveis invenções.

Oscar continuava aprontando, usando da Justiça pra fazer, como em na Fontana di Trevi, uma fachada-fonte, espicha e deforma o Itamarati em Milão, achata e rasga embaixo a Oca em Argel, e a Módulo a cada edição nos apresentava mais novidades, acompanhado de Bruno Contarini e de Joaquim Cardozo, aquele que fazia cantar os apoios.

Até 1971. No dia 4 de fevereiro, estava eu nas proximidades coletando material para minha dissertação de urbanismo. A peãozada almoçava sobre um grande espaço de 300x70m quando o canto virou estrondo. Morreram 69 na hora, quase metade depois e, logo mais, foi Cardozo quem não mais pôde suportar aquilo.

Seria um edifício bonito, duas enormes vigas paralelas de 300x15m separadas 70 metros, unidas acima por vigas-calha interligadas por abóbodas de vidro. Iria abrigar o acervo daquela Feira de Amostras do Berti demolida para dar lugar à rodoviária de Fernando Graça e outros.

O que sobrou, mais tarde, demoliram de pura vergonha.

Pavilhão de Exposições da Gameleira após o desabamento em 1971. Fonte: Arquivo Público Mineiro

Setenta e Muitos

Os bondes há muito já não existiam, nem mais aquela graça da aventura dominical, mas a nossa revista foi se chamar Pampulha ?revista de arquitetura, arte e meio ambiente.

Um bando de malucos fazendo uma revista toda a mão. Lançamos um número 1 em Brasília no primeiro congresso de brasileiro de arquitetos pós-silêncio.

Capa do Primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979

Oscar Niemeyer em seu escritório, 1979. Foto: José E. Ferolla

Os homenageados, não poderiam deixar de ser Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Não foi a primeira vez que nos encontramos, mas, desta vez, naquelas entrevistas, a conversa foi bem mais franca.

Primeiro Lucio, na Delfim Moreira, numa bagunça entre fotos da filha, brasão bizantino, lata de Ovomaltine e um quarto completamente lotado de jornais (será que nunca passou pela cabeça dele a possibilidade de por aquele velho prédio abaixo?).

Sua conversa nos fez ler, nas entrelinhas, que as coisas já não andavam tão bem entre eles.

Costa declara-se cansado de assistir àquele show de ferragens à milanesa.

Página do primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979. Foto: Maurício Andrés

Oscar, do seu costumeiro pouso Art Déco no Posto Seis ?em cujo terraço a vertigem nunca o deixou chegar – fez pose, xingou deus e o mundo, para depois nos entregar, datilografado, um mais do mesmo, aquela conversa de…quando eu fiz Pampulha… das curvas das mulheres brasileiras… blá, blá, blá…? mais um desenho (para a capa, ele disse ?nada menos…), com a praça defronte do Planalto cheia (no dizer de Lucio Costa) de pinguins à guisa de povo…

Engraçado ele citar as curvas das mulheres brasileiras, mas aquela topografia de matagais pélvicos da foto de Lucien Clergue, bem iluminada ao fundo de sua mesa (ele, pudicamente, punha um desenho seu à frente quando havia moçoilas no recinto…) são bem franceses. Ou serão argelinos?

Oitenta e Poucos

Pampulha, de novo…
 Essa coisa é que nem visgo, pegou, solta mais não.

Oscar Niemeyer e José Eduardo Ferolla. Foto: Herbert Teixeira

Nessas alturas, na diretoria do IAB-MG lutando pela preservação de nosso patrimônio natural e cultural, acabamos nos reencontrando e juntos, mais “autoridades?(como se não fosse ele a maior) percorremos a capela, o Cassino e a Casa do Baile. O Iate, depois das intervenções de colegas ali realizadas, nem perto quis passar, que aquilo estava uma xculhambação

Deu certo, a bronca.

As autoridades, feridas nos brios, resolveram dar um jeito naquilo. E tive a felicidade de participar do baile da reinauguração da Casa do Baile ao som de Carlos Fernando + Nouvelle Cuisine. Pas mal

Projeto de Concurso para a Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, José Eduardo Ferolla, Fernando M. G. Ramos, MIlton Castro, Thea Villas Boas., 1984

Ainda mal curado do trauma da entrevista da Pampulha, me envolvi noutro papelão.

Cenário: Rio de Janeiro, Avenida Presidente Vargas, em frente ao 2º Exército, ao lado do Campo de Santana e, atrás, junto ao casario da Rua da Alfândega. Concurso público nacional para a Biblioteca Pública do Rio.

Ele, no júri, premia projeto incompleto e inconcluso de um afilhado.

A grita é geral, principalmente entre os cariocas, para quem, até então, era unanimidade inquestionável, a ponto de deixar outro gênio da terra, Sérgio Wladimir Bernardes, praticamente no esquecimento.

A coisa engrossou, o IAB-RJ chiou, o CREA-RJ condenou, JB publicou, pra tudo se acabar em pizza. Com cabelo.

Noventa e Muitos

Concursos… Coisa complicada.

Capanema, funcionário público, melou um concurso público pra emplacar a turma do Lucio Costa no Ministério da Educação.

Niemeyer, nesta história do Rio, já era veterano. Debutou no concurso do Plano Piloto de Brasília, impondo a proposta do Lucio. Contava isso pra todo mundo nos seus detalhes mais sórdidos.

Mas sempre foi um Robin Hood. Ganhava pra repartir. Nisso um comunista autêntico, durante anos sustentou a família de Prestes. O problema de um temperamento destes é, como cavalo velho, a carrapatada que nele agarra.

Na ânsia de agradar gregos e baianos, tendo muitos a quem sustentar, tudo começava a contribuir para que a qualidade da criação começasse a declinar.

Bibliotheca Alexandrina, Alexandria, Egito. José Eduardo Ferolla, Fernando Ramos, Carlos Antônio Leite Brandão, 1989. Terceiro Lugar em concurso internacional

Os cinco minutos de fama proporcionados pelo sucesso alcançado no concurso internacional Bibliotheca Alexandrina me levaram a São Paulo como convidado no Congresso Brasileiro de Arquitetos, onde tive a oportunidade de reencontrar com Lucio Costa pela última vez.

Manifestando querer conhecer o Memorial da América Latina, lá fomos, Pirondi e eu, a ciceroneá-lo.

Eu, que também não conhecia a obra, fiquei horrorizado. Ele não disse palavra sequer, até que chegamos biblioteca e aí seus olhos brilharam: é uma extrusão da igrejinha da Pampulha! Mas não passou disso, dava pra sentir no ar a decepção.

Croquis do Memorial da América Latina. São Paulo, Oscar Niemeyer, 1987

No lusco-fusco da volta, nos fez parar sob o Minhocão, onde desceu, olhou pra lá, pra cá e, maravilhado, exclamou: que coisas incríveis podem acontecer aqui, vejam como esse lugar é cheio de vida!

Isso, depois de ver aquela desolação daquela enorme “bandeja?onde se dispõem as obras do memorial…

Dez e Poucos

A partir daí, salvo algumas exceções, fui vendo sua (dele?) obra degenerar.

Mais uma vez entramos em rota de colisão, desta vez por causa da nossa Cidade Administrativa.

Publiquei isso, sem o saber, a exatos 33 anos depois do estrondo.

Minha briga, na verdade, era com o rapaz então dirigindo o Estado, mas sempre me espantou como um personagem daqueles, assumidamente comunista, com todo o respeito com que o cercavam, nunca falava não, sempre sabia quando convenientemente se calar para assim fazer sua obra, por mais inconveniente que fosse.

Projeto não realizado para o Palácio da Liberdade. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1968

Às vezes, como aí ao lado (1969), a gente achava até que era brincadeira, que ele jamais imaginaria alguém louco o suficiente para demolir o Palácio da Liberdade pra fazer isso no lugar, mas como Isreal Pinheiro, de uma twinscrapper, muito pouco se diferenciava, e como nós estávamos no auge de uma ditadura, quando, se alguém apenas triscasse, levava chumbo, sinceramente, eu não brincaria e menos ainda arriscaria…

O fato é que passei cada vez mais a questionar algumas de suas mirabolices e de suas justificativas. No nosso Palácio das Artes, por exemplo, onde ele começava justificando não ter outro lugar para fazê-lo que não no nosso já exíguo e mutilado Parque Municipal, sempre estranhei, logo ele que, desde o começo de sua obra, não dispensava um brise soleil, deixar o foyer e as salas de ensaio do corpo de baile rachando ao noroeste sem proteção alguma, até o dia em que achei o projeto lá mesmo, num depósito do teatro, e naqueles desenhos pasmo constatar que a orientação estava errada. Será que ele não foi lá nem uma vez dar uma olhadela, nem que rapidinha, e nem precisaria disso, se bastava ver a posição da Afonso Pena em qualquer mapa da cidade? Fiquei muito, muito assustado.

Não que ele se preocupasse em contextualizar seus projetos ?todos os modernistas eram messiânicos e sempre desprezavam o que antes houvesse ?mesmo porque suas obras, de tão grandiosas, sempre criaram um novo contexto ou dominariam qualquer contexto urbano que fosse, mas, daí a cometer descalabros desta ordem?

Chegando a projetar o mesmo para qualquer lugar?

A Cidade Administrativa, por exemplo. Primeira vez que a vi seria localizada num topo, num arranjo tipicamente niemeyeresco, tudo e a todos dominando. Foi preciso, graças a Deus, que engenheiros demonstrassem que ali não dava, que o custo de criar acessos àquela cidadela compatíveis ao grande afluxo viário inviabilizaria a obra. E eis que, num passe de mágica, o projeto vai parar num brejoso fundo de vale, sem nada tirar, nem por, como se fosse maquete que, de um mesa, foi pro tamborete. Quando vi os desenhos adesivados nos ônibus, comentei que péssima foto-inserção, quem fez não percebeu como estava fora de escala? Hoje, sempre que vou ou volto de Confins, percebo que o erro não foi de quem fez a fotomontagem. Aquilo é um desastre. Meu consolo foi supor que nada mais daquilo era dele, mas da vassalagem, que ele, se pudesse ver, jamais se enganaria daquele jeito, não aceitaria que aqueles dois enormes edifícios passassem de norte-sul para leste-oeste, não deixaria de propor amebas ibirapuerianas interligando-os ao palácio e jamais admitiria que aquela pequena e desproporcional caixinha de talco Royal Briar se fizesse de centro de convivência e vai por aí afora.

¿Hasta Cuándo?
¿Hasta Cuándo?

Niemeyer passou da hora de parar e nem tenho como afirmar se queria ou mesmo poderia tal a enorme flora intestinal a sustentar.

Um absurdo, essa franquia familiar, como que desenterrando das mapotecas coisas recusadas, muitas vezes pelo próprio autor, mexendo daqui, dali, reciclando (mal) o que encontrava, procurando a todo custo manter contínuo o fluxo proporcionado por esta safadeza denominada notória especialização, desenvolvendo mal e detalhando porcamente, sem qualquer escrúpulo, o que o mestre rabiscava.

Na hora em que não mais for possível manter o que em qualquer empresa se chamaria “controle de qualidade? seria a hora de parar.

O detalhamento e os acabamentos do Memorial da América Latina são uma vergonha. Dá dó ver o primitivismo tosco com que foram resolvidos e detalhados os guarda-corpos das rampas ?e as próprias rampas ?do Museu de Niterói, com aqueles policarbonatos alveolares ora num sentido, ora no outro…

Claro que não daria mais para hoje continuar com os requintes de alabastros, cristais belgas âmbar e pilares de inox do Cassino. Mas a singeleza dos detalhes do piso e do forro da capela, a coerência com que dialogavam, a propriedade de cada escolha, na dose certa para não sujar o branco, tudo isso se foi. Só salvou o branco.

Por que a decadência? Será que a resposta pode ser tão simples, ele não mais estar mais no comando?

Às vezes ainda deu certo, como o novo teatro. Ao contrário de Brasília, desta vez assentado num cateto e, da hipotenusa, brotando a nova lingua do Mick Jagger do Ibirapuera.

Centro Administrativo de Minas Gerais. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 2004. Foto: Danilo Matoso

E, no Centro Administrativo de Minas, aí está mais uma vez o coitado, avalizando a mediocridade dos nossos mandatários.

Contratar Niemeyer, depois de 1993, passou a ser garantia de atropelo à Lei de Licitações e Contratos por um artifício que ninguém tinha coragem de retrucar: que aquele senhor, então com apenas 86 anos, era um gênio incontestável.

E tudo ficava mais fácil, e muito mais rápido: nada de concursos, concorrências ou tomadas de preço, processos demorados, frequentemente passíveis de impugnação, acarretando aquilo a que político tem verdadeiro horror – lentidão e auditoria. Ao contrário, resultava no que os fazia, digamos, delirar: não prestar contas nem dar satisfações a quem quer que seja e tudo isso sob chuva de aplausos da mídia e do povo em geral.

Tem obra de Niemeyer neste Brasil pra tudo quanto é canto e, como coelhos, continuaremos a assistir a proliferação desta escorchante e perversa franchising.

Parente é serpente.

Dezembro de 2012.


José Eduardo Ferolla é Engenheiro Arquiteto, Urbanista e
professor da Escola de Arquitetura da UFMG.


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Kenneth Frampton

Stamo Papadaki. The work of Oscar Niemeyer: capa

Mesmo hoje, após mais de sessenta anos, o estudo inicial de Stamo Papadaki sobre a obra de Oscar Niemeyer (o primeiro livro sobre Arquitetura Moderna que comprei) é uma permanente fonte de inspiração para mim. Aquela foi a visão de uma modernidade totalmente diversa, que então, como hoje, era não apenas a apoteose do Movimento Moderno brasileiro mas também, ao mesmo tempo, uma representação simbólica da promessa em curso do Brasil como um todo. Este modelo de uma modernidade completamente distinta e verdadeiramente libertadora seria igualmente bem documentada à época pela principal revista inglesa The Architectural Review, e pela L’Architecture d’Aujour d’Hui. Os editores daquelas revistas apoiaram totalmente o vocabulário neocorbusiano pós-purista de Niemeyer e ajudaram a tornar sua obra conhecida no mundo.

Na tentativa de fazer justiça à contribuição de Niemeyer no auge de sua capacidade ?i.e. a sua brilhante reinterpretação da planta livre corbusiana ?não sabemos o que deve ser mais louvado. O seu gênio evidente e sua simplicidade como o idealizador de um espaço hedonista, ou a infinitamente fluida paisagem tropical que ele inventou em sua colaboração de toda a vida com o paisagista Roberto Burle Marx.

Nesse momento da história, em que nós parecemos perder todo o sentido daquilo que Hannah Arendt uma vez chamou de “espaço da aparência humana? o melhor da obra de Niemeyer sobressai como uma constante lembrança do que significa criar uma representação monumental verdadeiramente articulada do espaço humanista (comparável ao espaço da Grécia Antiga), como no caso do peristilo monumental que embeleza o interior da entrada do Ministério da Educação no Rio de Janeiro.

Algo semelhante pode ser visto na maquete e plantas do edifício sede da Empresa Gráfica O Cruzeiro, de 1949. Não se sabe qual característica mais admirar. Talvez o brilhante rigor tectônico da malha de colunas que, como sistema estrutural, sustenta toda a massa cúbica de onze andares. Ou a habilidade simples e a ingenuidade com que o primeiro e o segundo pavimentos são orquestrados para acomodar, com toda a facilidade, tanto o atendimento ao público no nível do chão, na rua abaixo, quanto o tráfego comercial de caminhões no fortemente carregado segundo pavimento. Acresce que o conjunto seria fechado (pelo menos na proposta) por uma pele de brise-soleil habilmente ritmada. É precisamente neste ponto que duvidamos da cisão ideológica que supostamente divide o rigor da tradição paulista da Escola Carioca de Lucio Costa. Neste trabalho monumental singular, Niemeyer transcende totalmente a aparente divisão entre as duas maneiras brasileiras de pensamento e prática. Este edifício simples, pragmático, mas ainda assim monumental, é o testemunho, no meu ponto de vista, da grandeza abrangente do melhor de Niemeyer, e do mais profundo significado do legado cultural que ele deixa.

Empresas Gráficas

Empresas Gráficas

Por fim, devemos admitir que, à época em que ele voltou sua mão para Brasília, a inspiração de sua melhor obra já havia passado. Por isso, em última análise, ficamos com sua capacidade inicial incomparável. Ela, somada ao compromisso político de suas crenças de 1949, são um testemunho, mesmo agora nessa hora pós-moderna, do chamado libertador original da arquitetura moderna no seu auge.


Kenneth Frampton é arquiteto, crítico e historiador de arquitetura.
Autor de História Crítica da Arquitetura Moderna.


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Homage à Oscar via Stamo Papadaki

Even now after more than sixty years, Stamo Papadaki’s initial study of the work of Oscar Niemeyer (the first book on modern architecture that I ever purchased) remains a source of enduring inspiration for me. This was the vision of a totally other modernity which then as now was not only the apotheosis of the Brazilian modern movement but also at the same time a symbolic representation of the progressive promise of Brazil as a whole. This model of a totally other, truly liberative modernity would be equally well documented at the time by the British leading magazine The Architectural Review and by André Bloc’s L’Architecture d’Aujourd’hui. The editors of these magazines put their full weight behind Niemeyer’s post-Purist, Neo-Corbusian vocabulary and helped to make it nominally available to the world.

In aspiring to do justice to Niemeyer’s contribution at the height of his power?i.e. to his brilliant re-interpretation of the Corbusian free-plan?one does not know quite which to celebrate the most, his evident genius and simplicity as a planner of hedonistic space or the infinitely flowing tropical landscape that he invented via his life-long collaboration with Brazilian botanist-designer Roberto Burle Marx.

At this moment in history, when we seem to be losing all sense of that which Hannah Arendt once called “the space of human appearance? Niemeyer’s finest work stands out as a constant reminder as to what it means to create a truly articulate, monumental representation of humanist space (comparable to the space of ancient Greece) as in the case of the monumental peristyle that graces the interior of the entry to the Ministry of Education in Rio de Janeiro.

Something similar may be witnessed in the model and plans of the Empresa Gráfica O Cruzeiro publishing house printing works of 1949. Herein one does not know which feature to admire most, whether it is the brilliant tectonic rigor of the columnar grid which, as a structural system, sustains the entire eleven storey cubic mass or, say, the sheer skill and ingenuity with which the ground and second floors are orchestrated so as to accommodate, with the greatest ease, both public facilities at the lower grade level and commercial trucking at the heavily loaded second floor. In addition, the whole was to be clad (at least as a proposal) in a brilliantly syncopated brise soleil skin. It is just at this juncture one might have doubts about the implacable ideological schism supposedly dividing the absolute rigor of the Paulista tradition of Artigas from Lucio Costa’s school of Rio de Janeiro. In this singular monumental work, Niemeyer will totally transcend the seeming division between the two modes of Brazilian thought and practice. This simple pragmatic but nonetheless monumental building testifies, in my view, to the comprehensive greatness of Niemeyer in his prime and to the deeper significance of the cultural legacy he leaves behind.

In the end, one has to concede that by the time he turned his hand to Brasilia the felicity of his finest work had already passed. Thus, in the last analysis, we are left with his unmatched initial capacity plus the political commitment of his credo of 1949 that testifies, even now, in this post-modern hour, to the original liberative calling of modern architecture in its prime.


Kenneth Frampton is an architect, architectural critic and historian.
Author of Modern Architecture: a critical history.


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Tradução: Danilo Matoso
Colaboração editorial: Luciana Jobim
Imagens: Papadaki, Stamo. The work of Oscar Niemeyer. 2ed. New York: Reinhold, 1951. (1ed. 1950).

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Raymund Ryan

Alguns anos atrás, o atrevido artista galês Cerith Wyn Evans fotografou o interior da Catedral Metropolitana projetada por Oscar Niemeyer para a área central de Brasília. Nessas imagens, um vazio em forma de vórtice é inundado de cor e luz; anjos esculpidos por Alfredo Ceschiatti parecem voar na rede modernista de concreto e vidro de Niemeyer. Ou estaria a estrutura iluminada de Niemeyer de fato girando sobre as figuras que pairavam, congeladas momentaneamente no espaço e no tempo? Na minha experiência, os melhores projetos de Niemeyer instigam tais pensamentos sobre movimento, exploração, dança. Cinestesia concreta.

 Brasilia 01.09.04

Cerith Wyn Evans
Brasilia 01.09.04
2006
C-print
Paper size: 25.4 x 30.5 cm
© Cerith Wyn Evans
Courtesy White Cube

Na mesma época, tive a oportunidade de visitar Brasília. Vim da Irlanda para apresentar uma conferência sobre a arquitetura contemporânea irlandesa, um tema de certo modo irônico já que diversos dos edifícios irlandeses caberiam integralmente no interior dos espaçosos saguões dos projetos autorais de Niemeyer. Eu nunca tinha visto um edifício de Niemeyer “em carne e osso?e tinha minhas dúvidas sobre as realizações do mestre. Essa reação, a um só tempo emocionada e cética, é evidente em um breve artigo publicado em Irish Architect em Dublin.

Contatos posteriores com o trabalho de Niemeyer me atraiam para suas qualidades. Aos 7 minutos e 20 segundos do filme Orfeu Negro (1959), encontramos o Ministério da Educação e Saúde Pública, projetado por uma equipe que incluía Le Corbusier e um jovem Oscar. A câmera registrou a chegada de Eurydice, interpretada pela atriz nascida em Pittsburgh Marpessa Dawn, e seu percurso através do centro do Rio. Repentinamente vemos a silhueta da laje retilínea do Ministério contra o céu azul. A câmera move-se para os heróicos pilotis onde Eurydice, com seu vestido branco virginal, serpenteia através da ensolarada praça modernista e seu paisagismo por Roberto Burle Marx.

Recentemente, viajei de Pittsburgh, onde hoje trabalho, para Belo Horizonte. Lá vi obras  impressionantes de Niemeyer dos anos 50. O destaque foi um passeio pelos quatro pavilhões edificados por Niemeyer ao redor da Lagoa da Pampulha, edifícios sociais com deliciosas formas esculturais e uma continuidade espacial entre interiores e o mundo exterior da natureza. Fotografias de Luisa Lambri revelam a intimidade dos pavilhões de Pampulha; dificilmente alguém não se entusiasma com o puro deleite que esses pequenos edifícios oferecem. Várias das imagens de Lambri foram exibidas aqui no Carnegie Museum of Art em 2006, apresentadas sob a instalação de Ernesto Neto  Okitimanaia Ogu ?um grande brasileiro junto a outro.

Untitled (Casino, #09),  2003

Luisa Lambri
Untitled (Casino, #09),  2003
Lasrechrome print mounted on Plexi
Edition of 5 + 1 AP
unframed: 110.5 x 132.7 x 0 cm
 Courtesy of the Artist and Marc Foxx, Los Angeles

 

Os Estados Unidos e Niemeyer tiveram um relacionamento tortuoso. Ele e Lucio Costa, é claro, realizaram o pavilhão temporário para o Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque em 1939. Tendo o visto recusado por motivos políticos, Niemeyer nunca viu a casa que ele projetou no início dos anos 60 para o cineasta Joseph Strick em Santa Monica; felizmente, a propriedade foi meticulosamente restaurada por Michael e Gabrielle Boyd. É o trabalho de Niemeyer no projeto da Sede das Nações Unidas em Nova Iorque que lhe assegura um legado norte-americano. Os visitantes hoje podem apreciar uma evocativa vista do complexo das Nações Unidas desde o FDR ?Four Freedoms Park ?inaugurado no último mês de outubro a partir de desenho de um dos mais importantes arquitetos contemporâneos de Niemeyer, Louis I. Kahn.

Visitando-se o www.mapquest.com e buscando-se “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? encontra-se uma propriedade longilínea com duas piscinas e diversas estruturas alongadas para sul para mirar para o Mediterrâneo. Esse paraíso projetado para a família de editores Mondadori é praticamente invisível desde a rua. Na última primavera meu avião para Nice sobrevoou o lugar de modo que parecíamos flutuar, momentaneamente, sobre a piscina biomórfica à beira-mar. Eu me lembrei da visita à casa de Niemeyer em Canoas com sua rocha aparente, sua delgada laje de cobertura e sua sedutora piscina; tão sedutora de fato que fiquei tentado a me despir e mergulhar.

O legado ou desafio de Oscar Niemeyer aos arquitetos reside em como lidar com o planejamento crítico e o projeto de edifícios, tanto em termos sociais e técnicos, sem se esquecer de buscar o prazer na vida.


Raymund Ryan é curador do Heinz Architectural Center Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
Sua exposição atual é White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Homage to Oscar : a Niemeyer Montage

A few years back, the cheeky Welsh artist Cerith Wyn Evans photographed the interior of the Metropolitan Cathedral designed by Oscar Niemeyer for the centre of Brasilia. In these images, a vortex-like void is infused with colour and light; angels sculpted by Alfredo Ceschiatti appear to fly in Niemeyer’s modernist net of concrete and glass. Or could it be that Niemeyer’s flared structure is in fact rotating about the levitating figures frozen momentarily in space and time? In my experience, Niemeyer’s best projects instigate such thoughts of movement, exploration, dance. Concrete kinaesthesia.

Around the same time, I had the opportunity to visit Brasilia. I made my way from Ireland to give a talk about contemporary Irish architecture, a topic not without irony as many of the Irish buildings would fit in toto within the spacious foyers of Niemeyer’s signature projects. I had never seen a Niemeyer building “in the flesh?and had mixed feelings about the master’s achievements. This reaction, being simultaneously thrilled and sceptical, is evident in a brief article I contributed to Irish Architect in Dublin.

 Subsequent exposure swayed me to the merits of Niemeyer’s work. 7 min 20 sec into the film Orfeu Negro (1959), we find the Ministry of Education and Health, designed by a team including Le Corbusier and a young Oscar. The camera has tracked the arrival of Eurydice, played by Pittsburgh-born Marpessa Dawn, and her tentative progress through downtown Rio. Suddenly we see the taut slab of the Ministry silhouetted against a blue sky. The camera pans down to heroic pilotis as Eurydice, in her virginal white dress, sashays across the sunny modernist plaza with its landscaping by Roberto Burle Marx.

More recently I flew from Pittsburgh, where I now work, to Belo Horizonte and saw impressive interventions there by Niemeyer from the 1950s. The highlight was a tour of four pavilions erected by Niemeyer around the lake at Pampulha, social buildings with delicious sculptural form and flow of space between indoors and the external world of nature. Photographs by Luisa Lambri reveal the intimacy of the Pampulha pavilions; one cannot but be enthused by the sheer joy of these smaller projects. Several Lambri prints were exhibited here at the Carnegie Museum of Art in 2006, arranged beneath Ernesto Neto’s installation Okitimanaia Ogu ?one great Brazilian hanging with another.

The United States and Niemeyer had a rather tortuous relationship. He and Lucio Costa realised of course the temporary pavilion for Brazil at the New York World’s Fair in 1939. Refused visas on political grounds, Niemeyer never saw the home he designed in the early 1960s for filmmaker Joseph Strick in Santa Monica; happily, that property has been meticulously restored by Michael and Gabrielle Boyd. It is Niemeyer’s role in designing the United Nations in Manhattan that ensures him a US legacy. Visitors now enjoy an evocative view of the UN complex from the FDR Four Freedoms Park inaugurated this October to designs by one of Niemeyer’s greatest contemporaries, Louis I. Kahn.

 If you go to www.mapquest.com and search for “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? you’ll find an elongated property with two swimming pools and several structures stretching south to overlook the Mediterranean. This paradise designed for the Mondadori publishing family is almost illegible from the road. Last spring my plane into Nice banked above the site so that we seemed to hover, momentarily, above the biomorphic sea-side pool. I was reminded of my visit to Niemeyer’s home at Canoas with its exposed rock, wafer-thin canopy roof, and enticing pool; so enticing in fact I was tempted to strip and plunge right in.

 Oscar Niemeyer’s legacy or challenge to architects is to grapple with critical planning and construction projects, in both social and technical terms, without forgetting to take pleasure in life.


Raymund Ryan is Curator, The Heinz Architectural Center, Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
His current exhibition is White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Tradução: Carlos Alberto Maciel
Colaboração editorial: Danilo Matoso

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Arquitetura Moderna Brasileira – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2012/03/20/antonio-garcia-moya-um-arquiteto-da-semana-de-22/ //28ers.com/2012/03/20/antonio-garcia-moya-um-arquiteto-da-semana-de-22/#comments Wed, 21 Mar 2012 02:04:41 +0000 //28ers.com/?p=7323 Continue lendo ]]> ou

pro Mario, o Moya era moderno…

Sylvia Ficher

 *

Já um crítico de senso-comum afirmou que tudo quanto fez o movimento modernista far-se-ia da mesma forma sem o movimento. Não conheço lapalissada mais graciosa. Porque tudo isso que se faria, mesmo sem o movimento modernista, seria pura e simplesmente… o movimento modernista.

Mario de Andrade, O movimento modernista 1942.[1]

Arquiteto, artista, renovador, [Antonio Garcia Moya] inscreveu, no setor da arquitetura, seu nome na galeria da Renovação da Arte Brasileira, participando da Semana de Arte Moderna de 1922, como representante único da arte que deveria, depois, dar ao Brasil os nomes gloriosos de Warchavchik, Niemeyer, Artigas e outros consagrados modernistas.

… Ao seu espírito vanguardista se deve o primeiro grito de renovação da arquitetura brasileira….

De tal forma sua arte renovadora e variada se impõe à admiração de sua geração, feira de iluminados libertadores da Arte Brasileira, que foi denominado pelo maior crítico do seu tempo, Mario de Andrade, o Poeta da Pedra.

Menotti del Picchia, homenagem póstuma em 1949.[2]

Prelúdio

Como se percebe, o subtítulo deste artigo pretende-se uma provocação. Provocação ao sentido corrente de qual seja a “arquitetura do movimento moderno”. Igualmente provocação ao sentido corrente de qual seja a “arquitetura moderna brasileira” ou, como prefere Lucio Costa (1902-1998), a “arquitetura contemporânea brasileira”, esta sutil porém intencionalmente modificada por Yves Bruand para “arquitetura contemporânea no Brasil.”[3]

Já o seu desenvolvimento e corpo são mais comedidos. Nele pretende a autora expor algumas das suas perplexidades no intuito de contribuir para uma reflexão sobre tais entendimentos, reflexão esta que talvez possa sugerir outras possibilidades interpretativas.

Aqui e agora, gostaria de falar de um arquiteto pouco lembrado, menos ainda estudado, Antonio Garcia Moya, nascido em Atarfe, na Andaluzia, Espanha, a 21 de maio de 1891, e falecido em São Paulo, a 19 de junho de 1949. No mais das vezes, é evocado tão somente por ter sido um dos dois arquitetos que participaram da Semana de Arte Moderna em 1922. E dessas evocações, fica-se com o vago sentimento que a sua participação em tão icônico evento se deu sem maior procedência, como que ao acaso, ele por lá se imiscuindo…

É tal impressão que gostaria de abrandar com uns poucos fatos que a contrariam. Isto bem lá adiante, contudo, pois nosso andamento será pausado.

Apenas para dar o tom, considere-se que Moya estava em contato próximo com Victor Brecheret (1894-1955), desde de que este retornara ao Brasil em 1919 e, graças ao apoio de Francisco Ramos de Azevedo (1851-1928), instalara seu atelier numa sala do Palácio das Indústrias (1911-1924), então em construção.

E o arquiteto teria influenciado o escultor, como sugere Aracy Amaral:

Extremamente bem desenhados, um mestre no nanquim, dentre os trabalhos que conhecemos de Moya, um há que nos intriga em particular. Trata-se de um Túmulo, de linhas modernas em seu despojamento e síntese, encimado pelo busto de um índio hercúleo. Já nos referimos, em outra parte [não encontrei tal referência], à possibilidade de influência de Moya sobre Brecheret, tendo o escultor ítalo-brasileiro alterado bastante o seu estilo na sua estada em São Paulo, de volta de Roma. O suave expressionismo muscular de Brecheret, com efeito, cederia lugar à estilização e à linearidade nesses anos em que aqui trabalhou e antes, portanto, de seu retorno a Paris. Muito receptivo, não parece difícil ter Brecheret se interessado pelos trabalhos de Moya. O contato entre os dois foi efetivo, tendo Moya realizado a parte arquitetônica do projeto do Monumento às Bandeiras de Brecheret, ocasião que teria possibilitado evidente troca de opinião e conhecimento mútuo. Neste índio está bem patente a estilização que seria mais tarde definida como tipicamente de Brecheret, por este utilizada em vários trabalhos, mas de maneira definitiva no Monumento às Bandeiras inaugurado em 1954. Essa estilização imponente e linear, projetando de forma sintética o modelado majestosos do tórax dessa figura, está, sem dúvida, bem próxima de Brecheret do Monumento de 54, assim como distante das figuras musculosos e plenas de jogos de luz e sombra do primeiro projeto recusado.[4]

Mas recuemos no tempo. Sem a presunção de fazer uma história geral de São Paulo e da sua arquitetura nas duas primeiras décadas do século vinte, há algumas informações de contexto que são úteis para situar melhor a obra deste espanhol apenas de nascimento, uma vez que lá radicado desde os quatro anos de idade, em 1895.[5]

Uma pequena amostra de São Paulo da década de 1910:

No que se refere à cidade propriamente, é bom atentar para o fato que, avançado o século dezenove, ela não era muito mais do que um vilarejo, para não dizer uma parada de mulas. Quando do primeiro censo demográfico realizado no Brasil, em 1872, ocupava um modesto nono lugar entre as nossas capitais. Trinta anos depois, em 1900, já havia se tornado a segunda maior cidade do país. E estava iniciando seu avanço em direção ao topo, pole position que alcançaria ao longo da década de cinquenta.

Vejamos o que ocorria em termos de arquitetura na São Paulo de a meio caminho nessa escalada.

No ensino, duas escolas superiores ofereciam formação em arquitetura, a Escola Politécnica desde 1899, e a Escola de Engenharia do Mackenzie, a partir de 1917; e havia, já tradicional na cidade, o Liceu de Artes e Ofícios, oferecendo cursos diversos, inclusive de desenho arquitetônico e de construção. Na corporação institucionalizada, a pauta era a sua regulamentação pela máxima valorização do diploma de estudos superiores, ainda que esse objetivo não fosse somente dos arquitetos. Na verdade, era mais uma agenda dos engenheiros civis. Os demais engenheiros e os seus primos pobres arquitetos apenas iam no vácuo da mobilização, justamente para conseguir garantir um naco das atribuições profissionais, as quais os civis queriam abocanhar no todo.

O campo profissional, em si, estava ocupado majoritariamente por Ramos de Azevedo. Algo assim como o que ocorria então no Rio de Janeiro com Heitor de Mello (1875-1920) e ocorre em Brasília com Oscar Niemeyer (1907), o Ramos exercia com mão de ferro um monopólio quase absoluto sobre as grandes obras cívicas. Tudo que era edifício importante na cidade era dele, isso sem contar sua vasta carteira de obras particulares. E não se tratava apenas de projetos; naquela época arquitetura era sinônimo de construção: o seu escritório projetava e construía, só projetava ou só construía, dependendo da ocasião, em um negócio bem mais lucrativo do que só projetar.

Em termos artísticos, as posições em confronto eram menos difusas do que hoje. Acima de tudo, a cena ?que não era lá das mais espaçosas ?estava dominada pelos ecléticos. Desses, o Ramos e seus projetistas ?como o Max Hehl (?-1916), o Domiziano Rossi (1865-1920) ou o Felisberto Ranzini (1881-1976) ?eram os de maior visibilidade, exercendo assim também uma forte hegemonia estética, acatada por outros profissionais em firmas semelhantes, porém de menor porte.

Há o ecletismo do Ramos de Azevedo:

   

E há o ecletismo dos demais:

   

O movimento tradicionalista

Mas algo novo vinha despontando no horizonte ?que tomaria vulto a partir de 1922, com a comemoração do centenário da Independência. Estou me referindo ao neocolonial, naquela época chamado de “tradicionalismo” ou “colonialismo” ?este último termo ainda não tendo tomado a conotação política negativa atual.

O tradicionalismo não só tem seus pressupostos e realizações objeto de poucas pesquisas, como quase todos os seus estudiosos sofrem de um esquisito complexo de inferioridade. Numa linha de denegação oposta à benevolência historiográfica para com o modernismo, eles parecem estar pedindo desculpas por abordar algo tão desimportante, para não dizer ruim…

Ao percorrermos o inclusivo livro organizado por Aracy Amaral, Arquitectura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos (1994), nos deparamos com sintomas do conflito. Exemplar é o capítulo dedicado ao Brasil, “El estilo que nunca existió”, de Carlos Lemos. Após reduzir o neocolonial a um “historicismo”, termo por ele usado pejorativamente, sua honestidade de pesquisador o obriga a apontar que:

Sin embargo, lo más interesante de todo es que la variante ecléctica historicista lanzada por Severo al sugerir el “estilo colonial” agradó a todos los gustos y se popularizó, inclusive, en el ámbito de la arquitectura sin arquitectos?a id="_ednref7" href="#_edn7">[6]

Este é um aspecto importante da questão. Ao menosprezarmos por preconceito estético os estilos neocoloniais, concomitantemente desqualificamos o imenso acervo de obras neles realizadas e não levamos em consideração a variedade de programas em que são empregados. E negligenciamos a riqueza de significados que essas edificações evocam, as suas qualidades construtivas, o seu valor artístico e a sua relevância ideológica e, não menos, o agrado que causavam e ainda causam. Basta percorrermos mais uma vez o livro da Aracy com olhos generosos, para logo sermos seduzidos.

Seja como for, na receita do tradicionalismo há ingredientes díspares. Melhor conhecidos, graças a Joana Mello, são os ideais republicanos de Ricardo Severo (1869-1940), engenheiro português radicado no Brasil e desde 1908 um dos sócios justamente do Ramos de Azevedo.[7]

   

Veja-se alguns poucos exemplos da década de 1920:

 
 

Tateando ainda, porém ganhando musculatura também de 1920 em diante, quando ocorre o seu primeiro congresso, há a bem menos pesquisada influência da Federação Panamericana de Arquitetos, espaço de proselitismo do uso de estilos “americanos”.[8] Esta estará difundido experiências revivalistas em curso por todas as Américas, frutos arquitetônicos tardios da então centenária Doutrina Monroe.

Não vou me referir ao tradicionalismo latino americano ?movimento forte por todos os seus países ?dado o meu incipiente conhecimento sobre o assunto. Já para a América do Norte sinto-me mais a vontade. De alto nível de qualidade e muito agradável foi o intenso emprego de estilos coloniais hispânicos nos Estados Unidos desde as últimas décadas do século dezenove, evidentemente mais difundidos na Flórida e na costa oeste.

Veja-se, como aperitivo, alguns exemplos do revival dos estilos misiones de California e renascença espanhola.

Nessas confluências temporais bastante comuns na história da arte, enquanto artigos e conferências de Ricardo Severo, realizados entre 1911 e 1916 ?com especial destaque para as conferências “A Arte Tradicional no Brasil” e “A Casa e o Templo”, proferidas na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo em 1914 ?têm sido apontados como o marco inicial do tradicionalismo brasileiro, a Exposição Panamá Califórnia, em San Diego ?cuja construção teve início em 1911, sendo aberta em 1915 ?tem sido considerada o apogeu do tradicionalismo estadunidense.

De qualquer modo, o neocolonial será longevo ?se é que já tenha desaparecido ? com importantes obras nas décadas de 1930 e 1940.

 

 

 

O nativismo

Precursor mesmo entre nós nesse rumo nativista é um outro olvidado, o paraense Theodoro José da Silva Braga (1872-1953), bem como a sua pregação por uma arte decorativa baseada em motivos tirados da fauna e flora brasileira.[9]

Foi Theodoro Braga o predestinado descobridor pictural, espantando o nosso esnobismo com a estilização da flora e da fauna, em uma sadia compreensão nacionalista, de que tão insensata e barbaramente nos temos afastado na arte[10]

Pregação essa expressa tanto em suas atividades de professor e escritor como em suas obras, tendo mesmo criado um sistema ornamental inspirado na cerâmica marajoara, legitima arte pré-colombiana. Para sua pintura mais conhecida, A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará, de 1908, executou moldura com motivos decorativos tirados da flora regional. De fácil acesso graças à internet, veja-se o seu artigo “Estilização nacional de arte decorativa aplicada”, de 1921.[11]

Olvidado também ficou o seu estilo marajoara, empregado no tão malfadado projeto vencedor do concurso do Ministério da Educação, de Archimedes Memória (1893-1960), preservado contudo nas fotos da residência de Theodoro Braga publicadas na Revista de Engenharia Mackenzie, projeto de Eduardo Kneese de Mello (1906-1994).[12]

 

E há precedentes de outra ordem. Veja-se a polêmica entre Francisco Bethencourt da Silva (1831-1911), egresso da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, e Luiz Schreiner (1838-1892), formado na Real Academia de Belas-Artes de Berlim, quanto à possibilidade de constituição de uma arquitetura autóctone brasileira.[13]

Polêmica da qual conhecemos melhor as opiniões deste último, conforme expostas em seu livro As obras da nova Praça do Commercio (1884). Pelo que se depreende da leitura, Bethencourt da Silva teria acusado Schreiner ?encarregado de construir o seu projeto para a terceira Praça do Comércio, atual Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio ?de trazer técnicas europeias inadequadas ao nosso clima e cultura, como o estuque ou a alvenaria de tijolos queimados. E teria insistido no uso de soluções construtivas tradicionais luso-brasileiras de pedra e madeira.

Partindo do pressuposto de que estilos são criações do passado, próprios de sociedades fechadas e tomando uma postura anti-nativista, Schreiner replicou em discurso proferido no Instituto Politécnico Brasileiro em 1883:

Há pessoas que, intitulando-se arquitetos, sonham com a criação de um novo estilo arquitetônico essencialmente brasileiro, e julgam-se predestinados pela Providência para inventar o que não se pode inventar e nunca foi inventado... Pretender criar uma arquitetura essencialmente brasileira equivale a pretender isolar o Brasil do mundo inteiro por uma muralha chinesa.[14]

Abrindo de vez o leque, será que não poderíamos considerar a Candelária, no Rio, como um exemplo precoce de neocolonial, portanto de nativismo?

O art-déco

Correndo por fora, antes mesmo da primeira grande guerra, apontava na Europa uma estética de natureza muito diversa, menos preocupada com ideologias e tendo entre suas características mais marcantes, seja nas artes plásticas, seja na arquitetura, uma estilização geometrizada da figuração, quando não uma definitiva abstração geométrica. Estética que só seria batizada de art-déco quando já bem grandinha, já maior de idade, em 1925, quando causaria frisson global na sequência da Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes, em Paris.[15]

Porém esta orientação então pagã ?às vezes chamada de “estilo moderno”, rótulo igualmente dado ao art-nouveau, do qual pode ser considerada quase que um desenvolvimento estilístico, um desdobramento, um continuum ?era pouco conhecida entre nós. Lá por São Paulo me ocorre de momento algumas realizações de Victor Dubugras (1868-1933) ?como a Estação de Mairinque, de 1907 ?que poderiam, com correção, ser emparelhadas em sincronia com obras de seus contemporâneos Otto Wagner (1841-1918), Josef Hoffmann (1870-1956) ou Auguste Perret (1874-1954).

   
 
 

Dubugras, por sua vez, parece ter influenciado alguns de seus alunos, transmitindo o gosto por um vocabulário ornamental despojado e geométrico. Veja-se a capela de Sant’Anna em Eleutério, de Guilherme Winter (1884-1961),[16] ou o Edifício Guinle, de Hippolyto Pujol Jr (1880-1952), ambos de 1912, ambos de forte sabor Secession.

 

Mais desconhecido por aqui o tal “movimento moderno”, que apenas engatinhava lá no velho mundo, muito em especial por terras germânicas. E atenção, antes da primeira grande guerra nem eram ainda distinguíveis entre si o ainda inominado art-déco, o expressionismo, o cubismo ou o futurismo. Em arquitetura, algo que pudesse ser identificado como “moderno” àquela altura nada mais era do que variações do ?insisto no inominado ?art-déco, um art-déco sem o déco, um art-déco fabril, quando muito um art-déco mais cerebrino.

 

Detour pelo MoMo

But what’s in a name anyway? A date, now, is something different. We ought to be able to trust a date.

Reginald Hill, Pictures of perfection, 1994

A existência autônoma na historiografia de um “movimento moderno” na arquitetura ocidental do século vinte começaria a ser construída bem mais tarde, talvez a partir de 1929, quando Henry-Russell Hitchcock (1903-1987) publicará o seu importantíssimo Modern Architecture: Romanticism and Reintegration. Apesar de ter sempre atribuído a ele, em parceria com Philip Johnson (1906-2005), a responsabilidade pela alcunha de International style em 1932, há pouco descobri o meu equívoco: os padrinhos parecem ter sido Walter Gropius (1883-1969), com seu Internationale Architektur, de 1925, e Ludwig Hilberseimer (1885-1967), com seu Internationale neue Baukunst, de 1927.[17]

Ao cabo e alguns anos depois, em meados da década de trinta o estilo irá receber finalmente esse rótulo, levado à pia batismal, ao que parece, pelas mãos de Nikolaus Pevsner (1902-1983), com seu Pioneers of the Modern Movement, de 1936. Porém, fica a impressão que a expressão não colou logo, uma vez que na sua segunda edição, o título do livro passou a Pioneers of modern design (1949). Seja como for, anos depois estaria consolidada, como indica o livro de Dennis Sharp (1933-2010), The modern movement in architecture: a biographical bibliography (1963).

Nas artes plásticas, a expressão “movimento moderno” começa a aparecer bem antes. Por exemplo, Ernest Chesneau (1833-1890) publica na Revue européenne uma série de biografias de pintores franceses ?como David (1748-1825), Géricault (1791-1824) e Delacroix (1798-1863). Estas foram lançadas como folhetos avulsos em 1861 sob o título coletivo de Le mouvement moderne en peinture.

Título extremamente adequado, o movimento moderno na pintura; quase se poderia falar em expressionismo avant la lettre, como mostram uns poucos exemplos.

 

Especificamente sobre pintura de vanguarda dos séculos dezenove e vinte, considere-se J. W. Beatty (1850-1924), The modern art movement (1924), ou R. H. Wilenski (1887-1975), The modern movement in art (1927). Quanto à expressão “arte internacional”, ela já dá título a exposições de arte de vanguarda realizadas desde a década de 1910.[18]

Em português, temos a famosíssima conferência de Mario de Andrade (1893-1945) “O Movimento Modernista”, proferida em 1942 e aqui citada em epígrafe. Em títulos há Três fases do movimento moderno, 1952, de Flavio de Aquino (1919-1987), sobre artes plásticas, e O movimento modernista, 1954, de Peregrino Júnior (1898-1983), sobre literatura, ambos opúsculos d’Os cadernos de Cultura, coleção do Ministério da Educação de relevante papel para a difusão de ideias modernas.

Fora do campo artístico, a expressão é corrente em meados do século dezenove, associada a tudo que é assunto: educação, cremação, feminismo, religião e teologia, socialismo, industrialismo, cooperativismo agrícola… Títulos ao acaso, Nineteenth century miracles; or, Spirits and their work in every country of the earth. A complete historical compendium of the great movement know as “modern spiritualism” (Britten, 1884); Jérusalem moderne… (Conil, 1894), The modern cremation movement (Cremation Society of England, 1909); The modern woman’s rights movement (Schirmacher, 1912);; Outlines of the history of the modern British working-class movement (Craik, 1917); ou The Arya samaj, a modern religious movement in India?(Whitley, 1923). Bem posterior, Quattro precursori del moderno movimento francescano (Oliger, 1930).

Enfim, ao longo do século dezenove e princípios do século vinte, a expressão “movimento moderno” parece ter abarcado e/ou sintetizado uma série de anseios de renovação nos mais diversos campos, para ao cabo estacionar de vez no ramo arquitetônico.

Na paulicea

Em meados da década de dez, justamente quando São Paulo estava em plena floração cultural, quando a paulicéia, por assim dizer, desvairava, o neocolonial constituía o único estilo moderno na cidade, se me permitem usar o termo como Mario de Andrade o teria usado na coluna “Notas de Arte” publicada n’A Gazeta, no dia da abertura da Semana, a 13 de fevereiro de 1922.

A hegemonia artística da corte não existe mais. No comércio como no futebol, na riqueza como nas artes, São Paulo caminha na frente. Quem primeiro manifestou a idéia moderna e brasileira na arquitetura? São Paulo com o estilo colonial[19]

Porém o que nos interessa por agora é que então reina o escritório do Ramos de Azevedo. E, com sua estética eclética de há muito entronizada, não precisa se dar ao trabalho de se justificar com algum discurso para se garantir no poder. São os outros, aqueles desejosos de ocupar espaços dominantes é que precisam de um arsenal teórico com que propugnar, com que obter legitimidade.

Dois nomes estão adentrando a arena e começam a se destacar como ideólogos da classe. De maior presença, com maior articulação, também ocupando postos de razoável relevo, temos Alexandre Albuquerque (1880-1940), o professor de arquitetura da Politécnica, membro fundador do Instituto de Engenharia, homem de grande cultura e já com um raio expressivo de influência.

No outro extremo, Christiano Stockler das Neves (1889-1982), o professor de arquitetura do Mackenzie, incentivador da criação anos depois do Instituto Paulista de Arquitetos ?justamente para concorrer com o Instituto de Engenharia ? também homem de respeitável cultura arquitetônica e também contando com seguidores, porém não com alcance comparável.

Há diferenças consideráveis entre eles. O Christiano, na verdade, defende posturas ainda mais antiquadas ?para não dizer reacionárias ?do que aquelas do Ramos de Azevedo e sua troupe. Ramos é eclético; Christiano é um homem da velha-guarda beaux-arts, um acadêmico de raiz. É um sectário estético ?fundamentalismo que iria lhe causar graves prejuízos no futuro, mas esta é uma estória pela qual não vamos nos embrenhar no momento.

 
 

Já o Alexandre é um pragmático. De profundas convicções racionalistas, consegue aplicá-las indistintamente em tudo que faz, seja lá qual seja o estilo que adota. Será ele um dos baluartes do neocolonial em São Paulo, orientação que transmite a seus alunos. Imaginem que em 1920 ele já levava os estudantes para Ouro Preto para conhecer a arquitetura colonial de primeira mão!!

 

Antonio Garcia Moya

Vejamos agora onde entra nesta história o nosso Antonio Garcia Moya. Aqui vou expor uma opinião que me é cara: Moya foi um pioneiro da arquitetura moderna entre nós. E está injustamente quase esquecido até hoje na historiografia. Tanto que a principal fonte sobre sua trajetória continua sendo a monografia de João de Deus Cardoso, Antonio Garcia Moya, o poeta da pedra: vida e obra, feita quando estudante na FAU/USP, em 1965, para as inspiradoras aulas de história da arte e estética do querido Flávio Motta (1923), filho de um participante da Semana de Arte Moderna, Cândido Motta Filho (1897-1977).

Nunca é excessivo chamar a atenção para o valor da contribuição de João de Deus, dos seus “apontamentos de um jovem que não tinha a ‘manha’ da organização, como Nestor Goulart, Aracy Amaral…” [20] É graças a ele que temos registros preciosos, hoje talvez impossíveis de se obter. Além de ter entrevistado a viúva e uma das filhas de Moya, respectivamente Felícia Tabuenca Moya e Olinda Moya Pascual, quase que só pôde contar com fontes primárias, como matérias de jornais e revistas. De fonte secundária, àquela época havia apenas o informativo e hoje clássico Antecedentes da Semana de Arte Moderna (1958), de Mário da Silva Brito.

Afora uma ou outra citação em umas poucas obras de referência, o que sobressai é o já citado, também clássico e sempre brilhante livro de Aracy Amaral, Artes plásticas na Semana de 22, publicado em 1970, com edições revistas de 1992 e 1998. De real interesse e de fato informativo, pouco mais existe. Há o folder da exposição Antonio Garcia Moya e sua arquitetura visionária, organizada por Marta Rossetti Batista (1940-2007) ?a sensível biógrafa de Anita Malfatti[21] ?e realizada no Instituto de Estudos Brasileiros da USP em 1991.[22] Apesar de insistir numa interpretação um tanto anacrônica do que seria “arquitetura moderna” em princípios da década de 1920, a sua apresentação ainda é o que de melhor se escreveu mais recentemente sobre Moya.

Porém seu título me incomoda. Porque Moya seria visionário?

Em geral, a arquitetura visionária é entendida como algo que não é tecnicamente possível de ser construído quando da sua concepção, que só pode existir na imaginação ou representado em menor escala em alguma mídia. Cada um à sua maneira, visionários são Piranesi (1720-1778) e Boullée (1728-1799) e, à época do Moya, Antonio Sant’Elia (1888-1916). Dentre os modernos, está Buckminster Fuller (1895-1983); e houve de pouco um Archigram, da turma do Peter Cook (1936).

 

O que é visionário, os delicados desenhos de Moya? Ou o Plan Voisin (1925), de Le Corbusier (1887-1965), que ?apesar do nome ?não tem nada a ver com vizinhos??

 

Por aí já se percebe o rumo ambíguo que tomou a narrativa sobre Antonio Garcia Moya. De quando em vez o seu nome surge em algum artigo, mas parece que foi estabelecido um juízo discricionário tanto sobre a sua obra, como sobre a presença da arquitetura na Semana de 1922. Mas isto fica para um próximo episódio.


Leia também:

Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22:

Parte 2 : ou la mala suerte…
por Sylvia Ficher

1922: quando o moderno não era um estilo, e sim vários
Editorial
por Danilo Matoso Macedo


Notas

* Este artigo é uma ampliação da biografia de Antonio Garcia Moya, escrita em 1989 e divulgada em 1998, como parte do trabalho O curso de arquitetura da Academia de Belas Artes de São Paulo: 1928-1934. Agradeço as sugestões de Danilo Macedo e Eduardo Rossetti para a presente atualização.

[1] Conferência proferida a 30 de abril de 1942, na Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, in Mario de Andrade, Aspectos da literatura brasileira, 1972, p. 232.

[2] Apud João de Deus Cardoso, Antonio Garcia Moya, o poeta da pedra: vida e obra, 1965, p. 10.

[3] Lucio Costa, Carta-depoimento, 1948, in Lucio Costa, Sobre arquitetura, 1962, pp. 123-24; Yves Bruand, Arquitetura contemporânea no Brasil, 1981.

[4] Aracy Amaral, Artes plásticas na Semana de 22, 1970. Aqui estaremos usando a edição revista e ampliada de 1992, notável também pela qualidade do material iconográfico, p. 152, grifos meus. Em algumas situações será usada a edição de 1998, devido aos anexos a ela acrescentados.

[5] O seu amigo Brecheret é apresentado no site do Instituto Victor Brecheret como “artista brasileiro” nascido na Itália (//www.brecheret.com.br/), apesar de aqui ter aportado com mais de seis anos. Lucio Costa nasceu na França, veio para o Rio de Janeiro no ano seguinte, mas em 1910, aos oito anos de idade, voltou para a Europa, onde “recebe ensino básico na Inglaterra e na Suíça.” Voltaria ao Rio em 1916 ou 1917, aos quatorze ou quinze anos de idade (//www.casadeluciocosta.org/). Mesmo assim, é considerado brasileiro, jamais franco-brasileiro, quando muito de naturalidade francesa. Já o Moya, nunca perdeu a pecha de estrangeiro, como se verá.

[6] No há pouco citado livro de Aracy, 1994, p. 160. Incidentalmente, ao chamar a atenção para a simultaneidade de um momento espetaculoso tanto para o neocolonial como para o modernismo, o ano de 1922, Lemos se interroga: Por qué Victor Dubugras no participó en la semana modernista? (p. 159). A resposta me parece simples. Trata-se de pessoas de gerações muito diversas. Dubugras é um exato quarto de século mais velho do que Mario de Andrade; o que estaria fazendo no meio dessa molecada da Semana?

[7] Joana Mello, Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira, 2007.

[8] O 1º Congresso Panamericano de Arquitetos foi realizado em 1920 em Montevidéu; o 2º Congresso em 1923 em Santiago; o 3º Congresso reuniu-se de 1 a 10 de julho de 1927 em Buenos Aires.

[9] Ver sua biografia in Sylvia Ficher, Escola de Engenharia Mackenzie: professores do Curso de Arquitetura, 1989-2007, pp. 12-17.

[10] Carlos Rubens, Pequena história das artes plásticas no Brasil, 1941, p. 245.

[12] Kneese de Mello, Residência Theodoro Braga, Revista de Engenharia Mackenzie, no 69, jul 1938.

[13] Foi Danilo Macedo que chamou minha atenção para o episódio.

[14] Luiz. Schreiner, As obras da nova Praça do Commercio, 1884, pp. 89-90.

[15] Para momento bem posterior e com outros atores, Aracy (1992, pp. 52-59) aponta a existência de uma estética art-déco anterior a 1925, ao falar da “influência do art déco, ou seja, do ‘moderno’ em geral, sobre artistas brasileiros” (p. 52), ao se referir justamente a alguns daqueles representados na Semana, além da própria Tarsila do Amaral (1886-1973), aí já em fins da década.

[16] In Revista de Engenharia, v. 2, no 4, p. 101, 1o out 1912.

[17] Note-se que, apesar da qualificação de “internacional” ter sido outorgada à arquitetura moderna, internacionalismo não é exclusividade sua, não é novidade em arquitetura. No contexto europeu, o gótico foi internacional; no contexto mundial, os classicismos foram e ainda são internacionais, idem o art-nouveau e o art-déco.

[18] Internazionale Ausstellung, 1921, de Hilberseimer, in Michele Caja (org.), Ludwig Hilberseimer: Grosstadtbauten e altri scritti di arte e di architettura, 2010, p. 112.

[19] Apud Aracy Amaral, 1992, p. 130 (detalhes à nota 31, p. 237).

[20] João de Deus Cardoso, Correspondência a Sylvia Ficher, São Paulo, 5 maio 1988.

[21] Marta Rossetti Batista, Anita Malfatti no tempo e no espaço, 1985.

[22] Há referência à sua republicação, no ano seguinte, na Revista da Biblioteca Mario de Andrade.


Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br

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Arquitetura Moderna Brasileira – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2012/03/20/1922-quando-o-moderno-nao-era-um-estilo-e-sim-varios/ //28ers.com/2012/03/20/1922-quando-o-moderno-nao-era-um-estilo-e-sim-varios/#comments Wed, 21 Mar 2012 02:03:52 +0000 //28ers.com/?p=7527 Continue lendo ]]>

Danilo Matoso Macedo

Há homens que veem tudo de uma só cor, quase sempre preto. Eu vejo preto, branco, roxo, vermelho, amarelo. Vejo tudo de todas as cores do arco da velha. Aquele que vê uma cor só é mais pobre do que aquele que vê as sete cores. O homem que tem uma ideia só sobre um assunto é mais pobre do que aquele que tem duas. Dois valem mais do que um, pelo menos assim me ensinaram.

Rubens Borba de Moraes, Domingo dos séculos, 1924

Ao tomar conhecimento da revista MDC, Joaquim Guedes, imaginou ser a letra M correspondente a movimento. Talvez ele tenha se decepcionado ao constatar que nossas aspirações eram mínimas. Ponderou então, relembrando um antigo professor marxista, que os dois atributos do ser são a matéria e o movimento. E que se movimento é vida, ou nós lemos a vida e fazemos boa arquitetura ou não lemos e não fazemos nada

A Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo em 1922, não iniciou a arte moderna no Brasil, mas certamente colocou em movimento um modo moderno de discuti-la. Glorioso de antemão, no dizer de Mário de Andrade, o evento cumpriu seu propósito de alavancar jovens artistas, não só da metrópole em formação como de outras paragens ?como o próprio Rio de Janeiro ? para um plano de destaque na cultura nacional. Vinte anos depois, já era História rememorada e celebrada pelo próprio Mário.

Mitificado, combatido, recuperado, novamente combatido, o modernismo brasileiro ainda persiste entre nós. Mas a que modernismo brasileiro nos referimos?

Seria o expressionismo de Anita Malfatti e Di Cavalcanti? A estilização de Victor Brecheret e Vicente do Rego Monteiro? Ou o pontilhismo da belorizontina Zina Aita? Talvez a arquitetura despretensiosamente vernácula do polonês Georg Przyrembel. Ou a erudita arqueologia iconográfica dos edifícios de Antônio Garcia Moya…

Se a arte moderna nunca teve uma só causa, tendo bem servido tanto a fascistas como a comunistas, tampouco teve um só estilo. Mesmo assim, costumamos tratar por moderno um grupo restrito de obras. Na arquitetura, basta observar nas ruas que a maior parte da produção edilícia de nossas cidades permanece excluída do ensino em nossas escolas: desde o neocolonial, ainda presente em nossas residências, até o Déco ainda vigente na arquitetura corporativa. Vários estilos e obras, considerados modernos por seus contemporâneos eruditos e mais vanguardistas há um século, mantêm-se até hoje à margem da cultura arquitetônica habitualmente historiografada ?salvo alguns esforços isolados. E se mesmo Aita, Przyrembel e Moya, participantes da própria Semana de Arte Moderna de 1922, permanecem desconhecidos até do público especializado, que dizer de tantos outros…

Recuperando a figura do arquiteto paulista Antônio Garcia Moya, Sylvia Ficher comemora com a revista MDC os 90 anos da Semana de 22, num texto que será publicado na íntegra em três partes. O ar de novidade de fatos tão antigos talvez seja sinal de que neste campo há sempre muito o que por em movimento…


Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22
por Sylvia Ficher

Parte 1 : ou pro Mario, o Moya era moderno…

Parte 2 : ou la mala suerte…


danilo matoso macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

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Sylvia Ficher | Marlene Milan Acayaba

*

To show our simple skill,
That is the true beginning of our end.

Shakespeare, A midsummer-night’s dream

Para a Sylvia e a Marlene rememorar, depois de tantos anos, como foi escrito o Arquitetura Moderna Brasileira é uma viagem. Mas uma viagem que nada se compara àquela que fizeram pelo Brasil no verão de 1979…

O nosso livro se propunha traçar um panorama da arquitetura brasileira desde as suas primeiras manifestações modernistas na década de 1920 até aquele momento, ou seja, fins da década de 1970. Poucos sabem, mas foi escrito originalmente em inglês, para integrar o International Handbook of Contemporary Developments in Architecture, manual organizado por Warren Sanderson ?então professor de história da arte na Faculty of Fine Arts da Concordia University, em Montreal, 1 sobre a produção arquitetônica após a 2ª Guerra Mundial. Nas palavras de seu organizador:

The volume is to be a work of reference primarily. It will be sold especially to libraries around the world. Each essay should serve at least two functions: first, an introduction to the contemporary architectures of countries around the world, and: second, a summary of developments in each in the areas of architectural design, technology, planning, education, and the profession itself as a whole. It will be used, we expect, both by specialists and the general public. References to specific buildings, projects, and architects, with the dates during which each was accomplished, or worked, should be built into the narratives; and an emphasis upon design should be maintained. 2

O alentado volume, publicado em 1981, iria corresponder ao propósito de Sanderson e ao pomposo título. Trata-se de uma útil obra de referência, abordando trinta e dois países. Pela ordem dos capítulos: Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Cuba, Tchecoslováquia (hoje dividida…), Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha Ocidental (ela ainda existia), Grã-Bretanha, Grécia, Hungria, Israel, Itália, Japão, México, Holanda, Noruega, Polônia, África do Sul, Suécia, Turquia, União Soviética (e ela também!), Estados Unidos e Venezuela. 3 Painel este introduzido por seis excelentes ensaios: Trends in Contemporary Architecture, de Warren Sanderson; Architectural Theory and Criticism since 1945, de Bruno Zevi; Technology and Architectural Design, de Robert W. White; Preservation, Restoration, and Conservation, de Robert Bruegmann; Urban Planning in Europe since 1945, de Adolf Ciborowski; e Urban and Regional Planning in South America, de José M. F. Pastor.

Mas parece que tanta pomposidade lhe custou em popularidade. Findou por passar quase desapercebido, não é fácil encontrá-lo citado na historiografia. 4 Injusto infortúnio crítico, há alguns dias estava à venda usado por 45 centavos de libra em um site inglês 5 e por umas 1.500 rúpias em um site indiano. 6 Na William Stout Architectural Books, em San Francisco, é levado mais a sério: estava à venda por 75 dólares. 7 Curiosa é sua situação nos grandes sites especializados. No AbeBooks, lá sua sorte oscila entre extremos: usado vale de US$ 3.79 a US$ 242.34. 8 Na Amazon pode ser encontrado novo por US$ 64.95, usado por preços variando de US$ 0.01 a US$ 175. 47. 9

Eis a gênese do Arquitetura Moderna Brasileira, o capítulo sobre o Brasil, ou melhor, “Brazil”, do Handbook. Tudo muito canhestro e mal articulado, coisa de principiante, porém fruto de uma excepcional amizade, escrito com a despreocupação da mocidade.

Do que a Marlene se lembra

Em 1975 eu me inscrevi na pós-graduação da FAU/USP com o objetivo de fazer um estudo sobre as residências de vanguarda em São Paulo. Pouco depois a Maria Helena Flynn me falou de uma tese de doutorado sobre arquitetura contemporânea brasileira, defendida na França por Yves Bruand.

Por intermédio de minha irmã Betty Milan, que vivia lá, o professor Bruand gentilmente me cedeu um exemplar. Li com o maior interesse, sobretudo porque nunca havia visto nada igual no nosso universo. O sujeito era paleógrafo e, a partir de publicações em revistas, transformava tudo em lâminas de estudo. Foi isto que me deu a ideia de como faria a pesquisa sobre as casas, usando como referência o que havia sido publicado sobre elas.

Nesse meio tempo, em 1978 reencontrei a Sylvia no curso de especialização em patrimônio que eu estava assistindo na FAU. Uma noite, convidadas para jantar com nossa colega e amiga Marta Dora Grostein, conversamos durante horas sobre os nossos interesses, que coincidiam, uma vez que ambas gostaríamos de nos dedicar à história da arquitetura.

Nos dias seguintes, ela me convidou para escrevermos um artigo sobre arquitetura moderna no Brasil, a ser incluído em um livro que seria publicado nos Estados Unidos. Respondi que seria ótimo, mas que talvez pudéssemos fazer uma tentativa antes para ver como funcionaria a nossa parceria. Naquele momento, o Instituto Roberto Simonsen havia aberto um concurso, o Prêmio Henrique Mindlin. Para ele escrevemos o “Arquitetura Brasileira: tendências atuais”, ensaio que recebeu menção honrosa. 10 E o prêmio foi para quem? Para a Ruth Verde Zein e o marido dela, o José Luiz Telles dos Santos!!

A experiência mostrara que poderíamos trabalhar juntas, embora escrever a quatro mãos nem sempre seja fácil. Mas como as duas estavam se iniciando nas lides acadêmicas, uma dava força para outra, e rapidamente nos disciplinamos para realizar os estudos necessários.

Do que a Sylvia se lembra

Para mim, tudo começou em Nova York. Em Nova York e em maio ou junho de 1978, não lembro bem dos detalhes. Eu havia concluído o mestrado na Columbia e estava para voltar, sem saber muito bem o que me esperava por aqui. Recordo muito vagamente ter conhecido uma pesquisadora que estava preparando um livro sobre arte latino-americana ou algo assim, e que houve uma conversa sobre uma possível participação minha no projeto. E só!!

Por essa época chegou uma carta ?ou talvez tenha sido um telefonema ?do Carlos Lemos, contando que o meu professor James Fitch iria a São Paulo para dar um curso na FAU, e me convidando para ser a sua assistente. 11 Aceitei na hora, era algo de concreto para fazer na volta…

Já em São Paulo, recebo outra carta ?datada de 5 de julho de 1978, o que estabelece cientificamente o início da novela ?de um tal professor Warren Sanderson, explicando que está organizando um livro e que a Dra. Joyce Bailey ?deve ser a tal pesquisadora, mas juro que o nome não me traz nada à memória ?havia me indicado como alguém que poderia, por sua vez, indicar pesquisadores daqui para preparar um capítulo sobre arquitetura brasileira. 12

Evidentemente, pensei logo em me oferecer para escrever o capítulo. Contudo, a tarefa estava muito além da minha competência, precisava achar alguém para trabalhar comigo. Tudo clicou naquela conversa com a Marlene no apartamento da Marta Dora. Da conversa com a Marlene me lembro como se fosse hoje, nossos interesses e dúvidas eram parecidos. Tinha encontrado a parceira ideal! Tanto que pouco depois liguei para ela e a convidei para fazermos o trabalho juntas.

Ela topou, tomei coragem e em seguida respondi ao Sanderson sobre a nossa disponibilidade. 13 E não é que ele aceitou!?!

I am glad to have an opportunity to answer you now, positively. Welcome to our group of collaborators?I understand that you will be writing our chapter on “Architecture in Brazil since 1945” together with your colleague, Marlene Acayaba. 14

Foi a Marlene que veio com essa conversa do Prêmio Henrique Mindlin. Eu queria começar o quanto antes o nosso artigo, o prazo era apertado para duas diletantes. Mas todo mundo sabe que a Marlene não pede, manda…

Atacando o Brazil

Havia chegado a hora de partimos para o “Brazil”, isso por volta de outubro ou novembro de 1978. Começávamos a vislumbrar uma estrutura básica; a encomenda era sobre o período posterior a 1945, e nos parecia que esse recorte não se ajustava ao caso brasileiro. Aqui a guerra não significara uma ruptura de igual ordem daquela que ocorrera na Europa e nos Estados Unidos. Pelo contrário, fora a guerra e a conturbada década que a precedeu que, em parte, haviam permitido que a produção brasileira preenchesse o vácuo criado no cenário arquitetônico internacional.

E assim, o ensaio foi pensado em três momentos. Um primeiro trataria dos contatos iniciais dos brasileiros com o movimento moderno europeu até Brasília, período quando havia uma linguagem arquitetônica fértil e unitária, embasada num racionalismo de viés corbusieriano, porém com resultados muito próprios. Inescapavelmente um segundo momento seria dedicado a Brasília, do concurso à inauguração. Um terceiro tentaria entender algo que vinha sendo rotulado de “após Brasília”, 15 marcado por mudanças estéticas e diversidades de linguagem cuja lógica talvez pudesse ser entendida nos seus contextos regionais.

Logo percebemos que escrever as duas primeiras partes não ia ser problemático. Complicado mesmo era o tal após-calipso brasiliense, de 1960 em diante! Como resolver o impasse? Íamos ter que estudar… Começando pelo que vivenciávamos de primeira mão: São Paulo. Aí, diante da nossa ignorância e da ausência de publicações sobre a produção mais recente, seguimos o palpite da Marlene: sair a campo, viajar pelo Brasil, conversar com os arquitetos das cidades mais importantes, visitar as suas obras, verificar de primeira mão o que estava acontecendo.

Para saber quem procurar em cada lugar, a Marlene apelou para o Joaquim Guedes e a Sylvia para o Miguel Pereira. Em perspectiva, fica difícil justificar a ausência de algumas cidades, em especial Belo Horizonte. Talvez não tenhamos ido a BH porque nos parecera que a cidade fora suficientemente contemplada com Pampulha, ou porque não sabíamos quem procurar lá, ou porque estávamos dando preferência a cidades a beira-mar ou ainda porque sequer nos ocorreu ir até lá. 16

Ainda conseguimos nos lembrar do apoio da Cristina Toledo Pizza e do Luiz Paulo Conde, no Rio, da Cristina Jucá e do Vital Pessoa de Melo, no Recife, e do Luciano Guimarães, em Fortaleza. Porém, à medida que íamos avançando em nossa peregrinação, fomos encontrando outros arquitetos que nos davam dicas sobre o que era entendido como relevante no seu meio, cujos nomes infelizmente não mais recordamos.

São Paulo

São Paulo fazia parte do nosso dia-a-dia. Quase que bastava relatar o que sabíamos pelo simples fato de pertencemos ao seu meio profissional. Os arquitetos e obras citados simplesmente refletem o que era mais comentado naquele tempo na nossa roda. Apenas pudemos dar uma atenção maior à arquitetura residencial; nas palavras da Marlene:

Como eu já estava juntando material para o mestrado sobre as residências, nós utilizamos os projetos que eram consenso para todos nós: a casa do Paulo no Butantã, a casa do Guedes no Pacaembu etc. Incluímos a minha casa, projeto do Marcos, e a “bola”, que o Eduardo Longo estava então fazendo com suas próprias mãos.

Os arquitetos e obras citados simplesmente refletem o que era mais comentado naquele tempo na nossa roda; pela ordem no livro:

Lina Bo Bardi: Museu de Arte de São Paulo

João Batista Artigas: FAU/USP, Residências Olga Baeta e Mendonça, Ginásios de Itanhaém e Guarulhos, Casa de Barcos do Clube Santa Paula, Estação Rodoviária de Jaú, Escola Conesp em Vicente de Carvalho

Paulo Mendes da Rocha: Clube Paulistano, Residência do arquiteto no Butantã, Pavilhão de Osaka, Museu de Arte Contemporânea da USP

Joaquim Guedes Sobrinho: Residências Cunha Lima, Dalton Toledo e Sergio Ferreira, Tribunal de Itapira, 17 planos diretores para Carajás e Caraíba

Carlos Millan: Residências Nadyr de Oliveira e Roberto Millan

Fabio Penteado: Sociedade Harmonia de Tênis

Sergio Ferro e Rodrigo Lefèvre: Residência em Cotia

Marcos Acayaba: Residência do arquiteto

Eduardo Longo: Residência do arquiteto

Pedro Paulo de Mello Saraiva e Miguel Juliano: Edifício 5ª Avenida

Rino Levi e Roberto Cerqueira Cesar: Banco Itaú

João Batista Artigas, Fabio Penteado e Paulo Mendes da Rocha: Conjunto Habitacional Cecap em Guarulhos

Abrahão Sanovicz: Conjunto Habitacional Cecap em Jundiaí

Rio de Janeiro

Nos primeiros meses de 1979 pegamos um avião em Congonhas e descemos no Santos Dumont, onde a Cristina Toledo Piza, nossa colega da FAU, nos aguardava para nos hospedar e socorrer. Éramos tão inexperientes que sequer levamos um gravador ou uma máquina fotográfica.

Nosso outro guia foi o Luiz Paulo Conde, quem nos levou para passear, mostrando aqui e acolá alguns edifícios que havia projetado, mas preocupado sobretudo em nos mostrar a cidade. Um encontro especial foi com o saudoso Joca Serran, com quem mantivemos uma longa conversa em algum barzinho de Ipanema. Outro dia fomos visitar o Zanine, que estava construindo umas casas belíssimas com estrutura de madeira numa área próxima da Floresta da Tijuca. E fomos ao bairro do Joá, onde descobrimos a arquitetura dos irmãos Menescal.

Surpresa maior foram os escritórios, um mais bonito que o outro, todos com vistas para aquela paisagem única. Além disso, os cariocas tinham muitos projetos em outras cidades. Enquanto que os paulistas ficavam mais restritos ao seu estado; e seus escritórios eram bem mais sem graça… O ritmo desses encontros era completamente diferente do nosso. Quando tentamos marcar uma entrevista matinal com o Sérgio Bernardes, ele nos recomendou que antes fossemos à praia, tomássemos um bom banho de mar, para no fim da tarde visitá-lo em seu lindo escritório na Barra, de frente para o mar, claro!

A viagem já estava surtindo efeito. Tomávamos consciência de quão pouco sabíamos. Afora aqueles arquitetos mais ativos nas reuniões do IAB nacional, praticamente não conhecíamos ninguém além dos paulistas, boa parte deles os nossos próprios professores. Só fizemos algumas breves anotações das entrevistas, encantadas com aqueles arquitetos tão diferentes, homens da corte, teatrais… Era verão, quando o Rio se prepara para o carnaval e reluz na sua expressão máxima. Fazíamos a lição de casa, mas como nos divertimos…

Por tudo isso, a seleção carioca foi bem mais variada, indo de nomes consagrados a outros mais jovens. Ousava mesmo incluir um Zanine, a quem poucos então aceitavam como arquiteto, apesar do seu imenso talento.

Jorge Machado Moreira: Residência Antonio Ceppas e projetos no Fundão: Hospital de Clínicas, Faculdade Nacional de Arquitetura, Escola Nacional de Engenharia e Instituto de Puericultura

MMM Roberto: Pavilhão Lowndes, Edifícios Marquês de Herval e Souza Cruz, Centro de Exposições da Bahia

Henrique Mindlin: Edifício Avenida Central

Helio Ribas Marinho e Marcos Konder: Monumento aos Mortos da 2ª Guerra Mundial

Sergio Bernardes: Pavilhão do Brasil em Bruxelas, Residência do arquiteto, Hotel de Manaus, Instituto Brasileiro do Café

Ricardo e Roberto Menescal: Clube Costa Brava e Condomínio Joatinga, ambos no Joá

Paulo Casé: Edifício de apartamentos na Lagoa Rodrigo de Freitas, Edifício Estrela de Ipanema

José Zanine Caldas: Condomínio Portinho de Massarú

Luis Paulo Conde: Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Oscar Niemeyer: Israel: Cidade no Negev, Universidade de Haifa e Residência Rothschild; França: Partido Comunista Francês, Centro Espiritual dos Dominicanos em Sainte Baume e Bolsa de Bobigny, ZACs (áreas a urbanizar) de Grasse, Dieppe e Villejuif; Argélia: Mesquita, Centro Cívico de Argel, Universidade Constantine e Parque Ecológico; Itália: Editora Mondadori em Milão e Fata Engineering em Turim; Rio de Janeiro: Hotel Nacional; São Paulo, Centrais Elétricas do Estado de São Paulo.

Manaus

Foi em seu escritório no Rio que conhecemos Severiano Mário Porto, cujo premiado projeto para a residência Schuster, então há pouco publicado na Projeto, tinha nos encantado. Ao vivo e a cores, foi bem depois que Marlene e Marcos foram a Manaus e visitaram suas obras. Naquela altura já eram bons amigos, haviam se encontrado na Bienal de Buenos Aires em 1986, quando Severiano ganhou o Grande Prêmio e Marcos, o Cubo de Bronze.

Severiano Mario Porto: Sede administrativa da Portobrás, Superintendência da Zona Livre de Manaus, Campus da Universidade do Amazonas, Residência do arquiteto e Residência Robert Schuster em Tarumã-Açu

Salvador

A seguir veio Salvador, e aí a coisa ficou ainda mais lenta, o calor mais intenso. Estávamos hospedadas no Pelourinho, naquele mesmo hotel onde havíamos ficado durante o Congresso de História da Arquitetura, em 1975. E aproveitamos para curtir o centro histórico, para nós bem mais interessante que a arquitetura baiana mais recente.

Se nos lembramos corretamente, nosso primeiro contato foi com o arquiteto Assis Reis, por indicação do Guedes. Ele nos recebeu super bem e uns jovens arquitetos de seu escritório nos levaram para conhecer suas obras. Foi ele quem nos falou do projeto do Lelé para o centro administrativo da Bahia. Fomos visitá-lo: era um imenso canteiro de obras; prontos apenas a igreja e o pavilhão de exposições. Confessemos, Salvador não foi tão empolgante como o Rio e nossas escolhas ficaram ?não sabemos mais porquê ?excessivamente restritas, muita gente interessante ficou de fora.

Francisco Assis Reis: Ginásio Humanístico de Pojuca, Centro Comunitário Batista, Hospital Geral de Canela, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, Centro Médico Albert Schweitzer, Residência José Paixão em Itapoã

João Filgueiras Lima: Centro Administrativo do Estado da Bahia: Secretaria, Centro de Exposição e Igreja

Recife

No Recife, depois de muita dificuldade para encontrar um lugar para nos hospedar ?era férias, a cidade estava lotada ? conseguimos um quarto em uma casa particular em Boa Viagem. Já estávamos pegando o jeito, ficando espertas, e logo nos pusemos a telefonar para a lista que tínhamos obtido graças à Cristina Jucá, uma ótima indicação do Miguel. Quando tentamos os primeiros contatos descobrimos, desconsoladas, que estava todo mundo fora, passando a temporada de verão na praia, seja lá o que isso signifique para quem mora em uma cidade litorânea… Depois de muito esforço, conseguimos convencer alguns arquitetos a nos receber na semana seguinte. Nada a fazer, seguimos a receita do Sergio Bernardes: banhos de mar e longas caminhadas por Boa Viagem.

Até aproveitamos para dar uma espiada naqueles prédios de apartamentos tão bem construídos da beira mar, a maioria deles ?descobrimos depois ?projeto do Borsoi. Próximo à casa onde estávamos hospedadas havia um prédio muito diferente, de planta curva e bem mais alto, talvez o Edifício Holiday, famoso treme-treme local. Nesse meio tempo, também encontramos o Regis, um amigo da Sylvia de São Paulo, que havia montado um laboratório no centro histórico, próximo ao Capibaribe, para fazer a restauração das peças de ferro e cerâmica recolhidas dos destroços de um galeão que havia naufragado por lá no século dezessete. Os detalhes de que a gente lembra…

O primeiro arquiteto que nos recebeu foi o Vital Pessoa de Melo, quem nos mostrou a cidade e nos deu uma ideia geral do que os arquitetos estavam realizando. Na sequência, estivemos com o Borsoi. Ele nos deu uma entrevista muito boa, cândida mesmo, contando sobre os reveses da experiência do Cajueiro Seco, e explicou que, no momento, estava se dedicando mais a projetar, em parceria com sua esposa, a arquiteta Janete Costa, vários prédios de apartamentos de luxo em Boa Viagem. Quem nos levou para conhecer vários desses prédios ?um melhor que o outro, todos com soluções hábeis para aproveitar a brisa do mar na ventilação interior ?foi o seu filho, Marco Antonio Borsoi, então se iniciando na profissão.

Houve um jantar na casa dos arquitetos Clementina Duarte e Armando de Holanda, num bairro mais afastado. Este foi, sem duvida, o encontro mais fascinante de toda a viagem: o Armando nos seduziu, era um idealista e estava muito perturbado com o estrago que a construção do Porto de Suape iria fazer no Cabo de Santo Agostinho, local histórico de grande beleza, e nas praias próximas, como Gaibu. Com ele visitamos justamente o Cabo, onde o Armando estava ousando erigir um monumento de protesto. Atenção, era 1979 e o porto era uma daquelas obras megalomaníacas da ditadura, causando terríveis danos ambientais sem que ninguém pudesse chiar, exatamente como iria acontecer alguns anos depois quando destruíram Sete Quedas para construir Itaipu. Armando nos levou também ao Parque Nacional dos Guararapes, para o qual havia projetado uma série de equipamentos seguindo os preceitos que havia exposto em seu livro Roteiro para construir no Nordeste, um trabalho inspirador recentemente reeditado. 18

Conhecemos outros profissionais interessantes, como o Reinaldo Esteves, o Jório Cruz e o Élvio Polito. A imagem que ficou desses arquitetos do Recife é que eram cultos e sofisticados, muitos deles com formação na França ou na Inglaterra. Todavia foram poucos cujas obras citamos.

Delfim Amorim: Edifícios Santa Rita e Acaiaca

Acácio Gil Borsoi: Residência Clovis Rolim, Cajueiro Seco, Fórum de Teresina, sede do Ministério da Fazenda em Fortaleza

Armando de Holanda: Parque Nacional dos Guararapes e Monumento Rodoviário de Garanhuns

Fortaleza

Aqui as duas amigas se separam. Marlene volta para São Paulo e Sylvia segue para Fortaleza. Agora quem relata é ela, reclamando que não tem a memória da Marlene e nem a sua veia poética.

Graças à amizade dos tempos do curso de especialização em patrimônio de 1974, entrei em contato com o colega Luciano Guimarães, outro guia incansável. Mais uma vez um acolhimento caloroso e a descoberta de um ambiente profissional afinado. Tanto que, em retrospecto, a seleção parece ter sido bem equilibrada.

Liberal de Castro eu conhecia, fora meu professor justamente em 1974. Igualmente o Neudson e o Campello, arquitetos atuantes no IAB que já havia encontrado em São Paulo. Novidade foi conhecer arquitetos mais jovens, preocupados em realizar obras adequadas ao clima e empregando materiais locais. Como a Nícia ?quem reencontraria logo depois em Brasília, pois começamos juntas a dar aula na UnB em 1982 ? que me levou para visitar algumas das suas casas. Ou o Nelson Serra e o José Alberto, que me falaram da bela experiência de Morada Nova. E um personagem inesperado: Fausto Nilo, arquiteto dublê de compositor, parceiro letrista do Morais Moreira em todos aqueles frevos maravilhosos! Paradoxalmente, a sua arquitetura ia na direção oposta, menos regional e mais influenciada pelo brutalismo dos paulistas.

José Liberal de Castro: atuação no Sphan

Neudson Braga: Banco do Estado do Ceará e Centro de Hemoterapia

Neudson Braga e José Liberal de Castro: Campus da Universidade Federal do Ceará

Nícia Bormann: várias residências

Gerhard Bormann: sedes do Banco do Nordeste em João Pessoa e Natal, Estádio de Fortaleza e residências

Roberto Castelo e José Furtado: Assembléia de Fortaleza

Paulo Cardoso: agências do Banco do Nordeste, Residência do arquiteto

Nelson Serra e José Alberto de Almeida: Morada Nova

Curitiba

Para fechar o percurso, a Sylvia vai a Curitiba, onde se encontra com o Jaime Lerner, o qual descreve em detalhe o processo de planejamento da cidade e lhe dá um conjunto enorme de publicações sobre suas ações como prefeito, o qual ela guarda até hoje com carinho…. Deve ter sido preguiça dela, em nossa seleção apenas citamos a dupla Luiz Forte e José Maria Gandolfi e nos concentramos nos aspectos urbanísticos.

Jorge Wilheim: Plano Diretor de Curitiba

Jaime Lerner: desenvolvimento do Plano Diretor de Curitiba no Instituto de Planejamento de Curitiba, IPUC

Porto Alegre e Brasília

Não dava para continuar viajando e ainda faltava muita coisa. Jamais teríamos dado conta do serviço se, para cobrir as principais lacunas, o Miguel não tivesse nos ajudado com Porto Alegre e Brasília. Se a seleção de Porto Alegre foi boa, o crédito é dele; se erramos feio, assumimos a culpa.

Demétrio Ribeiro: apenas citado

Edgar Graeff: Planos diretores para Caxias, Alvorada do Norte e Uruaçu, Residência para o Ministro de Minas e Energia em Brasília, Hotel Laje de Pedra

Carlos Fayet, Claudio Luiz Araujo, Moacir M. Marques e Miguel Alves Pereira: Refinaria Pasqualini

Carlos Fayet e Claudio Luiz Araujo: Ceasa de Porto Alegre

Miguel Alves Pereira: Ginásio Concórdia

O mesmo quanto a Brasília:

Universidade de Brasília

Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima: Instituto Central de Ciências

João Filgueiras Lima: Laboratórios do Departamento de Engenharia e Conjunto Residencial da Colina

Leo Bonfim e Alberto Xavier: Alojamento de Estudantes

Paulo Zimbres: Reitoria

José Galbinski e Miguel Pereira: Biblioteca Central

Jose Galbinski: Restaurante Universitário

Ricardo Farret e Paulo Zimbres: Centro Esportivo

Maurício Roberto: Banco da Amazônia

Alcides da Rocha Miranda: Banco Nacional de Desenvolvimento

Pedro Paulo de Mello Saraiva e Paulo Mendes da Rocha: Confederação Nacional da Indústria

Sergio Souza Lima: Superquadra do Itamaraty 19

Ícaro Castro Mello: Centro Esportivo e Ginásio

Pedro Paulo de Mello Saraiva, Sergio Ficher e Henrique Cambiaghi: Escola Fazendária

João Filgueiras Lima: Hospital de Taguatinga e Edifício Camargo Correia

Frente à frente com o Brazil

A viagem fora frutífera; havíamos encontrado arquiteturas diversas, resultado da geografia e do clima, da cultura local e seu tipo de vida, dos materiais empregados… Porém todas inescapavelmente modernas, todas reconhecíveis pelo gene comum, todas direta ou indiretamente fruto da difusão do modernismo pelo país.

Encerrada a farra dos passeios, chegara a temida hora da redação. Seja lá o que se ache delas, escrever as duas primeiras partes não foi problemático. Simplesmente recontamos a versão heróica que nos havia sido transmitida pela tradição oral das aulas de história da FAU, em especial aquelas do Eduardo Kneese de Mello. Versão essa que ia “desde o começo”, ou seja, o Warchavchik, passando pelo Corbusier no Brasil, o Ministério e o fenômeno Niemeyer, fechando em Brasília. 20 Para evitar maiores gafes, nos valemos da magra historiografia nacional de então e de um trabalho praticamente desconhecido por aqui, a tese de doutorado de Yves Bruand ?atenção, não o livro, este só sairia em 1981, a tese de 1973. 21 Fontes essas, todas, que não fugiam em muito daquela versão heróica. Para maior precisão, nos apoiamos em informações coletadas nas revistas de arquitetura. Naqueles primitivos tempos sem catálogos online, um auxiliar indispensável foi o Índice da Arquitetura Brasileira, aquele que vai de 1950 a 1970. 22

Redigidas essas três partes, incluímos à guisa de conclusão uma sumária revisão da literatura, alinhavando os títulos mais influentes ?lapso indesculpável, entre outros, é a ausência do livro do Lemos, Arquitetura Brasileira, lançado naquele ano de 1979. 23 E uma mais sumária ainda tentativa de discussão de um processo de regionalização que nos parecia estar em curso. Metidas, ousávamos até prever o regionalismo crítico. 24

O após Brasília: 1960-1979

Foi a terceira parte que exigiu bem mais das autoras. A nosso ver, é nela que reside algum interesse que ?porventura ?o Arquitetura Moderna possa ter hoje. Como aborda o período posterior àquele abrangido pela tal versão heróica, naquele momento era ainda terra ignota, território não mapeado ?à exceção justamente do capítulo “Os tempos recentes” do livro do Lemos, que bestamente não consultamos.

É nela que tivemos que fazer a nossa própria escolha de arquitetos mais expressivos e obras mais representativas ?o who’s who e what’s what da Sylvia e da Marlene. Inúmeros desses arquitetos, apesar de muito conhecidos, renomados mesmo à época, eles não haviam sido até então objeto de qualquer referência na crônica da profissão, como o Zanine, o Borsoi, o Assis Reis, o Lelé, o Zimbres, ou o Conde. É verdade também que outros que citamos nunca mais foram lembrados…

Apesar da arbitrariedade da escolha ?qual seja, as nossas preferências, o nosso gosto pessoal e, por que não, até mesmo as nossas simpatias e antipatias ? o que mais nos surpreende em tal seleção, aqui e agora, é a sua permanência. Essa mesma seleção continua sendo repetida até hoje ?quase ipsis litteris ?em trabalhos historiográficos. Ela como que se tornou uma continuação da velha versão heróica. Acerto de julgamento ou mera coincidência, nada além de casualidade? Pior, talvez um vicioso e viciado efeito de teoria?

Acabando com o Brazil

Mal traduzido para o inglês, em algum momento em 1979 enviamos para o Sanderson aquele que seria apenas o primeiro esboço do “Brazil”. 25 Ele, numa demonstração de extremo profissionalismo, meses depois devolveu o texto com o inglês todo revisto, 26 acompanhado de uma longíssima carta na qual malhava o trabalho do começou ao fim, em particular a terceira parte, aquela em que mais havíamos caprichado. Só para dar o tom, aí vai um dos trechos mais duros:

I have worked long and very hard on your contribution?I am sorry that I cannot accept the second part (after the discussion of Brasilia) even as it now stands in my revision. There are simply too many very incomplete discussions in it…Ask yourselves just what are the major trends in Brasil’s architecture?and decide whether they are clear from your chapter (and they are really not clear to me). 27

Porém restava uma esperança:

I am sure that your chapter as it stands has all the “raw material” necessary for an excellent chapter, but it requires more shaping now.

A paulada vinha acompanhada de uma lista de questões a serem esclarecidas ?vinte e seis para sermos precisas. Foi graças às suas críticas e perguntas oportunas que pudemos perceber como o nosso trabalho era fraco, amadorístico. Mãos à obra, perguntas divididas entre Marlene e Sylvia, finalmente surgiu um texto, ou melhor um copião. Trechos em inglês, trechos em português…

A tradução definitiva foi feita por ninguém menos do que o Dr. Paulo Emílio Vanzolini, então diretor do Museu de Zoologia da USP. A Sylvia já o conhecia e, na maior cara de pau, pediu que nos ajudasse. E ele não se restringiu a fazer uma tradução. Trabalhavam à noite em seu gabinete no museu, ele traduzindo e afinando o texto, ela anotando tudo. De noite correções, de dia datilografia do trabalho da noite anterior, isto por uns 10 dias… É a ele que devemos o que de bom tem a redação do “Brazil”.

Por fim, havia um texto se não brilhante, pelo menos correto e em bom inglês, que enviamos em maio de 1980.

Please find enclosed the final rewrite of our chapter… We were helped in the translation by Dr. Paulo Vanzolini (Museu de Zoologia, Universidade de São Paulo) and would like to have this fact acknowledged somewhere in the article ?we thank Dr. Vanzolini for his patient and careful reading of the chapter. 28

Apesar das ácidas críticas anteriores, o Sanderson findou por aceitá-lo, conforme nos informou a 2 de outubro:

Your manuscript is part of the Handbook indeed and is now in production at the Greenwood Press. Forgive me for not writing sooner and thanks for a good chapter. 29

O enredo continuou ainda por algum tempo, por conta de ilustrações e detalhes menores. Em novembro de 1981 o Handbook estava pronto, confirmando o que nos informara Sanderson em sua última correspondência:

Production of the book is on schedule and we should see the finished volume of some six hundred to seven hundred double-columned text pages [de fato, 623 páginas] with two hundred and fifty illustrations published by November of this year (Nov 20th). 30

Encucado, pesquisado e escrito entre 4 de setembro de 1978 e 14 de maio de 1980, o “Brazil” estava publicado!!

Fonte: Arquivo Sylvia FicherFonte: Warren Sanderson, International Handbook of Contemporary Developments in Architecture, 1981.Fonte: Warren Sanderson, International Handbook of Contemporary Developments in Architecture, 1981.

Enfim o Arquitetura Moderna

Um serviço que dera tanto trabalho, que não era de todo ruim e que poderia servir como uma primeira leitura para os estudantes, não um manual no padrão do Bruand, algo mais singelo, porém chegando até a década posterior à sua tese. Que tal publicá-lo?

Neste ato final as datas não vão ser tão precisas, deve ter ido de fins de 1980 a inícios de 1981. Feita a tradução, sim, a tradução de algo que nunca existira integralmente em português, selecionamos as ilustrações e montamos um “manuscrito”, algo tosco considerando os recursos digitais de hoje. 31 E o editor? A opção era óbvia… O Vicente Weissenbach topou, convidamos o Miguel para escrever a introdução.

Tudo parecia encaminhado… Que nada, o Vicente não gostou da conclusão. Mais trabalho, mais uma conclusão que, em retrospecto, também tem, entre outras, uma falha grave: o fato de não termos incorporado a ela justamente a conclusão em inglês, aquela com o rapidíssimo balanço da historiografia. Dada a dificuldade de acesso, aí vai o melhor trecho:

The study of contemporary Brazilian architecture suffers from the lack of historical texts. Brazil Builds (1943), Henrique Midlin’s books (1943, 1956), several articles by Lucio Costa, all written before 1960, and some scattered essays by architects have only recently been substantially augmented by Yves Bruand’s L’Architecture contemporaine au Brésil, a doctoral thesis published in 1973, exhaustively covering the field from 1900 to 1968. These important sources are complemented by architectural journals of a usually short or intermittent life in which there has been a notable absence of criticism and an exaggeratedly high valuation of architectural output. Perhaps in part this may be explained by the fact that Brazilian law does not clearly define the architect’s profession which overlaps with the civil engineer’s. Another contributing factor to this situation may well be that the cultural activity we know as architecture, after giving Brazil some international renown during the 1940s and 1950s, came to be viewed with suspicion during the 1960s concurrently with certain internal political changes. 32

Mesmo assim, descontadas as limitações das fontes e das autoras, ambas as conclusão, do “Brazil” e do Arquitetura Moderna, ainda interessam como documento de época. Inclusive, trazem esboçada uma primeira abordagem de algumas questões que só nas últimas duas décadas têm sido objeto de maior reflexão de nossa parte, historiadores e críticos de arquitetura, como a conflituosa relação entre o internacionalismo do movimento moderno e o desejo de afirmação de uma cultura nacional. Como então escrevemos:

Através da incorporação de uma teoria arquitetônica, que se propunha com validade internacional, foi possível a coexistência das duas aspirações contraditórias ?a adequação da arte e da arquitetura brasileiras [a]os estágios mais avançados da produção européia e a superação da dependência cultural. 33

Em 1982 seria a vez do Arquitetura Moderna ser publicado! Quando o vimos, uma grata surpresa: não só uma elegante programação visual como tudinho fora desvairadamente ilustrado, coisa que jamais havíamos imaginado que seria feita e da qual não tivéramos conhecimento. Contribuição ímpar do Hugo Segawa, que repetira o nosso roteiro e foi muito além, lá onde não havíamos ido, fotografando todas as obras citadas. Contribuição ímpar, sim; afinal várias delas estavam sendo publicadas pela primeira vez.

O lançamento foi a 7 de dezembro na loja da Oca, na Faria Lima, cedida por seu dono, cujo nome não recordamos. Graças à prodigalidade do Vicente, era tanta bebida que a noite de autógrafos só poderia ser um sucesso!!


Mais imagens do lançamento do livro na galeria abaixo

Algo mais do que recordações

How shall we beguile the lazy time
If not with some delight?

Shakespeare, A midsummer-night’s dream

Tantas estórias meio esquecidas, vem o convite da Ruth para participarmos da sua sessão temática naquele que foi o primeiro evento da longamente ansiada Anparq. 34 Valeu o reencontro com quem fomos. E o reencontro com um Arquitetura Moderna até que algo valorizado, hoje vendendo por até cem reais, e como livro raro35

Porém tudo isso é folclore. A quatro mãos novamente, voltemos à carta do Sanderson de dezembro de 1979. Há nela um comentário curioso:

I knew that developments in your country were very important, but now from your contribution I realize that even I had underestimated just how important they were in our filed.

Tal constatação ecoaria na sua introdução do Handbook, “Trends in Contemporary Architecture”:

South America had been made well aware of the new style of buildings by Le Corbusier himself during his lecture tour of the continent in 1929. architects in Argentina, Brazil, and Uruguay were especially receptive to his ideas, and in 1936 he was invited to Brazil as a consultant for what became a landmark of modern architecture in South America, the Ministry of Education and Health building in Rio de Janeiro (1936-1943). This had effects not only during the forties in South America but also in the fifties in the Republic of South Africa where the Meat Board Building in Pretoria (1951) by Stauch and Partners is related to it, according to I. Prinsloo. 36

I. Prinsloo? Ora, o autor do capítulo sobre a África do Sul do Handbook, quem nos brinda com uma inesperada assertiva:

The local experience with the International Style had not been entirely satisfactory due to technical failure and public rejection, and architects actively sought other modes of designing in the postwar period. At this time a new set of diverse influences entered the field; the influence of Scandinavian work, the gentler brick architecture of persons such as Dudok (both under the rubric of New Empiricism), and the recent work done in Brazil and made known to South Africans by the publication of Brazil Builds (Goodwin, 1943) with photographs by Kidder Smith. The Brazilian work in particular had a wide and pervasive influence, especially in Pretoria with its hot climate, and on a group of architects who were culturally particularly receptive to a new, non-European architecture. The capital city of the country was the center of those pressures which sought to develop a particular South African identity and, in building, Brazilian models seemed more appropriate than European ones. The influence was mainly two fold: that relating to vernacular building, that is, seeing that vernacular building could provide a legitimate point of departure for modern building; and that relating to building form as such, in particular lessons from the Ministry of Education and Health Building, Rio de Janeiro (Lucio Costa and others, with Le Corbusier, 1942). The brise-soleil, the use of pilotis, and the use of a regular frame to contain the other elements, were particularly emulated. The Meat Board Building, Pretoria (Stauch and Partners, 1951), is a good example of the application of these ideas and the fact that the Institute of South African Architects gave an Award of Merit to it signifies the importance attributed to these ideas. 37

Mais imagens na galeria abaixo

Essas leituras, lá no longínquo 1981, foram extremamente sugestivas. Nenhuma novidade então encontrar comentários ?elogiosos ou abertamente adversos, tanto faz ?sobra arquitetura brasileira nos principais manuais estrangeiros sobre o modernismo ?hoje rotulados de “textos canônicos”, o que só faz reforçar a versão heróica eurocêntrica. Veja-se o Hitchcock (1958), o Benevolo (1960) e, bem depois, o Tafuri e Dal Co (1976) e o Frampton (1980). Fora do nosso limite temporal, Curtis (1982) tampouco têm algo diferente a dizer deste ponto de vista.

Em trabalhos publicados até aquela época, raramente havíamos nos deparado com informações tão embasadas como aquelas do Prinsloo sobre o impacto da arquitetura brasileira ?leia-se, carioca ?no exterior.

Oscar Niemeyer, vá lá que seja. Ainda que, apesar de toda a fama, ele tenha sido sempre injustiçado quando se trata de ressaltar a sua ascendência sobre outros arquitetos mundo afora. Lá pra trás, considere-se a sua óbvia e raramente apontada influência nas mais importantes realizações de Wallace Harrison. 38 Nos tempos atuais, só não vê quem não quer a maniera niemeyeriana refletida na obra dos mais incensados arquitetos do star system arquitetônico, como Santiago Calatrava ou Christian de Portzamparc. Mesmo que não economizem elogios, destes, apenas Zaha Hadid parece prestar a devida vênia e reconhecer a dívida. 39

Já o Brazil builds em circulação em Pretoria nas década de 1940? E o Ministério modelar e fazendo escola por lá? Até mesmo o nativismo sendo reverenciado e objeto de reflexão??!?!

Uma relativa exceção encontra-se em um dos tais canônicos. No último capítulo do seu Outline, “From the end of the First World War to the present day”, Nikolaus Pevsner, apesar de não afirmar categoricamente uma primazia do modernismo brasileiro de 1945 em diante, cita-o extensivamente ?como sempre um pouco de Reidy e muito de Niemeyer ? para exemplificar tanto o que vê de positivo como de negativo na produção arquitetônica da época. 40

Ao discutir a difusão do International style, por duas vezes Pevsner se refere ao Brasil em primeiro lugar: With this the barrier of the Second World War is passed. The war meant to many countries ?though not to all ?another break of five years and more. Brazil had built what she liked? ou Fifty years after its creation [the style of the twentieth century] it has its outposts nearly everywhere?He [the critic] has to visit Brazil without any doubt?41 Paradoxalmente, após censurar enfaticamente o que denomina the revolt from reason dos cariocas, as realizações que escolhe para elogiar como “racionais” são o conjunto da ONU e a Lever House, ambos com óbvia pitada de carioquice. Adiante, outro exemplo elogiado por seu caráter pitoresco é o conjunto residencial Roehampton (1952), em Alton West, Londres, bastante próximo do Parque Guinle (1949-1954) e mais ainda da posterior superquadra brasiliense. 42

Bem mais explícitos e efetivos, na literatura estrangeira vêm à mente Percy Johnson-Marshall e Marcus Whiffen como autores que haviam, até então, dado crédito aos brasileiros por inspirarem arquitetos estrangeiros, por seu impacto no cenário internacional no segundo pós-guerra. E isto em dois países centrais, Estados Unidos e Inglaterra. Já a Europa continental nunca se manifestou, sempre passou batida pelo assunto.

Referindo-se à Lever House, em Nova York, Johnson-Marshall escreve:

This superb design by architects Skidmore, Owens and Merrill for Messrs Lever was a pioneer in the form of commercial office buildings?A simple vertical form, larger but of approximately the same shape as the Ministry of Education building at Rio, was placed over a low platform consisting of a two-storey hollow square with most of the ground floor left open. Compared with almost any other building in Manhattan (except the U.N. Building) the public gain was very great. It was this building that we made our prototype for the Barbican scheme in London, proposing a number of tall blocks with low slabs, the latter being joined by bridges to form a complete upper level pedestrian system.43

Em outras palavras, bom mesmo em Manhattan só a Lever e a ONU ?ambos filhotes do Ministério. Idem para a reurbanização do Barbican, em Londres…

Whiffen é peremptório. No capítulo “The New Formalism” de seu livro American Architecture since 1780, após citar obras de Philip Johnson, Minoru Yamasaki e Edward D. Stone, afirma:

The architects of the New Formalism are unashamed in their pursuit of delight…And it is to Stone, more than any other single architect, to whom we owe the return of the arch, though the inverted arcade, so popular with the designers of banks and real estate offices, has its source outside the United States in Oscar Niemeyer’s presidential palace in the new capital of Brazil. 44

Comentário bem exemplificado por um bizarro projeto de E. Stewart Williams (1909-2005), arquiteto mais conhecido como autor da casa de Frank Sinatra em Palm Springs…

Tudo isso nos levara a pensar que havia ali uma pista que valeria a pena investigar. 45 Entretanto nossos caminhos seguiram outros rumos, assumimos outras responsabilidades e tal curiosidade findou um tanto abandonada em algum canto da memória. Uma reflexão que sempre quiséramos aprofundar e à qual só agora, trinta anos depois, retomamos para matar a saudade.

Helmut Stauch e o Meat Board Building

Muito preliminarmente, restringimo-nos a uma muito superficial varredura na web. Começando pela Stauch and Partners. Surpresa: a firma, criada em 1943, ainda existe, denominada Stauch Vorster Architects, e ?até onde se pode confiar em uma fonte da internet e sem data… ? é o maior escritório de arquitetura da África do Sul e está incluída entre os duzentos maiores do mundo. 46

O próximo passo foi saber algo sobre o seu fundador, Helmut Wilhelm Ernest Stauch. Nascido em 1910 em Eisenach, Alemanha, sobre os inícios de sua trajetória profissional vale notar que estudou na Technische Hochschule de Berlim ?onde foi aluno do Neuffert; começou a fazer projetos na África do Sul em 1928 ?país onde seu pai enriquecera graças à descoberta de jazidas de diamantes; talvez tenha estagiado com Gropius e Breuer. Por volta de 1935 se transferiu definitivamente para Pretoria, lá falecendo em 1970. 47

Por uma antiga colaboradora sua, Shelagh Suzanne Nation (1985), somos informadas que:

About a year after Wepener joined him [1948], he went on a boat trip to Rio de Janeiro with the main intention of meeting Oscar Niemeyer and seeing his work?His visit to Niemeyer surprised him in many ways. Although he had a deep admiration for the South American architect, Niemeyer’s disregard for such practicalities as whether or not the roof leaked came as a shock to Stauch. But Niemeyer’s emphasis on aesthetic values appears to have appealed to him strongly; it was to a large extend dominant in his own architectural philosophy.

When, shortly after his trip, he was commissioned for the Meat Board Building, the Niemeyer influence was clear. His design for this building aroused a great deal of interest. Writing on the architecture of Johannesburg and environs, Nikolaus Pevsner discussed the lagging behind (in architectural character) of public buildings in general and went on to say: “As for the public buildings a similar change is perhaps imminent. There is at least one extremely encouraging case. To design the new building for the National Meat Board a private architect H W E Stauch, was commissioned (telegraphic address: Bauhaus, Pretoria), and the result is excellent?(The Architectural Review, June, 1953). At least seven leading architectural magazines published full articles on the building, students in South Africa made a point of visiting it and its impact continued for years. 48

Adiante voltaremos ao artigo de Pevsner, fonte importantíssima recorrentemente citada e que pode ser consultada na biblioteca da FAU/USP. Quanto ao próprio prédio, um site nos permitiu visualizá-lo pela primeira vez, entender melhor a sua denominação original: National Meat Board Building, e saber a atual: Nipilar House. 49

Norman Eaton

Estava aberta a estação de caça! Fuçando, fuçando, encontramos outra informação empolgante: em Pretoria a influência do racionalismo carioca havia se manifestado ainda antes, na década de 1940, e isto em projetos de outros arquitetos. Como Norman Musgrave Eaton (1902-1966) que:

?was commissioned in 1944 to design the Ministry of Transport Building?The design of the Ministry of Transport Building was to be the first Modern Civic building in South Africa and also the first which was directly influenced by the new Brazilian architecture, owing much to the Rio de Janeiro Ministry of Health and Education. 50

Além desse prédio ?do qual não encontramos ainda uma imagem ? achamos referências relevantes a mais dois projetos seus. O Netherlands Bank, no qual entra em cena até Burle Marx!

Designed in 1953 the Netherlands bank was a summary of the Brazilian notions used in the Ministry of Transport building. Vertical hardwood louvers were used on the western façade of the building as solar shading towards the harsh afternoon sun. On his travels to Brazil, Eaton met with Roberto Burle Marx (acclaimed Brazilian landscape architect) who inspired him to make use of a roof garden?51

E o Pretoria Wachthuis, cuja data não encontramos. Se olharmos distraidamente a sua foto, podemos nos confundir e achar que fica aqui, no Flamengo, no Rio, ou em Higienópolis, em São Paulo.

Also the Pretoria Wachthuis (police administration building) owes much to the Brazilian influence ?the use of an arcade paved in marble mosaic murals that are linked by a sweeping double stairway to the upper level, the introduction of brise soleil on the façade and elegant steel helical stairs in the double volumes of the ground level shops. 52


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Ampliando o território

Os indícios estavam se acumulando, a investigação estava passando de factível a factual. 53 Continuando a escarafunchar, fomos nos deparando com várias referências à influência carioca em Pretoria, como um artigo mais recente do Prinsloo (1995), “South African syntheses – architecture”, trabalho que traz um amplo panorama da arquitetura sul-africana do século 17 até o presente. 54

Previsivelmente, cita Pevsner o seu little Brazil ao discutir a segunda onda modernista, justamente aquela que aqui nos interessa. Mesmo antes de ler o artigo de Pevsner ?“Johannesburg: the development of a contemporary vernacular in the Transvaal” ?somos obrigadas a retificar o acima dito e reconhecer: agora temos um canônico inequivocamente identificando uma difusão do racionalismo carioca na África do Sul no momento mesmo em que ela estava ocorrendo. Após sua leitura, somos obrigadas também a retificar o nosso foco, uma vez que Pevsner discorre mais sobre o que acontecia em Johannesburg e pouco nos diz sobre Pretoria ?refere-se apenas a Eaton e Stauch, e isso en passant. Assim, ele nos obriga a considerar a preeminência de Johanesburgo em nossa pesquisa:

I doubt if there is any other city in any other part of the Commonwealth which can offer the eye so consistent and convincing a vision of the style of to-day?But the undeniable fact remains: the unknown existence of a Little Brazil in the Transvaal.

All this new blocks of flats in Johannesburg are modern?Moreover, they are all of the same sub-species of modern: with reinforced concrete frames and brick panels; plastered partly in pale colours?They have horizontal windows, recessed or rectangularly projecting balconies, and somewhere or other projecting frames.

The projecting frame is the hallmark of Johannesburg at this time. It reached town with Rex Martienssen’s own house?The motif has been used by architects in England before the war more frequently than in other countries. Maxwell Fry, Lubetkin, F. R. S. Yorke and Goldfinger all have occasionally made use of it between 1935 and 1939?The popularity of the motif may well be due to its wide acceptance by Brazil and the sudden fame won by Brazilian buildings, thanks to Mr. Kidder Smith’s gloriously illustrated Brazil Builds of 1943. There examples abound, by Niemeyer, the Robertos and so on. Whether Johannesburg swallowed it whole, thanks to Martienssen’s house or Brazil Builds, I cannot say. Anyway, it is ubiquitous now. 55

E também a considerar uma longa lista de arquitetos para estudo, como o próprio Martienssen e seus sócios John Fassler e Bernard Cooke ?e mais Cowin e Ellis; H. H. Le Roith; Philip Karp; S. A. Abramovitch; Hanson, Tomkin e Finkelstein; Bernard Janks; W. G. McIntosh; G. Candiotes; Stegman, Orpen e Porter.

Contudo, quanto Pevsner trata de arquitetura residencial, nos exemplos que mostra as influências não são mais tão cariocas, predominando um gosto wrightiano por telhados de pouca inclinação e largos beirais e paredes cegas de pedra não aparelhada. Tanto que uma das casas ilustradas, a residência Gershater, de Le Roith, traz à mente nada mais, nada menos, do que residência Lacaze, projeto de 1941 de Vilanova Artigas.

Há ainda nuances políticas que não devem ser desconsideradas. Veja-se o artigo “The New Futurists”, de Ivor Chipkin, que aponta uma relação entre a adoção da arquitetura moderna na África do Sul ?tendo como modelo a brasileira ?e a legitimação de um governo de direita, o que nos recorda justamente o que aconteceu por aqui com Getulio Vargas:

The Futurists thus split between those that eventually became Fascists and those that became Communists. Indeed, this was precisely the ambivalence of the Modern Movement. Casa del Fascio , designed by Giuseppi Terragni and built in 1936, sometimes described as “the landmark of modern European architecture” (Zevi, pp. 70-74) was commissioned by none other then Benito Mussolini to celebrate and house the Italian Fascist Party! At roughly the same time Le Corbusier was in Moscow doing the headquarters for the Pravda newspaper. Closer to home, we will see the apartheid government invoke Modern Movement architecture to make their own claims to modernity. See, for example, the Meat Board Building done by Helmut Stauch in 1952. 56

Ampliando ainda mais o território, um artigo de Roger C. Fisher, “Africa: Southern and Central Africa” ?talvez verbete de uma Encyclopedia of 20th Century architecture 57 ?dirige nosso olhar para outros países africanos, em especial aqueles de colonização portuguesa:

In the years directly following World War II, Expressionist modernism became popular on the subcontinent, fired by the “Brazil Builds” exhibition (1943) and the subsequent publication of the same name. Graduates from the architectural schools of the Witwatersrand and Pretoria (established 1943) had a particular affinity for the style, and the highveld became a “Little Brazil,” a style term used by [Clive] Chipkin (1993) and derived from Pevsner’s (1953) observation that Johannesburg was “a little Brazil within the Commonwealth”. The appellation has expanded to all southern African architecture of the 1950s and 1960s that reflects Brazilian influence. The idiom is most flamboyant in the then-Portuguese colonies of Angola and Mozambique, particularly in Lorenço Marques (now Maputo), with Pancho Guedes being its distinguished exponent. 58

Pancho Guedes

Entra em cena agora mais um personagem, Amâncio d’Alpoim Miranda “Pancho” Guedes (1925), artista fascinante e, este sim, autêntico regionalista crítico.

Pancho Guedes ?born in Lisbon in 1925, grew up in Lourenço Marques, Mozambique, and studied in South Africa, where he discovered painting and the intensity of the Mexican muralists. He graduated in Architecture at the University of Witwatersrand, in Johannesburg (1953), getting academic recognition by Escola de Belas-Artes do Porto (Oporto School of Fine Arts) the following year. His architectural work mainly focuses on Lourenço Marques (now Maputo), where he developed an original style that would later be called Stiloguedes, disclosing influences ranging from the paintings of Picasso to his friend Malangatana’s, from a dreamlike Freudian universe to African sculpture, mixed with an expression characterised by a “Dadaist” disposition, fostered by his friendship with Tristan Tzara. 59

Sua riquíssima obra, de uma variedade extrema, não admite classificações simplórias, como bem demonstra um passeio pelo seu Vitruvius Mozambicanus. 60 Além disso, a nossa informação é muito tênue e, portanto, insuficiente para incluí-lo com segurança no rol dos arquitetos influenciados pelo modernismo carioca:

while he admired Le Corbusier’s commitment to painting and the forms of his buildings, he was not attracted to the machine aesthetic of the ‘International Style’?His Latin temperament responded more to the freer sculptural expressive forms of Brazilian architects like Alfonso Reidy and Oscar Niemeyer, the Mexican Juan O’Gorman, the work of Frank Lloyd Wright, the buildings of Antonio Gaudí, and his own growing response to African61

Ao cabo, encontramos apenas dois dentre os seus projetos que poderiam quiçá ser adequadamente entendidos como resultado de uma tal inclinação, o prédio de apartamentos e lojas Maxaquene e a Padaria Saipal, ambos em Maputo, mas nem sabemos suas datas.

Pancho Guedes de há muito tem relações com o Brasil, tendo participado da Bienal de São Paulo em 1961, com o projeto de um prédio de apartamentos deliciosamente denominado “Leão que Ri”, ao que parece uma de suas obras mais conhecidas. 62 Há pouco nos deu o ar da sua graça ao participar da 7ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, integrando a exposição “Europa, Arquitetura em Emissão”, representação oficial portuguesa. 63

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As colônias portuguesas na África e Lisboa?

Nessa mudança de delimitação e rumo, considerar as colônias portuguesas parte da trama levanta mais interrogações. Temos agora várias alternativas para os vetores da difusão diagnosticada. Será que a inspiração para essas arquiteturas veio diretamente do Rio, ou lá aportou via Johanesburgo e Pretoria, ou via Portugal? Ou, ainda, será que chegou simultaneamente lá e em Portugal?

Peraí, como é que Portugal está entrando nessa estória? Simplesmente porque em Lisboa há um número significativo de edificações que também trazem a mesma impressão digital carioca. Como o conjunto de quatro prédios de apartamentos à avenida Infante Santo, sobre o qual nada sabemos, mas cujas fotos apóiam a sugestão.

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Harry Seidler

As pistas não param por aí. O Marcos Acayaba entrou na roda, nos contando que o vienense Harry Seidler (1923-2006) estagiou por certo tempo no escritório de Niemeyer, no Rio. Isto foi em 1948; no ano seguinte mudou-se para a Austrália, onde iria se tornar profissional de grande renome. Antes, estudou arquitetura no Canadá e nos Estados Unidos ?lá, cursou Harvard, onde foi aluno de Gropius; foi assistente de Albers no Black Mountain College e de Aalto no MIT; e trabalhou com Breuer em Nova York.

E depois de ter circulado nessa incrível roda de vanguarda, escolhe Niemeyer para guru!! Fato confirmado por Kenneth Frampton:

Surely one of the most vital aspects of Harry’s civic architecture was the important expressive role to be played by structural engineering in the generation of his form as is very evident in such works as the Navy Weapons Workshop on Garden Island, Sydney of 1985 and the Hong Kong Club in downtown Hong Kong, completed one year before, with its 17 metre span column free spaces. One might think of all of these works as amounting to a kind of isostatic baroque feeding partly off the joint legacy of Oscar Niemeyer and Marcel Breuer, with whom Seidler had briefly worked in the late 40s, and off the work of Pier Luigi Nervi, who was a perennial presence in Seidler’s architecture via his top assistant Mario Desideri, who was the engineer for many of Harry’s buildings from the mid-60s onwards. 64

Sem maiores comentários, uma visita ao site da Harry Seidler and Associates ?//www.seidler.net.au/ ?permite verificar como a maniera niemeyeriana foi uma constante ao longo da sua carreira.

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Morris Lapidus

O Marcos tomou gosto; entusiasmado, chamou nossa atenção para outro arquiteto de grande sucesso, Morris Lapidus (1902-2001).

The Lapidus store designs of the 1930’s and 40’s were groundbreaking in their expansive use of glass, focused lighting, intriguing plans, innovative signing, theatrical impact and timelessness. He was a fearless designer, who was regularly mocked by his more “sophisticated” colleagues as a “schlock meister”, but nevertheless continues to have a significant impact on the world of commercial design. 65

Mas a fama internacional veio mesmo com o seu Fontainebleau Hotel, em Miami, projetado justamente três anos depois de sua visita a Niemeyer. Conforme contou em uma entrevista:

JC: As far as yours hotels are concerned, don’t you think you have a colleague in this kind of architecture in Oscar Niemeyer?

ML: I didn’t mention him? He had a great influence. I went to Brazil in 1949, and, of course, the one man I had to see was Oscar Niemeyer, because he was a man who was doing things the way I thought they should be done.

HK: He had the wavy lines, undulating walls.

ML: Yes, all of that. But you must remember that, in 1949, I was still very unsure of myself, didn’t think of myself as an architect doing anything worthwhile: only stores and offices. But I had watched Niemeyer and, actually, in 1949, he wasn’t firmly established yet. He had designed Pampulha. I spent more than half a day with him in his office, and then we spent an evening together at his home. We talked and talked a great deal, and I am sure that his influence must be there pretty strongly. However I found his influence only in the architectural shell. His interiors were quite barren. He had no feelings for interiors. They meant nothing to him. He wanted sculptural architecture like Le Corbusier, his great teacher. 66

E hoje, quando o individualismo romântico está de volta às paradas de sucesso, o estilo de Lapidus ?visto por muitos e por um longo tempo como um tanto brega ?volta a ser objeto de encômios:

What Lapidus did, among other things, was to combine elements of Modernism from Le Corbusier, Niemeyer, and Mendelsohn with local precedent to create a new building type—the American resort hotel. 67

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Quem se habilita?

The actors are at hand;
and by their show, you shall know all,
that you are like to know.

Shakespeare, A midsummer-night’s dream

Fechando esta dupla viagem ?pelo Arquitetura Moderna e pelo ciberespaço ? o que fica óbvio é a profunda diferença entre o que é pesquisa na década de 1970 e hoje em dia. Para a primeira delas tivemos que ir de cidade em cidade, localizar pessoas, dar telefonemas, fazer entrevistas e anotar conversas, visitar obras e mais obras, vez ou outra conseguindo algum material impresso ou fotografias, sem contar datilografar cartas e levá-las no correio…

Já nesta brincadeira de agora, valemo-nos quase que apenas da internet. Bendita e maldita internet! Salvo um serendipitoso passeio por Lisboa, nem saímos de casa, a investigação mal começou ?não examinamos outras fontes primárias que não fotos de alguns prédios ?e já temos fortes indícios de que há uma pesquisa promissora pela frente.

De imediato, apresentam-se dois caminhos em nada excludentes.

Por um lado, dedicar-se a esse opulento veio, considerando como já explorado por outros autores: o impacto e influência, seja da arquitetura brasileira em geral, seja em particular aquela carioca dos irmãos Roberto, de Affonso Eduardo Reidy ou de Oscar Niemeyer, no exterior nas décadas de 1940 a 1960. Por outro, enveredar por uma reflexão de ordem metodológica sobre quais critérios e parâmetros adotar no cotejo e validação de fontes, agora que temos a web e seus imensos recursos para obter informações ?tantas informações que podem nos fascinar e, enfeitiçados, fazer-nos incorrer em graves equívocos.

E não é que o Andrey Schlee já está aproveitando suas férias em Punta del Este para se candidatar. Olha só o que ele encontrou por lá!!

Quem mais se habilita?


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notas

* Este artigo é uma versão revista e bastante ampliada do trabalho de mesmo título apresentado no simpósio temático “Panoramas da Arquitetura Brasileira Moderna e Contemporânea”, organizado por Ruth Verde Zein no 1º Encontro Nacional da Anparq, realizado em 2010 no Rio de Janeiro, e publicado em seus anais. Na sua elaboração então e agora, contamos com o apoio do acadêmico Luiz Eduardo Araújo.

1 Informações atualizadas na net sobre Sanderson são escassas, quase nil. Segundo o seu currículo no Handbook, ele lecionou história da arquitetura medieval e moderna em várias universidades de diferentes países. Publicou vários artigos em revistas especializadas e, entre outros, os livros: Frühmittelalterlichen Krypten von St. Maximin in Trier (1968); Frank Lloyd Wright festival: Oak Park (1969); e Monastic reform in Lorraine and the architecture of the outer crypt, 950-1100 (1971)

2 Correspondência de Sanderson a Sylvia, 5 jul. 1978.

3 De seus autores, à época conhecíamos de nome apenas Yves Bruand, responsável pelo capítulo “France”, e Elizabeth D. Harris, pelos capítulos “Argentina” e “Venezuela”.

4 Busca sumária nos catálogos online de algumas das mais importantes bibliotecas universitárias brasileiras levou a apenas um exemplar na Escola de Engenharia de São Carlos.

5 //www.eurospanbookstore.com/display.asp?k=9780861720255&

6 //www.bookadda.com/product/international-handbook-contemporary-warren-sanderson/p-97803132 14394-313214395

7 //www.stoutbooks.com/cgi-bin/stoutbooks.cgi/86108

8 //www.abebooks.com/servlet/SearchResults?an=Sanderson%2C+Warren&sortby=17&sts=t&x=46&

9 //www.amazon.com/gp/offer-listing/0313214395/ref=olp_sort_p?ie=UTF8&shipPromoFilter=0&sort= price&me=&seller=&condition=used

10 Acayaba e Ficher, 1978. A Sylvia era amiga do Vicente Wissenbach, que ela conhecia do Bar do Zé, na Maria Antônia, e do escritório do Artigas, porque ele era cunhado do Alfredo Paesani. Então, isto facilitou a publicação daquele nosso primeiro artigo na revista Projeto.

11 Trata-se do Curso de Especialização em Patrimônio Ambiental Urbano, no qual o professor Fitch ofereceu em agosto daquele ano uma disciplina cujo conteúdo está publicado em Preservação do patrimônio arquitetônico (São Paulo, FAU/USP, 1981).

12 Correspondência citada de Sanderson, de 1978. O prazo que ele otimistamente estabelecia era março de 1979.

13 Não conseguimos encontrar essa carta, mas a resposta de Sanderson esclarece este importantíssimo detalhe: 4 de setembro de 1978.

14 Correspondência de Sanderson a Sylvia, 18 set. 1978.

15 Expressão “oficializada” no título dos três volumes contendo depoimentos de onze arquitetos publicados pelo IA/RJ naquele ano de 1978.

16 Este inadequado comentário tenta responder a pertinente indagação de Danilo Matoso Macedo.

17 Erroneamente grafado Itabira no livro.

18 Holanda, 1976. Cada uma de nós ganhou um exemplar; o da Sylvia foi emprestado para o Vicente quando estavam preparando o Arquitetura Moderna e sumiu…

19 Aqui uma injustiça indesculpável: a omissão da Mayumi Souza Lima.

20 O segundo capítulo, grafado corretamente no manuscrito como “Brasília 1956-60”, no livro apareceu como “Brasília 1856-60”.

21 Triste indicador daquela magreza, nossa bibliografia indicava 28 títulos entre livros e artigos e mais 10 periódicos.

22 Costa e Castilho (orgs.), 1974. Os demais volumes viriam muito depois, já nos anos 80.

23 A Sylvia, então, nem tem desculpa. Ela ganhou o seu exemplar do próprio Lemos e a dedicatória entrega quando: 25 de setembro de 1979.

24 Ver Tzonis e Lefaivre, 1981 e 1985; e Frampton, 1983.

25 Mais uma data imprecisa; contudo temos uma carta do Sanderson, de 25 de maio, informando o recebimento.

26 Infelizmente não guardamos a sua versão corrigida.

27 Correspondência de Sanderson a Sylvia, 1 dez. 1979.

28 Correspondência de Marlene e Sylvia ao Sanderson, 14 maio 1980. Nossa solicitação foi aceita, constando lá na primeira página do “Brazil”: The invaluable assistance of Dr. Paolo [sic] Vanzolini of the Museu de Zoologia, Universidade de São Paulo, with the English translation as well as his patient and careful reading of this chapter are most gratefully acknowledged by the authors.

29 Correspondência de Sanderson a Sylvia, 2 out. 1980.

30 Correspondência de Sanderson a Sylvia, 31 ago. 1981.

31 É esta origem em um texto “escrito para estrangeiros” que explica aquelas frases de apresentação de cada cidade, falando de sua localização e clima, algo que talvez devêssemos ter cortado no livro…

32 Acayaba e Ficher, 1981, p. 171. Datando a sua elaboração e mostrando como a autocensura funciona, note-se o eufemismo com que, na última frase, nos referimos à ditadura.

33 Ficher e Acayaba, 1982, p. 114.

34 Ou AnPark, segundo os consumistas de arquitetura e afins.

35 //www.estantevirtual.com.br/rarissimuslibris/Sylvia-Ficher-Marlene-Milan-Acayaba-Arquitetura-Mo derna-Brasileira-33716408

36 Sanderson, 1981, p. 4.

37 Prinsloo, 1981, p. 454.

38 Isto apesar de ser de amplo conhecimento que Harrison era bastante familiarizado com o estilo de Niemeyer, tendo sido o responsável pelo detalhamento do projeto da ONU (1947-53). Veja-se, de sua autoria, o Lincoln Center (1959-78), em Nova York, ou o Centro Administrativo do Estado de Nova York (1965-78), em Albany.

39 Mostafavi, 2001, p.34.

40 Revisto várias vezes, a primeira edição do Outline é de 1943. Aqui usamos a sétima edição, de 1963. É nela que aparece talvez pela primeira o capítulo em pauta (pp. 404-35). “Talvez” porque examinamos a quinta edição, de 1957 ?na qual o conteúdo do capítulo aparece de forma ainda embrionária, porém não tivemos acesso à sexta edição, de 1960, para o necessário cotejo.

41 Pevsner, 1963, pp. 419 e 421. É possível, inclusive, inferir que Pevsner culpa o Brasil pelos descaminhos estéticos na obra de Le Corbusier ?em direção ao que considera “irracionalismo”. Após criticar a frivolidade da arquitetura brasileira, ao falar da Pampulha e do Pedregulho ?Brazil is the country in which the fascination and the dangers of the mid-century irresponsibility appears most concentratedly ? conclui que Le Corbusiervisited Brazil, and its conceivable that the country had the effect on him of forcing into the open the irrational traits of his character?Mas teria sido ele, Corbu, quem teria contagiado os brasileiros: he then passed on his impulsive enthusiasm to his young admirers (pp. 426-29).

42 Idem, pp. 429-35.

43 Johnson-Marshall, 1966, p. 80.

44 Whiffen, 1976 (1ª ed.: 1969), pp. 256-62.

45 Na linha sugerida por Carlo Ginzburg em “Sinais: raízes de um paradigma indiciário” (in Ginzburg, 1989, pp. 143-79).

46 //www.emporis.com/application/?nav=company&lng=3&id=103193. Infelizmente o site da própria não é muito informativo: //www.svarchitects.com/

47 //www.artefacts.co.za/main/Buildings/arch_bottom_left.php?archid=1614

48 Nation, 1985, p. 67. //upetd.up.ac.za/thesis/available/etd-12092008-085230/unrestricted/04chap ter6.pdf.

49 The Meat Industries control Board was brought into being to regulate the distribution of meat throughout South Africa and to monitor prices?Hoje abriga, entre outros, a ong National Institute for Public Interest Law and Research. //wiki.up.ac.za/index.php?title=ABLEWIKI:NipilarHouse

50 Jooste, 2007, p. 83. //upetd.up.ac.za/thesis/available/etd-11192007-123037/unrestricted/05chapter 5.pdf

51 Idem, p. 84. Este prédio também recebeu a Menção de Mérito do South African Institute of Architects.

52 Idem, p. 85.

53 Para nos apropriar da expressão empregada no Houaiss para exemplificar o uso de “factual”.

54 //findarticles.com/p/articles/mi_m3575/is_n1177_v197/ai_16788119/?tag=content;col1

55 Pevsner, 1953, pp. 381-82.

56 //wiserweb.wits.ac.za/PDF%20Files/wirs%20-%20chipkin2.pdf. O texto não tem data, mas por sua bibliografia é de 2002 ou posterior. E deve-se atentar para o fato de que há dois Chipkin: este Ivor e um Clive, ambos com trabalhos nesse campo.

57 Sennott (ed.), 2004.

58 //www.bookrags.com/tandf/africa-southern-and-central-africa-tf/. Também sem data, mas por sua bibliografia é de 2000 ou posterior.

59 //www.davidkrutprojectscapetown.com/uncategorized/pancho-guedes-dvd/

60 Guedes, 1985 (?), //www.guedes.info/contfram.htm

61 //www.guedes.info/abcontfram.htm.

62 //alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/pancho-guedes/

63 Na companhia de, entre outros, Álvaro Siza, Eduardo Souto de Moura, Fernando Távora e Nuno Portas. //www.dgartes.pt/sao_paulo_2007/index.htm

64 Frampton, 2006; //www.seidler.net.au/.

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Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br

Marlene Milan Acayaba
Doutora pela FAU/USP, dirigiu o Museu da Casa Brasileira de 1995 a 2002. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Sylvia Ficher; Residências em São Paulo: 1947-1975 (1987); Branco & Preto: uma história de design brasileiro (1994) e 11º ao 15º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira (2001). Coordenou a publicação de Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira (2002) e Museu da Casa Brasileira (2002). marlene.acayaba@uol.com.br e //marleneacayaba.blogspot.com.


Colaboração editorial: Débora Andrade

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