Arquitetura Moderna – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Sat, 27 May 2023 20:47:47 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Arquitetura Moderna – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Arquitetura Moderna – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2015/02/25/antonio-garcia-moya-um-arquiteto-da-semana-de-22-parte-2/ //28ers.com/2015/02/25/antonio-garcia-moya-um-arquiteto-da-semana-de-22-parte-2/#comments Wed, 25 Feb 2015 04:57:23 +0000 //28ers.com/?p=9055 Continue lendo ]]> ou

la mala suerte

Templo, Antonio Garcia Moya, s.d.

Sylvia Ficher

*

Não farei apologias porque me repugnam de igual maneira diatribes e descompassado louvor.

Mario de Andrade, De São Paulo II, 1920.2

O “Modernismo”, no sentido que lhe deram seus fundadores, pertence hoje ao Passado. Dir-se-ia, pois, falando linguagem cara aos insurrectos de 1922, que virou passadismo. Quer dizer: foi superado. Mas não seria justo nem honesto recusar-lhe importância histórica. Negá-lo seria ingênuo. Como seria tolice repeti-lo.

Peregrino Júnior, O movimento modernista, 1954.

Plunct Plact Zum
Não vai a lugar nenhum!!
Tem que ser selado, registrado, carimbado
Avaliado, rotulado se quiser voar!

Raul Seixas, Carimbador maluco, 1983.

Desconcerto: ainda a prótase

Residência Remo Corsini, Moya & Malfatti, 1938.Afinal, em que consiste o juízo que se estabeleceu sobre Antonio Garcia Moya (1891-1949), juízo este que tanto me incomoda? Num improcedente infortúnio ?para não dizer azarão ?crítico. O que predomina são meras opiniões expostas em comentários superficiais, quando não preconceituosos e intransigentes, assentadas no mais das vezes no vácuo de informações que as fundamentem.De 1922 até a edição entre 1954 e 1955 das “Notas para a história do modernismo brasileiro”, de Mário da Silva Brito (1916-?)3 ?notas essas que dariam origem ao seu Antecedentes da Semana de Arte Moderna em 1958 ? raras são as referências a ele, afora a publicação de uma bela série de projetos de seu escritório, Moya & Malfatti, de fins da década de trinta a inícios da de cinquenta.Ausente está até naquelas notícias que versam diretamente sobre a Semana de Arte Moderna. Juntamente com o de outros expositores e sem comentário algum, seu nome é registrado em matérias de jornal ?meros press releases ?antes e durante a realização do evento, de 13 a 17 de fevereiro. Com um tiquinho de informação, veja-se, por exemplo, “Semana de Arte”, no Correio Paulistano, de 29 de janeiro; “De uma noite a outra” (original em italiano), no Il Piccolo, ou “Semana de Arte Paulistana no Municipal” (original em alemão), no Deutsche Zeitung, ambas de 13 de fevereiro.4

Alguns projetos da Moya & Malfatti na Acrópole.

Residência Reynold King Hughes, Moya & Malfatti, 1938. Residência Reynold King Hughes, Moya & Malfatti, 1938.
Residência Domicio Pacheco e Silva, Moya & Malfatti, 1950. Residência Domicio Pacheco e Silva, Moya & Malfatti, 1950.

22 por 22, a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos, Maria Eugenia Boaventura, 2008.Minimamente mais atento à arquitetura foi Sergio Milliet (1898-1966) em “Une semaine d’art moderne à São Paulo”, artigo publicado dois meses depois na Bélgica e o mais detalhado dentre aqueles da época:

Em arquitetura podemos admirar os templos de Moya e as casas de campo de Przyrembel.5

Templo, Antonio Garcia Moya, s.d. Taperinha na Praia Grande, Georg Przyrembel, 1922.

Lembrado de fato será por Menotti del Picchia (1892-1988), que reiteradamente o cita nos artigos que escreve por ocasião de aniversários da Semana, sempre incluído entre os integrantes do sodalício vanguardeiro. Já no primeiro decenário, em 1932, ao descrever o clima pré-1922, Menotti não deixa dúvidas quanto ao membros de seu núcleo duro. E não poderia ser mais peremptório quanto à precedência que atribui a Moya em relação a Gregori Warchavchik (1896-1972) e Flávio de Carvalho (1899-1973) ? quem iriam compor, juntamente com Rino Levi (1901-1965), o triunvirato moderno-arquitetônico paulistano por excelência:

As conspirações iniciais da grande revolta ?da verdadeira revolta brasileira ?eram feitas por Oswald, Mario e eu numa casinha da rua Rui Barbosa, onde havia um gramofone, ou em nossa casa, então na rua da Consolação ou no gabinete muito erudito, muito cheio de revistas alemãs e francesas do criador da Paulicea desvairada.

O grupo de artistas ?escultores, músicos, pintores e arquitetos, que preparavam o assalto no setor da plástica, eram Victor Brecheret, Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Moya. Nesse tempo, Tarsila era acadêmica e não havia notícias de Flávio, o homem do lincha! lincha!, nem do Warchavchik, nem do Segall.6

Tarsila, de acadêmica a moderna.

Estudo (Nu sentado), Tarsila do Amaral, 1921. Interior do atelier de Auteuil, Tarsila do Amaral, 1921. Estudo colorido de composição cubista I, Tarsila do Amaral, c. 1923.
Experiência no 2 : realizada sobre uma procissão de Corpus-Christi, Flavio de Carvalho, 1931. Casa da rua Santa Cruz, Gregori Warchavchik, 1927.

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Segall, antes e depois da vinda definitiva para o Brasil em 1924.

Interior de pobres II, Lasar Segall, 1921.Menino com lagartixas, Lasar Segall, 1924.

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Igualmente em 1952:

Trinta anos! Nesta data, em 1922, no palco do Teatro Municipal, sentado displicentemente diante de uma plateia hostil, o grande Graça Aranha ?embaixador, membro da Academia Brasileira de Letras, famoso autor de Canaan ?rebelado e temerário, com uma surpreendente palestra, dava início à Semana de Arte Moderna, revolução sem sangue que revolveu toda a mentalidade do país.

...No “hall” do nosso teatro máximo os “novos” haviam organizado uma exposição de pintura, escultura, arquitetura. Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Zina Aita, Vitor Brecheret, Moya e outros artistas antecipavam as irreverências da Bienal com telas abstracionistas, cubistas, surrealistas. No estrado de diretor, Villa-Lobos dirigia suas sinfonias consideradas malucas e hoje consagradas pela crítica do mundo.7

Chanaan, Graça Aranha, 1902.1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1951.

Note-se a alusão nada gratuita, muito bem endereçada à recém-concluída 1ª Bienal de Arte de São Paulo.

E mais nada sobre o Antonio Garcia Moya quando o assunto é a Semana.

Injusto seria nos queixarmos da inexistência de referências seja a ele, seja a ela, em Brazil builds ?ou, melhor, Construção brasileira,8 documento de 1943 e tão extraordinário para a revelação da nossa arquitetura moderna mundo afora, no entanto catálogo de uma exposição voltada para momento bem posterior. Como que lhe dando continuidade, as publicações em periódicos estrangeiros vão se centrar na produção arquitetônica da hora, conforme discutido por Nelci Tinem em O alvo do olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna (2002). Igualmente o esforço pioneiro dos estudantes da então novíssima Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil com sua Ante-projeto, revista editada por Edgar Graeff (1921-1990), Marcos Jaimovich (1921-2009), José Duval, Nestor Lindenberg e Slioma Selter, e cujos números estão reunidos em Arquitetura contemporânea no Brasil (1947).

"Construção brasileira", mais conhecido por "Brazil builds", Philip L. Goodwin, 1943. "O alvo do olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna", Nelci Tinem, 2006 (1ª ed. 2002). "Arquitetura contemporânea no Brasil", 1947.

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Ainda na década de quarenta, a arquitetura começa a se fazer presente em balanços de caráter mais geral sobre o desenvolvimento do modernismo no Brasil ?porém não aquela da Semana. Desde o precursor Retrato da arte moderna do Brasil (1947), onde o paulista Lourival Gomes Machado (1917-1967) acuradamente mostra como a Semana dava continuidade a movimentos de renovação artística já em curso no país. Só que tal renovação na arquitetura seria tardia, ocorrendo em São Paulo apenas a partir de meados da década de vinte, “com algum natural atraso, é certo ?à fase vanguardeira que a literatura e a pintura já tinham conhecido, pelo menos uns dez anos antes.”9 Para tomar fôlego na década seguinte quando “a liderança passou ao Rio de Janeiro (para onde aliás já viajara, em multiplicação, boa parte da pintura modernista).”10

"Retrato da arte moderna do Brasil", Lourival Gomes Machado, 1947. "Muita construção, alguma arquitetura e um milagre", Lucio Costa, 1951. "A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX", Mario Barata, 1952.

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Relatos históricos especificamente voltados para a arquitetura brasileira, encontramos alguns deles dos anos cinquenta; contudo, ao abordarem o modernismo tendiam a ser mais focados no Rio de Janeiro e na década de trinta, sequer se referindo à Semana.

Do franco-carioca Lucio Costa (1902-1998), temos “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” (1951) no qual afirma ?com cordialidade bem distante do tom ríspido empregado anos antes em sua “Carta-depoimento” (1948)11 ?a precedência de São Paulo em relação ao Rio no que se refere à arquitetura moderna, entretanto localizando a novidade, como já se tornara praxe, em fins da década de vinte.

Conquanto o movimento modernista de São Paulo já contasse desde cedo com a arquitetura de Warchavchik (o romantismo simpático da casa da Vila Mariana data de 1928), aqui no Rio somente mais tarde, depois da tentativa frustrada de reforma do ensino das belas-artes, de que participou o arquiteto paulista e que culminaria com a organização do Salão de 1931, foi que o processo de renovação, já esboçado aqui e ali individualmente, começou a tomar pé e organizar-se12

O carioca nascido na Suíça Mario Barata (1921-2001) vai no mesmo rumo em seu A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX (1952):

Em 1927 ou 1928 Gregory Warchavchik iniciava no Brasil a luta por esse funcionalismo arquitetônico, ligado ao cubismo plástico. Com ele passará a trabalhar Lucio Costa.13

Acrescentando que “o surto da arquitetura moderna brasileira” muito deveu tanto a Costa, como

ao ambiente intelectual e artístico do país ?a Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Rodrigo M. F. de Andrade e outros, que renovaram a nossa cultura a partir de 1922.14

L'architecture moderne au Brésil, Henrique Mindlin, 1956. Modern architecture in Brazil, Henrique Mindlin, 1956. Neues Bauen in Brasilien, Henrique Mindlin, 1957.

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Um pouco mais detalhado é o posicionamento do paulista Henrique Mindlin (1911-1971), cujo L’architecture moderne au Brésil (1956) trata a Semana com gentileza, ressaltando seu significado cultural ainda que sem entrar em maiores particulares e nada dizer sobre a arquitetura nela exposta. Apesar de apontar seu crédito para a recepção dada por São Paulo ?senão calorosa, ao menos sem maiores estranhamentos ?ao nosso trio pioneiro oficial, também deixa implícita a ideia de que nela não houve a presença de algo a ser considerado “arquitetura moderna”, uma vez que este algo se manifestaria somente anos depois, de 1925 em diante:

L’influence de la Semaine d’Art Moderne sur l’architecture ne tarda pas à se faire sentir. En 1925, Gregori Warchavchik lança dans les journaux de São Paulo et Rio son “Manifeste de l’Architecture Fonctionelle”…, et Rino Levi, encore etudiant a Rome, publiait … un article où il réclamait un urbanisme brésilien. Lorsque, en 1927, eut lieu un concours pour la construction du Palais du Gouvernement de São Paulo, Flávio de Carvalho scandalisa l’opinion publique avec un project “moderniste”15

Acerca da Arquitetura Moderna, Gregori Warchavchik, 1925.Palácio do Governo de São Paulo, Flávio de Carvalho, 1927.

Simplório seria ver nessas nuances meras manifestações de bairrismo; muito mais estava em jogo, todavia esta não é a ocasião para nos aprofundarmos em porquês… Seu tempo e circunstância virão muito adiante, no compasso lento que vem tomando essa minha infinda tagarelice.

Interessa notar é que, turvando o contexto, por então é a própria Semana que entra na berlinda, dita movimento sem programa estético consistente. Demanda das mais despropositadas, na medida em que o estabelecimento de um ideário em comum ou de uma linha de ação conjunta não parece ter sido um propósito dos participantes. Mesmo assim, as tantas conferências então realizadas expunham as opiniões de seus autores frente às temáticas da vanguarda. Ou seja, elas contemplavam algum tipo de posicionamento, mesmo que não necessariamente um consenso ?ou ao menos uma convergência ? sobre o que cada um estava pensando ser “arte moderna.” Veja-se as duas mais conhecidas: “A emoção estética na arte moderna,” de Graça Aranha (1868-1931), proferida a 13 de fevereiro; e “Arte moderna”, de Menotti del Picchia, proferida a 15 de fevereiro.16

Programação que pertenceu a Paulo Prado, 1922.Um imprescindível espicilégio: "Vanguarda européia e modernismo brasileiro", Gilberto Mendonça Teles, 2012 (20ª ed. ampliada; 1ª ed., 1972).

Para o primeiro, a subjetividade é a questão central:

E eis chegado o grande enigma que é o precisar as origens da sensibilidade na arte moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo subjetivismo. É uma resultante do extremado individualismo que vem vindo na vaga do tempo há quase dois séculos até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.

Sua fé é tanta que, para ele, a subjetividade não implica em uma arte cuja instância é restrita, individual:

Este subjetivismo é tão livre que pela vontade independente do artista se torna no mais desinteressado objetivismo, em que desaparece a determinação psicológica.17

Além disso, nessa conferência Graça Aranha teve, como notou Wilson Martins (1921-2010),18 a primazia no emprego do termo “modernismo” entre nós. Neste belíssimo trecho:

É verdade que há um esforço de libertação dessa melancolia racial, e a poesia se desforra na amargura do humorismo, que é uma expressão de desencantamento, um permanente sarcasmo contra o que é e não devia ser, quase uma arte de vencidos. Reclamemos contra essa arte imitativa e voluntária que dá ao nosso “modernismo” uma feição artificial. Louvemos aqueles poetas que se libertam pelos seus próprios meios e cuja força de ascensão lhes é intrínseca. Muitos deles se deixaram vencer pela morbidez nostálgica ou pela amargura da farsa, mas num certo instante o toque da revelação lhes chegou e ei-los livres, alegres, senhores da matéria universal que tornam em matéria poética.19

"História da inteligência brasileira Vol. VI (1915-1933)", Wilson Martins, 1978.Graça Aranha pagando o mico de sua conversão ao modernismo...

Bem menos filosófico e bem mais específico, Menotti se coloca inequivocamente contra o academicismo, ao mesmo tempo que não vê problema algum na ausência de uma orientação monolítica, concertada e mancomunada:

O que nos agrega não é uma força centrípeta de identidade técnica ou artística. As diversidades das nossas maneiras são verificáveis na complexidade das formas por nós praticadas. O que nos agrupa é a idéia geral de libertação contra o faquirismo estagnado e contemplativo que anula a capacidade criadora dos que ainda esperam ver erguer-se o sol atrás do Partenon em ruínas.

E deixa claro o viés nacionalista, esse sim compartilhado por boa parte dos participantes da Semana:

Dar à prosa e ao verso o que ainda lhes falta entre nós: ossos, músculos, nervos. Podar, com a coragem de um Jeca que desbasta a foice uma capoeira, a “selva áspera e forte?da adjetivação frondosa, farfalhuda, incompatível com um século de economia, onde o minuto é ouro…

Nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com sangue ?que é humanidade; com eletricidade ?que é movimento, expressão dinâmica do século; violência ?que é energia bandeirante.

Assim nascerá uma arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do homem e do mistério.20

Incidentalmente, nacionalismo não é monopólio de modernos, ele perpassa toda a nossa história ?não só política, como cultural ?desde a colônia. E estava particularmente operante no ambiente literário de então. Como esclarece Wilson Martins:

A verdade é que desde 1900, quando Olavo Bilac apontava os remadores do Flamengo como exemplo à juventude, lembrando-lhe que rapazes como aqueles haviam ganho a batalha de Salamina, o vigor físico era a forma por assim dizer concreta e sensível do nacionalismo, correspondendo simetricamente às suas manifestações intelectuais e ideológicas. O herói atlético e sadio será, dentro em pouco, uma das figuras prediletas da ficção modernista, a começar por Oswald de Andrade (em harmonia com a filosofia de vida de Graça Aranha). E, de fato, a aurora modernista começava a mostrar-se ao longe, sob as espécies de vagos clarões, ainda indecisos. Assim, por exemplo, o Estado de São Paulo anunciava para breve o aparecimento da Revista do Brasil, sob a direção de Luiz Pereira Barreto, Júlio de Mesquita e Alfredo Pujol, o que efetivamente aconteceu, em janeiro de 1916. Não há paradoxo nenhum em que um grupo ideologicamente conservador (no sentido amplo da expressão) criasse um órgão de expressão das ideias e sentimentos nacionalistas ?por onde se instituía o máximo denominador comum que havia de identificar mais tarde a Revista do Brasil com o movimento modernista.21

Mais incidentalmente, note-se que cisões entre “tradicionalistas” e “progressistas” e entre “nacionalistas” e “internacionalistas” não demorariam. Sintomaticamente, a confraria da Semana escolhe uma palavra francesa, Klaxon, para nominar sua revista…22 Novamente, com a palavra Wilson Martins:

Ainda mais expressivo é o titulo de Klaxon dado ao órgão oficial do primeiro modernismo, lembrando, talvez por coincidência, Le Klaxon, “journal humouristique, fantaisiste et mondain des tranchées”, publicado em Nancy durante a guerra; acrescente-se que, subintitulada “Mensário de arte moderna”, o anuncio inserto na terceira capa do ultimo numero indicava significativamente: “Revista internacional de arte moderna.” E internacional ela o era, com efeito, não só pelo corpo de colaboradores (onde predominavam os de língua francesa, como Roger Avermaete [1893-1988], Bob Claessens [1901-1971], Joseph Billiet, Charles Baudouin [1893-1963], Nicolas Beauduin [1881-1960], Marcel Millet, Henri Mugnier [1890-1957]), pelos brasileiros que se esmeravam em escrever na mesma língua (Serge Milliet, Manuel Bandeira) e ainda pelos pontos de referencia críticos, que eram todos franceses.23

Porém não percamos a métrica e retomemos o fio de nosso andamento.

A rigor, as lamúrias quanto à falta de uma linha propositiva da Semana têm origem no próprio Mario de Andrade (1893-1945), quem permite extrair tal interpretação da leitura do seu balanço canônico, o nosso já conhecido “O movimento modernista”, de 1942, onde insiste abusadamente na dimensão destruidora, vale dizer insensata, da Semana:

Porque, embora lançando inúmeros processos e ideias novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor. Até destruidor de nós mesmos… Mas nós estávamos longe, arrebatados pelos ventos da destruição E fazíamos ou preparávamos especialmente pela festa, de que a Semana de Arte Moderna fora a primeira. Todo esse período destruidor do movimento modernista foi para nós tempo de festa, de cultivo imoderado do prazer.24

Em uma apreciação de viés militante e não muito realista da era Vargas, a seu ver esse ambiente exaltado será substituído de 1930 em diante por “uma fase mais calma”, um clima construtivo de busca, aí sim consequente, de uma nova realidade social.

E no entanto, é justo por esta data de 1930 que principia para a inteligência nacional uma fase mais calma, mais modesta e quotidiana, mais proletária, por assim dizer, de construção.25

Ninguém menos do que Di Cavalcanti (1897-1976) ?consensualmente o responsável pela ideia de uma semana de apresentações artísticas como parte das comemorações do centenário da Independência ?dá testemunho do pessimismo de Mario, ao comentar em sua autobiografia:

Viagem da minha vida, E. di Cavalcanti, 1955.Oswald de Andrade e Menotti del Picchia acharam sempre que tudo que surgiu no Brasil artístico e literário depois de 1922 vem da Semana: é um exagero, como exagerada a completa desilusão de Mario de Andrade em relação à Semana.26

Pelas mãos de seu mais incensado protagonista, numa interpretação por ele em certa medida facultada, a Semana de Arte Moderna poderia ser entendida como mera explosão emocional sem rumo. Quesito em que Mario também fez escola e cobranças dessa ordem iriam se eternizar. Veja-se, por exemplo, “O jeitinho moderno brasileiro” (1993), artigo de Ronaldo Brito no qual é feito um exame da contribuição da Semana ?procedimento absolutamente lídimo.

Ao dispor sem maiores mediações ou especulações compromissos estéticos heterogêneos, a Semana repetia involuntariamente o sincretismo colonial, embora incorporasse, numa esperta manobra moderna, a dinâmica do cotidiano urbano industrial. Assim, um “estilo Léger” tropicalizado, com um astuto toque literário, adaptava-se à técnica rudimentar de Tarsila e, mediante soluções tão ousadas quanto ingênuas, vinha a ser o veículo adequado para uma pintura que procurava captar a nova mecânica social.27

A bizarrice da análise reside no fato de que, em seu afã, no mesmo embalo o autor tece críticas ?pertinentes ou não, não vem ao caso ?à habilidade pictórica de Tarsila do Amaral (1886-1973). Causa perplexidade!! A vontade de exigir da Semana o que dela ao que tudo indica seus realizadores nem pretenderam é tanta que, pasmem, vale nela encaixar a Tarsila, que sequer por lá andou, que sequer conhecia o pessoal, a ele sendo apresentada por Anita Malfatti (1889-1964) após seu regresso de Paris em junho de 1922, quando aí sim iria integrar-se ao contubérnio.28

Grupo dos Cinco, Anita Malfatti, 1922.

Não sejamos mesquinhos e deixemos de lado as picuinhas, afinal associar a Tarsila com a Semana é equívoco dos mais comuns. Inteiramente dedicado à Semana, um número da revista Cultura de 1972 ?ao qual voltaremos em um próximo capítulo… ?tem sua capa ilustrada com uma pintura… da Tarsila. E isso só se acentua: em pleno século 21, a revista Piauí mantém a tradição com artigo sobre a Semana: ilustrado com? …Tarsila. Curiouser and curiouser, referências dedicadas à Semana ilustradas com pinturas de Tarsila do Amaral, para todo o sempre hyperlinkada com a Semana…

A negra, Tarsila do Amaral, 1923.São Paulo, Tarsila do Amaral, 1924.

A questão de fundo, o que parece incomodar o Ronaldo Brito, é a inexistência de “maiores mediações ou especulações.” Traduzindo: cadê os manifestos?

Ora, os tão ansiados manifestos não haviam tardado, desde o primeiro artigo do primeiro número da Klaxon, em maio de 1922. Dentre os mais óbvios: “Poesia Pau Brasil” (1924) e “Antropófago” (1928), de Oswald de Andrade (1890-1954); “Programa do Centro Regionalista” (1926/1952), de Gilberto Freyre (1900-1987); “Grupo Verde de Cataguases” (1927), de vários autores; “Nhengaçu Verde-Amarelo” ou “Escola da Anta” (1929), Plinio Salgado (1895-1975), Menotti del Picchia, Alfredo Ellis (1896-1974), Cassiano Ricardo (1895-1974) e Cândido Mota Filho (1897-1977).29

Klaxon, no 1, maio 1922. Manifesto da Poesia Pau Brasil, Oswald de Andrade, 1924.
Verde, no 3, nov. 1927. Nheengassu da tribu verdamarella, Plinio Salgado, Menotti del Picchia, Alfredo Ellis, Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho, 1929.

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Parafraseando o dileto Wilson Martins, “havia numerosas moradas no mundo do modernismo.”30 Todas elas refletindo à perfeição as diferenças programáticas que então se expressavam, emergidas na esteira da Semana. Ou seja, mesmo que se desconte as conferências da própria Semana e apressadamente se aceite que ela não teve seu ínsito manifesto, foi ela quem emprenhou grande parte das ideias paridas nos manifestos que a ela se seguiram. E que no pós-1930 iriam se radicalizar em partisanismos políticos, num clima belicoso que em nada se assemelhou à leniente descrição dele feita por Mario de Andrade.

"The painted word", Tom Wolfe, 1975.É fato que esses manifestos foram vazados por poetas & Cia. E será justo cobrar o mesmo pendor para o verbo de músicos, artistas plásticos e arquitetos? Será que para ser vanguarda mais vale um bom texto explanatório, é imperioso um manifesto? Pelas reclamações, tudo indica que sim. Como nos assegura Tom Wolfe em The painted word (1975), as artes visuais no século vinte deixaram de valer em si para meramente ilustrar discursos teóricos: pintura que se respeita vem com bula…

Deixemos de lado esses preciosismos; afinal, são querelas de literatos, afeitos a disputas de ideias e hábeis com as palavras. Além do que, não temos que concordar com a autoanálise que se autoinflige Mario de Andrade. O que nos impede de nos beneficiarmos de um olhar revisionista, quiçá pós-moderno? Por que acusar a inexistência de um manifesto textual, quando o que foi oferecido em 1922 foi um magnífico manifesto performático, se menos literal, bem mais efetivo na transmissão da sua mensagem.

Aproveitando para citar mais uma vez um participante da Semana patrulheiramente expurgado de sua hagiografia devido a seu perfil político conservador, uma descrição de Menotti nos autoriza contrapor palavras e imagens:

Três noites memoráveis num ambiente elétrico: a primeira de calma e de ânsia, capitaneada por Graça Aranha. A segunda, catastrófica: eu a liderei apresentando a turma dos escritores novos ?Oswald, Mario de Andrade, Raul Bopp, Manoel Bandeira, Ronald, Ribeiro Couto e outros mais. Foi uma noite de uivos, de vaias, um inferno! Por fim coube a Ronald aguentar a plateia já descalmada, numa terceira noite espantosa, na qual só faltaram linchamentos. Mario de Andrade falou sobre musica moderna: Villa-Lobos era o corifeu…

Ao lado de toda retórica, a documentação plástica da revolução em marcha: a escultura de Brecheret, projetos de Moya, pintura da Malfatti. O “hall” do grande Teatro parecia um pátio de milagres: quadros incríveis dependurados nas paredes e troços mutilados, figuras aos pedaços em cima dos socos. E o povo a urrar, a vociferar, a injuriar… Verdadeira Semana do Terror.31

Coitada da arquitetura da Semana, coitado do Przyrembel, coitado do Moya

A Semana é um sem-fim, ela faz presença em teses, livros, artigos e mais artigos, além de comentada quando nem é o caso. Recente, de 2013, é o artigo de Luís Augusto Fischer, “Reféns da modernistolatria”. Lançando com finesse um olhar instigante sobre a velha senhora (o que é coisa rara), o autor pede um pouco mais de comedimento com o tal “espólio modernista paulista”, uma vez que,

depois de estabilizada como Fato Incontornável, a Semana de Arte Moderna paulista pode tudo. Inclusive acumular méritos que não lhe são próprios… E toda aquela novidade gritante, no plano dos enunciados artísticos, passou a ser mastigada, incansavelmente, no cotidiano escolar de todas as salas de aula Brasil afora, pelos manuais de ensino preparados já pela visão modernistocêntrica.

Fechado este abraço que a força histórica comandada por São Paulo ia dando, nada restou fora de seu alcance: o modernismo, aquele exclusivamente ligado à Semana de 22 segundo a depuração que podemos chamar, sem maior rigor, de tropicalista (que excluiu os Menotti del Picchia e os Graça Aranha do cenário), o modernismo agora era a lente certa e única para ler tudo, do começo ao fim: da formação colonial, agora ressubmetida a avaliação, até o futuro, que já tinha sido alcançado e era, então, mera decorrência do que já estaria, para sempre, previsto e mesmo desempenhado pelos mártires do novo panteão. O mundo da invenção estética brasileira passou a viver essa aporia conceitual ?tudo que vale é modernista, sendo que o modernismo ao mesmo tempo já aconteceu e é a coisa mais moderna que se pode conceber ? aporia cuja figuração banal aparece nos livros escolares e na crítica trivial com a patética sequência de termos pré-modernismo>modernismo>pós-modernismo, tomados como capazes de descrever tudo que o século XX (o XXI também, claro) já produzira, produzia e viria ainda a produzir. Essa aporia foi plenamente aceita e até naturalizada: todas as tentativas de invenção, em todos os campos, daí por diante, seriam quando muito atualizações de propostas ou de ações ou de desejos já plenamente configurados ou em Mário ou em Oswald. Fora disso, tudo era regressivo, conservador, caipira, regionalista, qualquer coisa assim de péssimo.32

Concordo, meu caro Luís Augusto, nada mais justo, porém não adianta chiar! Até a revista i., do requintado Shopping Iguatemi, traz, obviamente em um ano final 2, número dedicado à Semana. Um desses anacronismos que pululam no seu mapa astral, o artigo denominado “Tupi or not Tupi”33 ?manjadíssimo trocadilho do “Manifesto Antropofágico”,34 que veio à luz, como sabem todos, em Piratininga, no Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha, ou seja, seis anos depois da Semana ?informa os incautos que a Semana é muito bem recebida pelos “amantes da estética vintage.”

"revista i", edição 47, 2012."Prefácio interessantíssimo", Patrícia Favalle.

Em mais uma indesculpável digressão, vale apontar que nas últimas décadas vem crescendo a atenção dada à dupla Tarsila & Oswald, isto apesar da conturbada separação. Pelas mãos de seus cultores, esses dois personagens vêm de mansinho abocanhando a Semana, ela que lá nem estava, ele que, ao que parece, não desempenhou papel tão destacado assim, tendo sido mais agent provocateur do que protagonista. E, à medida que crescem seus papéis, vai saindo de cena o descartável Menotti, e até mesmo Mario perde a realeza.

Entre páginas e mais páginas de bolsas de grife, perfumes de grife, homens e mulheres de grife, pomadas e sabonetes de grife, diamantes de grife e o escambau de grife, em meio ao requinte da parafernália do consumo do establishment, noventa anos depois brilha domesticada a Semana. A Semana é vintage! Aliás, a Tropicália também é vintage. E a quatrocentona São Paulo, então, mais vintage impossível…

A música e os músicos da Semana, a poesia e os poetas da Semana, a pintura e os pintores da Semana, a escultura e os escultores da Semana, todas e todos aclamados, todas e todos esteticamente corretos. Repetindo o dito de Luis Augusto: “tudo que vale é modernista, sendo que o modernismo ao mesmo tempo já aconteceu e é a coisa mais moderna que se pode conceber.”

A gente escreve o que ouve ?nunca o que houve.

Só a arquitetura da Semana e seus arquitetos ?Georg Przyrembel (1885-1956) e Antonio Garcia Moya ?é que não emplacaram.

E por que não? É justamente para esta pergunta, quando feita aqui no mundinho arquitetônico, que não tenho encontrado boas respostas. Como já deu para perceber, mal se fala da arquitetura da Semana. Aliás, nem se falava dela até princípios da década de sessenta, esquecida, por exemplo, em Duas arquiteturas no Brasil (1961), de Benjamin de Carvalho. E quando se falava, era para recorrentemente taxá-la de inexpressiva, se não de equivocada.

Flavio de Aquino e Paulo Santos

O primeiro que encontrei que se refere à sua presença na Semana é Flavio de Aquino (1919-1987). Em “Os primórdios do modernismo no Brasil” (1961), com certeza tendo o Antecedentes da Semana de Arte Moderna (1958), do Mario da Silva Brito, como principal fonte impressa, o autor faz uma breve revisão do que aconteceu da exposição de Anita em 1917 ao “estrondo violento” da Semana. Inaugurando a versão que se tornaria lugar-comum, Moya é apresentado já lastimavelmente descontextualizado; Przyrembel, este nem é digno de menção:

Em realidade, a renovação era mais sentida e praticada no campo da literatura que nos das artes plásticas. Serve de exemplo o fato de que um dos componentes da Semana de 22, o arquiteto Antonio Moya projetava edifícios em estilo neomanuelino.35

Que Moya tenha realizado casas em estilos variados, isso é inegável, ainda que eu não tenha encontrado nenhuma “neomanuelina” propriamente. Paradigmático do gótico português ?o chamado estilo manuelino ?é o Mosteiro de Belém, mas Moya era mais afeito a um gótico de sabor italiano, como aquele que empregou na Residência João Miguel Sanches, à avenida Paulista, infelizmente já demolida.36

"Noticia Historica e Descriptiva do Mosteiro de Belem", Francisco Adolfo de Varnhagen, 1842.

Residência João Miguel Sanches, Moya & Malfatti, 1942.

Residência João Miguel Sanches, Moya & Malfatti, 1942.

"Quatro séculos de arquitetura", Paulo F. Santos, 1977.Mesmo assim, independente de tê-lo feito bem depois de 1922, esse fato em nada diminui sua competência ?uma vez que são projetos de elevada qualidade ?e em nada detrata dos projetos que constituíram sua presença na Semana.

Poucos anos depois é a vez das palavras bem típicas de Paulo Santos (1904-1988) em “400 anos de arquitetura” (1965). Apesar da cabal ausência de fontes, e além da queixa de sempre quanto à falta de uma agenda (já sabemos, de um manifesto), a coitada da arquitetura mereceu apenas um “quase” presente:

O surto Moderno… só adquiriu o sentido de um Movimento com a Semana de Arte Moderna…

O Movimento ?de que a arquitetura esteve praticamente ausente (ou quase) ?germinou nos salões paulistas e teve expressão predominantemente literária. Vago, impreciso, não tinha programa, não defendia uma tese.37

Mais adiante, radicaliza na apreciação, deixando-a deterministicamente sem importância. Para variar, note-se a inclusão da Tarsila, ainda que com a devida ressalva:

Se a pintura e a escultura modernas no Brasil tiveram nos artistas da Semana ?Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Brecheret, depois Tarsila (de algum modo ligada à equipe da Semana) ?os iniciadores de um movimento de renovação, a arquitetura moderna do Brasil, melhor: a arquitetura contemporânea do Brasil deixa à margem a Semana ou ignora a Semana, filiando-se diretamente à Le Corbusier.38

Este trecho bem exemplifica a construção, em andamento desde a década de trinta no Rio de Janeiro, da mui conveniente distinção entre “arquitetura moderna” e “arquitetura contemporânea” em resposta a críticas de diferentes matizes entorno da cansativa dicotomia “nacional vs internacional”.

No mais é silêncio… Até que Antonio Garcia Moya ressurge. E ressurge classificado, rotulado, (des)qualificado e quantificado, para sempre “selado, registrado, carimbado” como personagem irrelevante, sequer um coadjuvante no enredo central da história da arte brasileira.

Yves Bruand

"Arquitetura contemporânea no Brasil", Yves Bruand, 1981.Um dos primeiros que contribuiu para tal parece ter sido Yves Bruand, quem deve ter repetido ?na minha opinião e inadvertidamente ?algum julgamento que lhe foi transmitido por estas plagas.39 Se assim se passou, isso deve ter ocorrido durante sua estadia como professor na Universidade de São Paulo entre 1960 e 1969,40 período em que levou a cabo as pesquisas que redundariam em sua magistral ?e no geral acurada ?tese de doutorado L’architecture contemporaine au Brésil (1973).41

Não encontro outra explicação, uma vez que sobre a Semana e sobre Moya, Bruand dá uma única fonte. E esta, como sempre, o elogioso Antecedentes da Semana de Arte Moderna. Até os textos dos Andrade e de Menotti que cita vêm daquele livro…

Para deixar bem claro o que vai se passar, considere-se o que diz nosso informante de sempre, Mario da Silva Brito:

Mas, outros fatos, dignos de registro, ocorrem em 1921, que é ano rico de acontecimentos. Fatos que aceleram a evolução do movimento e o levam a culminar na Semana de Arte Moderna.

O grupo modernista já está constituído, por esse tempo, em sua quase totalidade. Não só praticamente constituído, como também subdividido de acordo com as vocações de seus diversos componentes. Poetas são Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa e Plínio Salgado. Menotti e Oswald de Andrade são romancistas. Na crítica, sustentando a polêmica, estão Mario de Andrade, Oswald, Menotti, Cândido Motta Filho e, com menor desempenho, Sergio Milliet. A pintura conta com Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e John Graz, já sagrados nas batalhas antiacadêmicas e feridos pela crítica conservadora. A escultura apresenta um grande nome: Victor Brecheret. Armando Pamplona, interessado em cinema, acompanha o grupo, e está, quase sempre, ao lado de Menotti del Picchia. Nesse ano, é descoberto um arquiteto “bizarro, original, cheio de talento, sonhando e realizando coisas enormes”: Antonio Moya

Estão aí citados alguns dos “Dragões do Centenário”, como Mario de Andrade chamava aos integrantes das hostes modernistas. Mais alguns nomes, acrescentados a estes, comporão o grupo que vai aparecer no saguão e no palco do Municipal durante a Semana de Arte Moderna.42

E atente-se no que isso vai dar. Inicialmente, Bruand destaca a relevância do neocolonial como vestíbulo da modernidade:

Esse movimento [o estilo neocolonial] foi na realidade a primeira manifestação de uma tomada de consciência, por parte dos brasileiros, das possibilidades do seu país e da sua originalidade. Já assinalamos anteriormente [p. 25 e ss.] a importância desse fenômeno sem o qual a arquitetura brasileira não seria hoje o que é.43

No que segue o entendimento de Paulo Santos:

Nem pelo que tinha de negativo deixou o Neo-Colonial de ter a sua significação ?e não apenas como expressão da sensibilidade romântica da época, mas como fato positivo, já que teria paradoxalmente influído no próprio movimento dito Moderno e para a criação de condições propícias ao estudo de questões de raça, costumes, economia e vida social e artística do nosso povo.44

E não aquele de Lucio Costa, para quem o neocolonial ?em sua ótica de 1951, depois de tê-lo praticado por boa parte da década de vinte ?nada mais era do que

o artificioso revivescimento formal do nosso próprio passado, donde resultou mais um “pseudo-estilo”45

"Por uma história não moderna da arquitetura brasileira", Marcelo Puppi, 1998.Conforme bem sintetiza Marcelo Puppi:

O capítulo de Bruand dedicado às três primeiras décadas do século é em grande parte uma superposição de ideias retiradas de Lucio Costa e de Paulo Santos, adaptando-as a seus propósitos. Do autor de Documentação necessária [Costa], ele retém sobretudo… o panorama de conjunto da arquitetura brasileira esboçado neste texto e a consequente desvalorização do “decorativismo” eclético. Do autor de Quatro séculos de arquitetura [Santos], ele absorve, principalmente, a simpatia pelo neocolonial (bem como a defesa da influência do movimento sobre a arquitetura moderna)…46

Bruand ressalta, inclusive, a contribuição do substrato modernista paulistano:

Assim como evidentemente os estilos históricos não desaparecem de um momento para o outro, o movimento “moderno” não surgiu repentinamente. Por mais que assim possa parecer, ele é no entanto resultado da evolução do pensamento de alguns grupos intelectuais brasileiros, especialmente paulistas, evolução esta que criou um mínimo de condições favoráveis…47

Contudo, quando aborda de fato a Semana, não se contém e retoma a batida cantilena, ecoando Mario de Andrade:

Na realidade, seus participantes não tinham nenhum programa coerente. O denominador comum era sobretudo de natureza negativista e demolidora: a ruptura com o passado e a independência cultural frente à Europa… eram os dois pontos fundamentais, de uma clareza por sinal ilusória…

A prova mais evidente da falta de coerência da Semana, enquanto conjunto de propostas de vanguarda, estava na sessão consagrada à arquitetura. Os organizadores contavam com grande número de literatos, quatro pintores (Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e o suíço John Graz), um escultor (Brecheret), um compositor (Villa-Lobos): era também necessário um arquiteto para que a exposição fosse completa48

Ignorando Przyrembel como fez Flavio de Aquino, no mesmo fôlego, extrapola:

Recorreram, então, a um espanhol radicado em São Paulo, Antonio Garcia Moya, autor de casas inspiradas na tradição mourisca espanhola, que, em suas horas livres, colocava no papel desenhos de uma arquitetura visionária que agradava aos futuristas por sua fisionomia extravagante. Nada de válido poderia daí resultar e torna-se difícil caracterizar melhor a diferença entre o caráter puramente especulativo e gratuito dos projetos visionários, fortemente marcados por um cunho passadista e as necessidades concretas, que o arquiteto jamais pode abandonar… Portanto, de um ponto de vista objetivo [sic], não exerceu a Semana de Arte Moderna qualquer influência direta sobre a arquitetura.

Do nada, sem documentação e iconografia de apoio, sem sequer provas do crime estava passada a sentença: Moya se esgueirando sorrateiro pelo Teatro Municipal, estrangeiríssimo, conhecedor da arquitetura mourisca talvez por ter nascido na Espanha e tê-la incorporado via algum jungiano inconsciente coletivo, extravagante e meramente especulativo e gratuito, por conseguinte sem fundamento na realidade, além de ?horribile dictu ?passadista. Desfeito o mistério sobre quem o havia qualificado de visionário, descobrimos também que é um diletante, trabalha nas horas livres…

Fica no ar a pergunta: afinal, o que fazia nas demais horas, qual seu real metier, como ganhava a vida o tal forasteiro?

O tom empregado, bastante distante do comedimento habitual de Yves Bruand, reforça a sugestão de que fora influenciado por algum de seus interlocutores, muito provavelmente um paulista. Curiosamente, muitos anos depois, em depoimento sobre Lucio Costa, descreve-o em termos muitos semelhantes, no entanto agora com empatia:

Sua modéstia me impressionara igualmente; ele apresentava-se um pouco como um arquiteto que trabalhava somente em suas horas vagas, por prazer, quando suas funções no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) lhe permitiam. 49

Testemunhamos nessas duas passagens a aura de prestígio ?ou seu indeferimento ?em gestação.


Leia também:

Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22:

Parte 1 ou pro Mario, o Moya era moderno?/a>
por Sylvia Ficher

1922: quando o moderno não era um estilo, e sim vários
Editorial
por Danilo Matoso Macedo


Notas

* Neste segundo tempo contei, além dos já citados Danilo Macedo e Eduardo Rossetti, com informações de Aracy Amaral, Paulo Emílio Vanzolini, Sophia Silva Telles e Thomaz Simões. Andrey Schlee foi um leitor cheio de sugestões.? class=

  1. Em Ilustração Brasileira, ano VIII, no 4, dez. 1920; apud Telê Ancona Lopez (org.), De São Paulo: cinco crônicas de Mário de Andrade, 1920-1921, 2004, p. 81.? class=
  2. Mário da Silva Brito, Notas para a história do modernismo brasileiro, Anhembi, no 40, mar. 1954 e ss., até no 51, fev. 1955.? class=
  3. Apud Maria Eugenia Boaventura (org.), 22 por 22, a Semana de Arte Moderna…, 2008, pp. 399-400, pp. 417-18 e pp. 421-22, respectivamente, os dois últimos incluídos apenas em português.? class=
  4. Em Lumière, Anvers, ano III, no 7, 15 abr. 1922; apud Boaventura, op. cit., 2008, p. 129-34, igualmente apenas em português.? class=
  5. Menotti del Picchia, 1922-1932: A revolta dos intelectuais, Folha da Manhã, 15 jan. 1932, apud Jácomo Mandatto, Menotti del Picchia, a “Semana” revolucionária, 1992, p. 27.? class=
  6. Menotti del Picchia, A “Semana” revolucionária, A Gazeta, 9 fev. 1952, apud Mandatto, p. 33.? class=
  7. Philip L. Goodwin, Brazil builds: architecture new and old 1652-1942, ou Construção brasileira: arquitetura moderna e antiga 1652-1942, 1943.? class=
  8. Lourival Gomes Machado, Retrato da arte moderna do Brasil, 1947, p. 81.? class=
  9. Idem, ibidem.? class=
  10. Lucio Costa, Carta-depoimento, O Jornal, 20 fev. 1948; republicado in Lucio Costa, Sobre arquitetura, 1962, pp. 123-24.? class=
  11. Lucio Costa, Muita construção, alguma arquitetura e um milagre, Correio da Manhã, Caderno Urbanismo e Construções, pp. 1, 9 e 15, 15 jun. 1951; republicado em 1952 como Vol. 5 d’Os Cadernos de Cultura sob o título Arquitetura brasileira, aqui citado (pp. 29-30).? class=
  12. Mario Barata, A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX, p. 11, separata de Aspectos da formação e evolução do Brasil, 1952.? class=
  13. Idem, ibidem.? class=
  14. Henrique Mindlin, L’architecture moderne au Brésil, 1956, p. 4. Publicado no mesmo ano em inglês, no ano seguinte, em alemão, e apenas em 1999 em português.? class=
  15. Esses textos são facilmente encontrados; aqui a fonte foi Gilberto Mendonça Teles, Vanguarda européia e modernismo brasileiro, 2012 (20ª ed. ampliada; 1ª ed., 1972), pp. 409-16 e 417-24 respectivamente.? class=
  16. Idem, pp. 411-12.? class=
  17. Em História da inteligência brasileira (1915-1933), v. 6, 1978, pp. 239-40.? class=
  18. Mendonça Teles, op. cit., p. 413.? class=
  19. Idem, pp. 418-19 e 422; grifo meu.? class=
  20. Martins, op. cit., p. 28.? class=
  21. Periódico editado de maio de 1922 a janeiro de 1923 pelos literatos de sempre ?Mario, Menotti, Oswald, além de Manoel Bandeira (1886-1968), Guilherme de Almeida (1890-1969), Sérgio Milliet e alguns amigos suíços deste último (Lisbeth Rebollo Gonçalves, Sérgio Milliet, crítico de arte, 1992, pp. 24-25). Para o n. 1, //www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01005510; série incompleta disponível em //www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/62.? class=
  22. Martins, op. cit., p. 277.? class=
  23. In Mario de Andrade, Aspectos da literatura brasileira, 1972, pp. 240-41.? class=
  24. Idem, p. 242.? class=
  25. Emiliano di Cavalcanti, Viagem da minha vida I ?o testamento da alvorada, 1955, p. 120.? class=
  26. In Ronaldo Brito, Experiência crítica, 2005, p. 135; grifo meu.? class=
  27. Aracy Amaral, Tarsila, sua obra e seu tempo, 1975, v. 1, p. 46.? class=
  28. Novamente, a fonte é Mendonça Teles, op. cit. Para o “Programa do Centro Regionalista” é aconselhável consultar o texto integral conforme apresentado por Freyre em 1951 e publicado em 1955 já com o título de Manifesto regionalista de 1926.? class=
  29. Martins, op. cit., p. 156: “Vemos que havia numerosas moradas no mundo do nacionalismo.”? class=
  30. Menotti del Picchia, Como aconteceu a Semana de Arte Moderna, artigo sem data transcrito em Mandatto, op. cit., p. 67.? class=
  31. Luís Augusto Fischer, Reféns da modernistolatria, Piauí, no 80, pp. 60-63, maio 2013; //revistapiaui.estadao.com.br/edicao-80/questoes-de-literatura-cultura/refens-da-modernistolatria? class=
  32. Paula Queiroz, Tupi or not Tupi, revista i, edição 47, pp. 160-63, 2012.? class=
  33. Oswald de Andrade, Manifesto antropófago, Revista de Antropofagia, ano I, no 1, maio 1928. Pode ser encontrado, como de hábito, in Mendonça Teles, op. cit., pp. 497-506, e //www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/060013-01.? class=
  34. Flavio de Aquino, Os primórdios do modernismo no Brasil, Módulo, no 22, pp. 32-34, abr. 1961; republicado in Alberto Xavier (org.), Depoimento de uma geração, 1987, aqui citado, pp. 10-13.? class=
  35. Moya & Malfatti, Acrópole, no 49, p. 25-28, maio 1942.? class=
  36. Paulo F. Santos, 400 anos de arquitetura, in Universidade do Brasil, Quatro séculos de cultura, 1966. Aqui citada a edição em livro: Quatro séculos de arquitetura, 1977, p. 104.? class=
  37. Idem, p. 106.? class=
  38. No momento estou à caça de quem poderia ter sido este informante. Entretanto minhas suspeitas ainda não foram suficiente comprovadas, razão pela qual me calo. Mas aceito sugestões!!? class=
  39. Yves Bruand, Lucio Costa: o homem e a obra, in Ana Luiza Nobre et alii, Um modo de ser moderno: Lucio Costa e a crítica contemporânea, 2004, p. 13.? class=
  40. Em Por uma história não moderna da arquitetura brasileira (1998), Marcelo Puppi expressa opinião algo semelhante: “Bruand apresenta de fato ao leitor um útil manual sobre a história da arquitetura contemporânea no Brasil, sem similar nacional e até agora insuperado” (p. 100).? class=
  41. Mario da Silva Brito, Antecedentes da Semana de Arte Moderna, 1958, pp. 278-79; grifo meu.? class=
  42. Yves Bruand, Arquitetura contemporânea no Brasil, 1981, p. 52.? class=
  43. Paulo F. Santos, op. cit., 1977, p. 104.? class=
  44. Lucio Costa, op. cit., 1952, p. 22.? class=
  45. Puppi, op.cit., p. 107.? class=
  46. Bruand, op. cit., 1981, esta citação e seguintes: pp. 61-63, grifos meus.? class=
  47. Há, na nota (14) que consta neste trecho do texto de Bruand um equívoco menor, fruto talvez até da tradução: nela consta referência a artigo de Menotti que teria revelado Moya ao “grande público”, dando sua data como 20 de julho de 1927, quando o ano correto é 1921.? class=
  48. Bruand, op. cit., 2004, p. 13.? class=

Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br

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Luis Berríos-Negrón
Atelier Niemeyer . Rio de Janeiro
Janeiro de 2002

Entrevista Oscar Niemeyer
Entrevistador:Luis Berríos-Negrón
2 de janeiro de 2002
 Atelier Niemeyer, Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil

A MDC . revista de arquitetura e urbanismo, agradece à arquiteta Mariza Machado Coelho, que forneceu o vídeo da entrevista e ao arquiteto Luis Berríos-Negron, que autorizou a publicação e forneceu a transcrição em inglês.

Nota do autor:

Essa entrevista aconteceu enquanto eu era estudante de Belas Artes da Parsons School of Design em Nova York . Foi possibilitada por Mariza e Veveco Hardy, que colaboravam com Niemeyer à época. Foi marcada antes dos eventos de 11 de setembro acontecerem, e quando o 11 de setembro ocorreu, a perda de vidas foi aterrorizante. Eu também fiquei horrorizado com o tipo de ódio que um prédio como ícone pode gerar. Eu fiquei profundamente confuso sobre o papel da Arquitetura. Eu precisava de respostas… Nenhuma veio, apenas mais confusão. Um dos atributos da confusão foi que, já em Outubro, houve uma “exposição?das propostas para o Marco Zero na Max Protech Gallery no distrito da arte de Chelsea, em Nova York. Muitos starchitects enviaram propostas. Eu vi a mostra. Eu não era capaz de entender o quão rápido aquilo ocorrera. Ao ser informado pelos Hardys que eu teria a chance de conhecer e questionar o provavelmente mais experiente arquiteto vivo, eu já estaria fazendo meu melhor por não tentar fazer uma entrevista, mas apenas procurar por respostas pessoais, para ver se a sabedoria de Niemeyer me tocaria. No final não foi apenas sua sabedoria que calou fundo em mim, mas com certeza sua paciência, humildade, humor e experiência que indubitavelmente mudaram minha vida para sempre somente por explicar, como só Dr. Oscar poderia, que era muito cedo para propor qualquer coisa para o Marco Zero.

Imediatamente após meu retorno a Nova York, eu me matriculei em uma disciplina de projeto que tinha por tema o Marco Zero, lecionada por Bill Sharples da SHoP architects. E foi durante este semestre onde eu pratiquei resistência pela primeira vez, e apesar da possibilidade de falhar por não produzir “um prédio? eu atendi o conselho de Niemeyer. Meu esforço resultou não em um prédio, mas em uma análise ambiental e cultural do local, que informou uma serie de diagramas programáticos para a Geo and Bio Ethics University na Lower Manhattan. Este programa estava estritamente baseado na ideia da paciência, tempo, respeito e consideração que não estava exatamente no currículo da minha educação arquitetônica. É uma ideia, especialmente no contexto das mudanças climáticas, das bolhas imobiliárias e da gananciosa desestabilização neoliberal dos mercados e de sociedades inteiras, que até hoje ainda é o toque do tambor que dá ritmo ao meu trabalho. Por isso, e por seu imenso legado construído e social, eu serei eternamente grato a Niemeyer e a Veveco.

Entrevista Oscar Niemeyer

Em Dezembro de 2001, estava eu sentado no novo terminal 4 do aeroporto JFK em Nova York, prestes a embarcar em um avião para o Brasil. O stress das condições da viagem são graciosamente diminuídas pela grande luz do móbile de Alexander Calder?serenando-me, lembrando-me da razão para este voo: Oscar Niemeyer. Eu me concentro no móbile de Calder e sinto a gravidade zero, uma escala atemporal. Sentimentos que Niemeyer também havia me provocado enquanto eu navegava em obra, uma licença maleável para sonhar com a qual ele nos premiou décadas atrás. Então me ocorreu: o que eu iria perguntar, dizer, para Niemeyer? Como eu poderia, um inexperiente estudante-arquiteto conectar com essa lenda viva de 94 anos, comunista, associado relutante de Le Corbusier, e contemporâneo de grandezas como Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? Anos-luz de informações existem entre nós. Como poderíamos eliminar aquela distância?

Oscar Niemeyer é brasileiro, carioca para ser exato. Ele nasceu com o modernismo. Aos 33 anos ele construiu sua primeira grande comissão, diversos construções de lazer em torno da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, onde sua capela de São Francisco fica localizada. Aos 40, ele participou de um concurso de projetos contra os mais renomados arquitetos do mundo, Le Corbusier sendo um dos concorrentes, para a sede das Nações Unidas na cidade de Nova York. Ele foi premiado e, apesar do desentendimento com Le Corbusier, ele aceitou o premio e foi em frente com sua construção, feita em 1953. De 1955 até 1960, ele, junto a seu mentor, o urbanista Lucio Costa, projetaram e construíram a nova capital do Brasil, Brasília. Durante a década de 60 e 70 Niemeyer é ameaçado e perseguido pela ditadura militar. O principal engenheiro de Brasília, e bom amigo de Niemeyer, Joaquim Cardozo, foi julgado e processado por “incompetência? por seu papel na construção da nova capital. Niemeyer foi forçado a procurar asilo político na Europa por quase duas décadas. Durante esses anos, é até hoje, ele continua a construir em 5 continentes, com dezenas de trabalhos transcendentais em sua obra.

Ele é criticado por Brasília não ter funcionado. Niemeyer escreveu ?“Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras: um gesto, uma palavra de afeto e solidariedade.?Talvez Niemeyer dependesse da humanidade…

Cercado pelo inebriante espírito do Rio, e com a minha vaga versão em Espanhol do Português, sou recebido com cordialidade e simpatia contagiante pelo Sr. Niemeyer (ou Dr. Niemeyer, como ele é chamado por lá).

Luis Berríos-Negrón: Em nome do departamento de arquitetura da Parsons School of Design, o nosso mais sincero agradecimento por essa oportunidade.

Luis Berríos-Negrón: Sei que o senhor estará se reunindo essa semana com membros da imprensa francesa. Porque o senhor acha que, aos 94 anos, o senhor é tão aclamado?
Oscar Niemeyer: Não vejo razão não (risos). Sou um homem comum como todos os outros.

LBN: Como escrevi em uma carta ao senhor, temos um grande desejo de escutar a sua opinião sobre esse período histórico de mudança e conflito. Especificamente, o 11 de setembro instigou mudanças dramáticas de percepção a nível local e global. Para muitos de nós que estivemos a metros da tragédia ficou um sentimento de angústia e desilusão. Muitos estudantes de Arquitetura estão preocupados com a relevância da profissão, considerando a profundidade de políticas ocultas que algumas vezes causam essas reações radicais de nossos camaradas do outro lado do mundo. Com isto em mente, o senhor visualiza uma nova função ou responsabilidade para a Arquitetura? Para o estudante, para o profissional, para as pessoas?
ON: Eu sempre digo aos estudantes que não basta sair da escola como ótimo profissional. O importante é que ele se informe dos problemas do mundo e da vida, de modo a poderem participar dignamente, igual ocorre pelo mundo afora. Por isso quando eu estive na Universidade Algiers, -e propus um programa para a escola de Arquitetura- eu propunha que, além do curso normal de Arquitetura, houvesse paralelamente conferências sobre política, sobre sociologia, sobre literatura, sobre filosofia, de modo que o estudante saísse pra vida, como eu disse, apto a viver decentemente e se manifestar. De modo que a minha opinião é essa. Eu passei a vida debruçado na mesa de desenho, mas eu acho que a vida é muito mais importante que a Arquitetura.

LBN: O senhor acha que o arranha-céu ainda tem o seu lugar no expansivo mundo do neoliberalismo, depois do que aconteceu com o World Trade Center?
ON: Eu acho que o urbanismo tem diversas opções. Ele pode ser horizontal, pode ser vertical. Qualquer solução pode ser boa. Eu acho que o arquiteto deve ter sensibilidade para procurar ser útil para a comunidade e o urbanismo deve ser uma solução, solução que vise a proteção do homem, do trabalho. Eu acho que a Arquitetura mudou muito. Eu acho que, depois do concreto armado, qualquer outro tipo de arquitetura não interessa mais. No passado, por exemplo em Roma, eles fizeram uma cúpula de 35 metros de diâmetro. Ontem nós fizemos um desenho aqui de uma cúpula com 70 metros e 20 cm de espessura. Então a técnica mudou. Depois do concreto armado, é a técnica do concreto armado que prevalece. É o espaço com que o arquiteto vai ter que lidar para entender as funções da sociedade moderna. De modo que acho que cada arquiteto deve fazer a sua arquitetura. Eu não acredito em uma arquitetura que sirva a todos, que seja uma arquitetura ideal. Seria a repetição, monotonia. Eu acho que o arquiteto, dentro das suas possibilidades, deve procurar o seu trabalho. Eu acredito na intuição. Eu faço o meu trabalho, eu procuro uma arquitetura mais leve, quando o tema permite, baseada na técnica mais apurada. Eu não critico os colegas, acho que cada um deve fazer o seu trabalho. Agora eu sigo a minha intuição com toda liberdade. Tem muito livro aí escrito sobre o meu trabalho. Eu não li nada, eu não quero influências. Eu não tive influência nenhuma. Eu trabalhei com o Corbusier, mas o meu primeiro trabalho, Pampulha, era tão diferente do que se fazia, que prova que eu não estava interessado. Eu quero fazer o meu trabalho do meu jeito. Essa é a minha posição na Arquitetura. Acho que deve haver esse entendimento e cada um aceitar o que o outro faz com simplicidade.

LBN: O senhor tem alguma sugestão para a área onde antes estava o World Trade Center?
ON: Não, não tenho. Querem fazer uma exposição em Nova York. Uma exposição de estudos sobre essas torres. E mandaram pedir para eu dar minha opinião também nos croquis. Eu não quis fazer. Eu acho que nós entramos em um momento dos piores da vida dos homens. Um momento de violência. A gente não pode dizer que as torres, por exemplo, foi um ato de terrorismo, mas invasões, bombardeiros, também são um ato de terrorismo. Quando começaram os bombardeiros contra o Saddam já era um ato de terrorismo. Acho que existe uma confusão, uma coisa toda errada. Eu acho que o mundo esta num momento em que a gente não sabe aonde vai parar.
Nós fizemos um curso de sete dias sobre Arquitetura. Então eu falei, dei a minha aula, o meu colega que é engenheiro calculista deu a dele e nós chamamos outros amigos. Um falou sobre Literatura, o outro falou sobre Filosofia e o outro falou sobre o mundo atual. Eu me lembro quando ele acabou de falar, eu perguntei a ele: “o que você acha que vai acontecer??Ele disse: “Eu to assustado.?E a gente, a gente mesmo, o homem deve estar hoje assustado. Sem saber pra onde isso vai. Porque é uma violência como nunca houve. Está se expandido pelo mundo árabe todo, daqui a pouco pode abrir outros movimentos também de terrorismo.
De modo que é um momento negro da vida dos homens, eu acho horrível que tenha acontecido. Você veja: quando derrubaram as torres foi horrível aquilo, muito sério, as mortes que causou. Mas também estão derrubando as cidades lá do mundo árabe, matando gente que não tem nada que ver com isso. Outro dia, num bombardeio, morreram mais de cem pessoas. De modo que há um clima de coisa que parece maluquice, em a gente não sabe onde é que vai parar. Eu acho o pior momento que nós estamos vivendo.

LBN: Por isso nós, estudantes, estávamos desejosos de falar com você… Porque nós estamos deprimidos e preocupados…
ON: Eu acho que a vida é um minuto não é? Então vale a pena vivê-la melhor, de mãos dadas, fraternais. A vida não é tão importante assim, é uma coisa à toa. Então a gente tem que viver bem, botar de lado. Eu quando olho pra uma pessoa, quando eu lido com uma pessoa, eu penso sempre que ela deve ter um lado bom. E se não tem, é uma surpresa. Talvez a genética explique. Mas eu acho horrível a gente ver o mundo assim como se fôssemos inimigos uns dos outros, afinal árabes, americanos, europeus, são todos irmãos. Porque essa miséria, porque esse ódio? Eu andei no mundo árabe, num mundo atrasado. Eu fui até a Arábia Saudita, é completamente fora da civilização. Eu estive nos Estados Unidos, somando dá mais ou menos 2 anos, eu gostei. Quando cheguei nos Estados Unidos foi quando estava para estourar a guerra e eu vi o povo americano pulando na rua, os estudantes, dizendo ‘up democracy, down fascism? foi um momento de entusiasmo contra o mundo pior que eles queriam criar. Mas isso passou. Agora esta uma confusão: eu não gosto do Bin Laden, mas também não gosto do Bush.

LBN: Olhando para Brasília depois de meio século, e considerando a proliferação de elites, das comunidades fechadas, como as Alphavilles em São Paulo, o senhor acha que Arquitetura e Urbanismo tem a capacidade de facilitar mobilidade social?
ON: Eu acho que o homem é que mexe nas coisas. Por exemplo, a Argentina agora, num momento de entusiasmo, vê que o povo saiu pra rua e mudou o governo. Isso precisava acontecer no Brasil. A vida brasileira não está boa também, não. Venderam o país. Mas isso é muito complexo não é? Eu não sou um especialista político, eu sou um simples arquiteto. Mas eu me interesso, acho que o arquiteto precisa ver, e tenho a minha opinião, opinião pequena de arquiteto. Mas digo, protesto, passei a vida protestando, porque a gente quer um mundo melhor, a gente quer um mundo mais justo, todos de mãos dadas, isso que a gente quer.

LBN: Em um recente artigo de sua obra Pampulha na revista Wallpaper, nos Estados Unidos, o senhor falava que suas obras públicas são para criar espaços para todos. O Sambódromo é um projeto satisfatório no ponto de vista sociopolítico?
ON: O carnaval é a distração do povo não é? O povo é gente mais pobre que vive nas favelas. Quando vem o carnaval eles juntam dinheiro para se fantasiar, pra ir dançar lá no sambódromo. Eles são inocentes, eles não sabem que estão ali distraindo justamente a burguesia que oprimia eles o ano inteiro. E ali batem palma e no dia seguinte estão todos uns contra os outros outra vez. A vida é muito perversa.

LBN: Qual seria o seu projeto mais satisfatório para você?
ON: Eu fiz projetos tão diversos… Se você for ver o meu trabalho, você vai ver que eu não fiz apartamentos, não fiz escritórios. Eu fiz museus, teatros, projetos que pedem muito mais trabalho de imaginação. E é isso que eu gosto de fazer. Não gosto de residência. Eu sei que é importante, mas é difícil lidar com os proprietários né? Eu fiz uma casa pra um sujeito em Brasília. A casa era boa. Quando ficou pronta, ele queria mostrar a casa pra mim, eu fui, cheguei antes dele e a mulher dele que me esperou na entrada. Uma senhora simpática, e disse – “Dr. Niemeyer, essa casa mudou a vida da gente. Eu gostei tanto da casa que eu fiz a decoração? (risos). Eu disse: “eu to frito? E foi o que aconteceu. Quando eu entrei não tinha mais nada da arquitetura. De modo que a arquitetura não é só o prédio por fora, é também o interior, e isso é difícil a gente conseguir. A arquitetura é o espaço que envolve a arquitetura.
Agora eu acho o seguinte, eu faço uma arquitetura que me agrada. Quando o tema permite, eu especulo na técnica, eu convoco meu engenheiro, a gente pensa em utilizar… Por exemplo, eu fiz um prédio agora em Brasília, um prédio governamental. Ele é grande, e você chega embaixo dele, e só tem o apoio central, ele parece que está solto no ar. Então essa coluna sobe, com os elevadores, e as vigas de cima sustentam com tirantes todos os andares. É uma demonstração de técnica, está ajudando a Arquitetura a evoluir. E o presidente passou lá, e disse -“ah, porque esse prédio tão luxuoso??Ele não compreendeu. Quando eu faço o prédio público, como esse, eu imagino que o sujeito mais pobre que vai lá, que vê o prédio, e não vai usufruir nada desse prédio (os outros é que vão ganhar dinheiro) ele pelo menos tem aquele momento de prazer, de ver uma coisa diferente, de indagar: “o que é isso?. De modo que a Arquitetura é cheia de segredos. A gente quer ver o espetáculo. Por exemplo, a Catedral de Brasília, quem olha e não conhece pensa que é muito complicado de fazer. Foi muito simples. Nós construímos as colunas no chão, pré-fabricadas, e suspendemos. Está pronta a Catedral!

LBN: O senhor provavelmente esta cansado de escutar pergunta sobre a seguinte citação de Le Corbusier que diz: “Oscar, você faz o Barroco em concreto armado, mas faz bem.?br /> ON: De Corbusier, a única influencia que eu tive, foi no dia em que ele me disse: “Arquitetura é invenção.?Quer dizer, eu procuro fazer uma arquitetura, que tenha qualquer coisa diferente, e crie surpresa, e isso é importante. Minha Arquitetura é muito diferente da dele. Ele cria uma coisa mais pesada, ele não especulava muito na técnica. Se você vir Chandigarh, tem coluna por todo lado. Ele podia diminuir aquilo e ter só a metade das colunas, muito menos da metade. Mas com certeza ele queria aquele aspecto, um pouco egípcio, das colunas. De modo que a gente não tem que criticar nada, cada um faz o que quer.

LBN: Arquitetura hoje esta em um estado de Rococó?
ON: Não sei. Cada um faz o que quer. Outro dia veio aqui me visitar, o Bofill. O Bofill é o que faz pós-moderno, e ele veio, ele é simpático. Eu faço Arquitetura diferente da dele, tudo bem, não vou criticar o que ele faz.

LBN: Qual foi a sua intervenção política mais importante?
ON: Eu entrei no partido, eu militei no partido, eu fui proibido de entrar nos Estados Unidos durante 20 anos porque eu era comunista. Eu continuei com as minhas ideias. Eu acho que o comunismo é uma ideia que está no ar. Que visa a confraternização dos homens. O que ocorreu na União Soviética um dia vai se modificar. O que os soviéticos querem é o que eles tinham antigamente. É o apoio governamental, era a casa, era a alimentação, era a medicina. Eu acho que o capitalismo está em decadência. Os Estados Unidos vão entrar em crise um dia. Pode demorar, o Império Romano levou 300 anos para acabar. Pode demorar muito tempo, esse clima do poder assim, da intervenção desmedida: até intervir nos outros países. Isso um dia vai acabar. A gente não sabe como.
Eu acho que o homem deve olhar para o céu e ver como ele é pequenino, não tem a menor importância. Então os sujeitos estão ai querendo aparecer. Outro dia um jornalista me perguntou -“Mas o seu trabalho vai ficar pros outros verem, muita gente vai ver depois que você morrer, vão gostar? Eu disse, mas vocês vão morrer também. -“Mas os outros vão ver? Mas os outros vão morrer também. Tudo vai acabar. Por isso que eu acho que o homem deve estar ligado (não é uma posição pessimista, que não tem sentido), tem que estar dentro da realidade.

LBN: “Corbu?intitula, em lngês, um de seus livros: “Towards in new architecture? (Em direção a uma nova Arquitetura). Nós ainda estamos nos movendo?
ON: O que muda a Arquitetura é a evolução social, é a evolução da técnica. Isso é que muda a Arquitetura. O dia que aparece um material diferente. Hoje é o concreto armado que domina, o sujeito queira ou não queira, é o concreto armado que permite uma Arquitetura mais livre. Quando eu termino uma estrutura, a arquitetura já está ali. Porque eu procuro fazer uma coisa muito simples, não tem nenhum apoio que depois vai desaparecer no meio das alvenarias. Mas a estrutura metálica, quando você termina uma estrutura, é uma confusão, você não sabe o que vem depois. De modo que eu prefiro trabalhar com o concreto armado, acabou uma estrutura é aquilo, o resto é acabamento. Agora, se vier um material novo, uma estrutura de vidro, outra coisa qualquer, aí a Arquitetura pode mudar. No dia em que nós estivermos no regime socialista, a Arquitetura brasileira vai mudar. Porque a nossa Arquitetura hoje só serve pra quem tem dinheiro. Os pobres estão trepados na favela. Num regime mais popular, vão mudar os temas da Arquitetura. E eles serão naturalmente mais importantes, mais generosos, e eles vão se dirigir ao povo mesmo, aos problemas populares.

LBN: O que o senhor quer dizer com “O arquiteto deve nascer como arquiteto, assim como o pintor deve nascer como pintor?/em>?
ON: Eu acho que nesse setor das Artes tem que haver intuição. O sujeito não aprende Arquitetura, o sujeito vai pra uma escola. Se ele tiver talento ele pode fazer uma arquitetura diferente. Senão, ele pode ser útil, ele faz uma arquitetura normal, indispensável para a vida, essa coisa toda. É feito com uma criança: eu acho que deve-se proteger a intuição. Uma criança com 8 anos às vezes faz um desenho fantástico. Se você ampliar sai um mural extraordinário. Depois que ela vai para a escola, que conhece os mestres, aí cai na rotina. É a coisa já cheia de regras. De modo que o ensino da Arquitetura também devia dar ao estudante mais liberdade. Eu conheci muito desenhista melhor arquiteto do que arquiteto. Corbusier nunca frequentou uma escola de Arquitetura. Ele tinha uma ideia de Arquitetura. Ele saiu do escritório que ele trabalhava, e saiu desenhando o que ele gostava e tal, e fez a sua Arquitetura. De modo que eu acho que o importante é a intuição, quando não há intuição é mediocridade. E por isso que é muito difícil ter unidade na Arquitetura. Você vai a Brasília hoje e é péssimo, aquelas ruas, a arquitetura medíocre, confusa… Que se pode fazer? Você vai ao Rio de Janeiro e se pergunta: “o que estão fazendo aqui? Eu fico envergonhado. Levam você pra Barra, que é uma merda. A Barra é Miami, subúrbio de Miami. Em qualquer cidade moderna para você ver um prédio bom, você tem que saber o endereço. Porque em geral não tem unidade, é confuso… Mas é assim, o que se vai fazer?

LBN: Hoje em dia se nota um aumento no número de arquitetos emigrando para outras disciplinas…
ON: É comum. Eu tenho amigos meus, por exemplo, muito amigos, feito o Chico Buarque e o Tom Jobim. Eles cursaram Arquitetura até o terceiro ano, e depois largaram. Foi nesse sentido que eu fiz a Universidade de Constantine. A Universidade de Constantine é um dos trabalhos de que eu gosto mais. Quando eu fiz aquela universidade, o programa que eles tinham era para vinte prédios. Nós fizemos sete. Nós fizemos o edifício de classes, onde têm auditórios, essas coisas. Fiz um edifício de ciências, tem uma biblioteca, restaurante, o auditório. E qualquer faculdade nova não precisa de um edifício. Usa o prédio de ciência e o prédio de classes. (telefone toca).

LBN: Recentemente tem surgido um interesse no trabalho dos neo-vitalistas, como Kenzo Tange ?que eu sei que você conhece. Isto dentro do campo do desenho sustentável ou ecológico. O seu vernáculo tropical é sustentável?
ON: Eu quando tenho um projeto pra fazer, eu penso no projeto. Às vezes a solução vem de repente, até sem pegar no lápis. Eu, por exemplo, estava em Alger e tinha que fazer a mesquita. Fiquei de noite pensando na mesquita, levantei e desenhei. Outras vezes, me obrigo a pensar… O Museu de Niterói por exemplo, era simples, tinha um braço de terra, em volta era o mar. Tinha um apoio vertical e surgiu a arquitetura. Quando eu faço o projeto, e tenho uma ideia, eu faço o texto explicativo. Então eu escrevo como é que eu vejo o projeto. Se eu não tenho argumentos, eu volto à prancheta. Se tenho, aí eu começo a trabalhar.
O projeto varia muito. Primeiro, do espaço em volta, da ideia de criar uma coisa nova. Por exemplo, o Mondadori, que era o dono da editora Mondadori de Milão, veio me procurar. Ele tinha estado em Brasília, e ele queria fazer um prédio em Milão que tivesse as colunas de Brasília, a colunata. Eu disse: “está bem, eu faço.?#8211; mas eu fiz diferente. Eu fiz as colunas sustentando as vigas do teto, que por sua vez sustentavam os andares. Então eram colunas muito mais fortes. Eu queria variar a colunata.
Num período da renascença italiana, se você examinar, você vai ver que eles se preocupavam, naquela época, eles ainda se preocupavam com as colunas gregas. Você vai ver os trabalhos daqueles arquitetos italianos, e os prédios estão cheios de coluninhas. Eles discutiam a parte de cima das colunas variando. Eles não tinha coragem de fazer coisa diferente. Na Mondadori, em que eu queria mexer nas colunatas, eu mexi no espaço. Porque o espaço faz parte da Arquitetura. Em vez de eu fazer colunas com espaços iguais eu fiz com quinze metros, três metros, cinco metros. Então eu mudei o tipo de colunata. Eu nunca vi antes uma colunata assim, com espaços diferentes. Então é uma novidade. Isso é que, a meu ver, é Arquitetura.
Agora, quando eu tenho um tema, eu procuro estudar. Tenho uma ideia, e às vezes a coisa é rápida, outras vezes é complicada. Por exemplo, eu fiz um prédio em São Paulo, uma cúpula. Ela ficou entregue aos militares a vida inteira. Agora recuperaram a cúpula, a cúpula é bonita. As grandes exposições em São Paulo agora são feitas nessa cúpula. Eu fiz essa cúpula há 40 anos atrás. Ela tem umas sobrelojas, que encostam assim na cúpula e deixam espaços vazios. Agora o Pompidou está fazendo uma exposição em São Paulo. Está fazendo nessa cúpula, que eu fiz há 40 anos atrás.
Agora eu fiz um museu, que eu tinha feito um projeto para o Paraná, que era uma escola. Era uma escola em pilotis. Ela tinha 200 metros de comprimento e 40 de largura. Mas quando eu vi a escola agora, 40 anos depois, eu fiquei surpreso. Porque é bonita. Ela é toda fechada, a iluminação é por cima, zenital. Então os espaços de colunas, tem espaço de 60 metros, feito há 40 anos atrás, entre uma coluna e outra. Então o diretor, com o prefeito, resolveu fazer um museu, e pensou que nesse prédio ele podia ter tudo que um museu precisa: cursos, auditórios, tudo que o museu mais moderno precisa chegava nesse prédio. Faltava então fazer um salão de exposições. E ele queria um salão de exposições que não escondesse o prédio, porque lá gostam muito desse prédio. Então eu fiz uma torre e fiz um salão no ar. De modo que a Arquitetura é isso, cada tema é diferente.
Agora me pediram um projeto pra São Paulo, não me lembro a cidade, e eu fiz o projeto. Então eles queriam um auditório pra 3000 pessoas e, além do auditório, uma arquibancada para 3000 pessoas também, para voleibol, basquetebol. Mas eu não queria fazer duas coisas isoladas. Eu queria fazer um prédio que tivesse o auditório, com todo o conforto que auditório deve ter –som, aquilo tudo– as salas necessárias para encontros, congressos, e, ao mesmo tempo, no mesmo prédio, a arquibancada. Duas coisas no mesmo prédio, mas independentes. E assim sobrava mais espaço. E eu fiz. Então é um prédio diferente que, eu imagino, você nunca viu. Tem um auditório moderno, pra 3000 pessoas, e uma arquibancada para voleibol e basquetebol, para jogos especiais. Então sai um prédio diferente. Porque o programa é que leva a gente a uma solução. Eu vou mostrar pra vocês uma maquete de trabalho, maquete muito simples, mas que já dá ideia do se vai fazer, e vou mostrar a outra maquete desse prédio lá do Paraná, que já começou. Porque o prefeito veio aqui e ficou tão espantado com o prédio que viu que era bom, pra ele, pra construir lá. Ele achava que o tal bloco ficava solto na cidade. Então já começou a obra. Mas o arquiteto não escolhe os assuntos. Os assuntos aparecem, e a gente faz.

LBN: Como o senhor se sente ao ser citado como o outro comunista que existe no mundo, sendo que Fidel Castro é o outro?
ON: Ah, Fidel Castro é uma figura fantástica. Está ali ao lado dos Estados Unidos desafiando o poder americano. O Bush está querendo invadir, mas não tem coragem. Seria ruim demais pra humanidade. Fidel transformou, ele vive lá de braços dados com o povo, é um país fantástico, não tem miséria, são todos amigos. Quando vem um cubano aqui eu fico espantado, não tem analfabeto lá, eles tem uma noção da vida, dos direitos. É um exemplo para a humanidade.

LBN: O que o senhor pensa que vai acontecer com a solidariedade e o comunismo?
ON: Acho que o que houve na União Soviética foi um acidente de percurso. A coisa vai mudar. Porque o comunismo é a ideia que está no ar. Pode ter outro nome, até. Mas a ideia é de que os homens possam ser iguais, vivam iguais, em meio às possibilidades, ninguém pode ser contra isso. Só tarado, não é?

LBN: Para um ateu, o senhor tem um imenso dom para condicionamento espiritual. Como o senhor se conecta com essas sensibilidades em sua obra eclesiástica?
ON: Eu era de família católica. Eu me lembro que, em casa…
Era uma família de fazendeiros. Meu avô veio para o Rio, era juiz de paz, depois foi ministro do Supremo Tribunal. Eu fui criado num ambiente assim: vinham uns políticos ficavam na casa, a casa era grande, e tinha uma sala de visitas, tinha umas seis janelas, minha avó abria, uma delas era o oratório, tinha missa em casa. Mas quando eu saí pra vida, a vida é injusta demais. De modo que o que se pode fazer é protestar. Eu tô [SIC] sempre ai protestando contra o que for preciso.

LBN: Alguns anos atrás, o senhor dividiu a sua vida em três partes: Pampulha, Brasília e a terceira, a Arquitetura mais perto da terra com vigas mais compridas. Você conseguiu nomear a terceira?
ON: Não, a arquitetura que eu faço é sempre a mesma. O que muda são os problemas, os assuntos que aparecem. Eu devia parar. Eu devia ter parado há muito tempo. Mas eu tenho gente que depende de mim, eu não posso nem morrer. Senão eu teria parado há muito mais tempo.

LBN: Qual o projeto que o senhor esta desenvolvendo atualmente?
ON: É esse projeto que eu estou dizendo. Eu tenho um projeto para a Noruega, uma casa e me interessa muito, porque é diferente de todas lá. Tem outro projeto na Itália…Aqui eu estou fazendo esse museu, em Niterói, estou fazendo o caminho Niemeyer que é lá em Niterói, e esse museu Paraná.
Tem o caminho Niemeyer que tem uma catedral, são diversos prédios. É um projeto que me interessa muito. Esses prédios são um conjunto na beira do mar, é um lugar que vai dar muito realce à arquitetura. No momento, eu tenho estudado os prédios, mas pensando que eles devem coincidir. Entre eles, deve ter um elemento plástico que liga e cria unidade do conjunto. É um trabalho que me interessa, mas que é difícil de andar porque é complicado…
Mas esses dois, esse museu e esse prédio, são os dois que estão me ocupando mais.

LBN: Há um interesse próprio de refletir ideias sociopolíticas através das liberdades plásticas e da estética gestual da sua obra?
ON: Não. A obra que eu faço é resolver o problema que vem às mãos. É convocar os artistas para trabalhar, tentar voltar àquela integridade das Artes, àquela ligação das Artes com a Arquitetura. Convoco os artistas. Esse projeto que eu estou fazendo em Niterói, por exemplo, não vai ter materiais caros, não. Eu não faço da minha Arquitetura propaganda de material, não. A parede lisa, branca. Agora, quando é possível, tem uma pintura, tem um desenho.

LBN: O autor marxista Hal Foster afirma: “A livre expressão de Gehry implica a falta de liberdade da nossa inibição. O que quer dizer que sua liberdade é na maioria uma franquia na qual ele representa a liberdade mais do que ele a concretiza. Em outros sentidos, e com grandes consequências, esta visão da expressão e liberdade é opressiva, porque Gehry projeta desde a lógica cultural do capitalismo avançado em termos da linguagem de correr riscos e efeitos espetaculares.?Durante esta época onde o capitalismo e o comunismo parecem chegar em um ponto de saturação, o senhor poderia dar algumas palavras como sugestões para interpretar essas experiências, a fim de torná-las intuições?
ON: Não entendi bem. Eu faço Arquitetura que eu gosto. Eu procuro a forma diferente, mas sempre pensando na função. Por exemplo, fiz o projeto do Mondadori, que é um palácio.
Quando ele ficou pronto, e ele teve que fazer outro projeto, em outra cidade, ele me chamou. Então o projeto era funcional.
Eu fiz a sede do Partido Comunista em Paris. Quando eles quiseram fazer o jornal, anos depois, eles me chamaram. Quer dizer, o meu trabalho funcionava bem. De modo que eu acho que a arquitetura tem que atender à finalidade, mas deve ser bonita, deve ser diferente.
Agora, cada arquiteto escolhe o tipo de arquitetura, de forma plástica, que lhe agrada mais. De modo que eu não critico ninguém, eu acho que está tudo bem, cada um faz o que quer. Eu não leio nada sobre o meu trabalho. Tem muitos livros publicados, eu nunca li. Eu quero fazer o meu trabalho, modestamente, como eu gosto. Se me perguntam do arquiteto, o arquiteto é bom, mas eu não digo quem é melhor ou quem é pior. Eu estive lá na casa do Frank Lloyd Wright. Passei uma noite na casinha de Oak Park. Uma casa bonita, ótima. O que ele gostava de fazer. O principal é que o arquiteto esteja satisfeito com o que ele faz. O resto, os outros, não deve interessar. Quando eles começam a se interessar pelo que vão dizer da sua arquitetura, aí ela não está bem, acho que deve ser uma coisa espontânea. O trabalho desse arquiteto deve ser ótimo, se ele está contente de fazer, está ótimo.

LBN: Eu tenho uma pergunta pessoal. Eu li um artigo na revista Trip, recentemente, em que você fala que a sua droga é a mulher. E eu pergunto: qual a sua religião?
ON: Acho mulher importante, é o mais importante. Mais importante que Arquitetura. Acho que deve ser. A vida é isso: a gente rir e chorar o tempo todo, a gente viver os momentos bons e os maus e aguentar. É isso. Não tem mistério.

Niemeyer em 2002


Luis Berríos-Negrón entrevista Oscar Niemeyer

English version by the author

Note by the author

This interview occurred while I was student of fine arts at the Parsons School of Design in New York City. It was made possible by way of Mariza and Veveco Hardy who were collaborating with Niemeyer at the time. It was scheduled before the events of 9.11 took place. And when 9.11 went down, the loss of life was horrific. I was also horrified about the kind of hatred a building as icon could generate. I became deeply confused about the role of architecture. I needed answers?none came, only more confusion. One of the attributes to the confusion was that, already in October, there was an “exhibition” of Ground Zero proposals at the Max Protech Gallery in the art district of Chelsea in New York. Most starchitects sent a submission. I saw the show. I was not able to understand how fast this happened. As I was made aware by the Hardy’s that I will have a chance to meet and speak to arguably the most experienced living architect, I was already doing my best, not trying to make an interview, but just to look for personal answers, to see if Niemeyer’s wisdom would bleed into me. In the end, it was not his wisdom that bled into me, but surely his patience, humility, humour, and experience that undoubtedly changed my life forever by merely explaining, only as Dr. Oscar could, that it was too early to propose anything for Ground Zero.

Immediately upon my return to New York, I enrolled in a Ground Zero architectural design studio by Bill Sharples of SHoP architects. And it was during that semester where I practiced resistance for the first time, that despite the possibility of being failed for not producing “a building”, I heeded to Niemeyer’s advice. My effort resulted not in a building, but in an environmental and cultural analysis of the site, that informed a series of programmatic diagrams for a Geo and Bio Ethics University in Lower Manhattan. This program was strictly based on the idea of patience, of time, respect and consideration that was just not in the curriculum of my architectural education. It is an idea, especially in the context of climate change, of real estate bubbles, and the greed-driven neoliberal destabilization of the markets and of entire societies, that to this day still is the beating drum that gives rhythm to my work. For this, and his enormous built and social legacy, I will be forever grateful to Niemeyer, and to Veveco.

Interview Oscar Niemeyer

On December of 2001, there I sat in the new terminal 4 at the JFK airport in New York about to board a plane heading to Brazil. The stress of the current travel conditions is gracefully diminished by the enormously light Alexander Calder mobile?grounding me, reminding me of the reason for this flight: Oscar Niemeyer. I focus on Calder’s mobile and feel the zero gravity, a timeless scale. Feelings Niemeyer has also given me upon navigating his oeuvre, a malleable license to dream he awarded us decades ago. And then it hits me, what am I to ask, to say to Niemeyer? How can I, a wet-behind-the-ears student-architect, connect with this 94 year old living legend, communist, reluctant associate of Le Corbusier, and contemporary of greats such as Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? There are light years of information in between us. How shall we wormhole the sense in this one?

Oscar Niemeyer is Brazilian, “carioca?to be exact (from the state of Rio de Janeiro). He was born with modernism. At 33, he built his first mayor commission, several leisure buildings around the Pampulha Lake in Belo Horizonte, where his St. Francis of Assisi chapel is located. At 40 he submits a design competing against the most renowned architects in the world, Le Corbusier being one of the competitors, for the see of the United Nations in New York City. He is awarded with the commission, and despite disagreements with Le Corbusier, he accepts the award and goes forth with its construction, built in 1953. From 1955 through 1960, he, alongside his mentor/urbanist Lucio Costa, designs and builds the new capital city of Brazil, Brasilia. During the 60’s and 70’s Niemeyer is harassed and persecuted by the insurgent military dictatorship. The chief engineer of Brasilia and good friend of Niemeyer, Joaquim Cardozo, is judged and prosecuted for “incompetence?for his role in the building of the new capital. Niemeyer is forced to seek political asylum in Europe for almost 2 decades. During those years, and still to this day, he continues to build in 5 continents with dozens of transcendental works credited to his oeuvre.

He is criticized, alleging that Brasilia did not work. Niemeyer wrote ?“I hope that Brasilia becomes a city of happy people, people that feel life in all its plenitude, in all its frailty; people who understand the value of the simple things ?a gesture, an expression of affection and solidarity.?Perhaps Niemeyer depended on humanity…

Surrounded by the intoxicating spirit of Rio and with my vague Spanish version of Portuguese, I am welcomed with warmth and contagious sympathy by Mr. Niemeyer (or Dr. Oscar as he is referred to around these parts).

Luis Berríos-Negrón: So, you’re meeting today with Le Monde (newspaper of largest circulation in France), for the publishing of a brief biography. Why do you think you are, at 94, as requested as ever?
Oscar Niemeyer: I do not know the reason (smiles). I am a common man just as everyone else.

LBN: As described in my letter to you, I feel there’s a great desire to hear your opinions during this period of drastic change and conflict. 9.11 has instigated a vast reassessment of perceptions, from local to global standpoints. And for many of us who were meters away from the collapse, we have been left with a profound feeling of despondence. For us specifically, as new students of the profession, we are beginning to wonder what is to become of the world, little less of the profession… its seeming irrelevance due to inexplicit geopolitics causing the radical dismay of our fellow citizens across the globe. Considering this, do you envision a new role for architecture… for the student, for the professional, for the people?
ON: I have always told students that school is not enough to be a professional. I always say that one needs to be aware of the world and of life so to be able to participate with dignity in the events of actuality. When I designed the University of Algiers in Africa I also proposed a program for the school of architecture that, in addition to the traditional curriculum, it implemented parallel courses in science, philosophy, sociology, literature and politics. All so that the student can leave the academia to live in decency, able to manifest. That is my opinion. I go through life tied to my drawing table, but I find that life is much more important than architecture.

LBN: Do you feel that the skyscraper still has a place in these times of neoliberal sprawl?
ON: I believe that urbanism has options. It can be vertical, it can be horizontal. Any solution can be good. I believe that the architect must be sensitive, procuring the needs of the community. Urbanism must be a solution that provides for the well-being of humanity. I understand that architecture changed many things. For me, after reinforced concrete, I have not had any interest in other architectures. In the past, in Rome for example, they made a dome of thirty-five meters in diameter and one meter of thickness. Yesterday, we released a design for a dome of seventy meters in diameter with a twenty-centimetre thickness. So, the technique has evolved. Reinforced concrete is what prevails. The space that the architect designs must procure the function of society. Therefore, the architecture makes the architect make the architecture. I do not credit an architecture that serves all. It would be repetition, it would be monotony. I believe architects, within reason, must procure their own architecture. I believe in intuition. I do my work. I procure a lighter architecture.

LBN: Do you have any suggestions as to what should be done with the site where the World Trade Center used to be?
ON: No, I do not. I understand there will be an exhibition in New York (Max Protech Gallery) about these proposals. I was invited to participate in this exhibition, but I respectfully declined to submit any ideas. I feel that we are entering one of the darkest periods in human history, a period of violence. Many see that what happened to the Towers was an act of terrorism, but I believe that the invasions and the bombardments are also acts of terrorism. I find it horrible. The death and the horror caused by the collapse of the Towers were horrible, but the destruction of entire cities and nations in the Arab world is also horrible. Many innocent people are dying.

ON: I believe that life is a minute (smiles). I believe we should live better. We must live well. Why that misery, that hatred? I travelled the Arab world and it is an antiquated world. I was in Saudi Arabia and it is outside of civilization. I was in the United States and I liked it. During those years students were jumping on the streets saying – “up democracy, down fascism…?It was a time of enthusiasm trying to make a better world. But that’s in the past, now it is all confused. I don’t like Bin Laden, but I don’t like Bush either.

LBN: Looking at Brasilia after half a century, and considering “the urban proliferation of confusion?1) abetted by the Alphavilles (model of gated communities of Brazil, ironic considering Goddard), can architecture and urbanism still facilitate social mobility?
ON: I find that it is man who damages things. Look at Argentina. It is a moment of enthusiasm where the people come out to the streets. In Brazil, things are not well either. They have sold our country. It is very complex, don’t you think? I am not a political analyst, I am just a simple architect, but I am interested and I have my opinion. I lived my life protesting for a better, common life, for a more just world.

LBN: I read a recent article about you in Wall Paper magazine where you described La Casa do Baile in Pampulha, as you would describe many if not all of your public works, as a place for the people. Is the Sambadrome a satisfying project from a socio-political point of view?
ON: Carnaval is an event of the people. The people are those who are poor and live in the favela. When Carnaval comes, those who live in the favelas innocently spend the bit of money they saved during the year on their costumes to go and entertain those who have oppressed them all throughout the year. There goes the bourgeoisie to applaud, only to return the next day to the same oppression and rejection of the poor. The world is very perverse.

LBN: And the United Nations?
ON: Like I said, man damages everything.

LBN: Which project has given you the most satisfaction?
ON: I have made such diverse projects… if you look at my work, I have made few apartment and office buildings. I have made more theatres, museums… projects that require more imagination. Those are the commissions I enjoy. I like making residences but it is always a pain in the ass dealing with proprietors (smiles). I made a house in Brasilia. The house was good. When the house was ready, the owner called me to go see it. I did. When I arrived, the owners were waiting for me at the entrance, a nice couple. They say to me ?“Dr. Niemeyer, this house has changed our lives. We liked it so much we decorated it ourselves.?I was frozen [laughs]. When I went in, the house had no architecture left. So, architecture is not only the outside, it is also the inside, the program. That is something that it is difficult for people to understand. The design is the space that envelops the architecture. Now, I will tell you that I do what I enjoy. When the theme allows it, I speculate a technique, I convene my engineers. I made a building in Brasilia. It is a government building, it is large. When one arrives under it one only sees one structural member, seemingly floating in the air. This building rises and all the floors are held by two beams that come down into the ground. This is a demonstration of technique. I try in helping architecture evolve. The President of Brazil passes by and says ?“why such a luxurious building??He does not comprehend. When I make a public building as such, I imagine the poor person that will never get anything out of it. That although it is the others that will benefit, that will make money from it, it is this poor person that can at least look at it and say with pleasure ?“this is different.?Therefore, architecture is full of secrets. The people want to see the architectural spectacle.

LBN: You are probably tired of listening to people ask you about this quote by Le Corbusier – “Oscar, you do baroque in reinforced concrete, but you do it very well.?
ON: The only influence I had from Le Corbusier was when he told me “Oscar, architecture is invention.?Therefore I procure the making of an architecture that has something different, which creates surprise. But my architecture is very different from his. He made this heavy thing. He did not speculate much on the technique. When one arrives into his work there is a lot of columns. He used columns at less than a half the distance of what was needed, you know, like the Egyptians [smirks]. But, I do not criticize him. Everybody does what they please.

LBN: What are your most important interventions, politically or otherwise, as to protest a social or government action? Have you ever intervened in the misuse of one of your buildings?
ON: I joined the communist party. I was prohibited from visiting the United States for 20 years. I continued with my ideas. Communism is an idea that continues to be, in the air. It exists for the fellowship of humanity. What happened in the Soviet Union will one day be modified. What the Soviets wanted was government support for housing, food, health, science. I find that capitalism is in decadence. The United States is in a path of crisis. It took 300 years for the Roman Empire to crumble. They might remain in that climate of power and of excessive intervention in the lives of others for many years. But that will end. I believe that man should look to the sky and realize that he is a little thing, of little importance. People are living on appearances… what appearances? A journalist once asked me ?“Doctor, after you die, people will see your buildings and then they marvel at your genius.?Marvel about what [laughs]?! People die too, you know. We all die. Everything ends.

LBN: What do you mean when you say ?“the architect should be born an architect, just as a painter should be born a painter??
ON: I believe that there should be intuition in the arts. The person learns architecture. The person goes to school. If the person has talent, a different architecture might emerge. If not, the person can be useful in making normal architecture, indispensable for life. Like a child, one must protect intuition. An eight year old child can make a fantastic design. The child goes to school, meets the teachers, learns the rules. I would like for schools of architecture to allow for more freedom. I know many graphic, furniture, and interior designers that are better architects than architects. Le Corbusier did not go to school. He had an idea of architecture. He worked in an architect’s studio and from there he went on to design the things that he liked. That is why I believe there should be intuition. If there is no intuition, there is mediocrity. Architects are making things that are uniform. If you go to Brasilia today, it is very sad. You see buildings on the streets that are methodical, mediocre, confusing. But what can I do? If you look here in Rio de Janeiro and you ask what is being built, you will be taken to Barra (beach-front area southwest of Rio). Barra is shit. It is another Miami. It is a suburb of Miami. In any modern city, to see good architecture, you have to have an address on hand, because there is no unity. But that’s how it is.

LBN: How does it feel to be referred as to the other communist left in the world… the other of course being Fidel?
ON: Ah… Fidel Castro is a fantastic figure. There he is, alongside the United Sates, defying American power. Fidel transformed the life of humanity, relating himself to others in a wonderful country. There is no misery, there is fraternity, they have an extraordinary public health system, there is no illiteracy. It is a great example for all humankind.

LBN: What is to become of solidarity and communism?
ON: I believe that what happened in the Soviet Union was an unforeseen accident. It will evolve, because, again, communism is something that is in the air, which will soon have another name. The idea is that we should live as equals, that we live well. Who can go against that? Only the insane [laughs].

LBN: For an atheist you have quite a gift for making space for spirituality. How do you connect with these sensibilities in your ecclesiastic work?
ON: I was from a Catholic family. My family were landowners. My father came to Rio and got involved in politics. Our house was big and they held gatherings. My mother would open the six windows in our living room, then she would open the “oratorio?(enclosed altar) and there they would hold mass. But when I left on to live life, I realized that life is very unjust. Therefore, it is important to protest. I go through life protesting that which is unjust.

LBN: What is the project you are currently working on… that you are most enthusiastic about?
ON: In addition to the projects I have already mentioned to you, I am currently making a house in Norway. I have great interest in this house. I am also making a building in Italy. Here in Rio, I am making “El Camino Niemeyer?in Niteroi that will be a complex of buildings that include a cathedral. That complex will be alongside the coast near the ocean. It is a site that interests me because it will enhance the architecture there. I need to closely analyze the conditions as I feel that the buildings must coincide, that there needs to be a soft, plastic element that connects them. But, the auditorium in Sao Paulo and the museum in Paraná are taking up most of my time.

LBN: Is there intent to project socio-political ideas through the “plastic freedoms?and “gestural aesthetics?of your work?
ON: My oeuvre is: the work that I make that comes to my hands, it is to convene my fellow artists to work, it is an attempt to return to the integrity of the arts, it is an attempt to return to the ligation between art and architecture. That project that I am making in Niteroi is not going to be done with expensive materials. I do not make my architecture propaganda of materials. My wall is smooth of white. Whenever possible I add a painting or a drawing.

LBN: American critic Hal Foster states ?“[Frank Gehry’s] free expression implies our unfree inhibition, which is also to say that his freedom is mostly a franchise in which he represents freedom more than he enacts it. Today, this exceptional license is extended to Gehry as much as to any artist, and certainly with greater consequences. In another sense this vision of expression and freedom is oppressive because Gehry does indeed design out of “the cultural logic?of advanced capitalism, in terms of its language of risk-taking and spectacle effects.?– So I ask you, at a time where capitalism and communism seem to be reaching points of saturation, could you give us a few more words that might help us adapt to these changes?
ON: I do the architecture that I like. I don’t criticize anyone, everyone do as they please. I don’t read anything about my work. There are a lot of books published about my work but the only thing I want is to do the work I like. If you ask me about an architect I will say the work is good. I will never tell you which architect is better, which one is worst. I visited Frank Lloyd Wright at one of his houses, a beautiful house that he liked. The principal element is that the architect is satisfied with the work. When the architect becomes preoccupied with what is being said about the work then the architecture is no good. I always feel that it should be more spontaneous. The best work is that which makes you feel well. Then it can be good.

LBN: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios?/em> (Of love and other demons). If women are “your drug? what is your religion?
ON: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios?(Of love and other demons). If women are “your drug? what is your religion?


Luis Berríos-Negrón is Bachelor of Fine Arts at the Parsons School of Design, New York,  and Master in Architecture at the Massachusetts Institute of Technology, Cambrigde.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012
See all the texts in the series Oscar Niemeyer 1907-2012

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC
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Degravação em Português e edição: Luciana Jobim

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José Eduardo Ferolla

Cinquenta e Tantos

Mapa de bondes de Belo Horizonte. Fonte: www.skyscrapercity.com

A vida não era apenas subir Bahia e descer Floresta.

Para mim, ao contrário, começava descendo Bahia.

O fim da linha era logo aqui, na Congonhas com Leopoldina. Guimarães Rosa morava em frente, eu um quarteirão acima e menino em pé não pagava. De modo que à medida que o bonde ia descendo, a turba ia aumentando.

Na Afonso Pena, à meninada do Santo Antônio se agregavam as hordas das santas Tereza e Efigênia e o caldo engrossava de vez.

Dali, baldeávamos para Afonso Pena, Itapecerica e Antônio Carlos, saíamos das Minas e, cruzado o Arrudas, já nas Gerais, o destino final seria um parque na beira da lagoa, em frente a uma capela estranha, diferente de toda igreja que mineiro já tinha visto.

A garotada nem olhava, pois o objetivo daquele raid de domingo era correr pra alugar um bom cavalo e, no par-ou-ímpar, decidir quem ficava com sela ou em pelo, só na manta, e assim, respectivamente investidos de mocinho e índio, partir pra correria pelos cerrados em meio a pequizeiros e cagaiteiras, das cujas todos já havíamos aprendido a ignorar a abundante oferta daquelas frutinhas amarelas e perfumadas, pois o nome da árvore já dizia tudo.

A capela, entretanto, me chamava a atenção, inclusive porque já sabia da história de ter sido projetada por um tal de Niemeyer; que os desenhos naqueles azulejos azuis e brancos eram obra de um tal Portinari, de quem papai se arrependia não ter comprado uns quadros oferecidos por uma ninharia creio que pelo Capanema; que aquilo ali, portanto, era coisa de importância nacional, mas que o bispo refugou e não deixava celebrar missa porque, pra ele, com aquela forma não podia ser igreja, mas coisa de ateus comunistas. Mas nada disso me preocupava, pois eu gostava mesmo era de uma outra coisa, mais estranha ainda, chamada “casa do baile?

Menino, eu já me deslumbrava como aquelas ondulações incrivelmente me evocavam versos ensinados pela Dona Ester:

… Valsavas.
Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias;
Tremias;
Sorrias
Pra outro
Não eu…

Casa do Baile. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1940. Foto: Adriano Conde

Sessenta e Poucos

Régua, giz, borracha e mata-borrão, assim diziam.
Depois do Pedro II, do Rio, o melhor colégio do Brasil.
Também coisa daquele tal de Niemeyer.

Coincidência? Só sei que a gente ali respirava liberdade, ninguém te pajeando, ninguém preocupado se você estava na aula ou atrás do mata-borrão fumando e/ou namorando, sem muros pra te prender, só aquele arrimo fácil de pular nivelando o terreno. Mas, se não estudasse…

Muitos contemporâneos ilustres: Henfil, Tostão, Elke Maravilha, Martinha “Queijinho de Minas? Affonso Romano de Sant’anna, Humberto e Dorotéia Werneck, até a Dilma (mas, quem era ela, quem conheceu essa Dilma?).

Fernando “Mangabeira?Pierucetti, criador do “Galo? da “Raposa? do “Coelho? o que acabou virando regra esportiva no Brasil (não ganhou um tostão de royalties), com singularíssimo método de ensinar geometria, obrigando-nos a desenhar todas as suas aulas a mão livre num caderno previamente quadriculado também a mão livre. Amaro Xisto e as teorias de Paul Rivet e Alec Hrdlisca, ensinando antropologia e sambaquis para meninos cheios de espinhas. Quatro anos de latim me ensinaram que Gallia est omnis divisa em partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum lingua Celtae, nostra Galli apelantur, coroados por mais dois com Dona Etel nos regendo pelo Manual de Canto Orfeônico do Villa-Lobos.

Terá sido a obra de Niemeyer a indutora daquele clima no Colégio Estadual? Não há como saber, mas a gente tratava o colégio como casa da gente, sentíamo-nos honrados e privilegiados por viver e estudar num lugar tão bacana, obra daquele mesmo cara que, com Lucio Costa, estava construindo uma cidade no planalto central.

Veio a ditadura e ?primeiro ato de fazer-se presente ?gradeou o colégio.

Passados dois dias já não mais restava tela alguma, só os quadros tubulares vazios, que mais nos ajudavam, num balé coletivo, balançar o corpo para mais elegantemente aterrissarmos na São Paulo pro “pão-molhado?no seu Álvaro.

Colégio Estadual Central. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1954. Foto: Cartão postal de Belo Horizonte

Sessenta e Muitos

E como não havia como ser de outro jeito, em 66 lá estava eu, começando meu curso de arquitetura.

Na primeira escola do Brasil nascida como escola de Arquitetura, a da UFMG, onde se vivia um clima glorioso: Brasília já era uma realidade, a escola acabara de ser premiada no Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura da Bienal de São Paulo, Brasil era um país com arquitetura de ponta.

Quanto mais a ditadura ia arrochando o torniquete, mais descobríamos como burlá-la. Nunca mais fomos país tão criativo como tivemos que ser principalmente depois do AI-5.

A arquitetura do Oscar alçava voos vertiginosos. De um incrível projeto para uma edificação destinada à música, com teatros suspensos a cada lado de duas vigas estaiadas de Pier Luigi Nervi, ele dizia: desejosos de preservar a vista para o mar, suspendemos o edifício e criamos dois balanços de 50 metros, e a gente ria, ria…

Tinha de conhecer a nova capital pra ficar chocado ao ver ao vivo ?só não digo a cores ?a incrível leveza do Palácio do Planalto, a invenção da catedral, aquela sucessão de palmeiras como se me apresentou o Palácio do Itamarati. Logo depois, a Bienal de 67 me apresentou o conjunto do Ibirapuera (hoje completado por ele mesmo com um teatro e uma língua de Mick Jagger). A juventude ainda nos dava fôlego para subir, correndo, até o topo da Oca. Descer era outra estória…

O curso de arquitetura foi nos apresentando outros personagens, como Frank Lloyd Wright, Ludwig Mies van Der Rohe, Charles-Edouard Jeanneret Gris, dit Le Corbusier…

Se Le Corbusier me fez saber apreciar melhor o Cassino da Pampulha, calou-se passados mais de 20 anos ante o silêncio de Kahn em Ahmadabad. Mas os trabalhos de Niemeyer e Mies, pra mim, até hoje – depois dos construtores de catedrais – são insuperáveis invenções.

Oscar continuava aprontando, usando da Justiça pra fazer, como em na Fontana di Trevi, uma fachada-fonte, espicha e deforma o Itamarati em Milão, achata e rasga embaixo a Oca em Argel, e a Módulo a cada edição nos apresentava mais novidades, acompanhado de Bruno Contarini e de Joaquim Cardozo, aquele que fazia cantar os apoios.

Até 1971. No dia 4 de fevereiro, estava eu nas proximidades coletando material para minha dissertação de urbanismo. A peãozada almoçava sobre um grande espaço de 300x70m quando o canto virou estrondo. Morreram 69 na hora, quase metade depois e, logo mais, foi Cardozo quem não mais pôde suportar aquilo.

Seria um edifício bonito, duas enormes vigas paralelas de 300x15m separadas 70 metros, unidas acima por vigas-calha interligadas por abóbodas de vidro. Iria abrigar o acervo daquela Feira de Amostras do Berti demolida para dar lugar à rodoviária de Fernando Graça e outros.

O que sobrou, mais tarde, demoliram de pura vergonha.

Pavilhão de Exposições da Gameleira após o desabamento em 1971. Fonte: Arquivo Público Mineiro

Setenta e Muitos

Os bondes há muito já não existiam, nem mais aquela graça da aventura dominical, mas a nossa revista foi se chamar Pampulha ?revista de arquitetura, arte e meio ambiente.

Um bando de malucos fazendo uma revista toda a mão. Lançamos um número 1 em Brasília no primeiro congresso de brasileiro de arquitetos pós-silêncio.

Capa do Primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979

Oscar Niemeyer em seu escritório, 1979. Foto: José E. Ferolla

Os homenageados, não poderiam deixar de ser Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Não foi a primeira vez que nos encontramos, mas, desta vez, naquelas entrevistas, a conversa foi bem mais franca.

Primeiro Lucio, na Delfim Moreira, numa bagunça entre fotos da filha, brasão bizantino, lata de Ovomaltine e um quarto completamente lotado de jornais (será que nunca passou pela cabeça dele a possibilidade de por aquele velho prédio abaixo?).

Sua conversa nos fez ler, nas entrelinhas, que as coisas já não andavam tão bem entre eles.

Costa declara-se cansado de assistir àquele show de ferragens à milanesa.

Página do primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979. Foto: Maurício Andrés

Oscar, do seu costumeiro pouso Art Déco no Posto Seis ?em cujo terraço a vertigem nunca o deixou chegar – fez pose, xingou deus e o mundo, para depois nos entregar, datilografado, um mais do mesmo, aquela conversa de…quando eu fiz Pampulha… das curvas das mulheres brasileiras… blá, blá, blá…? mais um desenho (para a capa, ele disse ?nada menos…), com a praça defronte do Planalto cheia (no dizer de Lucio Costa) de pinguins à guisa de povo…

Engraçado ele citar as curvas das mulheres brasileiras, mas aquela topografia de matagais pélvicos da foto de Lucien Clergue, bem iluminada ao fundo de sua mesa (ele, pudicamente, punha um desenho seu à frente quando havia moçoilas no recinto…) são bem franceses. Ou serão argelinos?

Oitenta e Poucos

Pampulha, de novo…
 Essa coisa é que nem visgo, pegou, solta mais não.

Oscar Niemeyer e José Eduardo Ferolla. Foto: Herbert Teixeira

Nessas alturas, na diretoria do IAB-MG lutando pela preservação de nosso patrimônio natural e cultural, acabamos nos reencontrando e juntos, mais “autoridades?(como se não fosse ele a maior) percorremos a capela, o Cassino e a Casa do Baile. O Iate, depois das intervenções de colegas ali realizadas, nem perto quis passar, que aquilo estava uma xculhambação

Deu certo, a bronca.

As autoridades, feridas nos brios, resolveram dar um jeito naquilo. E tive a felicidade de participar do baile da reinauguração da Casa do Baile ao som de Carlos Fernando + Nouvelle Cuisine. Pas mal

Projeto de Concurso para a Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, José Eduardo Ferolla, Fernando M. G. Ramos, MIlton Castro, Thea Villas Boas., 1984

Ainda mal curado do trauma da entrevista da Pampulha, me envolvi noutro papelão.

Cenário: Rio de Janeiro, Avenida Presidente Vargas, em frente ao 2º Exército, ao lado do Campo de Santana e, atrás, junto ao casario da Rua da Alfândega. Concurso público nacional para a Biblioteca Pública do Rio.

Ele, no júri, premia projeto incompleto e inconcluso de um afilhado.

A grita é geral, principalmente entre os cariocas, para quem, até então, era unanimidade inquestionável, a ponto de deixar outro gênio da terra, Sérgio Wladimir Bernardes, praticamente no esquecimento.

A coisa engrossou, o IAB-RJ chiou, o CREA-RJ condenou, JB publicou, pra tudo se acabar em pizza. Com cabelo.

Noventa e Muitos

Concursos… Coisa complicada.

Capanema, funcionário público, melou um concurso público pra emplacar a turma do Lucio Costa no Ministério da Educação.

Niemeyer, nesta história do Rio, já era veterano. Debutou no concurso do Plano Piloto de Brasília, impondo a proposta do Lucio. Contava isso pra todo mundo nos seus detalhes mais sórdidos.

Mas sempre foi um Robin Hood. Ganhava pra repartir. Nisso um comunista autêntico, durante anos sustentou a família de Prestes. O problema de um temperamento destes é, como cavalo velho, a carrapatada que nele agarra.

Na ânsia de agradar gregos e baianos, tendo muitos a quem sustentar, tudo começava a contribuir para que a qualidade da criação começasse a declinar.

Bibliotheca Alexandrina, Alexandria, Egito. José Eduardo Ferolla, Fernando Ramos, Carlos Antônio Leite Brandão, 1989. Terceiro Lugar em concurso internacional

Os cinco minutos de fama proporcionados pelo sucesso alcançado no concurso internacional Bibliotheca Alexandrina me levaram a São Paulo como convidado no Congresso Brasileiro de Arquitetos, onde tive a oportunidade de reencontrar com Lucio Costa pela última vez.

Manifestando querer conhecer o Memorial da América Latina, lá fomos, Pirondi e eu, a ciceroneá-lo.

Eu, que também não conhecia a obra, fiquei horrorizado. Ele não disse palavra sequer, até que chegamos biblioteca e aí seus olhos brilharam: é uma extrusão da igrejinha da Pampulha! Mas não passou disso, dava pra sentir no ar a decepção.

Croquis do Memorial da América Latina. São Paulo, Oscar Niemeyer, 1987

No lusco-fusco da volta, nos fez parar sob o Minhocão, onde desceu, olhou pra lá, pra cá e, maravilhado, exclamou: que coisas incríveis podem acontecer aqui, vejam como esse lugar é cheio de vida!

Isso, depois de ver aquela desolação daquela enorme “bandeja?onde se dispõem as obras do memorial…

Dez e Poucos

A partir daí, salvo algumas exceções, fui vendo sua (dele?) obra degenerar.

Mais uma vez entramos em rota de colisão, desta vez por causa da nossa Cidade Administrativa.

Publiquei isso, sem o saber, a exatos 33 anos depois do estrondo.

Minha briga, na verdade, era com o rapaz então dirigindo o Estado, mas sempre me espantou como um personagem daqueles, assumidamente comunista, com todo o respeito com que o cercavam, nunca falava não, sempre sabia quando convenientemente se calar para assim fazer sua obra, por mais inconveniente que fosse.

Projeto não realizado para o Palácio da Liberdade. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1968

Às vezes, como aí ao lado (1969), a gente achava até que era brincadeira, que ele jamais imaginaria alguém louco o suficiente para demolir o Palácio da Liberdade pra fazer isso no lugar, mas como Isreal Pinheiro, de uma twinscrapper, muito pouco se diferenciava, e como nós estávamos no auge de uma ditadura, quando, se alguém apenas triscasse, levava chumbo, sinceramente, eu não brincaria e menos ainda arriscaria…

O fato é que passei cada vez mais a questionar algumas de suas mirabolices e de suas justificativas. No nosso Palácio das Artes, por exemplo, onde ele começava justificando não ter outro lugar para fazê-lo que não no nosso já exíguo e mutilado Parque Municipal, sempre estranhei, logo ele que, desde o começo de sua obra, não dispensava um brise soleil, deixar o foyer e as salas de ensaio do corpo de baile rachando ao noroeste sem proteção alguma, até o dia em que achei o projeto lá mesmo, num depósito do teatro, e naqueles desenhos pasmo constatar que a orientação estava errada. Será que ele não foi lá nem uma vez dar uma olhadela, nem que rapidinha, e nem precisaria disso, se bastava ver a posição da Afonso Pena em qualquer mapa da cidade? Fiquei muito, muito assustado.

Não que ele se preocupasse em contextualizar seus projetos ?todos os modernistas eram messiânicos e sempre desprezavam o que antes houvesse ?mesmo porque suas obras, de tão grandiosas, sempre criaram um novo contexto ou dominariam qualquer contexto urbano que fosse, mas, daí a cometer descalabros desta ordem?

Chegando a projetar o mesmo para qualquer lugar?

A Cidade Administrativa, por exemplo. Primeira vez que a vi seria localizada num topo, num arranjo tipicamente niemeyeresco, tudo e a todos dominando. Foi preciso, graças a Deus, que engenheiros demonstrassem que ali não dava, que o custo de criar acessos àquela cidadela compatíveis ao grande afluxo viário inviabilizaria a obra. E eis que, num passe de mágica, o projeto vai parar num brejoso fundo de vale, sem nada tirar, nem por, como se fosse maquete que, de um mesa, foi pro tamborete. Quando vi os desenhos adesivados nos ônibus, comentei que péssima foto-inserção, quem fez não percebeu como estava fora de escala? Hoje, sempre que vou ou volto de Confins, percebo que o erro não foi de quem fez a fotomontagem. Aquilo é um desastre. Meu consolo foi supor que nada mais daquilo era dele, mas da vassalagem, que ele, se pudesse ver, jamais se enganaria daquele jeito, não aceitaria que aqueles dois enormes edifícios passassem de norte-sul para leste-oeste, não deixaria de propor amebas ibirapuerianas interligando-os ao palácio e jamais admitiria que aquela pequena e desproporcional caixinha de talco Royal Briar se fizesse de centro de convivência e vai por aí afora.

¿Hasta Cuándo?
¿Hasta Cuándo?

Niemeyer passou da hora de parar e nem tenho como afirmar se queria ou mesmo poderia tal a enorme flora intestinal a sustentar.

Um absurdo, essa franquia familiar, como que desenterrando das mapotecas coisas recusadas, muitas vezes pelo próprio autor, mexendo daqui, dali, reciclando (mal) o que encontrava, procurando a todo custo manter contínuo o fluxo proporcionado por esta safadeza denominada notória especialização, desenvolvendo mal e detalhando porcamente, sem qualquer escrúpulo, o que o mestre rabiscava.

Na hora em que não mais for possível manter o que em qualquer empresa se chamaria “controle de qualidade? seria a hora de parar.

O detalhamento e os acabamentos do Memorial da América Latina são uma vergonha. Dá dó ver o primitivismo tosco com que foram resolvidos e detalhados os guarda-corpos das rampas ?e as próprias rampas ?do Museu de Niterói, com aqueles policarbonatos alveolares ora num sentido, ora no outro…

Claro que não daria mais para hoje continuar com os requintes de alabastros, cristais belgas âmbar e pilares de inox do Cassino. Mas a singeleza dos detalhes do piso e do forro da capela, a coerência com que dialogavam, a propriedade de cada escolha, na dose certa para não sujar o branco, tudo isso se foi. Só salvou o branco.

Por que a decadência? Será que a resposta pode ser tão simples, ele não mais estar mais no comando?

Às vezes ainda deu certo, como o novo teatro. Ao contrário de Brasília, desta vez assentado num cateto e, da hipotenusa, brotando a nova lingua do Mick Jagger do Ibirapuera.

Centro Administrativo de Minas Gerais. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 2004. Foto: Danilo Matoso

E, no Centro Administrativo de Minas, aí está mais uma vez o coitado, avalizando a mediocridade dos nossos mandatários.

Contratar Niemeyer, depois de 1993, passou a ser garantia de atropelo à Lei de Licitações e Contratos por um artifício que ninguém tinha coragem de retrucar: que aquele senhor, então com apenas 86 anos, era um gênio incontestável.

E tudo ficava mais fácil, e muito mais rápido: nada de concursos, concorrências ou tomadas de preço, processos demorados, frequentemente passíveis de impugnação, acarretando aquilo a que político tem verdadeiro horror – lentidão e auditoria. Ao contrário, resultava no que os fazia, digamos, delirar: não prestar contas nem dar satisfações a quem quer que seja e tudo isso sob chuva de aplausos da mídia e do povo em geral.

Tem obra de Niemeyer neste Brasil pra tudo quanto é canto e, como coelhos, continuaremos a assistir a proliferação desta escorchante e perversa franchising.

Parente é serpente.

Dezembro de 2012.


José Eduardo Ferolla é Engenheiro Arquiteto, Urbanista e
professor da Escola de Arquitetura da UFMG.


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Kenneth Frampton

Stamo Papadaki. The work of Oscar Niemeyer: capa

Mesmo hoje, após mais de sessenta anos, o estudo inicial de Stamo Papadaki sobre a obra de Oscar Niemeyer (o primeiro livro sobre Arquitetura Moderna que comprei) é uma permanente fonte de inspiração para mim. Aquela foi a visão de uma modernidade totalmente diversa, que então, como hoje, era não apenas a apoteose do Movimento Moderno brasileiro mas também, ao mesmo tempo, uma representação simbólica da promessa em curso do Brasil como um todo. Este modelo de uma modernidade completamente distinta e verdadeiramente libertadora seria igualmente bem documentada à época pela principal revista inglesa The Architectural Review, e pela L’Architecture d’Aujour d’Hui. Os editores daquelas revistas apoiaram totalmente o vocabulário neocorbusiano pós-purista de Niemeyer e ajudaram a tornar sua obra conhecida no mundo.

Na tentativa de fazer justiça à contribuição de Niemeyer no auge de sua capacidade ?i.e. a sua brilhante reinterpretação da planta livre corbusiana ?não sabemos o que deve ser mais louvado. O seu gênio evidente e sua simplicidade como o idealizador de um espaço hedonista, ou a infinitamente fluida paisagem tropical que ele inventou em sua colaboração de toda a vida com o paisagista Roberto Burle Marx.

Nesse momento da história, em que nós parecemos perder todo o sentido daquilo que Hannah Arendt uma vez chamou de “espaço da aparência humana? o melhor da obra de Niemeyer sobressai como uma constante lembrança do que significa criar uma representação monumental verdadeiramente articulada do espaço humanista (comparável ao espaço da Grécia Antiga), como no caso do peristilo monumental que embeleza o interior da entrada do Ministério da Educação no Rio de Janeiro.

Algo semelhante pode ser visto na maquete e plantas do edifício sede da Empresa Gráfica O Cruzeiro, de 1949. Não se sabe qual característica mais admirar. Talvez o brilhante rigor tectônico da malha de colunas que, como sistema estrutural, sustenta toda a massa cúbica de onze andares. Ou a habilidade simples e a ingenuidade com que o primeiro e o segundo pavimentos são orquestrados para acomodar, com toda a facilidade, tanto o atendimento ao público no nível do chão, na rua abaixo, quanto o tráfego comercial de caminhões no fortemente carregado segundo pavimento. Acresce que o conjunto seria fechado (pelo menos na proposta) por uma pele de brise-soleil habilmente ritmada. É precisamente neste ponto que duvidamos da cisão ideológica que supostamente divide o rigor da tradição paulista da Escola Carioca de Lucio Costa. Neste trabalho monumental singular, Niemeyer transcende totalmente a aparente divisão entre as duas maneiras brasileiras de pensamento e prática. Este edifício simples, pragmático, mas ainda assim monumental, é o testemunho, no meu ponto de vista, da grandeza abrangente do melhor de Niemeyer, e do mais profundo significado do legado cultural que ele deixa.

Empresas Gráficas

Empresas Gráficas

Por fim, devemos admitir que, à época em que ele voltou sua mão para Brasília, a inspiração de sua melhor obra já havia passado. Por isso, em última análise, ficamos com sua capacidade inicial incomparável. Ela, somada ao compromisso político de suas crenças de 1949, são um testemunho, mesmo agora nessa hora pós-moderna, do chamado libertador original da arquitetura moderna no seu auge.


Kenneth Frampton é arquiteto, crítico e historiador de arquitetura.
Autor de História Crítica da Arquitetura Moderna.


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Homage à Oscar via Stamo Papadaki

Even now after more than sixty years, Stamo Papadaki’s initial study of the work of Oscar Niemeyer (the first book on modern architecture that I ever purchased) remains a source of enduring inspiration for me. This was the vision of a totally other modernity which then as now was not only the apotheosis of the Brazilian modern movement but also at the same time a symbolic representation of the progressive promise of Brazil as a whole. This model of a totally other, truly liberative modernity would be equally well documented at the time by the British leading magazine The Architectural Review and by André Bloc’s L’Architecture d’Aujourd’hui. The editors of these magazines put their full weight behind Niemeyer’s post-Purist, Neo-Corbusian vocabulary and helped to make it nominally available to the world.

In aspiring to do justice to Niemeyer’s contribution at the height of his power?i.e. to his brilliant re-interpretation of the Corbusian free-plan?one does not know quite which to celebrate the most, his evident genius and simplicity as a planner of hedonistic space or the infinitely flowing tropical landscape that he invented via his life-long collaboration with Brazilian botanist-designer Roberto Burle Marx.

At this moment in history, when we seem to be losing all sense of that which Hannah Arendt once called “the space of human appearance? Niemeyer’s finest work stands out as a constant reminder as to what it means to create a truly articulate, monumental representation of humanist space (comparable to the space of ancient Greece) as in the case of the monumental peristyle that graces the interior of the entry to the Ministry of Education in Rio de Janeiro.

Something similar may be witnessed in the model and plans of the Empresa Gráfica O Cruzeiro publishing house printing works of 1949. Herein one does not know which feature to admire most, whether it is the brilliant tectonic rigor of the columnar grid which, as a structural system, sustains the entire eleven storey cubic mass or, say, the sheer skill and ingenuity with which the ground and second floors are orchestrated so as to accommodate, with the greatest ease, both public facilities at the lower grade level and commercial trucking at the heavily loaded second floor. In addition, the whole was to be clad (at least as a proposal) in a brilliantly syncopated brise soleil skin. It is just at this juncture one might have doubts about the implacable ideological schism supposedly dividing the absolute rigor of the Paulista tradition of Artigas from Lucio Costa’s school of Rio de Janeiro. In this singular monumental work, Niemeyer will totally transcend the seeming division between the two modes of Brazilian thought and practice. This simple pragmatic but nonetheless monumental building testifies, in my view, to the comprehensive greatness of Niemeyer in his prime and to the deeper significance of the cultural legacy he leaves behind.

In the end, one has to concede that by the time he turned his hand to Brasilia the felicity of his finest work had already passed. Thus, in the last analysis, we are left with his unmatched initial capacity plus the political commitment of his credo of 1949 that testifies, even now, in this post-modern hour, to the original liberative calling of modern architecture in its prime.


Kenneth Frampton is an architect, architectural critic and historian.
Author of Modern Architecture: a critical history.


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Tradução: Danilo Matoso
Colaboração editorial: Luciana Jobim
Imagens: Papadaki, Stamo. The work of Oscar Niemeyer. 2ed. New York: Reinhold, 1951. (1ed. 1950).

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Oscar de Vianna Vaz

Edifício Niemeyer

Se uma das funções da escrita é também expurgar as tristezas, as linhas que seguem devem reconfortar-me quanto à perda do grande arquiteto Oscar Niemeyer. Cento e quatro anos é pouco. Um sopro, como ele mesmo costumava dizer quanto à duração de uma vida humana. Sua obra, certamente, durará uma eternidade, assim como a lembrança de sua personalidade, na qual se equilibravam de forma amena traços tão contrastantes, como o rigor crítico e a amizade incondicional, a impaciência e a tranquilidade, a acidez e a ternura. Não é de se estranhar, portanto, a convivência harmoniosa na obra do mestre de elementos tão opostos quanto a leveza e o concreto, o movimento de corpos estáticos, o simples e o monumental.

Falar de eternidade quanto à obra de Niemeyer é, porém, de certa forma, contradizê-lo. Pois ele percebia, e seu discurso o comprova, a insignificância e a impotência do homem diante do eterno e do infinito. Talvez seja exatamente esta uma das principais características dos grandes homens: a escolha de parâmetros como a eternidade e a infinitude para balizar suas ações. E, depois, a modéstia: “O mais importante é a vida, os amigos…? Ninguém que tenha compartilhado de sua convivência deixou de ouvi-lo dizer tal frase.

É por isso que acredito que não seja a hora de uma análise técnica ou estética de sua vasta obra. Inúmeros estudiosos da arquitetura já o fizeram, e outros muitos ainda irão tentar preencher as lacunas deixadas pelos estudos já realizados. Nessa hora de luto, em que familiares, amigos e admiradores perdem o chão, melhor falar dos sentimentos oriundos desta falta.

Niemeyer, dentro e fora do Brasil, é sinônimo de criatividade, leveza, alegria, busca de perfeição, beleza. Talvez o que torna mais difícil para os brasileiros aceitar a morte de Niemeyer é que ele fazia parte daquele Brasil de que nos orgulhamos, daquele ao qual nos afiliamos imediatamente, sem hesitação ?o cartão-postal, a foto de viagem, o encantamento perante o belo. É o paradoxo de se dizer brasileiro, conterrâneo, “irmão?de Niemeyer, quando na verdade nos refletimos naquilo que o torna universal, cosmopolita, motivo de orgulho para o mundo. É, portanto, a ausência desse elo entre o Brasil e a humanidade ?no sentido de excelência do humano ?que lamentam os brasileiros com a desaparição do mestre. Felizmente, porém, no caso de grandes artistas, tal elo não se rompe com a morte. Muitas vezes até ele se consolida e se desdobra em outras correntes. Inútil dizer que a grandeza de sua obra e seu lastro, que arrebataram a admiração do mundo inteiro, estendem o sentimento de vazio também pelos lugares por onde ele passou, deixando sua marca.

Quanto a mim, sou arquiteto, belo-horizontino, e tive a sorte de morar, por quase dez anos, no Edifício Niemeyer, na Praça da Liberdade. Nesse período, de 1998 a 2007, não nos cansamos, eu e minha mulher, de abrir as portas da nossa casa aos curiosos, amigos e desconhecidos, leigos e arquitetos, brasileiros e estrangeiros, que quiseram conhecer, por dentro, uma das belas obras que o Oscar nos deixou em Belo Horizonte. Aliás, a cidade é pródiga em obras que encarnam a beleza da arquitetura de Niemeyer. Desde o edifício onde morei até as obras da Pampulha, marco apontado pelo arquiteto como início de sua obra e ponto turístico obrigatório da cidade, não só a admiração mas a comoção é o sentimento que domina o visitante desses espaços ímpares. Digo isso com um certo conhecimento de causa, pois, além de ter experimentado tais sentimentos, presenciei inúmeras reações desse tipo. As turmas de alunos da Escola de Arquitetura da UFMG, trazidas por meus antigos professores, os estrangeiros de passagem, os amigos acompanhados de outros amigos ?a surpresa e o fascínio eram comuns ? o que aumentava nosso prazer em compartilhar o espaço que habitávamos. Imaginem como seria Belo Horizonte sem as obras de Niemeyer, que iluminam a cidade, pululam em nossos cartões-postais e conferem ao belo-horizontino uma referência, um senso de pertencimento a um mesmo lugar, a um mesmo grupo…

Vale, porém, lembrar que a beleza alcançada por Niemeyer em suas obras não era um fim em si, mas uma porta de entrada em um universo arquitetônico de coerência interna, um universo guiado pelo rigor ético e pelo engajamento político de seu criador. O modernismo brasileiro, do qual ele foi o maior representante, foi por ele utilizado como forma de expressar, em sua arquitetura, a esperança de um mundo melhor, compartilhado por todos. Não é por acaso que vemos sua alegria em poder levar ao menos o prazer estético para todos, independente de credo, cor ou classe social. E o período modernista foi também um momento em que o Brasil teve a coragem de propor algo novo, e soube como fazê-lo, contra um destino supostamente inelutável.

Hoje, relembrando alguns pensamentos de Niemeyer, vejo o quanto eles são pertinentes à nossa época e à nossa situação. Refiro-me especialmente aos princípios da amizade, da justiça e da solidariedade. Como arquiteto, não me impeço de enxergar a coerência de tais princípios com sua arquitetura. Arquitetura que o manteve jovem até o fim. Fica aqui, portanto, meu sentimento nesta hora de despedida: Morreu jovem demais!

Texto originalmente publicado, com pequenas alterações, no Estado de Minas do dia 5 de janeiro de 2013, caderno Opinião.


Oscar de Vianna Vaz é mestre em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Raymund Ryan

Alguns anos atrás, o atrevido artista galês Cerith Wyn Evans fotografou o interior da Catedral Metropolitana projetada por Oscar Niemeyer para a área central de Brasília. Nessas imagens, um vazio em forma de vórtice é inundado de cor e luz; anjos esculpidos por Alfredo Ceschiatti parecem voar na rede modernista de concreto e vidro de Niemeyer. Ou estaria a estrutura iluminada de Niemeyer de fato girando sobre as figuras que pairavam, congeladas momentaneamente no espaço e no tempo? Na minha experiência, os melhores projetos de Niemeyer instigam tais pensamentos sobre movimento, exploração, dança. Cinestesia concreta.

 Brasilia 01.09.04

Cerith Wyn Evans
Brasilia 01.09.04
2006
C-print
Paper size: 25.4 x 30.5 cm
© Cerith Wyn Evans
Courtesy White Cube

Na mesma época, tive a oportunidade de visitar Brasília. Vim da Irlanda para apresentar uma conferência sobre a arquitetura contemporânea irlandesa, um tema de certo modo irônico já que diversos dos edifícios irlandeses caberiam integralmente no interior dos espaçosos saguões dos projetos autorais de Niemeyer. Eu nunca tinha visto um edifício de Niemeyer “em carne e osso?e tinha minhas dúvidas sobre as realizações do mestre. Essa reação, a um só tempo emocionada e cética, é evidente em um breve artigo publicado em Irish Architect em Dublin.

Contatos posteriores com o trabalho de Niemeyer me atraiam para suas qualidades. Aos 7 minutos e 20 segundos do filme Orfeu Negro (1959), encontramos o Ministério da Educação e Saúde Pública, projetado por uma equipe que incluía Le Corbusier e um jovem Oscar. A câmera registrou a chegada de Eurydice, interpretada pela atriz nascida em Pittsburgh Marpessa Dawn, e seu percurso através do centro do Rio. Repentinamente vemos a silhueta da laje retilínea do Ministério contra o céu azul. A câmera move-se para os heróicos pilotis onde Eurydice, com seu vestido branco virginal, serpenteia através da ensolarada praça modernista e seu paisagismo por Roberto Burle Marx.

Recentemente, viajei de Pittsburgh, onde hoje trabalho, para Belo Horizonte. Lá vi obras  impressionantes de Niemeyer dos anos 50. O destaque foi um passeio pelos quatro pavilhões edificados por Niemeyer ao redor da Lagoa da Pampulha, edifícios sociais com deliciosas formas esculturais e uma continuidade espacial entre interiores e o mundo exterior da natureza. Fotografias de Luisa Lambri revelam a intimidade dos pavilhões de Pampulha; dificilmente alguém não se entusiasma com o puro deleite que esses pequenos edifícios oferecem. Várias das imagens de Lambri foram exibidas aqui no Carnegie Museum of Art em 2006, apresentadas sob a instalação de Ernesto Neto  Okitimanaia Ogu ?um grande brasileiro junto a outro.

Untitled (Casino, #09),  2003

Luisa Lambri
Untitled (Casino, #09),  2003
Lasrechrome print mounted on Plexi
Edition of 5 + 1 AP
unframed: 110.5 x 132.7 x 0 cm
 Courtesy of the Artist and Marc Foxx, Los Angeles

 

Os Estados Unidos e Niemeyer tiveram um relacionamento tortuoso. Ele e Lucio Costa, é claro, realizaram o pavilhão temporário para o Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque em 1939. Tendo o visto recusado por motivos políticos, Niemeyer nunca viu a casa que ele projetou no início dos anos 60 para o cineasta Joseph Strick em Santa Monica; felizmente, a propriedade foi meticulosamente restaurada por Michael e Gabrielle Boyd. É o trabalho de Niemeyer no projeto da Sede das Nações Unidas em Nova Iorque que lhe assegura um legado norte-americano. Os visitantes hoje podem apreciar uma evocativa vista do complexo das Nações Unidas desde o FDR ?Four Freedoms Park ?inaugurado no último mês de outubro a partir de desenho de um dos mais importantes arquitetos contemporâneos de Niemeyer, Louis I. Kahn.

Visitando-se o www.mapquest.com e buscando-se “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? encontra-se uma propriedade longilínea com duas piscinas e diversas estruturas alongadas para sul para mirar para o Mediterrâneo. Esse paraíso projetado para a família de editores Mondadori é praticamente invisível desde a rua. Na última primavera meu avião para Nice sobrevoou o lugar de modo que parecíamos flutuar, momentaneamente, sobre a piscina biomórfica à beira-mar. Eu me lembrei da visita à casa de Niemeyer em Canoas com sua rocha aparente, sua delgada laje de cobertura e sua sedutora piscina; tão sedutora de fato que fiquei tentado a me despir e mergulhar.

O legado ou desafio de Oscar Niemeyer aos arquitetos reside em como lidar com o planejamento crítico e o projeto de edifícios, tanto em termos sociais e técnicos, sem se esquecer de buscar o prazer na vida.


Raymund Ryan é curador do Heinz Architectural Center Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
Sua exposição atual é White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Homage to Oscar : a Niemeyer Montage

A few years back, the cheeky Welsh artist Cerith Wyn Evans photographed the interior of the Metropolitan Cathedral designed by Oscar Niemeyer for the centre of Brasilia. In these images, a vortex-like void is infused with colour and light; angels sculpted by Alfredo Ceschiatti appear to fly in Niemeyer’s modernist net of concrete and glass. Or could it be that Niemeyer’s flared structure is in fact rotating about the levitating figures frozen momentarily in space and time? In my experience, Niemeyer’s best projects instigate such thoughts of movement, exploration, dance. Concrete kinaesthesia.

Around the same time, I had the opportunity to visit Brasilia. I made my way from Ireland to give a talk about contemporary Irish architecture, a topic not without irony as many of the Irish buildings would fit in toto within the spacious foyers of Niemeyer’s signature projects. I had never seen a Niemeyer building “in the flesh?and had mixed feelings about the master’s achievements. This reaction, being simultaneously thrilled and sceptical, is evident in a brief article I contributed to Irish Architect in Dublin.

 Subsequent exposure swayed me to the merits of Niemeyer’s work. 7 min 20 sec into the film Orfeu Negro (1959), we find the Ministry of Education and Health, designed by a team including Le Corbusier and a young Oscar. The camera has tracked the arrival of Eurydice, played by Pittsburgh-born Marpessa Dawn, and her tentative progress through downtown Rio. Suddenly we see the taut slab of the Ministry silhouetted against a blue sky. The camera pans down to heroic pilotis as Eurydice, in her virginal white dress, sashays across the sunny modernist plaza with its landscaping by Roberto Burle Marx.

More recently I flew from Pittsburgh, where I now work, to Belo Horizonte and saw impressive interventions there by Niemeyer from the 1950s. The highlight was a tour of four pavilions erected by Niemeyer around the lake at Pampulha, social buildings with delicious sculptural form and flow of space between indoors and the external world of nature. Photographs by Luisa Lambri reveal the intimacy of the Pampulha pavilions; one cannot but be enthused by the sheer joy of these smaller projects. Several Lambri prints were exhibited here at the Carnegie Museum of Art in 2006, arranged beneath Ernesto Neto’s installation Okitimanaia Ogu ?one great Brazilian hanging with another.

The United States and Niemeyer had a rather tortuous relationship. He and Lucio Costa realised of course the temporary pavilion for Brazil at the New York World’s Fair in 1939. Refused visas on political grounds, Niemeyer never saw the home he designed in the early 1960s for filmmaker Joseph Strick in Santa Monica; happily, that property has been meticulously restored by Michael and Gabrielle Boyd. It is Niemeyer’s role in designing the United Nations in Manhattan that ensures him a US legacy. Visitors now enjoy an evocative view of the UN complex from the FDR Four Freedoms Park inaugurated this October to designs by one of Niemeyer’s greatest contemporaries, Louis I. Kahn.

 If you go to www.mapquest.com and search for “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? you’ll find an elongated property with two swimming pools and several structures stretching south to overlook the Mediterranean. This paradise designed for the Mondadori publishing family is almost illegible from the road. Last spring my plane into Nice banked above the site so that we seemed to hover, momentarily, above the biomorphic sea-side pool. I was reminded of my visit to Niemeyer’s home at Canoas with its exposed rock, wafer-thin canopy roof, and enticing pool; so enticing in fact I was tempted to strip and plunge right in.

 Oscar Niemeyer’s legacy or challenge to architects is to grapple with critical planning and construction projects, in both social and technical terms, without forgetting to take pleasure in life.


Raymund Ryan is Curator, The Heinz Architectural Center, Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
His current exhibition is White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Tradução: Carlos Alberto Maciel
Colaboração editorial: Danilo Matoso

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Kenneth Frampton

Oscar Niemeyer, Cassino da Pampulha. Belo Horizonte, 1941. Foto: Adriano Conde

Para mim, como para André-Bloc, da L’Architecture d’Aujourd’hui, Niemeyer foi sempre o arquiteto a representar a promessa da América Latina. Ele é a figura única que transformou o legado da plan libre de Le Corbusier num novo tipo de espaço hedonista que se fundia à paisagem. Nesse sentido, sua perspectiva libertadora, no seu auge, era inseparável da visão de mundo de Roberto Burle Marx. Como Alvar Aalto, ele foi um arquiteto que seguiu as primeiras incursões dos chamados pioneiros do Movimento Moderno, e ao fazê-lo introduziu no discurso moderno um conceito mais sensível da racionalidade a serviço do humano. Isso, junto a seu programa político libertador, garantirá a crescente importância cultural de seu trabalho no futuro.


Kenneth Frampton é arquiteto, crítico e historiador de arquitetura.
Autor de História Crítica da Arquitetura Moderna.


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On Niemeyer

For me, as for Andre-Bloc of L’Architecture d’Aujourd’hui, Niemeyer was always the one architect who represented the promise of Latin America. He is the one figure who transformed the legacy of Le Corbusier’s plan libre into a new kind of hedonistic space that fused into the landscape. In this regard his liberative vision, in its prime, was inseparable from the worldview of Roberto Burle Marx. Like Alvar Aalto he was an architect who followed on the first excursions of the so called pioneers of the Modern Movement and so doing introduced into the receive modern discourse a more sensuous concept of rationality in the service of the human subject. This together with his liberative political agenda will guarantee the increasing cultural significance of his work in years to come.


Kenneth Frampton is an architect, architectural critic and historian.
Author of Modern Architecture: a critical history


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Tradução: Danilo Matoso Macedo

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William J. R. Curtis

Alvorada. Foto: Danilo Matoso

Dizer que Oscar Niemeyer era uma lenda viva é pouco. Sua vida abarcou mais de um século da história universal, e sua carreira levou-o a circular entre o “terceiro mundo” e as nações industriais mais avançadas. Niemeyer deixa-nos aproximadamente seiscentas obras em lugares tão distantes entre si como o Rio de Janeiro e a Argélia, Pampulha e Paris. Muitas delas são obras-primas, como o Cassino da Pampulha (1943) ou a Casa de Canoas (1952), que combinavam o rigor da estrutura moderna, com a fluidez do espaço e da forma, e a sensibilidade para com a natureza. Niemeyer pertenceu ao que às vezes é chamado de “segunda geração” de arquitetos modernos: ele herdou e transformou as descobertas de pioneiros como Le Corbusier e Mies van der Rohe, de modo a lidar com a realidade da súbita modernização do Brasil. Trabalhou juntamente com Lucio Costa e Le Corbusier no projeto para o Ministério da Educação no Rio de Janeiro em 1936, um dos primeiros arranha-céus a ser equipado com venezianas de proteção solar, e um edifício de feição tão nova hoje quanto no dia em que foi construído. Desenvolveu então uma arquitetura que funcionava bem em todas as escalas, da residência individual ao conjunto monumental.  Lidava com questões de monumentalidade e de representação estatal com bastante elegância, como atestam o Palácio da Alvorada e suas demais contribuições à nova capital, Brasília, projetadas nas décadas de 50 e 60 no Plano de Lucio Costa.

Apesar de seu viés moderno e progressista, a arquitetura de Niemeyer incorporou lições do passado e da natureza. Seus perfis biomórficos foram inspirados tanto por Picasso e Arp quanto pela herança barroca brasileira. Ele desenvolveu um estilo que abstraía as formas de rios sinuosos, os contornos da paisagem tropical, e a figura feminina. Sua arquitetura combinava curvas sensuais, a riqueza material e o movimento através de camadas espaciais. Seus edifícios assemelham-se a filtros através dos quais o ar passa, mas o calor e a luz em excesso são excluídos por telas. Na “utopia” de Niemeyer, o homem deveria atingir a harmonia com a natureza por meio da liberação do espaço e do uso da nova tecnologia ?um posicionamento que expressava quase inconscientemente os mitos nacionais brasileiros de progresso e identidade. Niemeyer foi tudo menos ideologicamente coerente: um comunista que fez casas para os ricos, uma catedral, habitação social, e numerosos edifícios para a burocracia estatal. Os mundos para que ele construiu já se foram, mas seus edifícios permanecem, com toda sua intrigante riqueza. Por vezes, próximo do fim, ele caiu no formalismo vazio e na auto-caricatura. Mas sua vasta obra inclui numerosos exemplos de sua fecunda imaginação espacial e sua habilidade em resolver obras em todas as escalas. É como um livro aberto de lições arquitetônicas e princípios. Mais que um conjunto de edifícios, Niemeyer deixa atrás de si um universo criativo capaz de influenciar os demais por muito tempo ainda.

Texto originalmente publicado no dia 7 de dezembro e posteriormente incorporado à série Oscar Niemeyer 1907-2012.


William J.R. Curtis
Historiador e crítico de arquitetura, autor de Arquitetura Moderna Desde 1900

Tradução: Danilo Matoso Macedo


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brasilia-antologia-criticaBrasília : antologia crítica

Alberto Xavier e Julo Katinsky (orgs.)

Terceira obra da Trilogia Brasília é lançada em São Paulo no dia 14.12.2012

A editora Cosac Naify anunciou para o próximo dia 14 o esperado lançamento do livro organizado pelos arquitetos Alberto Xavier e Julio Katinsky. A obra apresenta o registro de 67 textos, que datam desde antes da fundação da cidade até análises contemporâneas fazendo um balanço da repercussão do projeto de Brasília em âmbito nacional e internacional.

Escritos por mais de sessenta autores entre, ensaístas, arquitetos, urbanistas, engenheiros, historiadores, sociólogos e políticos, o livro reúne textos de autores como Mário Pedrosa, Joaquim Cardozo, Gilberto Freyre, André Malraux, Sibyl Moholy-Nagy, Françoise Choay, Bruno Zevi,Sigfried Giedion, Alberto Moravia, Max Bense, Reyner Banham, Milton Santos, Lina Bo Bardi, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Clarice Lispector.

A Trilogia Brasília, da editora Cosac Naify, motivada pelo cinquentenário da Capital Federal,  é composta ainda pelos livros: O concurso de Brasília: sete projetos para uma capital (outubro de 2010) e Arquivo Brasília (dezembro de 2010).

Lançamento:
Sexta-feira, 14.12.2012, 19h30
Livraria Cultura do Conjunto Nacional
São Paulo

Com informações da Cosac Naify

Colaboração editorial: Luciana Jobim

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pro Mario, o Moya era moderno…

Sylvia Ficher

 *

Já um crítico de senso-comum afirmou que tudo quanto fez o movimento modernista far-se-ia da mesma forma sem o movimento. Não conheço lapalissada mais graciosa. Porque tudo isso que se faria, mesmo sem o movimento modernista, seria pura e simplesmente… o movimento modernista.

Mario de Andrade, O movimento modernista 1942.[1]

Arquiteto, artista, renovador, [Antonio Garcia Moya] inscreveu, no setor da arquitetura, seu nome na galeria da Renovação da Arte Brasileira, participando da Semana de Arte Moderna de 1922, como representante único da arte que deveria, depois, dar ao Brasil os nomes gloriosos de Warchavchik, Niemeyer, Artigas e outros consagrados modernistas.

… Ao seu espírito vanguardista se deve o primeiro grito de renovação da arquitetura brasileira….

De tal forma sua arte renovadora e variada se impõe à admiração de sua geração, feira de iluminados libertadores da Arte Brasileira, que foi denominado pelo maior crítico do seu tempo, Mario de Andrade, o Poeta da Pedra.

Menotti del Picchia, homenagem póstuma em 1949.[2]

Prelúdio

Como se percebe, o subtítulo deste artigo pretende-se uma provocação. Provocação ao sentido corrente de qual seja a “arquitetura do movimento moderno”. Igualmente provocação ao sentido corrente de qual seja a “arquitetura moderna brasileira” ou, como prefere Lucio Costa (1902-1998), a “arquitetura contemporânea brasileira”, esta sutil porém intencionalmente modificada por Yves Bruand para “arquitetura contemporânea no Brasil.”[3]

Já o seu desenvolvimento e corpo são mais comedidos. Nele pretende a autora expor algumas das suas perplexidades no intuito de contribuir para uma reflexão sobre tais entendimentos, reflexão esta que talvez possa sugerir outras possibilidades interpretativas.

Aqui e agora, gostaria de falar de um arquiteto pouco lembrado, menos ainda estudado, Antonio Garcia Moya, nascido em Atarfe, na Andaluzia, Espanha, a 21 de maio de 1891, e falecido em São Paulo, a 19 de junho de 1949. No mais das vezes, é evocado tão somente por ter sido um dos dois arquitetos que participaram da Semana de Arte Moderna em 1922. E dessas evocações, fica-se com o vago sentimento que a sua participação em tão icônico evento se deu sem maior procedência, como que ao acaso, ele por lá se imiscuindo…

É tal impressão que gostaria de abrandar com uns poucos fatos que a contrariam. Isto bem lá adiante, contudo, pois nosso andamento será pausado.

Apenas para dar o tom, considere-se que Moya estava em contato próximo com Victor Brecheret (1894-1955), desde de que este retornara ao Brasil em 1919 e, graças ao apoio de Francisco Ramos de Azevedo (1851-1928), instalara seu atelier numa sala do Palácio das Indústrias (1911-1924), então em construção.

E o arquiteto teria influenciado o escultor, como sugere Aracy Amaral:

Extremamente bem desenhados, um mestre no nanquim, dentre os trabalhos que conhecemos de Moya, um há que nos intriga em particular. Trata-se de um Túmulo, de linhas modernas em seu despojamento e síntese, encimado pelo busto de um índio hercúleo. Já nos referimos, em outra parte [não encontrei tal referência], à possibilidade de influência de Moya sobre Brecheret, tendo o escultor ítalo-brasileiro alterado bastante o seu estilo na sua estada em São Paulo, de volta de Roma. O suave expressionismo muscular de Brecheret, com efeito, cederia lugar à estilização e à linearidade nesses anos em que aqui trabalhou e antes, portanto, de seu retorno a Paris. Muito receptivo, não parece difícil ter Brecheret se interessado pelos trabalhos de Moya. O contato entre os dois foi efetivo, tendo Moya realizado a parte arquitetônica do projeto do Monumento às Bandeiras de Brecheret, ocasião que teria possibilitado evidente troca de opinião e conhecimento mútuo. Neste índio está bem patente a estilização que seria mais tarde definida como tipicamente de Brecheret, por este utilizada em vários trabalhos, mas de maneira definitiva no Monumento às Bandeiras inaugurado em 1954. Essa estilização imponente e linear, projetando de forma sintética o modelado majestosos do tórax dessa figura, está, sem dúvida, bem próxima de Brecheret do Monumento de 54, assim como distante das figuras musculosos e plenas de jogos de luz e sombra do primeiro projeto recusado.[4]

Mas recuemos no tempo. Sem a presunção de fazer uma história geral de São Paulo e da sua arquitetura nas duas primeiras décadas do século vinte, há algumas informações de contexto que são úteis para situar melhor a obra deste espanhol apenas de nascimento, uma vez que lá radicado desde os quatro anos de idade, em 1895.[5]

Uma pequena amostra de São Paulo da década de 1910:

No que se refere à cidade propriamente, é bom atentar para o fato que, avançado o século dezenove, ela não era muito mais do que um vilarejo, para não dizer uma parada de mulas. Quando do primeiro censo demográfico realizado no Brasil, em 1872, ocupava um modesto nono lugar entre as nossas capitais. Trinta anos depois, em 1900, já havia se tornado a segunda maior cidade do país. E estava iniciando seu avanço em direção ao topo, pole position que alcançaria ao longo da década de cinquenta.

Vejamos o que ocorria em termos de arquitetura na São Paulo de a meio caminho nessa escalada.

No ensino, duas escolas superiores ofereciam formação em arquitetura, a Escola Politécnica desde 1899, e a Escola de Engenharia do Mackenzie, a partir de 1917; e havia, já tradicional na cidade, o Liceu de Artes e Ofícios, oferecendo cursos diversos, inclusive de desenho arquitetônico e de construção. Na corporação institucionalizada, a pauta era a sua regulamentação pela máxima valorização do diploma de estudos superiores, ainda que esse objetivo não fosse somente dos arquitetos. Na verdade, era mais uma agenda dos engenheiros civis. Os demais engenheiros e os seus primos pobres arquitetos apenas iam no vácuo da mobilização, justamente para conseguir garantir um naco das atribuições profissionais, as quais os civis queriam abocanhar no todo.

O campo profissional, em si, estava ocupado majoritariamente por Ramos de Azevedo. Algo assim como o que ocorria então no Rio de Janeiro com Heitor de Mello (1875-1920) e ocorre em Brasília com Oscar Niemeyer (1907), o Ramos exercia com mão de ferro um monopólio quase absoluto sobre as grandes obras cívicas. Tudo que era edifício importante na cidade era dele, isso sem contar sua vasta carteira de obras particulares. E não se tratava apenas de projetos; naquela época arquitetura era sinônimo de construção: o seu escritório projetava e construía, só projetava ou só construía, dependendo da ocasião, em um negócio bem mais lucrativo do que só projetar.

Em termos artísticos, as posições em confronto eram menos difusas do que hoje. Acima de tudo, a cena ?que não era lá das mais espaçosas ?estava dominada pelos ecléticos. Desses, o Ramos e seus projetistas ?como o Max Hehl (?-1916), o Domiziano Rossi (1865-1920) ou o Felisberto Ranzini (1881-1976) ?eram os de maior visibilidade, exercendo assim também uma forte hegemonia estética, acatada por outros profissionais em firmas semelhantes, porém de menor porte.

Há o ecletismo do Ramos de Azevedo:

   

E há o ecletismo dos demais:

   

O movimento tradicionalista

Mas algo novo vinha despontando no horizonte ?que tomaria vulto a partir de 1922, com a comemoração do centenário da Independência. Estou me referindo ao neocolonial, naquela época chamado de “tradicionalismo” ou “colonialismo” ?este último termo ainda não tendo tomado a conotação política negativa atual.

O tradicionalismo não só tem seus pressupostos e realizações objeto de poucas pesquisas, como quase todos os seus estudiosos sofrem de um esquisito complexo de inferioridade. Numa linha de denegação oposta à benevolência historiográfica para com o modernismo, eles parecem estar pedindo desculpas por abordar algo tão desimportante, para não dizer ruim…

Ao percorrermos o inclusivo livro organizado por Aracy Amaral, Arquitectura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos (1994), nos deparamos com sintomas do conflito. Exemplar é o capítulo dedicado ao Brasil, “El estilo que nunca existió”, de Carlos Lemos. Após reduzir o neocolonial a um “historicismo”, termo por ele usado pejorativamente, sua honestidade de pesquisador o obriga a apontar que:

Sin embargo, lo más interesante de todo es que la variante ecléctica historicista lanzada por Severo al sugerir el “estilo colonial” agradó a todos los gustos y se popularizó, inclusive, en el ámbito de la arquitectura sin arquitectos?a id="_ednref7" href="#_edn7">[6]

Este é um aspecto importante da questão. Ao menosprezarmos por preconceito estético os estilos neocoloniais, concomitantemente desqualificamos o imenso acervo de obras neles realizadas e não levamos em consideração a variedade de programas em que são empregados. E negligenciamos a riqueza de significados que essas edificações evocam, as suas qualidades construtivas, o seu valor artístico e a sua relevância ideológica e, não menos, o agrado que causavam e ainda causam. Basta percorrermos mais uma vez o livro da Aracy com olhos generosos, para logo sermos seduzidos.

Seja como for, na receita do tradicionalismo há ingredientes díspares. Melhor conhecidos, graças a Joana Mello, são os ideais republicanos de Ricardo Severo (1869-1940), engenheiro português radicado no Brasil e desde 1908 um dos sócios justamente do Ramos de Azevedo.[7]

   

Veja-se alguns poucos exemplos da década de 1920:

 
 

Tateando ainda, porém ganhando musculatura também de 1920 em diante, quando ocorre o seu primeiro congresso, há a bem menos pesquisada influência da Federação Panamericana de Arquitetos, espaço de proselitismo do uso de estilos “americanos”.[8] Esta estará difundido experiências revivalistas em curso por todas as Américas, frutos arquitetônicos tardios da então centenária Doutrina Monroe.

Não vou me referir ao tradicionalismo latino americano ?movimento forte por todos os seus países ?dado o meu incipiente conhecimento sobre o assunto. Já para a América do Norte sinto-me mais a vontade. De alto nível de qualidade e muito agradável foi o intenso emprego de estilos coloniais hispânicos nos Estados Unidos desde as últimas décadas do século dezenove, evidentemente mais difundidos na Flórida e na costa oeste.

Veja-se, como aperitivo, alguns exemplos do revival dos estilos misiones de California e renascença espanhola.

Nessas confluências temporais bastante comuns na história da arte, enquanto artigos e conferências de Ricardo Severo, realizados entre 1911 e 1916 ?com especial destaque para as conferências “A Arte Tradicional no Brasil” e “A Casa e o Templo”, proferidas na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo em 1914 ?têm sido apontados como o marco inicial do tradicionalismo brasileiro, a Exposição Panamá Califórnia, em San Diego ?cuja construção teve início em 1911, sendo aberta em 1915 ?tem sido considerada o apogeu do tradicionalismo estadunidense.

De qualquer modo, o neocolonial será longevo ?se é que já tenha desaparecido ? com importantes obras nas décadas de 1930 e 1940.

 

 

 

O nativismo

Precursor mesmo entre nós nesse rumo nativista é um outro olvidado, o paraense Theodoro José da Silva Braga (1872-1953), bem como a sua pregação por uma arte decorativa baseada em motivos tirados da fauna e flora brasileira.[9]

Foi Theodoro Braga o predestinado descobridor pictural, espantando o nosso esnobismo com a estilização da flora e da fauna, em uma sadia compreensão nacionalista, de que tão insensata e barbaramente nos temos afastado na arte[10]

Pregação essa expressa tanto em suas atividades de professor e escritor como em suas obras, tendo mesmo criado um sistema ornamental inspirado na cerâmica marajoara, legitima arte pré-colombiana. Para sua pintura mais conhecida, A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará, de 1908, executou moldura com motivos decorativos tirados da flora regional. De fácil acesso graças à internet, veja-se o seu artigo “Estilização nacional de arte decorativa aplicada”, de 1921.[11]

Olvidado também ficou o seu estilo marajoara, empregado no tão malfadado projeto vencedor do concurso do Ministério da Educação, de Archimedes Memória (1893-1960), preservado contudo nas fotos da residência de Theodoro Braga publicadas na Revista de Engenharia Mackenzie, projeto de Eduardo Kneese de Mello (1906-1994).[12]

 

E há precedentes de outra ordem. Veja-se a polêmica entre Francisco Bethencourt da Silva (1831-1911), egresso da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, e Luiz Schreiner (1838-1892), formado na Real Academia de Belas-Artes de Berlim, quanto à possibilidade de constituição de uma arquitetura autóctone brasileira.[13]

Polêmica da qual conhecemos melhor as opiniões deste último, conforme expostas em seu livro As obras da nova Praça do Commercio (1884). Pelo que se depreende da leitura, Bethencourt da Silva teria acusado Schreiner ?encarregado de construir o seu projeto para a terceira Praça do Comércio, atual Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio ?de trazer técnicas europeias inadequadas ao nosso clima e cultura, como o estuque ou a alvenaria de tijolos queimados. E teria insistido no uso de soluções construtivas tradicionais luso-brasileiras de pedra e madeira.

Partindo do pressuposto de que estilos são criações do passado, próprios de sociedades fechadas e tomando uma postura anti-nativista, Schreiner replicou em discurso proferido no Instituto Politécnico Brasileiro em 1883:

Há pessoas que, intitulando-se arquitetos, sonham com a criação de um novo estilo arquitetônico essencialmente brasileiro, e julgam-se predestinados pela Providência para inventar o que não se pode inventar e nunca foi inventado... Pretender criar uma arquitetura essencialmente brasileira equivale a pretender isolar o Brasil do mundo inteiro por uma muralha chinesa.[14]

Abrindo de vez o leque, será que não poderíamos considerar a Candelária, no Rio, como um exemplo precoce de neocolonial, portanto de nativismo?

O art-déco

Correndo por fora, antes mesmo da primeira grande guerra, apontava na Europa uma estética de natureza muito diversa, menos preocupada com ideologias e tendo entre suas características mais marcantes, seja nas artes plásticas, seja na arquitetura, uma estilização geometrizada da figuração, quando não uma definitiva abstração geométrica. Estética que só seria batizada de art-déco quando já bem grandinha, já maior de idade, em 1925, quando causaria frisson global na sequência da Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes, em Paris.[15]

Porém esta orientação então pagã ?às vezes chamada de “estilo moderno”, rótulo igualmente dado ao art-nouveau, do qual pode ser considerada quase que um desenvolvimento estilístico, um desdobramento, um continuum ?era pouco conhecida entre nós. Lá por São Paulo me ocorre de momento algumas realizações de Victor Dubugras (1868-1933) ?como a Estação de Mairinque, de 1907 ?que poderiam, com correção, ser emparelhadas em sincronia com obras de seus contemporâneos Otto Wagner (1841-1918), Josef Hoffmann (1870-1956) ou Auguste Perret (1874-1954).

   
 
 

Dubugras, por sua vez, parece ter influenciado alguns de seus alunos, transmitindo o gosto por um vocabulário ornamental despojado e geométrico. Veja-se a capela de Sant’Anna em Eleutério, de Guilherme Winter (1884-1961),[16] ou o Edifício Guinle, de Hippolyto Pujol Jr (1880-1952), ambos de 1912, ambos de forte sabor Secession.

 

Mais desconhecido por aqui o tal “movimento moderno”, que apenas engatinhava lá no velho mundo, muito em especial por terras germânicas. E atenção, antes da primeira grande guerra nem eram ainda distinguíveis entre si o ainda inominado art-déco, o expressionismo, o cubismo ou o futurismo. Em arquitetura, algo que pudesse ser identificado como “moderno” àquela altura nada mais era do que variações do ?insisto no inominado ?art-déco, um art-déco sem o déco, um art-déco fabril, quando muito um art-déco mais cerebrino.

 

Detour pelo MoMo

But what’s in a name anyway? A date, now, is something different. We ought to be able to trust a date.

Reginald Hill, Pictures of perfection, 1994

A existência autônoma na historiografia de um “movimento moderno” na arquitetura ocidental do século vinte começaria a ser construída bem mais tarde, talvez a partir de 1929, quando Henry-Russell Hitchcock (1903-1987) publicará o seu importantíssimo Modern Architecture: Romanticism and Reintegration. Apesar de ter sempre atribuído a ele, em parceria com Philip Johnson (1906-2005), a responsabilidade pela alcunha de International style em 1932, há pouco descobri o meu equívoco: os padrinhos parecem ter sido Walter Gropius (1883-1969), com seu Internationale Architektur, de 1925, e Ludwig Hilberseimer (1885-1967), com seu Internationale neue Baukunst, de 1927.[17]

Ao cabo e alguns anos depois, em meados da década de trinta o estilo irá receber finalmente esse rótulo, levado à pia batismal, ao que parece, pelas mãos de Nikolaus Pevsner (1902-1983), com seu Pioneers of the Modern Movement, de 1936. Porém, fica a impressão que a expressão não colou logo, uma vez que na sua segunda edição, o título do livro passou a Pioneers of modern design (1949). Seja como for, anos depois estaria consolidada, como indica o livro de Dennis Sharp (1933-2010), The modern movement in architecture: a biographical bibliography (1963).

Nas artes plásticas, a expressão “movimento moderno” começa a aparecer bem antes. Por exemplo, Ernest Chesneau (1833-1890) publica na Revue européenne uma série de biografias de pintores franceses ?como David (1748-1825), Géricault (1791-1824) e Delacroix (1798-1863). Estas foram lançadas como folhetos avulsos em 1861 sob o título coletivo de Le mouvement moderne en peinture.

Título extremamente adequado, o movimento moderno na pintura; quase se poderia falar em expressionismo avant la lettre, como mostram uns poucos exemplos.

 

Especificamente sobre pintura de vanguarda dos séculos dezenove e vinte, considere-se J. W. Beatty (1850-1924), The modern art movement (1924), ou R. H. Wilenski (1887-1975), The modern movement in art (1927). Quanto à expressão “arte internacional”, ela já dá título a exposições de arte de vanguarda realizadas desde a década de 1910.[18]

Em português, temos a famosíssima conferência de Mario de Andrade (1893-1945) “O Movimento Modernista”, proferida em 1942 e aqui citada em epígrafe. Em títulos há Três fases do movimento moderno, 1952, de Flavio de Aquino (1919-1987), sobre artes plásticas, e O movimento modernista, 1954, de Peregrino Júnior (1898-1983), sobre literatura, ambos opúsculos d’Os cadernos de Cultura, coleção do Ministério da Educação de relevante papel para a difusão de ideias modernas.

Fora do campo artístico, a expressão é corrente em meados do século dezenove, associada a tudo que é assunto: educação, cremação, feminismo, religião e teologia, socialismo, industrialismo, cooperativismo agrícola… Títulos ao acaso, Nineteenth century miracles; or, Spirits and their work in every country of the earth. A complete historical compendium of the great movement know as “modern spiritualism” (Britten, 1884); Jérusalem moderne… (Conil, 1894), The modern cremation movement (Cremation Society of England, 1909); The modern woman’s rights movement (Schirmacher, 1912);; Outlines of the history of the modern British working-class movement (Craik, 1917); ou The Arya samaj, a modern religious movement in India?(Whitley, 1923). Bem posterior, Quattro precursori del moderno movimento francescano (Oliger, 1930).

Enfim, ao longo do século dezenove e princípios do século vinte, a expressão “movimento moderno” parece ter abarcado e/ou sintetizado uma série de anseios de renovação nos mais diversos campos, para ao cabo estacionar de vez no ramo arquitetônico.

Na paulicea

Em meados da década de dez, justamente quando São Paulo estava em plena floração cultural, quando a paulicéia, por assim dizer, desvairava, o neocolonial constituía o único estilo moderno na cidade, se me permitem usar o termo como Mario de Andrade o teria usado na coluna “Notas de Arte” publicada n’A Gazeta, no dia da abertura da Semana, a 13 de fevereiro de 1922.

A hegemonia artística da corte não existe mais. No comércio como no futebol, na riqueza como nas artes, São Paulo caminha na frente. Quem primeiro manifestou a idéia moderna e brasileira na arquitetura? São Paulo com o estilo colonial[19]

Porém o que nos interessa por agora é que então reina o escritório do Ramos de Azevedo. E, com sua estética eclética de há muito entronizada, não precisa se dar ao trabalho de se justificar com algum discurso para se garantir no poder. São os outros, aqueles desejosos de ocupar espaços dominantes é que precisam de um arsenal teórico com que propugnar, com que obter legitimidade.

Dois nomes estão adentrando a arena e começam a se destacar como ideólogos da classe. De maior presença, com maior articulação, também ocupando postos de razoável relevo, temos Alexandre Albuquerque (1880-1940), o professor de arquitetura da Politécnica, membro fundador do Instituto de Engenharia, homem de grande cultura e já com um raio expressivo de influência.

No outro extremo, Christiano Stockler das Neves (1889-1982), o professor de arquitetura do Mackenzie, incentivador da criação anos depois do Instituto Paulista de Arquitetos ?justamente para concorrer com o Instituto de Engenharia ? também homem de respeitável cultura arquitetônica e também contando com seguidores, porém não com alcance comparável.

Há diferenças consideráveis entre eles. O Christiano, na verdade, defende posturas ainda mais antiquadas ?para não dizer reacionárias ?do que aquelas do Ramos de Azevedo e sua troupe. Ramos é eclético; Christiano é um homem da velha-guarda beaux-arts, um acadêmico de raiz. É um sectário estético ?fundamentalismo que iria lhe causar graves prejuízos no futuro, mas esta é uma estória pela qual não vamos nos embrenhar no momento.

 
 

Já o Alexandre é um pragmático. De profundas convicções racionalistas, consegue aplicá-las indistintamente em tudo que faz, seja lá qual seja o estilo que adota. Será ele um dos baluartes do neocolonial em São Paulo, orientação que transmite a seus alunos. Imaginem que em 1920 ele já levava os estudantes para Ouro Preto para conhecer a arquitetura colonial de primeira mão!!

 

Antonio Garcia Moya

Vejamos agora onde entra nesta história o nosso Antonio Garcia Moya. Aqui vou expor uma opinião que me é cara: Moya foi um pioneiro da arquitetura moderna entre nós. E está injustamente quase esquecido até hoje na historiografia. Tanto que a principal fonte sobre sua trajetória continua sendo a monografia de João de Deus Cardoso, Antonio Garcia Moya, o poeta da pedra: vida e obra, feita quando estudante na FAU/USP, em 1965, para as inspiradoras aulas de história da arte e estética do querido Flávio Motta (1923), filho de um participante da Semana de Arte Moderna, Cândido Motta Filho (1897-1977).

Nunca é excessivo chamar a atenção para o valor da contribuição de João de Deus, dos seus “apontamentos de um jovem que não tinha a ‘manha’ da organização, como Nestor Goulart, Aracy Amaral…” [20] É graças a ele que temos registros preciosos, hoje talvez impossíveis de se obter. Além de ter entrevistado a viúva e uma das filhas de Moya, respectivamente Felícia Tabuenca Moya e Olinda Moya Pascual, quase que só pôde contar com fontes primárias, como matérias de jornais e revistas. De fonte secundária, àquela época havia apenas o informativo e hoje clássico Antecedentes da Semana de Arte Moderna (1958), de Mário da Silva Brito.

Afora uma ou outra citação em umas poucas obras de referência, o que sobressai é o já citado, também clássico e sempre brilhante livro de Aracy Amaral, Artes plásticas na Semana de 22, publicado em 1970, com edições revistas de 1992 e 1998. De real interesse e de fato informativo, pouco mais existe. Há o folder da exposição Antonio Garcia Moya e sua arquitetura visionária, organizada por Marta Rossetti Batista (1940-2007) ?a sensível biógrafa de Anita Malfatti[21] ?e realizada no Instituto de Estudos Brasileiros da USP em 1991.[22] Apesar de insistir numa interpretação um tanto anacrônica do que seria “arquitetura moderna” em princípios da década de 1920, a sua apresentação ainda é o que de melhor se escreveu mais recentemente sobre Moya.

Porém seu título me incomoda. Porque Moya seria visionário?

Em geral, a arquitetura visionária é entendida como algo que não é tecnicamente possível de ser construído quando da sua concepção, que só pode existir na imaginação ou representado em menor escala em alguma mídia. Cada um à sua maneira, visionários são Piranesi (1720-1778) e Boullée (1728-1799) e, à época do Moya, Antonio Sant’Elia (1888-1916). Dentre os modernos, está Buckminster Fuller (1895-1983); e houve de pouco um Archigram, da turma do Peter Cook (1936).

 

O que é visionário, os delicados desenhos de Moya? Ou o Plan Voisin (1925), de Le Corbusier (1887-1965), que ?apesar do nome ?não tem nada a ver com vizinhos??

 

Por aí já se percebe o rumo ambíguo que tomou a narrativa sobre Antonio Garcia Moya. De quando em vez o seu nome surge em algum artigo, mas parece que foi estabelecido um juízo discricionário tanto sobre a sua obra, como sobre a presença da arquitetura na Semana de 1922. Mas isto fica para um próximo episódio.


Leia também:

Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22:

Parte 2 : ou la mala suerte…
por Sylvia Ficher

1922: quando o moderno não era um estilo, e sim vários
Editorial
por Danilo Matoso Macedo


Notas

* Este artigo é uma ampliação da biografia de Antonio Garcia Moya, escrita em 1989 e divulgada em 1998, como parte do trabalho O curso de arquitetura da Academia de Belas Artes de São Paulo: 1928-1934. Agradeço as sugestões de Danilo Macedo e Eduardo Rossetti para a presente atualização.

[1] Conferência proferida a 30 de abril de 1942, na Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, in Mario de Andrade, Aspectos da literatura brasileira, 1972, p. 232.

[2] Apud João de Deus Cardoso, Antonio Garcia Moya, o poeta da pedra: vida e obra, 1965, p. 10.

[3] Lucio Costa, Carta-depoimento, 1948, in Lucio Costa, Sobre arquitetura, 1962, pp. 123-24; Yves Bruand, Arquitetura contemporânea no Brasil, 1981.

[4] Aracy Amaral, Artes plásticas na Semana de 22, 1970. Aqui estaremos usando a edição revista e ampliada de 1992, notável também pela qualidade do material iconográfico, p. 152, grifos meus. Em algumas situações será usada a edição de 1998, devido aos anexos a ela acrescentados.

[5] O seu amigo Brecheret é apresentado no site do Instituto Victor Brecheret como “artista brasileiro” nascido na Itália (//www.brecheret.com.br/), apesar de aqui ter aportado com mais de seis anos. Lucio Costa nasceu na França, veio para o Rio de Janeiro no ano seguinte, mas em 1910, aos oito anos de idade, voltou para a Europa, onde “recebe ensino básico na Inglaterra e na Suíça.” Voltaria ao Rio em 1916 ou 1917, aos quatorze ou quinze anos de idade (//www.casadeluciocosta.org/). Mesmo assim, é considerado brasileiro, jamais franco-brasileiro, quando muito de naturalidade francesa. Já o Moya, nunca perdeu a pecha de estrangeiro, como se verá.

[6] No há pouco citado livro de Aracy, 1994, p. 160. Incidentalmente, ao chamar a atenção para a simultaneidade de um momento espetaculoso tanto para o neocolonial como para o modernismo, o ano de 1922, Lemos se interroga: Por qué Victor Dubugras no participó en la semana modernista? (p. 159). A resposta me parece simples. Trata-se de pessoas de gerações muito diversas. Dubugras é um exato quarto de século mais velho do que Mario de Andrade; o que estaria fazendo no meio dessa molecada da Semana?

[7] Joana Mello, Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira, 2007.

[8] O 1º Congresso Panamericano de Arquitetos foi realizado em 1920 em Montevidéu; o 2º Congresso em 1923 em Santiago; o 3º Congresso reuniu-se de 1 a 10 de julho de 1927 em Buenos Aires.

[9] Ver sua biografia in Sylvia Ficher, Escola de Engenharia Mackenzie: professores do Curso de Arquitetura, 1989-2007, pp. 12-17.

[10] Carlos Rubens, Pequena história das artes plásticas no Brasil, 1941, p. 245.

[12] Kneese de Mello, Residência Theodoro Braga, Revista de Engenharia Mackenzie, no 69, jul 1938.

[13] Foi Danilo Macedo que chamou minha atenção para o episódio.

[14] Luiz. Schreiner, As obras da nova Praça do Commercio, 1884, pp. 89-90.

[15] Para momento bem posterior e com outros atores, Aracy (1992, pp. 52-59) aponta a existência de uma estética art-déco anterior a 1925, ao falar da “influência do art déco, ou seja, do ‘moderno’ em geral, sobre artistas brasileiros” (p. 52), ao se referir justamente a alguns daqueles representados na Semana, além da própria Tarsila do Amaral (1886-1973), aí já em fins da década.

[16] In Revista de Engenharia, v. 2, no 4, p. 101, 1o out 1912.

[17] Note-se que, apesar da qualificação de “internacional” ter sido outorgada à arquitetura moderna, internacionalismo não é exclusividade sua, não é novidade em arquitetura. No contexto europeu, o gótico foi internacional; no contexto mundial, os classicismos foram e ainda são internacionais, idem o art-nouveau e o art-déco.

[18] Internazionale Ausstellung, 1921, de Hilberseimer, in Michele Caja (org.), Ludwig Hilberseimer: Grosstadtbauten e altri scritti di arte e di architettura, 2010, p. 112.

[19] Apud Aracy Amaral, 1992, p. 130 (detalhes à nota 31, p. 237).

[20] João de Deus Cardoso, Correspondência a Sylvia Ficher, São Paulo, 5 maio 1988.

[21] Marta Rossetti Batista, Anita Malfatti no tempo e no espaço, 1985.

[22] Há referência à sua republicação, no ano seguinte, na Revista da Biblioteca Mario de Andrade.


Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br

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Renato Luiz Sobral Anelli

O desafio de escrever um livro abrangendo 50 anos de arquitetura no Brasil foi proposto a mim pelo professor Giovanni Leoni, curador da coleção Architettura Contemporanea da editora italiana Motta Architettura [1]. Até então as pesquisas desenvolvidas por mim se concentravam em recortes temáticos que passavam por trajetórias (como as de Rino Levi e Lina Bo Bardi) ou temas bem definidos, mas pouco explorados anteriormente, tais como arquitetura de cinemas, as relações entre as arquiteturas modernas brasileira e italiana e o papel das redes de infraestrutura nas concepções urbanísticas durante o regime militar. O convite de Leoni foi entendido como uma oportunidade para refletir sobre as novas possibilidades de interpretação da produção arquitetônica no Brasil, abertas pelas pesquisas históricas desenvolvidas nas últimas duas décadas por vários pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

O formato pré-definido dos livros da coleção ?introdução e seleção de 60 obras, apresentadas através de uma foto, um desenho e um texto analítico ?condicionou o caráter e abrangência da linha de argumentação, conferindo uma grande responsabilidade na escolha das obras. A produção de um livro para público estrangeiro foi outro fator relevante, pois constitui uma forma de apresentação do país que exige cuidados específicos.

O recorte temporal de 1957 a 2007 foi a primeira decisão: iniciar com os projetos de Brasília, e não posteriores a ela, permitiu construir um painel daquilo que era contemporâneo à construção da nova capital. Assim, foi mostrado que várias das principais correntes que caracterizariam a produção brasileira nas décadas seguintes já estavam presentes no momento de afirmação da hegemonia moderna. Apesar de Brasília significar o ápice do projeto cultural iniciado com a Semana de Arte Moderna de 1922 e desenvolvido por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer na arquitetura, a produção brasileira que lhe era contemporânea não se esgotava nele, e tal diversidade teria grande projeção após 1960.

Datam de 1957 alguns projetos de qualidade excepcional: o Pavilhão de São Cristóvão de Sergio Bernardes, com sua estrutura de cabos tensionados, o Ginásio do Clube Paulistano de Paulo Mendes da Rocha e João De Gennaro, com a estrutura da cobertura apoiada nos vértices de pilares trapezoidais de concreto armado, a sede do MASP na Avenida Paulista (concluída apenas em 1968) com seu gigantesco vão e as fachadas transparentes. Três exemplos de novos caminhos que se abriam para a arquitetura brasileira no mesmo ano do concurso de Brasília.

A definição de “contemporâneo?adotada não pretende contrapô-lo a um “moderno?já esgotado ou ultrapassado. Por contemporâneo entende-se apenas um recorte temporal ao longo do qual se pode verificar construções, disputas, críticas, renovações entre várias posições definidas historicamente.

Nesse aspecto, o trabalho se difere de outros que têm objetivos semelhantes pelos problemas de método que enfrenta. A noção de trama historiográfica, desenvolvida por Paul Veyne em seu famoso livro de 1970, já foi utilizada por vários historiadores na revisão da historiografia da arquitetura moderna brasileira. Entre eles destaca-se o trabalho do professor Carlos Martins (1988), que apresentou a história da arquitetura brasileira como a construção de uma trama historiográfica iniciada por Lúcio Costa, aprimorada nos livros de Goodwin, Mindlin e Bruand e conduzida de modo a afirmar a hegemonia da produção derivada de suas próprias proposições. A revisão dessa historiografia, iniciada na década de 1980, teve diversos agentes, cada qual adotando métodos específicos. Em comum encontramos a ampliação do campo historiográfico em várias direções e a definição de encadeamentos formando novas tramas narrativas.

As diferenças dentro desse novo campo são tão evidentes que seria inadequado tratá-las como um bloco ou um movimento. Da crítica produzida nas revistas ?incrivelmente férteis na década de 1980 ?às pesquisas acadêmicas desenvolvidas nas universidades, realiza-se o “escrutínio?da arquitetura moderna brasileira, lúcida proposta de Carlos Comas em um momento em que o moderno se apresentava internacionalmente como já superado pelo pós-modernismo. A tensão entre moderno e pós-moderno é algo constitutivo do período e marca de modo indelével as posições teóricas tanto quanto a redemocratização do país e o esvaziamento do estado nacional nas décadas de 1980 e 1990.

A distância de mais de vinte anos do início da construção de uma nova história da arquitetura brasileira exigiu que ela fosse tratada no livro como um objeto constitutivo da arquitetura contemporânea no Brasil. Não são apresentadas apenas as obras selecionadas, procura-se discutir as tramas construídas nesse período que tornam tais exemplos relevantes até os nossos dias.

O cuidado tomado nesse exame foi o de evitar entender essa multiplicidade de posições como linhas construídas de modo independente ou arbitrário ao longo do tempo. Risco inerente ao próprio método da história constituída por tramas narrativas que se contrapôs aos grandes sistemas explicativos que fundamentavam a historiografia moderna até então hegemônica.

A opção foi procurar identificar como o campo disciplinar da arquitetura se transformou e se posicionou na dinâmica histórica do país ao longo desses 50 anos. Um período caracterizado por fortes marcas políticas, tais como uma ruptura institucional do regime democrático que perdurou por mais de 20 anos; a coincidência entre redemocratização e crise econômica que levou à desmontagem do estado nacional em um processo que combina o fortalecimento da sociedade civil com a emergência do neoliberalismo; e por fim um terceiro período, no qual ocorre a retomada do desenvolvimento do país após décadas de estagnação econômica. Esses três momentos não formam períodos estanques, mas se entrelaçam de modo articulado através de continuidades e transformações.

O primeiro período se inicia com o concurso de Brasília, momento de afirmação do moderno como parte constitutiva do desenvolvimentismo e segue até meados da década de 1970 quando o crescimento acelerado do país se encerrou. São analisadas tanto as rupturas produzidas pelo golpe militar, quanto as continuidades ocorridas devido ao caráter desenvolvimentista dos anos de ditadura.

A emergência das teorias do subdesenvolvimento e da dependência no final da década de 1950 redefiniu o projeto modernista iniciado em 1922. De uma posição de conquista da hegemonia da representação da identidade nacional, a cultura moderna se estendeu para o popular, buscando aí as possibilidades de ação política de transformação social.

Nos anos de Guerra Fria, uma nova posição arquitetônica de esquerda se afirmou a partir de São Paulo. Atuando no mesmo Partido Comunista Brasileiro que Niemeyer, Vilanova Artigas iniciou a década de 1950 criticando politicamente Le Corbusier e Walter Gropius. Na discussão sobre a obra de Niemeyer, Artigas defendia a retomada dos compromissos sociais iniciais das vanguardas modernas e se torna o líder de uma escola arquitetônica, cujos principais discípulos, Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes e Sergio Ferro, elaboraram diferentes caminhos para arquitetura contemporânea.

O aprofundamento dessa radicalização política do período pode ser acompanhada pelas trajetórias de Sergio Ferro e Lina Bo Bardi, que propõem um maior engajamento dos arquitetos na transformação social do país. Ferro o fez a partir do enfoque produtivo, utilizando-se dos métodos da economia política marxista. Lina Bo Bardi através da cultura popular e da atuação nos campos da arte, arquitetura e design.

O livro destaca ainda a contemporaneidade entre a construção de Brasília e o fenômeno de metropolização paulistana. Enquanto a região central consolidava seu caráter sofisticado de metrópole cosmopolita, a rápida expansão das áreas urbanizadas através de loteamentos precários para abrigar os imigrantes pobres, revelava a face perversa da industrialização brasileira. Evitou-se entender São Paulo dentro de uma perspectiva isolada do processo nacional, pois foi nesta cidade que se manifestaram por primeiro essas novas características do processo de industrialização do país ?intenso crescimento demográfico para suprir a indústria com mão de obra de baixo custo abrigada pela produção informal da cidade. Um novo quadro urbano e social que motivou as diretrizes propostas pelos arquitetos para enfrentar o processo de urbanização acelerada, reunidas no Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana ?planejamento urbano e industrialização da construção.

Entende-se que foi a pertinência dessas formulações que levaram à sua absorção pelo regime militar (apesar de destituídas dos instrumentos contrários aos princípios conservadores do regime) em instituições, como o BNH e o SERFHAU, abrindo espaço para a participação de um grande contingente de arquitetos na atuação do estado, mesmo após a repressão do golpe e do endurecimento do AI5. Tanto na introdução quanto na seleção de obras presentes no livro, são destacados os projetos inseridos na atuação dessas duas instituições: habitação social, pré-fabricação, infra-estrutura urbana são as áreas nas quais a arquitetura elabora proposições inovadoras ainda que distantes da demanda social do país.

Para a política habitacional foram selecionados três grandes conjuntos que apresentam diferentes concepções de processos construtivos e forma urbana. O Zezinho Magalhães em Guarulhos (Artigas com Paulo Mendes da Rocha e Fábio Penteado, 1967), com sua malha urbana geométrica e uma adaptação do princípio de unidade de vizinhança; o Padre Manoel da Nóbrega em Campinas (Joaquim Guedes, 1974), com os blocos agrupados de modo sinuoso formando espaços de vivência diferenciados; e o conjunto de Cafundá no Rio de Janeiro, nos quais os blocos articulados apresentam clara continuidade para configurar ruas externas arborizadas e dotadas de equipamentos de serviços (Sergio Magalhães e equipe, 1977). Uma seqüência que demonstra a progressiva assimilação de paradigmas urbanísticos disseminados pelo Team X em contraposição aos da Carta de Atenas.

Para o papel estratégico da infra-estrutura urbana, foram escolhidos projetos de reurbanização e equipamentos públicos associados à rede do Metrô de São Paulo, tais como o conjunto intermodal da Estação de Metrô Tietê (Marcelo Fragelli, 1968) e Rodoviária Tietê (Roberto Mac Fadden e Renato Viegas, 1982), o projeto de reurbanização junto à Estação Conceição (Emurb, Promon, Itaúplan, 1974-1986) e o Centro Cultural São Paulo na área de reurbanização da Estação São Joaquim do Metrô (Eurico Prado Lopes e Luis Telles, 1974-1977). Três grandes intervenções associadas ao sistema de transporte de massas que introduziram novas abordagens para a arquitetura brasileira, tornando-a mais complexa e urbana.

Nesse período é também analisada a escolha da arquitetura moderna pelos governos militares para a construção de seus principais edifícios representativos. A monumentalidade que caracterizou a arquitetura moderna brasileira desde a construção do Ministério da Educação e Saúde foi levada ao paroxismo, em especial nos anos do “milagre econômico? produzindo uma desconfortável associação entre as formas modernas e o estado militar. Associação que pode ser um dos responsáveis pela força do anti-modernismo que aflorou durante os anos da redemocratização.

O conjunto de sedes da Petrobrás e BNDES construídos no começo da década de 1970 na Avenida Chile, no Rio de Janeiro são exemplares dos superlativos arquitetônicos associados ao regime militar.

O segundo período se inicia no final da década de 1970, com a eclosão dos movimentos sociais pela democracia e se encerra no começo da década de 1990, quando o primeiro presidente eleito diretamente passa a implantar o programa neoliberal. Identifica-se uma combinação entre dois pólos políticos na crítica ao estado nacional. Por um lado, os movimentos sociais constituíram um agente complexo, que envolveu variados esforços de constituição e fortalecimento da sociedade civil de modo independente ao estado autoritário. Por outro, a política liberal que se afirmava internacionalmente alterava as concepções do papel do estado na economia introduzidas no país após a Revolução de 1930. A peculiar combinação desses dois movimentos políticos levou ao esvaziamento do estado, fosse para o fortalecimento de modos de democracia direta e participativa, fosse para a redução de gastos públicos e na privatização da ação pública em vários setores estratégicos.

No livro são analisados três movimentos que no campo da arquitetura conduzem à revisão tanto da arquitetura moderna, quanto da relação entre arquitetura, estado e sociedade: experimentalismo, regionalismo e pós-modernismo.

Experimentalismo

Do caráter inovador e experimental de muitas produções desses anos, interessa-nos aquelas desenvolvidas para propiciar a aproximação entre a arquitetura e os movimentos sociais por moradia e serviços públicos, ocorrida nos anos finais do regime militar. Reuniu-se a concepção de estímulo à organização autônoma de segmentos sociais com as experimentações formais e construtivas realizadas por um amplo e heterogêneo conjunto de arquitetos ?da contra-cultura hippie aos grupos de esquerda. Um conjunto que vai das proposições do Grupo Arquitetura Nova às Assessorias Técnicas a Movimentos Sociais, passando pelos Laboratórios de Habitação criados no ambiente acadêmico no começo da década de 1980. Pesquisavam-se as formas vernaculares de construção como fonte de inspirações para a criação de sistemas construtivos leves que pudessem facilitar a autoconstrução e auto-gestão dos movimentos sociais por moradia, Uma forma de atuação na qual se explicita e operacionaliza o caráter político da tecnologia. Surgem nesse momento novos modos de atuação profissional que sobreviveriam à institucionalização democrática, mesmo após o enfraquecimento do projeto político de autonomia social na década de 1990.

Regionalismo

A associação entre estado nacional e autoritarismo do período militar inverteu o significado da construção da identidade nacional moderna. De uma cultura nacional que incorporava na sua construção diversas especificidades da cultura popular, partiu-se para a valorização das diferenças identificadas nas diversas regiões com o objetivo de fragmentação da unidade cultural nacional moderna, construída desde a década de 1930. Um entendimento que certamente condicionou a recepção local dos conceitos de regionalismo crítico. Baseado nesse entendimento do regionalismo surgido na década de 1980, o livro procura entender como um conjunto de produções arquitetônicas emergidas ainda no processo de difusão da arquitetura moderna para localidades distantes do Rio de Janeiro passou a ser identificado como raiz de identidades regionais difusas pelo país.

Foram selecionadas uma seqüência de obras que abrangem essa transformação no sentido da produção fora dos grandes centros. Em Recife os edifícios Santo Antônio (Acácio Gil Borsói, 1960) e Barão do Rio Branco (Delfim Amorim e Heitor Maia Neto, 1965) não apresentam nenhuma inflexão regional além dos dispositivos de adequação ao clima. Em Porto Alegre o Edifício FAM (Carlos Fayet, Cláudio Araújo e Moacyr Moojen Marques, 1964) incorpora as varandas e sombreamentos de modo rigorosamente abstrato. A sede da CHESF em Salvador (Francisco Assis Reis, 1976) realiza um micro-clima sombreado incorporando mais as concepções de planta e de construção em alvenaria portante de Louis Kahn do que as especificidades da cultura local. Apesar de toda evocação discursiva às especificidades locais, apenas com a recepção brasileira do regionalismo crítico no começo da década de 1980 que a obra de Severiano Mario Porto na Amazônia assumiria o caráter emblemático desse novo regionalismo no Brasil (Pousada na Ilha de Silves, 1979).

Pós-modernismo

Entre as várias concepções abrigadas sob o rótulo de pós-moderno, duas encontraram terreno fértil na situação brasileira da década de 1980.A obra do trio mineiro Maia, Vasconcelos e Podestá apontava a cultura midiática de massas como fonte de uma arquitetura pop carregada de ironia, dando novas feições ao popular. Nada representa melhor o grau provocativo dessa ironia do que a “Rainha da Sucata?na Praça da Liberdade em Belo Horizonte (Éolo Maia e Sylvio Podestá, 1984).Em outro extremo, a retomada historicista dos procedimentos disciplinares acadêmicos manifestava-se em vários concursos de projeto, associados a novos instrumentos de análise e proposição da forma urbana. O projeto do SESC em Nova Iguaçu (Bruno Padovano e Hector Vigliecca, 1985) demonstrava as tensões entre essa retomada dos modelos urbanos do século XIX com a realidade das periferias precárias brasileiras.

Enquanto a primeira abordagem se esgotou poucos anos após o impacto da provocação inicial, o apelo urbanístico da segunda sobreviveu na contraposição do urban design ao planejamento urbano, enfraquecido também politicamente durante a redemocratização do país.

Em meio ao enfrentamento entre os propositores dessas novas posições e os arquitetos de orientação moderna que ocupavam então as principais instituições profissionais, o desenvolvimento do sistema de pesquisa e pós-graduação na área de arquitetura e urbanismo tornou-se um pólo catalisador de reflexões de maior fôlego que pretendessem ultrapassar os limites da crítica nas revistas. No livro é apontado o papel de um conjunto de professores que ao propor o estudo da arquitetura moderna brasileira como fenômeno histórico, cria novas condições de interpretação da obra de seus principais expoentes.

O acompanhamento da recepção e crítica de três obras de Oscar Niemeyer (Parque Tietê – 1986, Memorial da America Latina – 1988 e MAC Niterói – 1992) e uma de Paulo Mendes da Rocha (MUBE, 1986), todas projetadas após a metade da década de 1980, conduz a análise das inflexões e renovações que abrem uma nova fase para a arquitetura moderna no Brasil nas décadas seguintes.

O terceiro período inicia-se com as transformações nas atividades do estado na promoção do planejamento urbano e desenvolvimento nacional a partir de 1990, enfatizando suas implicações para a dinâmica urbana e social brasileira, e encerra-se na data de produção do livro, quando os sinais de uma retomada do desenvolvimento do país se tornavam evidentes.

O primeiro aspecto apontado nesse período é o descolamento do movimento de renovação da arquitetura moderna das posições políticas e ideológicas que caracterizaram o seu desenvolvimento no passado: a construção da identidade nacional e a ação de planejamento centralizado no estado.

A ausência de uma política urbana nacional fica expressa no descompasso entre a apresentação da emenda popular de reforma urbana à Assembléia Constituinte de 1988 e a promulgação do Estatuto da Cidade em 2001. Nesse intervalo, a ação de planejamento ficou restrita às iniciativas municipais, acentuando a fragmentação da política urbana brasileira. Apenas em 2003 criou-se uma estrutura federal para isso, o Ministério das Cidades.

O agravamento dos conflitos urbanos acompanhou a rápida extensão das periferias pobres e a criação de condomínios fechados de alta renda, ambos expandindo as cidades para vastas áreas rurais ou naturais e esvaziando os centros urbanos tradicionais. A cidade esteve fora da possibilidade de ação dos arquitetos, apesar da grande produção teórica sobre ela. Com poucas exceções, enfraqueceu-se o vínculo entre arquitetura e urbanismo que caracterizou a produção brasileira nos anos anteriores. As obras escolhidas para representar esse período no livro fazem parte desse processo. Casas com projetos inovadores situadas em condomínios fechados ou bairros de elite são contrapostas a equipamentos e conjuntos de habitação social nas periferias, compondo as duas principais faces da arquitetura e do urbanismo brasileiro no período.

O livro apresenta várias casas de alta qualidade formal, como as de Marcos Acayaba em Tijucopava (1996) e a residência Mariante em Aldeia da Serra (MMBB, 2001) nas quais as qualidades modernas da transparência e continuidade espacial se realizam em condomínios fechados, distantes tanto das condições urbanas, quanto das naturais. Para os equipamentos sociais foram escolhidos, entre outros, os Centros Educacionais Unificados ?CEU (Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza, 2002), impressionante rede de centros de catalisação social nas periferias de São Paulo.

Como toda história recente (ou imediata), o período carece de sedimentação analítica para o lançamento de hipóteses explicativas mais aprofundadas. Por isso optou-se por uma finalização através da seleção de algumas obras que apontam novas perspectivas em três temas considerados como desafios para o futuro da arquitetura: o enfrentamento da condição metropolitana, a sustentabilidade ambiental, e a substituição da cultura popular pela cultura de massas.

A estrutura narrativa aqui apresentada constitui um sistema de balizas que conduz o texto introdutório e as apresentações da seleção de obras do livro ?em>Architettura Contemporanea: Brasile? Apesar de se pensar a história da arquitetura como parte da história social, evita-se o risco de entendê-la como mera ilustração dos acontecimentos. Pelo contrário, procurou-se identificar os momentos nos quais projetos, obras, propostas e escritos foram agentes ativos do desenvolvimento do país. Momentos que contrastam com aqueles nos quais as condições de produção da arquitetura se alteraram devido a processos nos quais ela teve pouca participação.

O formato da coleção, onde as obras são apresentadas por uma foto de página inteira, um desenho e um texto analítico, acentua um modo de entender a história da arquitetura através de sua produção projetual. O estudo dessa produção trouxe subsídios para a construção das narrativas que conduzem o livro, mas foi a coerência destas que dirigiu a seleção final das obras. As fortes imagens dos projetos escolhidos constroem um mosaico articulado por seqüências e encadeamentos explicitados nos texto, mas passíveis de serem identificados com a simples observação atenta dessas peças gráficas.

Por último é importante destacar que o volume do Brasil está inserido em um lugar especial dentro da coleção Architettura Contemporanea, da qual já foram publicados outros sete volumes na Itália. Entre os volumes espanhol, suíço, holandês, norte-americano e japonês, talvez seja ao lado do livro dedicado à Índia [2] que ele melhor se situe. Em ambos, os autores optaram por apresentar a arquitetura em consonância com os ricos processos históricos que os dois países passaram para a sua construção como nações modernas. Comparações somente possíveis graças ao formato leve da coleção, essa sim capaz de formar um amplo panorama da arquitetura contemporânea internacional.


notas

[1] A coleção Architettura Contemporanea é editada pela 24 Ore Motta Editora, de Milão desde 2007. A partir de 2009 a coleção está sendo publicada na França pela editora Actes Sud.
[2] RÖSSL, Stefania. Architettura Contemporanea : India. Milano : Motta Architettura, 2009.


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Referência do livro:

Em italiano:

Anelli, Renato. Architettura Contemporanea : Brasile. Milano : Motta Architettura, 2008. 144p.

Em francês:

Anelli, Renato. Architectures Contemporaines : Brésil. Trad. Christine Piot. Arles : Actes Sud, 2009. 144p.


Renato Luiz Sobral Anelli
 Arquiteto (FAU PUCCAMP, 1982), Mestre em História (IFCH UNICAMP, 1990), Doutor (FAU USP, 1995), Livre-Docente (EESC USP, 2001). Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, Universidade de São Paulo.


Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Ruth Verde Zein e Maria Alice Junqueira Bastos

O artigo faz um mergulho no livro Brasil: arquiteturas após 1950, problematizando quatro aspectos: a periodização empregada; os temas abordados com suas recorrências e singularidades ao longo dos períodos cronológicos; a opção pela diversidade e a pertinência, ou não, de um recorte nacional e suas implicações com o tema da identidade. Esse livro tem um precedente notável no catálogo da Editora Perspectiva que é o livro de Yves Bruand: Arquitetura Contemporânea no Brasil [1]. Meio século separa o texto de Brasil: Arquiteturas após 1950, daquele escrito por Bruand, sendo assim natural que haja importantes diferenças de enfoque entre ambos, a principal, reside no fato de que o livro de Bruand faz um relato da “arquitetura contemporânea no Brasil?privilegiando uma visão de unidade, com determinadas características técnicas, metodológicas e formais, características que, segundo seu ponto de vista, a tornavam peculiar, distinta; narrativa essa afinada com certa visão de identidade nacional brasileira afincada no período de 1930 a 1960, mas que seria problemático manter na contemporaneidade.

Outro ponto em que nosso relato é distinto do de Bruand é a abordagem da cidade. Bruand dedica dois terços do livro à arquitetura e um terço aos traçados urbanos. Em Brasil: arquiteturas após 1950 o foco é predominantemente arquitetônico, e as questões urbanas comparecem a partir desse enfoque, embora recebam destaque em ao menos um dos capítulos de cada uma das partes do livro; mesmo assim, com abordagem mais morfológica que urbanística.

Por fim, um ponto comum nas abordagens de Bruand e do livro Brasil: arquiteturas após 1950 é a construção de uma história a partir de um olhar interessado e crítico sobre as obras. E, assim como Bruand, nosso livro lança mão da descrição, como método de trabalho para análise e compreensão da obra, buscando ver o que não está tão evidente, e que a reflexão quer ajudar a revelar.

Periodização

Brasil: arquiteturas após 1950 foi estruturado em quatro partes, mais um preâmbulo e um ensaio final sobre os últimos anos do século XX. O preâmbulo, denominado “Continuidade?abarca de 1945, final da Segunda Guerra, até 1955, quando a arquitetura do mundo todo passa por uma transição. O preâmbulo busca dar conta, em quatro pequenos capítulos, de mostrar a alta qualidade e importância da arquitetura da escola carioca, mas, ao mesmo tempo, de ir introduzindo as forças de mudança latentes: “A Exemplar Arquitetura Moderna Brasileira? “O Gênio Nacional: A preeminência de Oscar Niemeyer? “Continuidades e Descontinuidades na Arquitetura dos Anos 1945-1955?e “As Críticas Internacionais, no Ambiente Paulistano, à Escola Carioca?

A primeira das quatro partes principais é “Diálogos?(1955-1965). Foi em torno de meados dos anos de 1950 que a obra de alguns dos mestres cariocas passou por uma inflexão, que pode ser notada, por exemplo, observando as diferenças entre os dois projetos de Oscar Niemeyer para o Parque Ibirapuera, ou seu projeto não executado para o Museu de Caracas. Na obra de Affonso E. Reidy, o colégio Brasil-Paraguai e o MAM-RJ fazem uso do concreto aparente, com forte protagonismo da solução estrutural no resultado formal. Também em meados dos anos de 1950, em São Paulo, uma nova geração de arquitetos recém formados foi rapidamente alçada a uma posição preeminente, reconhecida em concursos e premiações com uma produção artística que se aproximava da sensibilidade plástica do brutalismo internacional. As primeiras manifestações desse movimento de transição que vão de 1953 a 1958, estabeleceram, grosso modo, um “início?que marcamos em 1955. Aí se inicia uma década em que as metas da industrialização da construção civil e da cidade moderna informaram parte importante da produção de arquitetura. Um período em que, a despeito de certa variedade de tecnologias e materiais, as decorações se tornaram menos presentes, a racionalidade construtiva foi valorizada, assim como a busca de flexibilidade no atendimento de funções. Essa situação se manteve com relativa predominância até 1965. O capítulos escolhidos para retratar essas questões foram: “Identidade Nacional: Mudanças de Paradigmas Arquitetônicos nos Anos de 1950-1960? “Diálogos Alternados: Lina, Reidy e Vice-Versa? “A Utopia Desnudando-se: O Concurso de Brasília? “Palácios de Brasília: Novos Rumos na Trajetória de Oscar Niemeyer? “Brutalismo: Uma Nova Sensibilidade Superficial e Plástica?e “Industrialização: A Experiência da UnB e Outras Experiências?

No período seguinte, denominado Pós-Brasília (1965-1975), o Brasil viveu uma situação de fechamento no campo político e de prosperidade econômica em que a renovação observada na década anterior sofreu acirramentos e transmutações em resposta a uma crise nos valores da modernidade amplo senso, em que pese esta crise não estivesse clara na época. A partir de meados dos anos de 1960 parece haver uma maior abertura na pesquisa formal, inclusive com experiências que fogem da ortogonalidade, ou que exploram plasticamente outras tecnologias. Certa desconfiança no progresso tecnológico como fator inequívoco de melhora na qualidade de vida alimentou experiências e críticas à modernidade arquitetônica nacional, com a valorização do vernáculo ou do fazer espontâneo, inclusive nos primeiros trabalhos voltados à inclusão das favelas. A geração paulista que começou o brutalismo passou a empregar a linha curva nas estruturas de concreto aparente. E, gradativamente, com o boom construtivo do milagre brasileiro, uma repetição no uso de materiais ?concreto aparente, vidro e esquadrias de alumínio ?foi associada à busca de soluções formais originais destacadas pela escala, invenção formal, ou ousadia estrutural – o plasticismo estrutural foi a principal manifestação na arquitetura erudita brasileira. Anos de desenvolvimento em que o país efetivamente se modernizou, também assistiu à dispersão da produção arquitetônica pelo território nacional, levando a um cenário bem mais complexo. Os capítulos são: “Brasília, Pós Brasília: Inflexões e Mudanças? “A Exploração Plástica das Estruturas de Concreto e Outros Desdobramentos? “Niemeyer: Do Plasticismo Simbólico, ao Partido Estrutural e ao Volume Escultórico? “As Arquiteturas do Desenvolvimentismo Brasileiro? “A Questão do Planejamento Urbano?e “Habitação Social: Das Utopias Tecnológicas e Urbanísticas à Repetição de Modelos?

“Crise e Renovação?(1975-1985) privilegia alguns episódios que, embora marginais na época, contribuíram na gestação de uma nova situação. Em meados dos anos de 1970, Lina Bo Bardi começou o projeto do Sesc-Pompéia, com a proposta de recuperar e ampliar um antigo conjunto fabril; após um período em que minguaram as publicações especializadas em arquitetura, houve o relançamento da Módulo seguido ainda na segunda metade dos anos 1970 pelo lançamento das revistas Projeto e Pampulha; em 1976 o IAB do Rio de Janeiro promoveu a série de depoimentos publicados sob o título Arquitetura Brasileira após Brasília: Depoimentos [2] , em que se percebe, em parte dos arquitetos, uma insatisfação com a corrente mais hegemônica da arquitetura brasileira e, ao mesmo tempo, a defesa de arquiteturas mais comprometidas com a realidade amplo senso ?meio físico-climático, aspectos sócio-culturais, soluções construtivas condizentes com fatores econômicos etc. A retomada do debate na arquitetura nacional estimulou e deu testemunho de uma época efervescente de idéias e criação. A aproximação com a América Latina no final deste período mostrou um momento em que havia a aposta de que o comprometimento com a realidade seria uma maneira de reativar, redirecionar e, eventualmente, reinventar o movimento moderno a partir da região. Paralelamente, a liberdade propiciada pela quebra de parâmetros gerada com as novas teorias “pós-modernas?abrigou no cenário nacional uma considerável diversificação tecnológica e formal na arquitetura erudita. Movimentos que conviviam, ao menos até o final dos anos 70, com o plasticismo estrutural que encarnava então uma posição de intransigente continuidade da herança moderna nacional. Numa redução esquemática, as “diferenças?no meio arquitetônico nacional nos anos de tomada de consciência da crise da modernidade refletiam três caminhos: o da continuidade a uma tradição moderna brasileira (ainda dominante por certa inércia natural ao meio arquitetônico), o de revisão desta tradição por meio de um maior comprometimento da arquitetura com a realidade amplo senso e, por fim, o de eventual superação da tradição moderna, este, em geral, mais aberto às discussões internacionais. Tratava-se de posições claras e antagônicas, especialmente pela cristalização que havia ocorrido na corrente que encarnava a “arquitetura moderna brasileira?ligada inextricavelmente à exploração plástica das estruturas de concreto armado. Essas questões foram abordadas nos capítulos: “Crise da Pós-Modernidade: Especificidades Brasileiras? “A Nova Crítica e as Conexões Latino-Americanas? “Pragmatismo Cultural e Urbano: Arquitetos e Obras? “Pós Mineiridade Antropofágica e Experimental? “Outras Arquiteturas Brasileiras e os Debates do Regionalismo na América Latina?e “A Cidade dos Negócios: Espaços da Promoção Privada?

O ensaio final foi denominado “Contemporaneidade?(1995-2000) e se estrutura em três pequenos capítulos: “A Arquitetura na Encruzilhada do Fim do Século? “Arquiteturas em Diálogo com as Paisagens Urbanas?e “Revendo as Narrativas sobre a Arquitetura Brasileira? A partir de meados dos anos 90, a produção de jovens arquitetos formados nas dez anos anteriores começa a ser reconhecida no meio nacional e valorizada por meio de premiações e posições finalistas em concursos. Talvez o mote central nos anos de 1990 seja a reabilitação da herança moderna. Um moderno sem a preocupação da seriação, sem modelos, sem a eleição de um material e ou sistema construtivo únicos, que assume a preeminência da forma sobre a função, que prega o convívio com a cidade tradicional, a importância do lugar e do repertório na concepção arquitetônica. O termo arquitetura contemporânea passa a ser usual para descrever essa produção, sem dúvida herdeira ou tributária do movimento moderno, porém com status próprio, ainda a ser mais bem apreendido.

Queremos crer que a periodização em décadas quebradas foi a que melhor se encaixou na narrativa proposta da arquitetura feita no Brasil nesses anos, além de ter o bônus de uma correspondência mais fácil com o cenário internacional. Por exemplo, o termo “pós-moderno?só passou a estar presente na arquitetura nacional desde, aproximadamente, o início dos anos de 1980, no entanto, não é por isso que os sinais da crise da modernidade brasileira não estivessem se fazendo sentir desde antes, como é possível perceber, por exemplo, em alguns dos depoimentos realizados no IAB-RJ em meados dos anos 70 [3] . Da mesma forma, a abertura a pesquisas de linguagem a partir de meados dos anos de 1960 é um movimento que ecoa pesquisas de linguagem nos EUA e Europa no período.

Cada década sob alguns enfoques

A aceitação do relativismo da narrativa que caracteriza nosso momento opera em vários níveis. É crítico aos relatos unificadores e triunfais do movimento moderno; também é crítico à historiografia arquitetônica canônica, adotada quase universalmente, por seu viés marcadamente eurocêntrico. O qual, além ignorar ou desconsiderar eventos arquitetônicos de vastas regiões planetárias, quando as considera, analisa-as tomando como base valores teóricos desenvolvidos para outra realidade, fundamentalmente a européia. Não podendo aceitar tranquilamente essa situação, só nos resta investir no relativismo cultural, que, sabemos, tende, a uma fragmentação da história, à construção de várias histórias, sob diferentes enfoques ou pontos de vista. Tal fragmentação da história vem caminhando pari passu com as revisões críticas do movimento moderno, que vem ocorrendo já há décadas. Parece que estamos então numa época mais propícia aos relatos fragmentários, aos discursos pontuais, restritos e em profundidade, que permitem analisar em escala próxima acontecimentos mais bem delimitados.

No entanto, nosso objetivo era a visão panorâmica, para tal, a estratégia adotada na narrativa foi abordar esses anos por meio de alguns temas selecionados por sua relevância e pertinência a cada período, de maneira a proporcionar diferentes leituras que visam apontar e explorar momentos chave. Os temas variam de década a década e, de certa maneira, muitos deles determinam ou influem consideravelmente no conjunto de obras abordadas. No livro lançamos mão da metáfora de uma rede de pesca estendida sobre a realidade, cujas lacunas só podem ser preenchidas ou minoradas com o concurso de muitos outros trabalhos e, principalmente, de muitos outros autores.

Cada parte se inicia com um capítulo mais conceitual, que busca sinalizar as principais forças em ação no período. Isto é válido mesmo no capítulo inicial da parte “Novos Rumos?(1985-1995) em que, excepcionalmente, o texto se debruça sobre obras específicas, mas com o claro objetivo de tratar uma questão crucial ao período: a indubitável mudança de valores nas bases teóricas do pensamento arquitetônico, com a valorização da cidade real, complexa e caótica, como cenário por excelência da intervenção da arquitetura.

O tema “Oscar Niemeyer?é recorrente no livro, comparece no preâmbulo e em três das quatro partes centrais em que se estrutura. Fiel ao enfoque cronológico e à periodização proposta, a abordagem da longa obra de Niemeyer procura observá-la menos como uma produção que segue isolada e incólume, e mais como uma manifestação sujeita a seu tempo, que sofre inflexões ao longo das décadas, ecoando um espírito do tempo e uma cultura arquitetônica viva. A primeira inflexão, assumida pelo próprio Oscar Niemeyer foi tratada na parte “Diálogos (1955-1965)?em dois capítulos: um específico sobre os palácios de Brasília e em outro dedicado à industrialização que aborda, entre outras experiências, a construção dos edifícios da UnB. Acreditamos que em ambos a inflexão é bastante evidente, inclusive denotando relativo afastamento do diálogo com a obra de Le Corbusier, tão presente nos anos anteriores. Na parte seguinte, “Pós-Brasília (1965-1975)? parece haver outra inflexão na obra de Niemeyer, a estrutura passa a ser o elemento primordial na definição do partido, gerando uma situação de grande correspondência entre definição estrutural e resultado formal. Naturalmente as mudanças nunca são súbitas, há obras de transição ou premonitórias entre uma fase e outra, mas, grosso modo, no período anterior a estrutura era submetida ao resultado formal, enquanto nesse período a definição estrutural atinge maior protagonismo, como em boa parte da arquitetura feita no Brasil no período. A única parte em que a obra de Oscar Niemeyer não figura é em “Crise e Renovação (1975-1985)? Nesse período, a obra de Oscar Niemeyer segue numa situação de relativa continuidade com a década anterior e a opção que tomamos foi a de enfocar as forças de renovação, ainda que relativamente marginais, que estavam tensionando o status quo da arquitetura no Brasil. Por fim, a quarta parte, “Novos Rumos (1985-1995)?num contraponto ao adjetivo “novo?termina com uma revisita aos mestres, Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha. A obra de Niemeyer parece passar, desde meados dos anos 80, por uma nova inflexão, cujo marco apontado no livro é o Panteão da Pátria na Praça dos Três Poderes (1985). Há um arrefecimento no uso da estrutura como principal tema plástico, os projetos se tornam mais esculturais e esquemáticos, menos preocupados com os usos.

O tema da “habitação social?comparece com peso em duas das quatro partes principais. E, nessas duas partes, enfocam momentos bastante distintos: por um lado, na parte “Pós-Brasília (1965-1975)?são abordadas experiências preocupadas em compor novas urbanidades, com uma lógica apartada da cidade tradicional, em situações que, grosso modo, seguiam o urbanismo CIAM ou criavam desenvolvimentos sobre o mesmo. Tanto a proposta para a “Cidade-satélite?em Cotia, quanto o Conjunto habitacional Zezinho Magalhães Prado, o Cecap-Cumbica, se aproximam da idéia de Unidade Habitacional, ou seja, um conjunto de habitações servido por equipamento comercial e educacional básico, de cunho racionalista. São ilhas, cidades à parte, ensaios de uma nova urbanização. Por outro lado, as experiências enfocadas na parte “Novos Rumos (1985-1995)? notadamente aquelas propiciadas nos concursos públicos da prefeitura de São Paulo na gestão Luiza Erundina, buscaram ir contra o automatismo no emprego ad nauseam de modelos empobrecidos do urbanismo CIAM, com ênfase, além da qualidade da moradia, de uma melhor inserção na cidade existente, evitando criar ilhas, perseguindo conjuntos integrados e contínuos à cidade. Nessa mesma parte, são abordadas as políticas públicas desenvolvidas na cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de integrar e levar a cidade, ou seja, os serviços e equipamentos públicos, às ocupações espontâneas.

Nas quatro partes principais há ao menos um tema que congrega arquiteturas relativamente simultâneas em diferentes regiões do país, são eles: “Industrialização: A Experiência da UnB e Outras Experiências?(1955-1965); “As Arquiteturas do Desenvolvimento Brasileiro?(1965-1975); “Outras Arquiteturas Brasileiras e os Debates Latino-Americanos do Regionalismo?(1975-1985) e “O Comprometimento com o Lugar e a Diversificação Tecnológica?(1985-1995). Embora a obra de João Filgueiras Lima não seja tratada como um “tema?particular, Lelé é o único arquiteto cuja produção comparece nas quatro partes principais do livro e exatamente nesses capítulos, relacionados acima, cujo tema, relativamente amplo, sinaliza objetivos, debates ou fazeres que afetaram o meio arquitetônico nacional. Da mesma forma que a obra de Oscar Niemeyer, a obra de Lelé, em que pese a coerência essencial que a caracteriza, mostra a sensibilidade e o comprometimento com uma cultura arquitetônica viva, cujas preocupações e objetivos refletem o espírito do tempo.

A cidade comparece sempre imbricada com a arquitetura. Naturalmente a discussão urbana permeia os capítulos que tratam da habitação social. Além disso, cada uma das partes principais tem um capítulo dedicado à questão urbana: o concurso de Brasília (1955-1965); a experiência de Curitiba (1965-1975); as conseqüências da modernização dos códigos de obra sobre o espaço urbano, tomando como exemplo a região da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini na cidade de São Paulo e o planejamento urbano que passou a vigorar desde 1972 (1975-1985); “Reciclagens, Espaços de Cultura e Cidade?(1985-1995) aborda as recuperações de centros históricos e as obras que buscam levar a cidade legal até as áreas de ocupação precária e informal, tratadas como duas faces da mesma questão: a valorização cultural das ambiências urbanas. Na parte final, há um ensaio – “Arquiteturas em Diálogo com as Paisagens Urbanas?– que, pela maior proximidade no tempo, tem caráter mais especulativo, mas que procura defender o papel crucial da arquitetura na qualificação da paisagem urbana.

Duas das partes principais narram episódios específicos, mais circunscritos a uma região do país, mas que tiveram grande repercussão na cultura arquitetônica nacional: “Brutalismo: Uma Nova Sensibilidade Superficial e Plástica?(1955-1965) e “Pós-Mineiridade Antropofágica e Experimental?(1975-1985). Esses dois episódios coincidem com inflexões importantes na arquitetura feita no Brasil e, principalmente, com mudanças significativas na percepção da arquitetura brasileira. Têm característica assemelhada de episódios específicos, embora não circunscritos a uma região do país, os capítulos “Pragmatismo Cultural e Urbano: Arquitetos e Obras?(1975-1985) e “Reciclagens, Espaços de Cultura e Cidade?(1985-1995). Ambos extrapolam suas especificidades e assemelham-se, cada um a seu modo, na valorização de tecnologias e implantações tradicionais e na gradativa valorização da arquitetura que compõe com o existente.

O desafio da diversidade

É assustador; mas talvez seja necessário aceitar a liberdade, e, com certeza o desconforto, de vivermos hoje uma realidade fragmentária, ampla demais para ser enfeixada em palavras de ordem, em discursos esquemáticos triunfais e pretensamente eficientes, que embalam e consolam tanto quanto simplificam e enganam.

Essa frase, extraída do último parágrafo do livro mostra um compromisso com a aceitação da diversidade e pluralidade. Mas, mais que isso, deixa transparecer, o quanto essa opção, sem sombra de dúvida, é o “caminho difícil? Buscamos no livro caminhar numa senda relativamente estreita entre a sinalização da convivência simultânea e complexa da diversidade e pluralidade de caminhos e a busca de um nexo histórico, ou seja, de um sentido do espírito do tempo que permeia a produção em cada um dos períodos e no suceder das gerações.

Os 50 anos visitados nesse livro parecem ter sido especialmente movimentados na arquitetura, abarcando desde o último episódio importante do movimento moderno ou o primeiro de sua revisão crítica, o Brutalismo, passando por escarpas rarefeitas em que se vislumbrava a desmaterialização da arquitetura num mundo virtual de imagens ou, pelo contrário, percorrendo o solo num retorno às origens, aos materiais e formas tradicionais, entre um e outro uma gama considerável de pesquisas e experiências tecnológicas e artísticas. Desde os meados dos anos 90 parece se configurar uma espécie de convergência. Quase numa atitude provocativa, afirmamos na parte final do livro que o contemporâneo em arquitetura, desde os últimos anos do século passado, já é reconhecível.

E, indo um pouco mais longe, listamos uma gama de características formais:

Caracteriza-se pelo emprego da abstração em sólidos regulares ou não – denotando uma ampliação do mundo morfológico, pelo eventual uso de camadas sobrepostas de vedação, pela exploração dos materiais de acabamento na confecção de texturas, pelos anteparos que filtram a luz, com uso de materiais que permitem ampla gama de variação entre o transparente e o opaco, por lançar mão de contrastes ?opacidade e transparência, peso e leveza, regra e liberdade ?por vezes na relação com o existente. O contemporâneo trabalha com a cidade híbrida e projeta seu lugar. Ou seja, seus momentos mais felizes são quando sua forma resulta tanto do conhecimento disciplinar aprofundado da modernidade enquanto tradição, quanto de uma leitura sensível do lugar, sendo concomitantemente parte da ‘manipulação?deste lugar.

Caminhamos então para o fim da diversidade e do pluralismo? Dificilmente. Queremos acreditar que o conceito de contemporâneo é que se tornou amplo, inclusivo e diversificado, com capacidade de abarcar diferentes e contrastantes tecnologias e poéticas. Porém, há nessa parte do livro considerável grau de especulação, ainda que embasada na realidade que se percebe.

Recorte nacional e as questões de identidade

A historiografia da arquitetura moderna brasileira nasceu sob o amparo da identidade nacional afirmando-se face ao movimento moderno internacional; é assim em Brazil Builds (Philip Goodwin) [4] , Modern Architecture in Brazil (Henrique E. Mindlin) [5] ou L’architecture contemporaine au Brésil (Yves Bruand) [6]. Na narrativa – Brasil: arquiteturas após 1950 ?propomos a realização de um panorama nacional que não pretende apoiar uma noção determinada de identidade cultural, o que não deixa de ser uma contradição em termos. Partimos do princípio de que a identidade é sempre uma construção interessada e nunca um absoluto imutável, sendo sucessivamente posta em questão no suceder das gerações.

A base de apoio para a construção da especificidade da arquitetura moderna brasileira, num primeiro momento, foi a idéia de que nossa arquitetura ganhara sua autonomia em relação ao estilo moderno internacional, mais especificamente, de sua vertente corbusiana, pela excelência de sua produção. Mas a partir de meados dos anos 1950, essa construção erudita e referenciada, vai sendo paulatinamente substituída por outra. Talvez de uma maneira pouco clara, pouco debatida, e menos ainda explícita – mas mesmo assim, de maneira muito avassaladora ?os discursos sobre a arquitetura brasileira após Brasília tendem a rechaçar quaisquer laços de inserção da arquitetura brasileira no panorama internacional, negar a influência de modelos de fora, e investir apenas no reconhecimento e valorização de alguns autores e obras nacionais, considerados excepcionais e exemplares. Com evidente empobrecimento dos resultados: tanto da historiografia, como do ensino, e finalmente, das próprias obras.

Nos anos 80, na esteira da revisão crítica do movimento moderno, parte do pensamento nacional se voltou para a idéia de uma identidade latino-americana. Essa identidade se baseava menos numa uniformidade formal e mais numa identidade no fazer, ou seja, a busca de uma arquitetura apropriada [7] e coerente para a região, ou para as inúmeras regiões dentro da América Latina. A defesa de uma arquitetura adequada e apropriada ao meio e aos fins e, portanto, diferente a cada solicitação levou a uma considerável abertura formal, respaldada pela idéia de ampliação do conceito de modernidade arquitetônica para além de um receituário formal. Assim, a idéia de “modernidades?latino-americanas, diversas e parcialmente destoantes daquela dos centros desenvolvidos, foi uma ferramenta conceitual importante para entender de maneira própria a produção plural que ocorria no subcontinente.

Desde os anos 90 parece haver, em parte do meio nacional, uma recidiva da idéia de autonomia da nossa cultura arquitetônica. Junto à revalorização do movimento moderno amplo senso, parece ocorrer a revalorização da nossa tradição moderna, dos nossos mestres modernos e das nossas obras modernas. Essa recidiva parece ser mais forte no meio paulista, onde uma há uma massa significativa de arquitetos relativamente jovens com uma obra importante, bastante reconhecida no meio. [8] Talvez não haja mais o risco do isolamento num pensamento exclusivamente “nacional? espera-se que não esteja em curso uma nova construção crítica e historiográfica que prossiga insistindo na fantasia da plena autonomia. Mas possivelmente, a nostalgia de uma época dourada parece nos rondar; embora essa não seja, de modo algum a única tendência contemporânea passível de ser hoje identificada.

Perante estas sucessivas construções críticas e teóricas, adotamos a postura do relato descritivo e crítico, procurando manter certa independência; no entendimento de que a construção da “arquitetura brasileira?corre sempre o risco de tornar-se um relato estreitamente ideológico, potencialmente forçando a narrativa a apenas visualizar algumas escolhas e olhar em certas direções. Não é nosso enfoque: mesmo que seja impossível, gostaríamos de manter nossa narrativa aberta, plural e diversa. No livro Brasil: arquiteturas após 1950 procuramos tornar mais direta a percepção do desenvolvimento histórico da produção de arquitetura no Brasil como parte de uma realidade mais ampla e complexa – ibero-americana, e também, necessariamente, internacional. Colocar o Brasil como protagonista nesta realidade expandida parece ser a única maneira de dar conta da produção destes anos, num mundo em que gradativamente a circulação de informações, de pessoas, de profissionais passou a formar uma rede emaranhada de conexões que torna relativamente sem sentido as dicotomias que pautavam o mundo na primeira metade do século XX.

A narrativa parte então de uma tentativa de superar a dicotomia colônia ?metrópole. Sem negar as especificidades do lugar – geografia, clima, cultura, arquitetura, tradição urbana – mas entendendo sempre que a cultura arquitetônica é viva e se renova constantemente. Ao estabelecer essa relação mais direta entre o cenário arquitetônico nacional e o internacional, é inevitável o questionamento das narrativas passadas, narrativas que seguem arraigadas na cultura arquitetônica local e sutilmente vivas, em que pese as enormes mudanças superestruturais que o Brasil e o mundo viveram nas últimas cinco décadas. Quanto mais nos aproximamos no tempo, já livres das interpretações passadas, mais clara se torna a impossibilidade de refletir sobre a produção contemporânea nacional apartada do cenário internacional. Nos capítulos finais, embora os exemplos sejam nacionais, a reflexão se volta, inevitavelmente, para os grandes temas que tensionam a produção contemporânea: herança moderna, meio ambiente, espaço público, cidades.

Faz sentido, nos dias de hoje, propor um recorte nacional? Entendemos que o recorte se justifica em dois aspectos principais: o primeiro, já abordado, pelo impulso de colocar a produção nacional como protagonista da cultura arquitetônica mundial – nem receptor, nem mundo isolado – estabelecendo uma relação mais direta entre cenário arquitetônico nacional e internacional; o segundo, por ser tratar de uma produção pouco presente nos compêndios internacionais e que, malgrado parte de um todo maior, constitui um repertório local importante que constrange, para o bem e para o mal, a produção local.


notas

[1] BRUAND, 1981.
[2] MAGALHÃES, GUIMARAENS, TAULOIS e FERREIRA, 1978.
[3] Ver MAGALHÃES, GUIMARAENS, TAULOIS e FERREIRA, 1978.
[4] GOODWIN, 1943.
[5] MINDLIN, 1956.
[6] BRUAND, 1981.
[7] O texto emprega o conceito “arquitetura apropriada?tal como definida por Cristián Fernandez Cox. Ver COX, 1984; COX, 1989.
[8] Caso, por exemplo, do grupo reunido na exposição “Coletivo? Ver MILHEIRO, NOBRE e WISNIK, 2006.


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Maria Alice Junqueira Bastos

Arquiteta, com mestrado (2000) e doutorado (2005) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, desenvolve pesquisa de pós doutoramento na FAU da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde agosto de 2010. É autora dos livros Brasil: Arquiteturas após 1950 (com R. V. Zein, Perspectiva, 2010); Duo Alto de Pinheiros ?Königsberger Vannuchi (C4, 2009) e Pós-Brasília: Rumos da Arquitetura Brasileira (Perspectiva, 2003).

Ruth Verde Zein
 Arquiteta, com mestrado (1999) e doutorado (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pós-doutorado (2008) pela FAU-USP. Prêmio Capes 2006 de Teses. É professora e pesquisadora da Universidade Presbiteriana Macken¬zie. É autora de, entre outros, Brasil: Arquiteturas após 1950 (com M. A. J. Bastos, Perspectiva, 2010), Sala São Paulo: A Arquitetura da Música (com A. R. Di Marco; Altermarket, 2007), Rosa Kliass: Desenhando Paisagens, Moldando uma Profissão (com R. Kliass, Senac, 2006) e O Lugar da Crítica: Ensaios Oportunos de Arquitetura (Ritter dos Reis/Proeditores, 2002).


Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Abilio Guerra

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A historiografia da arquitetura moderna introduzida no Brasil a partir do final da década de 1920 é um fenômeno recente. Durante décadas imperou a visão presente nos mitológicos Brazil Builds (Philip Goodwin, 1943)[2] e Modern Architecture in Brazil (Henrique Mindlin, prefácio de Sigfried Giedion, 1956)[3], que foi repetida de forma tão sistemática que se transformou em quase axioma. Os textos de Goodwin e Giedion olhavam para a nova arquitetura a partir de uma perspectiva informada pelos pressupostos teóricos e históricos de Lucio Costa. No entendimento de Costa, a arquitetura moderna brasileira era resultante de dois fatores distintos e complementares: a fusão dos princípios europeus e dos elementos culturais nacionais; e a criatividade do gênio nativo, em especial do arquiteto Oscar Niemeyer. Há aqui um flagrante condicionamento de um ambiente intelectual que assumiu a identidade nacional como cerne de sua atuação cultural e artística; hegemônico no primeiro tempo modernista brasileiro, esse ambiente ocupou também posição central nos desdobramentos modernos dos anos 1940 e 1950.

A produção histórica escassa sobre a arquitetura moderna no Brasil até o início dos anos 1980 é resultante, dentre outros fatores, da falta de consistência teórica e metodológica da pesquisa histórica realizada na universidade ?os raros programas de pós-graduação ainda não tinham se consolidado ?e do ambiente endógeno na área de produção, em que os envolvidos na realização de obras arquitetônicas e sua divulgação ?arquitetos, fotógrafos, editores, redatores etc. ?compartilhavam dos mesmos princípios e valores a respeito da “boa arquitetura? Não é de se estranhar, portanto, que em um ambiente intelectual engessado tenha sido de um estrangeiro, o francês Yves Bruand, o primeiro estudo abrangente sobre a carreira da arquitetura moderna em nosso país. Mas, mesmo neste livro fundamental ?Arquitetura contemporânea no Brasil, publicado em 1981[4] ?a pauta que estrutura os argumentos e a própria lógica da evolução ainda está embebida do DNA das ideias de Costa.

O livro de Bruand, ele próprio resultado de uma pesquisa de doutorado, sinaliza uma mudança fundamental em dois âmbitos: pesquisa em pós-graduação e publicações periódicas. Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP), pioneira na pós-graduação em arquitetura no Brasil[5], o curso de mestrado foi criado em 1972, mas será o de doutorado, estruturado em 1980, que dará novos parâmetros para a pesquisa em história, além de formar um expressivo contingente de professores para os cursos de mestrado que serão fundados a seguir em outras universidades públicas brasileiras, com especial destaque para a Escola de Engenharia de São Carlos, da USP. Nessa escola, o curso de mestrado em arquitetura remonta a 1971, mas só a partir de 1985, quando ocorre a implantação do curso de graduação em arquitetura e urbanismo, com a participação de professores com mestrado e/ou doutorado na FAU USP ?dentre eles, Carlos Alberto Ferreira Martins, Carlos Roberto Monteiro de Andrade, Renato Anelli, Agnaldo Farias e Nabil Bonduki ? é que se consolida o projeto que resultará na área de concentração “Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo? criada em 1993. Outros cursos de mestrado, como é o caso dos implantados na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1983 e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1987, também se beneficiaram da matriz uspiana, mas com menor intensidade, pois neles é muito expressivo o número de professores com pós-graduação no exterior. Tal situação é ainda mais flagrante na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde a influência da FAU USP é mínima. O Programa de Pós-graduação em Arquitetura (Propar) foi fundado em 1979 e começou a oferecer cursos de especialização em 1980, de mestrado em 1990 e o de doutorado em 2000. Seus mais destacados professores, Carlos Eduardo Dias Comas e Edson da Cunha Mahfuz, realizaram suas pós-graduações no exterior, assim como diversos dos outros membros do programa. Essa relativa autonomia talvez explique a diversidade do foco das leituras históricas ali realizadas.

No campo das publicações periódicas, depois de um interregno de quase uma década sem revistas de arquitetura relevantes, o quadro irá se reverter nos anos 1980: “No Brasil? assinala Hugo Segawa, “revistas como Habitat e Módulo dos anos 1950 e Acrópole dos anos 1960 (com menos rigor) aproximaram-se das linhas editoriais de tendência, como Arquitetura refletiu as posições da corporação nessa mesma década, até o fenecimento da imprensa de arquitetura no início dos anos 1970. O ressurgimento das publicações regulares nos anos 1980, com a Projeto (a partir de 1979) e AU (desde 1985), não marcou a retomada de ‘revistas de tendência? mas refletiu as incertezas de um país no limiar da redemocratização, o atordoamento pós-moderno e a concordata da modernidade brasileira?a id="_ftnref6_6956" href="#_ftn6_6956">[6]. As duas novas revistas iniciam um processo de profissionalização do jornalismo em arquitetura, com destaque para Ruth Verde Zein, Cecília Rodrigues do Santos e o próprio Segawa[7]. Na revista Projeto daquele período é possível encontrar textos jornalísticos inspirados, em que a intuição dos articulistas aponta para temas e questões inovadoras, e o início de preocupações mais rigorosas do ponto de vista crítico e histórico. A tônica comum é de um entendimento mais crítico da arquitetura moderna e de uma maior abertura em relação às temáticas e poéticas arquitetônicas contemporâneas. Em um sentido mais geral, pode-se dizer que nesse momento surge uma consciência da historicidade do moderno e as implicações correspondentes, em especial a possibilidade de se fazer balanços, comparações, ajuizamentos críticos etc.

Curiosamente estes dois elementos ?pesquisa e revista ?estiveram presentes simultaneamente em duas unidades da PUC, permitindo que participassem da discussão historiográfica. Ainda nos anos 1980, na falta de uma escola de arquitetura[8], o Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura do Departamento de História da PUC-Rio abrigou um grupo de intelectuais de primeira linha, o que possibilitou a experiência marcante da Gávea, revista de história da arte e arquitetura, cujo primeiro número foi publicado em 1984. Ao longo dos anos, participaram como editores e membros do conselho editorial personalidades como Carlos Zílio, Eduardo Jardim de Moraes, Margareth da Silva Pereira, Jorge Czajkowski, Ronaldo Brito, João Masao Kamita, Roberto Conduru e Rodrigo Naves. Na década seguinte, a PUC-Campinas, graças ao investimento na carreira docente, possibilitou que seus professores se qualificassem com mestrado e doutorado, realizados na FAU USP e no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Essa experiência ?que contou com a participação dos professores Sophia S. Telles, Luis Espallargas Gimenez, Maria Beatriz de Camargo Aranha, Áurea Pereira da Silva, Vladimir Bartalini, Silvana Rubino e Abilio Guerra ?teve na revista Óculum, publicada a partir de 1992, uma de suas expressões importantes[9].

São os artigos escritos e publicados nesse ambiente intelectual, entrelaçando jornalismo especializado e pesquisa acadêmica, revistas comerciais e periódicos universitários, que dão a base inicial para a formação do espaço de pesquisa sobre arquitetura moderna brasileira, ou simplesmente do “campo? como diria Margareth da Silva Pereira. Desde então se avançou muito, graças à sedimentação dos mencionados cursos de pós-graduação e a criação de outros, tanto em escolas públicas como privadas, alguns em rápido processo de amadurecimento, como é o caso dos oferecidos pela PUC-Campinas e Mackenzie. Hoje, portanto, o quadro é muito distinto de trinta anos atrás, pois já foram realizados uma cobertura temática de grande amplitude e estudos monográficos aprofundados[10].

A ideia de publicar esta coletânea de artigos, que consideramos fundamentais para a compreensão da formação da historiografia sobre a arquitetura moderna brasileira, é acalentada há alguns anos. O período que nos separa de suas publicações originais é relativamente curto ?o primeiro deles data de 1983 ?e eles continuam presentes nas bibliografias de artigos, mestrados, doutorados, disciplinas etc. Essa constatação torna incômoda a situação de quem os reapresenta ao público, pois alguns riscos de interpretação equivocada são eminentes. O primeiro deles é supor que aqui estão apresentados os textos inaugurais da construção historiográfica da arquitetura moderna brasileira. Para nos antepormos a quem assim considerar, sacamos de empréstimo o comentário de Lucio Costa em seu debate epistolar com Geraldo Ferraz, que defendia Gregori Warchavchik como o introdutor da arquitetura moderna no Brasil: “não adianta […] perderem tempo à procura de pioneiros ?arquitetura não é Far-West?a id="_ftnref11_6956" href="#_ftn11_6956">[11]. Mas, diferente de Lucio Costa ?que desloca astuciosamente a questão ao defender Niemeyer como autor dos princípios que norteariam o seu desenvolvimento no país ? nós apontamos aqui a dificuldade, e até mesmo a impossibilidade, em detectar pioneirismo de ideias em um ambiente em que o rigor acadêmico ainda não havia fincado raízes. Portanto, os textos aqui presentes não são necessariamente os primeiros publicados sobre a questão historiográfica e, seguramente, se beneficiaram do momento propício à construção do “campo? Mas eles são ou os artigos que mais desdobramentos provocaram no debate historiográfico nas últimas décadas ?em especial, os presentes na parte 1 desta coletânea ? ou exemplos interessantes dos desdobramentos de ideias, pressupostos e métodos ali contidos.

O segundo risco é de considerar os textos selecionados como atuais, no sentido que seriam as últimas elucubrações sobre os assuntos historiográficos. Não o são, evidentemente. O tempo ?que corrói todas as coisas, segundo o velho adágio ovidiano ?não os deixou impunes. Como não podia deixar de ser, mais do que as pretensas verdades dos caminhos e descaminhos da arquitetura moderna brasileira, eles retratam as condições materiais e possibilidades intelectuais do período no qual foram produzidos. E os próprios autores ?praticamente todos eles hoje com uma carreira consolidada ?são conscientes disso, como podemos verificar nas suas próprias palavras. “De minha parte? diz Sophia S. Telles, “modificações substantivas ocorreram durante esses anos, mais na maneira de ler os projetos ?tão fenomenológica, inicialmente ?e muito nas interpretações ideológicas e políticas, que considero ainda pouco estudadas no nosso caso. Aplicamos as regras dos anos 1980 mais com espírito militante do que propriamente universitário, no sentido de conhecer a fundo o que sequer sabíamos suficiente, a arquitetura brasileira, e muito menos a arquitetura moderna em geral?a id="_ftnref12_6956" href="#_ftn12_6956">[12]. Ou então, na ponderação de Carlos Eduardo Dias Comas: “Hoje eu seria muito mais crítico da interpretação do Frampton; relativizaria ?e muito ?a importância da identidade nacional e do barroco no período 1936-1945, vendo-a mais como parte da retórica de resistência antiamericana nos anos 1950?a id="_ftnref13_6956" href="#_ftn13_6956">[13]. Margareth da Silva Pereira, por sua vez, é contundente sobre o quanto seus artigos são tributários da ocasião: “Ambos os textos revelam meus interesses à época pelas questões de memória coletiva e pelo sentido cultural atribuído a conceitos e palavras, o que pode ser definido como uma tendência geral nesse período. O significado cultural atribuído a palavras como história, utopia, natureza, paisagem e, sobretudo, arquitetura, passou a ser o meu foco de interesse naqueles anos, conjugado a um interesse que nunca deixei de ter pelas biografias. Daí que esses textos revelam ao mesmo tempo meu esforço em juntar essas duas pontas, indivíduo e cultura, e minhas tentativas de abrir espaço para uma reflexão sobre o Brasil, menos apriorística e mais atenta a processos e atores?a id="_ftnref14_6956" href="#_ftn14_6956">[14]. Todos os depoimentos são de 2006; será que os autores dariam os mesmos depoimentos quatro anos depois?

E um terceiro risco ?este menos perigoso, pois pode ser afastado com uma confissão pessoal do organizador ?seria tomar os artigos aqui publicados como os principais. Sem dúvida, alguns o são, mas outros são frutos da escolha idiossincrática de quem os selecionou (e que não se envergonhou de incluir um texto da própria lavra) a partir de uma lista prévia de mais de cinquenta artigos. A escolha envolveu também a busca de diversidade de abordagem, número amplo de autores, diversidade regional etc. Alguns nomes importantes estão infelizmente ausentes, mas tal problema poderá eventualmente ser sanado com a publicação de um ou mais volumes, ampliando a coletânea dos textos fundamentais sobre a história da arquitetura moderna brasileira.

Os artigos selecionados nesta coletânea e publicados em dois volumes têm como datas inicial e final os anos de 1983 e 2002. Transformações profundas são visíveis nesse período. Os livros de referência presentes nos primeiros artigos ?de autores importantes, como Venturi, Rossi, Frampton e Giedion ?são citados em suas versões originais, mas vão sendo gradativamente substituídos por suas traduções para o português, compartilhando o espaço com novos títulos e autores. Há também uma notável modificação nas notas de rodapé, que, em pouca quantidade e imprecisas nos artigos iniciais, vão se tornando aos poucos mais coerentes e adequadas, para finalmente se tornarem normatizadas nos artigos finais. Essa evolução está em parte descaracterizada nesta edição, pois as notas foram em grande parte corrigidas nas imprecisões e complementadas em suas omissões. Entre salvaguardar o original e colaborar na pesquisa do leitor atual, optamos pela segunda opção, afinal o original poderá ser consultado a qualquer momento nas boas bibliotecas de arquitetura.

Do ponto de vista da argumentação, a necessidade de se criar um “campo?acaba caracterizando o primeiro momento como a busca das características específicas de nossa arquitetura, relacionando suas diferenças a partir de determinações ou princípios culturais, psicológicos, estéticos, civilizacionais etc. Com a sedimentação das primeiras conquistas e o estabelecimento de um espaço discursivo devidamente elástico para suportar a presença de antagonismos e diferenças, as pesquisas e especulações críticas acabam derivando para temas específicos ?habitação coletiva ou novas cidades, por exemplo ?e levantamentos monográficos ?sobre Paulo Mendes da Rocha, Rino Levi, Gregori Warchavchik etc.

Por fim, há o engajamento de pesquisadores estrangeiros, quebrando a hegemonia inicial quase completa exercida pelos pesquisadores brasileiros, com a notável exceção de Bruand. Se o interesse de Paul Meurs ?grande entusiasta de nossa arquitetura e dela incansável divulgador na Holanda ?pode ser visto como um fato isolado, o mesmo não se pode dizer do interesse dos investigadores argentinos, com a dupla Adrián Gorelik e Pancho Liernur à frente. O número 4 da revista Block é um dos mais importantes documentos sobre a história e historiografia da arquitetura moderna brasileira, trazendo contribuições de pesquisadores brasileiros e argentinos. E não se trata apenas de uma coletânea, mas claramente de um diálogo articulado, como pode se verificar, dentre outros exemplos possíveis, na tentativa da dupla argentina Fernando Aliata e Claudia Shmidt, que tenta “explorar a dimensão clássica da teoria e da obra de Lucio Costa a partir da aproximação do arquiteto à obra de Perret, evidenciada com clareza no conjunto de Monlevade?a id="_ftnref15_6956" href="#_ftn15_6956">[15]. Essa entrada analítica ?de compreender a arquitetura e teoria de Lucio Costa a partir de sua formação acadêmica ?já vinha sendo desenvolvida havia alguns anos por Carlos Eduardo Dias Comas, sob a influência do trabalho historiográfico de Colin Rowe. Fato aceito por Aliata e Shmidt que, após assinalarem que esse aspecto foi, em geral, negligenciado pelos estudiosos de Costa, afirmam que, nesse tipo de abordagem, “exceções no campo historiográfico constituem-se as análises presentes em Comas?a id="_ftnref16_6956" href="#_ftn16_6956">[16]. De qualquer forma, esse interesse externo acaba trazendo novamente para a cena a origem da arquitetura moderna no Brasil, que vê mais uma vez repassada as condições de sua implantação em nosso país. O distanciamento histórico permite também um enfrentamento mais tranquilo de episódios problemáticos e ambíguos que foram ignorados ou discutidos com acidez exagerada em outros tempos. Convidamos os leitores a verificarem nos textos originais não só as questões mencionadas nesta breve apresentação, mas o quanto já foi realizado em prol da construção de uma história da arquitetura moderna no Brasil.


notas

[1] O presente texto foi originalmente publicado como apresentação de uma coletânea de artigos publicada em dois volumes: GUERRA, Abilio (org.). Textos fundamentais sobre historia da arquitetura moderna brasileira ?parte 1. Coleção Bolso RG, n.1. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2010, 316 p. ISBN: 978-85-88585-22-5 (textos de Carlos Alberto Ferreira Martins, Carlos Eduardo Dias Comas, Lauro Cavalcanti, Luis Espallargas Gimenez, Margareth da Silva Pereira, Renato Anelli, Ruth Verde Zein, Silvana Barbosa Rubino e Sophia S. Telles); GUERRA, Abilio (org.). Textos fundamentais sobre historia da arquitetura moderna brasileira ?parte 2. Coleção Bolso RG, n.2. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2010, 332 p. ISBN: 978-85-88585-23-2. (textos de Abílio Guerra, Carlos Alberto Ferreira Martins, Carlos Eduardo Dias Comas, Claudia Shmidt, Edson Mahfuz, Fernando Aliata, Hugo Segawa, Jorge Czajkowski, Jorge Francisco Liernur, Margareth da Silva Pereira, Maria Beatriz de Camargo Aranha, Nabil Bonduki, Otília Beatriz Fiori Arantes, Paul Meurs e Renato Anelli). Na forma de comunicação, foi apresentado posteriormente no I Enanparq ?Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (Rio de Janeiro, 2010), na Mesa “Panoramas da Arquitetura Brasileira Moderna e Contemporânea”, coordenada por Ruth Verde Zein.

[2] GOODWIN, Philip. Brazil Builds. Architecture New and Old 1652-1942. Fotos de George E. Kidder Smith. Nova York, MoMA, 1943.

[3] MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil. Prefácio de Sigfried Giedion. Rio de Janeiro, Colibris, 1956, p. 199. (Versão brasileira: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura moderna no Brasil. Tradução de Paulo Pedreira. Prefácio de S. Giedion. Apresentação de Lauro Cavalcanti. Aeroplano/Iphan, Rio de Janeiro, 1999.

[4] BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1981.

[5] Na verdade, o curso de mestrado em arquitetura mais antigo do país é o da UnB, mas a consolidação da área de história é tardia, com praticamente todos seus professores se pós-graduando na USP.

[6] SEGAWA, Hugo; CREMA, Adriana; GAVA, Maristela. Revistas de arquitetura, urbanismo, paisagismo e design: a divergência de perspectivas. Arquitextos, São Paulo, n. 057, texto especial 282, Portal Vitruvius, fev. 2006. <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp282.asp>.

[7] Os três arquitetos migraram posteriormente para a academia, onde ocupam hoje posição de destaque na USP, caso de Hugo Segawa, e no Mackenzie, caso de Ruth Verde Zein e Cecília Rodrigues dos Santos. Esta última é coautora de um dos mais importantes livros da historiografia da arquitetura moderna brasileira: SANTOS, Cecília Rodrigues dos; PEREIRA, Margareth da Silva; CALDEIRA, Vasco; PEREIRA, Romão Veriano da Silva. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo, Tessela/Projeto, 1987.

[8] O curso de graduação em arquitetura na PUC-Rio só foi inaugurado no ano 2002.

[9] A revista Óculum n. 1, publicada em 1985, foi uma iniciativa autônoma de um grupo de estudantes e recém-formados, todos da PUC-Campinas. A partir do n. 2, de 1992, a revista torna-se revista institucional da escola. A professora Margareth da Silva Pereira, membro da revista Gávea nos anos 1980, participa de forma muito efetiva desse momento especial da escola de Campinas.

[10] Sobre a amplitude dos trabalhos monográficos realizados nos programas de pós-graduação, ver GUERRA, Abilio. Monografia sobre Salvador Candia e a necessidade de um diálogo acadêmico. Resenhas Online, São Paulo, vol. 78, ano 7. Portal Vitruvius, jun. 2008, p. 208 <www.vitruvius.com.br/resenhas/textos/resenha208.asp>.

[11] COSTA, Lucio. Carta-depoimento (1948). In XAVIER, Alberto (org.). Lucio Costa: sobre arquitetura. Textos de Lucio Costa. Porto Alegre, Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962, p. 125.

[12] TELLES, Sophia S. Depoimento por email, 09 out. 2006.

[13] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Depoimento por email, 23 set. 2006.

[14] PEREIRA, Margareth da Silva. Depoimento por email, 11 set. 2006.

[15] ALIATA, Fernando. Depoimento por email, 09 ago. 2006.

[16] ALIATA, Fernando; SHMIDT, Claudia. Lucio Costa, o episódio Monlevade e Auguste Perret. In GUERRA, Abilio (org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna brasileira ?parte 2, p. 255.


textos constantes na obra

volume 1

1.
A arquitetura modernista: um espaço sem lugar
Sophia S. Telles
1983

2.
Pós-modernismo, arquitetura e tropicália
Luis Espallargas Gimenez
1984

3.
Uma certa arquitetura moderna brasileira: experiência a reconhecer
Carlos Eduardo Dias Comas
1987

4.
Protótipo e monumento, um ministério, o ministério
Carlos Eduardo Dias Comas
1987

5.
Le Corbusier, o estado novo e a formação da arquitetura moderna brasileira
Lauro Cavalcanti
1987

6.
O futuro do passado ou as tendências atuais
Ruth Verde Zein
1987

7.
Autenticidade e rudimento. Paulo Mendes da Rocha e as intervenções em edifícios existentes
Luis Espallargas Gimenez
1988

8.
Lúcio Costa: monumentalidade e intimismo
Sophia S. Telles
1989

9.
Arquitetura moderna, estilo Corbu, pavilhão brasileiro
Carlos Eduardo Dias Comas
1989

10.
A arquitetura brasileira e o mito: notas sobre um velho jogo entre afirmação-homem e presença-natureza
Margareth da Silva Pereira
1990

11.
Oscar Niemeyer, técnica e forma
Sophia S. Telles
1992

12.
Arquitetura de cinemas em São Paulo, o cinema e a construção do moderno
Renato Anelli
1992

13.
Identidade nacional e estado no projeto modernista, modernidade, estado e tradição
Carlos Alberto Ferreira Martins
1992

14.
Gilberto Freyre e Lúcio Costa ou a boa tradição, o patrimônio intelectual do SPHAN
Silvana Barbosa Rubino
1992

volume 2

15.
A utopia e a história, Brasília: entre a certeza da forma e a dúvida da imagem
Margareth da Silva Pereira
1992

16.
A arquitetura racionalista e a tradição brasileira
Jorge Czajkowski
1993

17.
Rino Levi: arquitetura como ofício
Maria Beatriz de Camargo Aranha
1993

18.
Teoria acadêmica, arquitetura moderna, corolário brasileiro
Carlos Eduardo Dias Comas
1994

19.
Modernismo e tradição, preservação no Brasil
Paul Meurs
1995

20.
Habitação social na vanguarda do movimento moderno no Brasil
Nabil Bonduki
1996

21.
Oswaldo Arthur Bratke: Vila Serra do Navio e Vila Amazonas
Hugo Segawa
1997

22.
“Há algo de irracional…”, notas sobre a historiografia da arquitetura brasileira
Carlos Alberto Ferreira Martins
1999

23.
The south american way, o milagre brasileiro, os estados unidos e a segunda guerra mundial – 1939-1943
Jorge Francisco Liernur
1999

24.
O mediterrâneo nos trópicos. Interlocuções entre arquitetura moderna brasileira e italiana
Renato Anelli
1999

25.
Lúcio Costa, o episódio Monlevade e Auguste Perret
Fernanda Aliata e Claudia Shmidt
1999

26.
Resumo de Lúcio Costa
Otilia Beatriz Fiori Arantes
2002

27.
O clássico, o poético e o erótico: método, contexto e programa na obra de Oscar Niemeyer
Edson Mahfuz
2002

28.
Lúcio Costa, Gregori Warchavchik e Roberto Burle Marx: síntese entre arquitetura e natureza tropical
Abilio Guerra
2002


Abilio Guerra
Arquiteto (FAU PUC-Campinas, 1982), mestre e doutor em História pelo (IFCH Unicamp 1989 e 2002), professor da FAU Mackenzie (graduação e pós-graduação). Com Silvana Romano Santos, é editor da Romano Guerra Editora e do Portal Vitruvius.


Colaboração editorial: Débora Andrade e Luciana Jobim

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Arquitetura Moderna &#8211; mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2011/04/16/9%c2%ba-seminario-docomomo-brasil/ //28ers.com/2011/04/16/9%c2%ba-seminario-docomomo-brasil/#respond Sat, 16 Apr 2011 23:49:56 +0000 //28ers.com/?p=6254 Continue lendo ]]>

interdisciplinaridade e experiências em
documentação e preservação do
patrimônio recente

7 a 10 de  junho . 2011
brasília

O DOCOMOMO é uma organização não-governamental fundada em 1988, na Holanda, com representação em mais de quarenta países. Entidade sem fins lucrativos, os seus objetivos são a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura e no urbanismo. Atualmente está sediado na Fundação Mies van der Rohe, de Barcelona e faz parte do corpo assessor do World Heritage Center da UNESCO. O DOCOMOMO é reconhecido como uma das mais importantes organizações mundiais ligadas às causas preservacionistas.

Em 1992 foi criado, junto à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, a sua seção brasileira, o DOCOMOMO Brasil. No momento, está sediado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os seminários do DOCOMOMO Brasil são realizados a cada dois anos desde 1995. Envolvendo cursos e programas de pós-graduação em arquitetura e urbanismo de diversas universidades, estes eventos já se tornaram um fórum reconhecido ?inclusive no plano internacional ?pela contribuição ao debate sobre a arquitetura e o urbanismo do movimento moderno. Com a criação dos núcleos regionais do DOCOMOMO, a sua atuação tem se estendido por todo o país, resultando na realização de diversos eventos de caráter local.
O 9º Seminário DOCOMOMO Brasil será realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília de 7 a 10 de junho de 2011, terá como tema Interdisciplinaridade e experiências de documentação e preservação do patrimônio recente, e reunirá pesquisadores nacionais e estrangeiros de diversos campos do conhecimento envolvidos com a área de documentação e conservação de  arquitetura e urbanismo modernos.


Para inscrições e mais informações, visite a página do evento em www.docomomobsb.org.

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Arquitetura Moderna &#8211; mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2011/04/07/um-vade-mecum-da-arquitetura-no-brasil-no-seculo-20-arquiteturas-no-brasil-1900-1990/ //28ers.com/2011/04/07/um-vade-mecum-da-arquitetura-no-brasil-no-seculo-20-arquiteturas-no-brasil-1900-1990/#respond Thu, 07 Apr 2011 18:53:37 +0000 //28ers.com/?p=5425 Continue lendo ]]>

Hugo Segawa

Arquiteturas no Brasil 1900-1990 1 é um livro que se enquadra na categoria dos compêndios. Em inglês, seria um textbook ou handbook; em francês, um manuel ou précis; pode ser um enchiridion. Esses termos identificam uma obra cuja natureza é a da informação abrangente de forma concisa, um sumário de um conjunto de conhecimentos complexos ?cujo tratamento da matéria merece a desconfiança de scholars.

A origem de Arquiteturas no Brasil 1900-1990 remonta aos anos 1980. Do maior significado foi a oportunidade concedida por Vicente Wissenbach, fundador e editor da revista de arquitetura Projeto, para eu ser um colaborador do periódico ?de muitos modos ? a partir de 1979. Era um recém-formado. Como resenhista, ensaísta e editor de arquitetura em diferentes momentos ao longo de dezesseis anos de militância na imprensa especializada, pude viajar, conhecer realidades distantes, arquitetos e pessoas relacionadas ao campo da arte, da construção, da indústria e um universo expandido para além da vida acadêmica tradicional, que se iniciou formalmente em 1982, na Universidade Católica de Santos. Encerrei minha colaboração com a revista em 1996, um ano após Wissenbach deixar o comando da revista. Para a Projeto organizei em 1988 o livro Arquiteturas no Brasil/Anos 80, 2 um mapeamento nacional da produção contemporânea brasileira. Nas inúmeras viagens que realizei em busca dessas arquiteturas, mantive um olhar atento para as edificações e espaços dos muitos quadrantes do país e de todas as épocas.

Em artigo publcado no jornal Clarín, de Buenos Aires, em 1989, o arquiteto Tomás Dagnino comentou:

A revista Projeto, de São Paulo, acaba de editar um interessante volume dedicado a compendiar o vasto labor construtivo levado a cabo na última década em seu país.

Arquiteturas no Brasil/Anos 80 concreta, com bons comentários e reproduções fotográficas todas a cor, “um trabalho pioneiro […] que procura identificar as tendências da arquitetura brasileira dos anos 80 a partir de levantamentos realizados a nível regional?

E é essa força das regiões que, em diversos escritos de Hugo Segawa, estão refletidas nas análises que começam com o reconhecimento dos “arquitetos peregrinos? nômades [refere-se ao capítulo Arquitetos, peregrinos, nômades e migrantes] que cruzam em todos os sentidos o país com obras que cada vez mais foram alcançando maiores dimensões. 3

O Prof. José-Augusto França, de Lisboa, teceu alguns comentários em resenha publicada na revista Colóquio Artes de dezembro de 1989:

Trata-se, em suma, de fazer rever o conhecimento moderno-clássico que tem norteado as classificações históricas do fenómeno arquitetónico no Brasil contemporâneo, evitando uma pretensão “totalizante? a favor de uma mais real “fragmentação?que a “condição pós-moderna?proporciona.

O Professor França observou mais ao final da resenha:

Este texto de H. Segawa [refere-se ao capítulo De Brasília a Itá] é fundamental no volume, tal como o outro que escreveu sobre os materiais, reflectindo sobre tecnologia, ecologismo e tradição ?e fazendo o elogio da madeira e do tijolo [refere-se ao capitulo Os materiais da natureza e a natureza dos materiais]. Estes são materiais, no Brasil, do “homem real? numa “modernidade não programática mas pragmática??“uma perspectiva ainda que utópica, subvertedora, mas sensível ao saber tradicional? Outro texto inicial, de H. Segawa, põe, por seu lado, o problema da transumância dos arquitetos nacionais (e estrangeiros) [refere-se ao capítulo Arquitetos peregrinos, nômades e migrantes] através dos espaços brasileiros desde a década de 50 dominada pelo ensino da F.N.A.U.B., no Rio. 4

Pessoalmente, organizar Arquiteturas no Brasil/Anos 80 foi uma descoberta do Brasil: de suas arquiteturas, de seus arquitetos, das paisagens tão distintas e extraordinárias que tive o privilégio de conhecer efetivamente.

Para além das descobertas pessoais, posso avaliar que Arquiteturas no Brasil/Anos 80 foi a ponta do iceberg de um trabalho que foi mais amplo e complexo, realizado na militância de um grupo de pessoas na revista Projeto. Refiro-me a um coletivo de arquitetos e jornalistas que trabalharam na redação da Projeto entre 1979 e 1996, com intermitências e revezamentos. Serei indelicado ao não nomear a todos, mas destacaria como profissionais fundamentais para a revista nesse período: Nildo Carlos de Oliveira (editor executivo), Denise Yamashiro (jornalista), Ruth Verde Zein (editora, ensaísta), Cecília Rodrigues dos Santos (colaboradora, ensaísta), Guilherme Mazza Dourado (articulista, ensaísta) e Anita Regina Di Marco (articulista, ensaísta).

Fernando Lara comentou sobre a revista num artigo comemorativo dos 25 anos do periódico:

Nos anos 1980, PROJETODESIGN (sic) 5 firma-se como a principal revista brasileira de arquitetura e vai gradualmente acompanhando as transformações por que passavam o país e os arquitetos. Diversifica-se a participação regional na revista, com mais espaço para arquiteturas do Sul e do Nordeste, em detrimento do Rio de Janeiro, já que São Paulo sempre contribuiu com cerca de metade do total de obras publicadas. Consolida-se a crítica, capitaneada por Hugo Segawa, Ruth Verde Zein e Cecília Rodrigues dos Santos, e o debate sobre a pós-modernidade (em sua versão mineira ou internacional) torna-se o tema principal. Diminui o espaço dedicado à habitação popular e aos edifícios administrativos (públicos ou privados) e percebe-se, a partir de então, um aumento da presença de edifícios culturais, que será crescente até os dias de hoje. 6

Clevio Rabelo, doutorando da FAU USP, escreveu um ‘drops?no portal Vitruvius em 2005, “Sobre revistas e revisões: o que aconteceu com as revistas brasileiras de arquitetura?? do qual extrai o primeiro parágrafo:

Os anos 1980 foram pródigos para a crítica de arquitetura nacional, em especial em face à abertura política que já se vislumbrava. Naquele momento, o debate era animado pela circulação de revistas de arquitetura cujo espaço crítico era valorizado e incentivado. Fizeram carreira no chamado “jornalismo de arquitetura? personagens de importância singular, como Hugo Segawa, José Wolf, Sérgio Teperman, Anna Regina di Marco e Ruth Verde Zein. 7

O significado da revista Projeto (dirigida por Vicente Wissenbach entre 1977 e 1995) ainda está para ser avaliado.

Uma trajetória em resenhas

Sintomaticamente, a primeira resenha publicada sobre o livro foi escrita por Vicente Wissenbach, na revista Finestra/Brasil (que então dirigia, já afastado da Projeto) de outubro-dezembro de 1998:

Mais uma vez, Hugo Segawa nos brinda com uma contribuição de inestimável valor para o conhecimento, análise e compreensão da arquitetura brasileira. Nos oferece uma obra que abre novos horizontes para o estudo de nossas arquiteturas, sem tentar ser um intérprete oficial de nossa produção.

E é exatamente essa postura, de profunda honestidade, transparência e rigor intelectual ?que, aliás, sempre caracterizaram sua produção ?que deverá servir de estímulo para que outros pesquisadores se debrucem sobre muitos dos temas levantados nesta obra e os vejam sob enfoques particulares. 8

A segunda resenha foi feita para o Boletim Óculum, da PUC-Campinas (então dirigida por Abílio Guerra), de dezembro de 1998, pela Profª Maria Beatriz de Camargo Aranha:

Uma história da arquitetura brasileira do séc. 20: ousadia bem-vinda. Não deixa de ser um ato de coragem semelhante tarefa. Por sua extensão e complexidade, mas ?principalmente ?por enfrentar o esforço de síntese nestes nossos tempos tão avessos a elas. […]. Nesse sentido, a iniciativa tem êxito: Segawa consegue equilibrar exames mais localizados e, por isso mesmo mais profundos, com análises de caráter mais panorâmico. Com isso evita o retrato definitivo da arquitetura brasileira do período, sem se restringir à narrativa fragmentada. 9

O Prof. Carlos A. C. Lemos escreveu a primeira resenha publicada na grande imprensa, na Folha de S. Paulo, em janeiro de 1999:

Na verdade, os arquitetos escrevem muito pouco e aqueles que se entregam à crítica e à história são bastante raros. Daí as lacunas e o esgarçamento de nosso acervo memorialístico alusivo à arte de construir no Brasil ?sendo mais pobre ainda na historiografia a respeito. Por isso, se reveste da maior importância este ensaio do arquiteto Hugo Segawa, profissional interessado desde os tempos acadêmicos nessas questões teóricas, críticas e históricas de nossa arquitetura ?e sua atuação permanente na imprensa especializada tornou-o grande conhecedor do panorama de nossas construções, sobretudo das obras contemporâneas. Seu trânsito entre colegas em congressos, bienais, cursos e seminários também tornou-o atualizadíssimo.

Com o livro “Arquiteturas no Brasil ?1900-1990? Hugo Segawa, com o seu aludido cabedal de conhecimentos, enfrentou a história da arquitetura moderna brasileira e se saiu muito bem. Historiar fatos, procedimentos e realizações recentes com imparcialidade, quando não se tem uma distância ampla necessária à isenção de ânimos, é bastante difícil. Compreender e relatar o que está se passando é tão penoso como resgatar de documentos velhos a verdade dos fatos históricos. Esse é o grande mérito da obra: chegar até o fim do século concatenando e criticando as etapas de nossa arquitetura erudita moderna, estabelecendo as relações havidas com a política e a economia do país sem tomar partido e fazendo juízos de valores extremamente corretos.

Trata-se de um livro eminentemente didático, que prende desde as primeiras linhas. […].

São 224 páginas que completam com maestria alguns textos esparsos já existentes sobre o assunto, tornando-se um livro imperdível. 10

A Profª Ruth Verde Zein, que partilhou comigo da experiência da revista Projeto em sua época de consolidação, resenhou o livro no Jornal da Tarde em maio de 1999:

O livro de Hugo Segawa é histórico ?mas é também crítico. Não lhe faltam informações, pesquisas, dados relevantes organizados de maneira a dar ao leitor uma visão ampla e genérica da arquitetura brasileira de quase todo este século ?tarefa hercúlea que o autor não pretende esgotar. É crítico, porém, na medida em que recorta e seleciona, analisa e valoriza, dando maior ou menor destaque a alguns eventos, obras ou tendências que o autor considera ?e por isso as seleciona ?como de relevância e transcendência maior. E, principalmente, porque se recusa a uma visão totalizadora, unívoca e triunfal desse panorama da arquitetura brasileira. Não tem, como o autor afirma, “a pretensão acadêmica do amplo esforço de Yves Bruand?autor do clássico “Arquitetura Contemporânea no Brasil? Não privilegia arquitetos, com honrosas exceções a poucos mestres como Gregori Warchavchik, Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Vilanova Artigas. E o faz porque deseja operar não com produtos mas com processos, qualificados em alguns temas que, se bem sejam organizados a partir de certa contigüidade temporal, não são meramente seqüenciais mas se superpõem parcialmente, deixando claro que, em cada momento, muitas e diferentes tendências buscam caminhos distintos, divergentes ou convergentes, algumas vezes apenas paralelos.

E Ruth Verde Zein enfatizava o caráter controverso do livro:

Publicar um livro com essa amplitude temporal num panorama da cultura arquitetônica brasileira onde se exibem raríssimos exemplos de outros trabalhos do mesmo porte ?o mais conhecido sendo o já citado Bruand, que atinge apenas até os anos 1960, sendo os demais apenas manuais pontuais de muito menor abrangência – é tarefa das mais polêmicas, pois irá enfrentar, da parte de alguns leitores, toda a expectativa prévia que inevitavelmente nasce da ausência de outras fontes. O livro de Hugo Segawa se sai com galhardia desse desafio configurando-se, desde o seu lançamento, como um clássico que se tornará cada vez mais indispensável, tanto ao arquiteto formado ou em formação, como a qualquer interessado em compreender as questões mais relevantes da arquitetura brasileira deste século. 11

O Prof. Abílio Guerra, então em transição para a construção de seu portal Vitruvius, escreveu uma resenha contemplando dois livros, um deles Arquiteturas no Brasil 1900-1990, no Jornal de Resenhas ?então um suplemento veiculado pelo jornal Folha de S. Paulo:

A semântica adotada por Hugo Segawa ?“a busca de alguma modernidade? “modernidade pragmática? “modernidade corrente? “episódios de um Brasil grande e moderno??confirma a prevalência de uma visão de história apoiada nos vetores gerais da evolução social. Conseqüentemente, onde a narrativa segue à risca tal estrutura, ganha mais peso e densidade. […]. Ao priorizar a coordenada externa da evolução socioeconômica, Segawa acaba por esvaziar […] a faceta transgressora e engajada do modernismo. 12

Guerra observou o caráter de análise por processos, que é um dos esquemas estruturadores do livro, e o critica por um outro viés que não foi o pretendido pelo autor. Na primeira resenha internacional sobre Arquiteturas no Brasil 1900-1990, publicada no Docomomo Journal de junho de 1999, o Prof. Paul Meurs, hoje da Delft University of Technology (TU Delft) também enfatiza o enfoque por processos. Cito alguns trechos:

Segawa propôs-se a uma tarefa ambiciosa: buscar os processos que constituíram a arquitetura moderna no Brasil. Como o século 20 produziu vários ramos, escolas e trajetórias individuais, Segawa fala de “arquiteturas?no Brasil. Mais que em outros livros anteriores sobre o assunto, ele logra inserir o desenvolvimento da arquitetura moderna em um contexto largo, fundo e variado. […].

Paul Meurs segue discorrendo sobre os capítulos e as abordagens que desenvolvi, e ao concluir, afirmou:

O fato de que seu livro se esgotou em poucos meses mostra que sua reflexão sobre a arquitetura moderna no Brasil encontrou base sólida. Este livro é também significativo para estrangeiros com interesse no Brasil. Ele merece uma tradução para o inglês, e possivelmente isto poderá se realizar antes do congresso do Docomomo em Brasília em 2000. 13

Infelizmente, o livro não conhece uma versão em inglês.

Outra resenha internacional foi feita pelo Prof. Alfonso Corona Martínez, professor da Universidad de Belgrano de Buenos Aires, para a revista Summa+ de agosto-setembro de 1999, e reflete uma postura latino-americanista:

Nosso conhecimento da arquitetura dos outros países da América Latina é bastante esquemático. […]. Para a arquitetura moderna do continente nossa visão é também bastante estereotipada. Aceitamos as maneiras de vê-la de quem escreveu do hemisfério norte, e quase sempre como um derivado de “sua?arquitetura moderna. […]. Somente em anos recentes se supera essa limitação logrando-se perceber os desenvolvimentos de cada país (países até pouco tempo muito isolados entre si e conectados de modo admirativo com outros lugares) como fatos com realidade própria, e não simplesmente como a espera da boa influência que nos trará, finalmente, a modernidade.

Esta nova forma de fazer história se inscreve no livro de Hugo Segawa, “Arquiteturas no Brasil, 1900-1990? É ambicioso o propósito de abarcar este lapso, mas muito correta a maneira de enfocá-lo.

Corona Martínez segue descrevendo partes do livro, e estranha o capítulo final, sobre os anos recentes, observando:

Quiçá seja exageradamente breve o tratamento das décadas que se seguem, em especial os anos 1980-90, que tem apenas dez páginas. Mas é possível fazer história do que é quase o presente? Segawa, cujo prestígio como articulista está cimentando por muitos anos nas revistas de São Paulo, pode ter se cansado ante este período que já havia tratado como atualidade. Ou bem sua probidade acadêmica o leva a manter seu papel de historiador dos processos concluídos e não se apresentar no papel dos historiadores do presente, aos quais Manfredo Tafuri chamou ironicamente de “sugeridores?

“Arquiteturas no Brasil?é um aporte interessante para conhecer, de maneira mais crítica e menos simplesmente informativa, o processo brasileiro do século que se conclui. 14

Paul Meurs e Alfonso Corona Martinez em suas resenhas utilizaram uma palavra em comum: “ambicioso? A polêmica “amplitude temporal?que Ruth Verde Zein aponta também está na raiz dos dois observadores internacionais. Foi o desafio que apontei na introdução de Arquiteturas no Brasil 1900-1990:

O risco de escrever um estudo sobre a arquitetura brasileira do século 20 é reproduzir inadvertidamente aquilo que se critica: uma visão totalizadora que apaga as diferenças, exalta as formas dominadoras e dissimula a diversidade. A história e a historiografia recentes ainda se refazem do impacto epistemológico provocado, por exemplo, pelas idéias de um Michel Foucault ?escritos tecidos com a microtrama de uma complexa urdidura. Nesse caminho, a viabilidade de dar formas a problemas, de articular perguntas é muito mais intensa que nossa capacidade individual de formular respostas. Respostas que tendem cada vez mais a exames localizados, talvez profundos (contemplando minorias, “vencidos? movimentos populares, etc.). Uma postura que se avizinha às tendências da fragmentação “regulamentada?do conhecimento, como que uma reação às grandes leituras totalizadoras.

O historiador britânico Eric Hobsbawn, comentando a respeito de algumas tendências da historiografia no final dos anos 1970, escrevia: “Não há nada de novo em olhar o mundo com um microscópio ou com um telescópio. Desde que concordemos de que estamos estudando o mesmo cosmos, a escolha entre o microcosmo e o macrocosmo é uma questão de selecionar a técnica apropriada. É significativo que atualmente mais historiadores julguem o microscópio mais útil. Mas isso não significa necessariamente que eles rejeitem o telescópio, como instrumento superado.?/em>

Este livro teve uma gênese peculiar: convidado pela Universidade Autônoma Metropolitana do México para integrar uma coleção de monografias sobre arquitetura latino-americana, seu formato original circunstanciava-se a um compêndio de arquitetura brasileira no século 20 para o público latino-americano. A oportunidade de uma edição brasileira não descaracterizou esse perfil. O difícil e sutil equilíbrio a se atingir no conteúdo deste trabalho é uma tarefa que deve respeitar as características da iniciativa editorial, exigindo uma compostura que se expressa num jargão arquitetônico, no termo francês bienséance. As circunstâncias apontam mais para o manejo do telescópio; todavia, o microscópio às vezes foi útil, mesmo com prejuízo de alguma coerência totalizadora (que não constitui, propriamente, uma preocupação central). A manutenção das lentes e as direções que elas apontam são de minha inteira responsabilidade; a razão dessas direções, espero que os leitores a percebam percorrendo as páginas deste trabalho. 15

Como já dito, minha atuação na revista Projeto e a organização de Arquiteturas no Brasil/Anos 80 construíram o repertório básico para a escrita do livro Arquiteturas no Brasil 1900-1990. Um trabalho originalmente encomendado pela editora da Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), universidade pública sediada na Cidade do México. Os originais foram entregues em 1992. Com a crise econômica do México em 1995, e a inviabilização da iniciativa editorial naquele país, em 1997 o submeti a um concurso aberto de originais promovidos pela EDUSP para publicação de livros de natureza didática na coleção Acadêmica da editora. Meu trabalho foi aprovado. A primeira edição (1998), de 1 500 exemplares, esgotou-se em sete meses; a segunda edição (1999), de 3 000 exemplares, esgotou-se em cerca de 15 meses. A EDUSP fez uma nova tiragem no final de 2002 com 3 000 exemplares. Em 2010 edita-se a terceira edição, com 1 500 exemplares. Ao todo, Arquiteturas no Brasil 1900-1990 teve uma tiragem total de 9 000 exemplares entre 1998 e 2010.

Outros campos

Arquiteturas no Brasil 1900-1990 é citado em boa parte das teses e dissertações sobre arquitetura moderna brasileira. É utilizado como bibliografia básica nas disciplinas de História da Arquitetura do Brasil nos cursos de graduação em todo o país. Pesquisadores de outras disciplinas se valem do livro. A socióloga Lúcia Lippi Oliveira, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro foi uma autora que encontrei casualmente, citando o meu trabalho, 16 e que depois cheguei a conhecê-la pessoalmente. Pedi uma dedicatória no livro que ela organizou, em que me cita. Gentilmente, escreveu: “Fico feliz por encontrar meu mestre na história da arquitetura. Com um abraço.?Arquiteturas no Brasil 1900-1990 consta da bibliografia do portentoso História do Brasil: uma Interpretação, dos historiadores Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota. 17 Tenho a presunção que o meu livro circula em faixas para além dos leitores arquitetos.

Minha surpresa foi quando localizei pelo Google situações impensadas. Arquiteturas no Brasil 1900-1990 foi e é parte das recomendações bibliográficas de processos seletivos de funcionários de órgãos públicos. Encontrei-o nas bibliografias da Seleção Pública para arquitetos do BNDES ?Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Edital 01/2002; 18 do Concurso público ?administração direta, autárquica e fundacional da Prefeitura de Goiânia ?função Arquiteto, Edital n.º 001/2006, 19 na bibliografia do concurso público para provimento de cargos de servidores técnico-administrativos (arquiteto urbanista) da Universidade Federal de Juiz de Fora, Edital nº 029/2008; 20 e Universidade Federal de Uberlândia, Edital 019/2008 21 ?observando que nas duas universidades federais não se trata de concursos para docentes, mas para arquitetos urbanistas para o quadro de servidores.

O livro recebeu o Prêmio Olga Verjovski do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento Rio de Janeiro, na 26ª Premiação Anual do IAB/RJ em 1998, na categoria Pesquisa, Ensaio e Crítica.

Em 2000 a historiadora e Profª Maria Margarida Cavalcanti Limena, da PUC-SP, iniciava sua resenha sobre meu livro Prelúdio da Metrópole com a sentença: “depois de vários livros, dentre os quais Arquiteturas no Brasil 1900-1990, sua publicação anterior e já constituindo referência obrigatória…?22

Objeto de estudo

Arquiteturas no Brasil 1900-1990 tornou-se também objeto de discussão historiográfica em fóruns científicos. Coletei três comunicações ocupando-se do livro.

O primeiro deles foi apresentado no 3º Seminário DOCOMOMO Brasil em São Paulo, em 1999, pela Profª Sônia Marques (atualmente na Universidade Federal da Paraíba) e Profª Guilah Naslavsky (atualmente na Universidade Federal do Pernambuco). A comunicação “Estilo ou Causa? Como, Quando e Onde? Os conceitos e limites da historiografia nacional sobre o Movimento Moderno?discutia os conteúdos de três livros editados em 1998: Origens da Habitação Social no Brasil, de Nabil Bonduki, Urbanismo em Fim de Linha e Outros Estudos sobre o Colapso da Modernização Arquitetônica, de Otília Arantes, e o meu livro.

Marques e Naslavsky compreenderam uma das chaves conceituais do meu trabalho, no trecho abaixo tomando como base a questão das várias modernidades:

Na verdade modernidade e modernismos são, em Segawa, resultantes de processos paralelos. Modernidade e modernismos se justapõem, no tempo: A “modernidade pragmática?começa durante a “programática? a “modernidade corrente?durante a “pragmática?formas de modernidade a que refere-se o autor. De todo modo, a questão da periodização supõe uma ruptura: está implícito de que houve um tempo em que a arquitetura não era moderna e que depois, através de um processopara utilizar a categoria reivindicada pelo autor ?o movimento moderno, ou melhor ainda, modernismos e modernidade se consolidaram. Esta visão não fica de todo imune à discussão da genealogia. Ela consegue, no entanto, pela metodologia do acréscimo, combinar a genealogia tradicionalmente indicada pela historiografia tradicional com outras fontes, outros “processos? Mas a estratégia de acréscimo está longe de desfazer-se de uma hierarquização e de um juízo de valor para os quais a adjetivação utilizada pelo autor, para a distinção dos diversos processos, nos antecipa algumas pistas.

Marques e Naslavsky avaliaram as três obras resenhadas:

Assim sendo, obras como as de Segawa e Bonduki, ao resgatarem exemplares omitidos pela historiografia tradicional oferecem, sem dúvida uma contribuição, devendo tornar-se leitura obrigatória. Também o é, por razões outras, o livro de Otília Arantes, o qual, ao assumir uma postura claramente contrária às anunciadas por Habermas e Anatole Kopp, convida a um aprofundamento da reflexão em termos amplos. 23

As duas comunicações científicas mais recentes trazem uma abordagem mais evidente: comparar Arquiteturas no Brasil 1900-1990 com Arquitetura Contemporânea no Brasil, de Yves Bruand.

A comunicação “Sobre a Historiografia da Arquitetura Moderna Brasileira: os Livros ‘Arquitetura Contemporânea no Brasil?de Yves Bruand e ‘Arquiteturas no Brasil 1900-1990?de Hugo Segawa?foi apresentada no I Encontro de História da Arte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas em dezembro de 2004. Sua autora, Marília Santana Borges, era então mestranda do Programa de Pós-graduação da FAU USP (concluído em 2006) e doutorou-se em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2008. Em parte baseia-se nos argumentos de Marques e Naslavsky, e traz uma conclusão recorrente, mas com uma observação:

O livro contribui ao ampliar e reconhecer diferentes facetas da arquitetura brasileira pré- e pós-Brasília, expandindo também o território de trabalho e análise. É fato que essa postura acarretou em algumas abordagens mais superficiais, incorrendo também em algumas insuficiências discursivas e conceituais nas diversas modernidades e na ausência de um maior rigor metodológico. Mas o texto de Segawa destaca-se pelo seu caráter didático e por fornecer um amplo panorama da arquitetura brasileira do século XX, ao tentar romper com uma linha de abordagens historiográficas totalizadoras. 24

A autora enuncia mas não discorre a respeito das “insuficiências discursivas e conceituais?e sobre a “ausência de um maior rigor metodológico?do livro. Teria muita curiosidade em saber mais sobre essas limitações.

A terceira comunicação a respeito do meu livro, com igual abordagem da comunicação em Campinas, comparando Bruand e Segawa, apega-se à mesma crítica e reproduz trecho acima de Borges, como citação ?mas evitando argumentar. Ricardo A. Paiva, doutorando da FAU USP, apresentou no Seminário Latino-americano Arquitetura & Documentação, realizado em Belo Horizonte em setembro de 2008, o trabalho “A Escrita da História da Arquitetura Moderna Brasileira: um Palimpsesto? Recolho um comentário de Paiva:

As obras constituem publicações imprescindíveis acerca do quadro geral da arquitetura e urbanismo modernos no Brasil ante o estreito panorama de referências historiográficas sobre um tema tão abrangente. Apesar dos esforços recentes empreendidos por pesquisadores de diversos lugares do país, que redundaram em significativa contribuição para o entendimento do processo de introdução e desenvolvimento da arquitetura moderna em todo o Brasil, é importante destacar que tais contribuições historiográficas se limitam a estudos da produção arquitetônica de arquitetos em contextos específicos ?o que evidentemente não deixa de ser relevante ?não possuindo um caráter mais amplo de manual.

Como “nota conclusiva?acerca da comparação que estabeleceu entre os livros de Bruand e Segawa, Ricardo Paiva escreveu:

A importância desta discussão consiste nem tanto em julgar o quanto certas ou erradas estão as abordagens dos autores, pelo contrário, pretende despertar como a partir delas se pode evoluir na compreensão da arquitetura moderna brasileira, principalmente no que se refere às suas conseqüências na arquitetura contemporânea.

A tensão entre as abordagens suscita outras questões, entre elas:

– novos critérios classificatórios de objetos a serem preservados pelo patrimônio histórico e cultural, como a valorização da arquitetura eclética e os movimentos “protomodernos?

– ampliação do debate acadêmico e pedagógico no quadro das disciplinas de teoria e história da arquitetura, com base em múltiplas e divergentes referências bibliográficas;

– e, sobretudo, a desmistificação das visões unívocas, evitando o obscurecimento dos fatos e abrindo espaço para releituras e interpretações que resgatem o sentido de continuidade com a produção contemporânea. […].

A diversidade de caminhos é necessária, porque urgente e comprometida com o estado de coisas, para retificar e ratificar rupturas ou continuidades entre a arquitetura moderna e contemporânea no Brasil. Segawa aponta um caminho ao concluir que “a atual contestação à arquitetura moderna brasileira atinge seus mitos, não seus princípios?(Segawa, 1997:198). O caminho da diversidade contempla o acréscimo, posto que uma nova camada do palimpsesto pode ser sempre escrita. 25

Quando examinamos estudos alinhando-os, percebemos as cadeias de referências: Marques e Naslavsky apresentaram a primeira apreciação sobre Arquiteturas no Brasil 1900-1990 em um evento científico em 1999; no trabalho de Marília Santana Borges de 2004, Marques e Naslavsky, como as resenhas de Carlos A. C. Lemos e Ruth Verde Zein são parte da bibliografia; Ricardo A. Paiva, em 2008, cita Marques e Naslavsky, Marília Santana Borges e inclui a resenha de Ruth Verde Zein nas referências bibliográficas. São as resenhas que conheço, e devo agradecer aos seus autores pelas apreciações.

Venho recebendo ao longo dos anos, de maneira informal ?isto é, mediante comentários verbais, e-mails ?observações de toda natureza, sugestões e retificações. Graças a essas colaborações de boa vontade, posso repensar sobre o que escrevi dezesseis anos atrás.

Alguns aspectos inovadores de meu livro são registrados por jovens pesquisadores, como o fez Ricardo Paiva. Ele percebeu uma abordagem inédita que mesmo hoje, embora mais considerada, não é facilmente assimilável por setores da História da Arquitetura como dentro da categoria arquitetura moderna:

De modo diverso, a “Modernidade Pragmática (1922-1943)?se desenvolve “?margem do modernismo engajado? A modernidade desta vertente da arquitetura não se sustentava em nenhum pressuposto teórico ou conteúdo programático específicos, pelo contrário, se valia de influências múltiplas e contraditórias ?o repertório clássico de composição decorativa associado ao uso de materiais modernos ?que se manifestavam de forma diversa nas tendências art déco, nos exemplares de influências perretianas e no “monumental clássico?de matriz fascista. É inédita esta preocupação de Segawa em abarcar manifestações consideradas até pouco tempo marginais e que a historiografia da arquitetura moderna omitiu e desprezou. A concessão deste espaço no livro corrobora para compreender a paisagem urbana que resultou de uma arquitetura que se consolidava na interseção entre o popular e o erudito e que obteve ampla aceitação no público leigo. 26

André Augusto Almeida Alves ?um jovem Professor Adjunto da Universidade Estadual de Maringá ?foi outro que percebeu uma dimensão inédita de uma parte do livro:

O capítulo intitulado “Episódios de um Brasil Grande e Moderno 1950-1980? de Arquiteturas no Brasil, 1900-1990 (Segawa, 1999: 159-167), é a única ocasião em que o tema da infra-estrutura do território é abordado no âmbito da historiografia da arquitetura moderna. 27

Tinha consciência do alcance e das limitações do trabalho quando foi escrito. Hoje tenho avaliação melhor desse quadro, mas ainda e sempre incompleto. E uma idéia da vigência de uma pesquisa de abrangência inédita naquela ocasião. Com o avanço das pesquisas em História da Arquitetura no Brasil, com o desenvolvimento de tantos programas de pós-graduação no Brasil e teses realizadas no exterior, sei em que medida partes do livro estão superados enquanto informação. E como procuro acompanhar pari passu a pesquisa no Brasil (e também no exterior) em eventos na área, como os seminários do DOCOMOMO (nacionais e internacionais), tenho plena consciência que há ainda um grande campo inexplorado já insinuado em Arquiteturas no Brasil 1900-1990, à espera de desvendamento e aprofundamento.

Santa Fé, 29 de outubro de 2010


notas

1 Segawa, 1998.

2 Segawa, 1988.

3 Dagnino, 1989. Tradução minha do original em espanhol.

4 França, 1989.

5 A revista chamava-se apenas Projeto na fase Vicente Wissenbach.

6 Lara, 2003.

7 Rabelo, 2005.

8 Wissenbach, 1998, p. 114.

9 Aranha, 1998.

10 Lemos, 1999.

11 Zein, 1999.

12 Guerra, 1999.

13 Meurs, 1999. Tradução minha, do inglês.

14 Corona Martínez, 1999. Tradução minha do original em espanhol.

15 Segawa, 1998, p. 13-14.

16 Oliveira, 2002, p. 156-163.

17 Lopez, Mota, 2008.

18 Disponível em: <//www.bndes.gov.br/empresa/administracao/concurso/exe/edital2002.pdf>. Acesso em 19 out. 2008.

19 Disponível em: <//www.goiania.go.gov.br/sistemas/sicon/download/Administracao/001-2006/CON
 CURSO ADM DIRETA/CARGOS DE ENSINO SUPERIOR/PLANO DE CARREIRA DO NÍVEL SUPERIOR.pdf
>. Acesso em 19 out. 2008.

20 Disponível em: <//www.ufjf.br/arquivos/editais/20080328024431anexoI0292008.pdf>. Acesso em 19 out. 2008.

21 Disponível em: <//www.pciconcursos.com.br/concurso/96134>. Acesso em 19 out. 2008.

22 Limena, 2000.

23 Marques, Naslasky, 1999.

24 Borges, 2005, p. 59.

25 Paiva, 2008.

26 Paiva, 2008.

27 Alves, 2005, p. 137.


referências bibliográficas

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Hugo Segawa

Arquiteto, Professor Associado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.


Colaboração editorial: Débora Andrade

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Brasília 194Carlos Henrique Magalhães

introdução

Passados os primeiros anos da primeira revolução industrial, diversos modelos urbanos foram realizados a partir da drástica transformação entre campo e cidade. Os expoentes da vanguarda moderna, comprometidos com os ideais de emancipação e convívio comum almejado pelo Iluminismo, lançaram-se em experiências de habitação coletiva que passaram a ganhar terreno a partir da década de 1920 em duas escalas: os edifícios coletivos passam a renovar as possibilidades de convívio por meio de equipamentos públicos que permitissem a socialização de diversas atividades; a destituição da malha urbana tradicional em favor da paisagem de objetos isolados passa a ser mais presente em diversos planos urbanísticos.

No Brasil, estas experiências espaciais de habitação coletiva estiveram presentes dentro perspectivas distintas, no que se refere à natureza do empreendimento e escala de realização, dentre as quais podemos destacar O Conjunto Habitacional do Pedregulho (1947 em diante) projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909 – 1964); Os edifícios do Parque Guinle (1948 – 1954), projetados por Lucio Costa (1902 – 1998), ambos no Rio de Janeiro.

Em Brasília, esta concepção alcança um nível de realização inédito. Ao agenciamento dos espaços públicos do setor residencial, alia-se a clara concepção projetiva das unidades habitacionais. A proposta dos blocos de superquadras remete anto às concepções de seu autor, Lucio Costa, como deixam expor diversas características da nova arquitetura moderna quanto aos preceitos que resultaram em sua forma. Nesse sentido, os blocos podem ser compreendidos dentro de um princípio operativo para a concepção de cada projeto, onde determinadas restrições e direcionamentos buscavam orientar a caracterização do conjunto, marcado pela lógica das projeções, do edifício isolado no terreno, do térreo livre e desimpedido.

Além das questões enunciadas acima, outras tantas se referem à ordenação do partido plástico. Esta pode ser evidenciada pela concepção das fachadas ?faixas contínuas de esquadrias, peitoris em concreto, elementos de proteção solar fixos ? pela relação entre cheios e vazios, pelo aspecto estrutural, pela diversidade na combinação de cores e materiais. O recente inventário dessas edificações[1] resultado de uma extensa pesquisa dos professores Matheus Gorovitz e Marcílio M. Ferreira, mostra que as diversas aproximações ao tema feitas por arquitetos de diferentes gerações e formações distintas, renderam grande diversidade aos blocos de superquadra de Brasília, permitindo que sejam identificadas diversas influências, adaptadas e ordenadas por esses criadores com sensibilidades distintas. A maneira pela qual estes arquitetos dialogam com diversos fatores construtivos e plásticos, oferece rico apanhado sobre o período da arquitetura moderna em Brasília, nas décadas que sucedem sua inauguração. Observando estes edifícios, podemos entender como esse tipo de habitação coletiva pôde ser interpretado, deixando entrever a disposição dos arquitetos envolvidos em sua execução, para a realização de características importantes do Plano proposto por Lucio Costa em 1957.

antecedentes notórios

Um dos primeiros exemplares deste novo tipo[2] de edificação foi o projeto dos Apartamentos Narkonfin (1928-29), de Ginzburg y Miljutin. O edifício é uma barra longitudinal de seis pavimentos sobre pilotis e expõe diversos princípios da nova arquitetura que emergia naquele momento: térreo desimpedido, janelas horizontais corridas e cobertura plana. A este tipo associa-se um conjunto de características de contexto urbano, da destituição dos lotes e da liberação do térreo, em favor de outra relação do edifício na paisagem. Dentre os exemplos mais significativos e influentes desta idéia têm-se os Siedlungen alemães, conjuntos habitacionais coletivos pensados como estruturas auto-suficientes.O conjunto da exposição Weissenhof, realizada no ano de 1927 em Stuttgart é significativo para compreensão dessa concepção vanguardista. Tendo Mies van der Rohe como arquiteto-chefe, contou com a participação de Peteter Behrens, Hans Poelzig, Walter Gropius, Victor Bourgeois, Ludwig Hilberseimer, Le Corbusier, J.J. Pieter Oud, dentre outros.[3]

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

O conjunto destas concepções foi reiteradamente lido e sintetizado por diversos arquitetos proeminentes da vanguarda moderna, dentre eles Le Corbusier que em sua Ville contemporaine pour trois millions d’habitants (1922) demonstra a vontade em se conceber ?…) um edifício teórico rigoroso, formular princípios fundamentais de urbanismo moderno.?[4] Uma “cidade de negócios?em oposição a uma “cidade de residências?é a proposta de Corbusier na tentativa de criar espaços arejados na confluente desordem que se instalava no coração de Paris quando propõe o plan Voisin em 1925. Em consonância a estes projetos, a Ville Radieuse será elaborada com a mesma pretensão de encarar essa nova civilização. Este empreendimento conciliatório será levado a cabo por Corbusier primeiro nos meios da cultura européia, em seguida, com a oportunidade de empreender uma viagem à América do Sul. Corbusier fez em 1929 uma série de conferências na Argentina, Uruguai e Brasil, importantes para ampliar seu conhecimento por parte das autoridades locais e fundamentais nas sementes que o mestre suíço lançou em solo nacional anos seguintes.

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Na década de 1950 foi realizada na Alemanha a Interbau (Internationale Bauausstellung) – primeira Exposição Internacional de Arquitetura ocorrida após a II Guerra Mundial. Esta consistiu na requalificação do bairro oitocentista Hansaviertel, bairro oitocentista em grande parte destruído por bombardeiros durante a Segunda Guerra. Em 1953, é instituído para a escolha do novo plano urbanístico do bairro, vencido por Gerhard Jobst e Willy Kreuer. A Interbau inaugurada em 1957 com espaços públicos desenhados de acordo com princípios modernos, edifícios isolados, predominância de espaços verdes e vazios. Dentre as tipologias encontradas nos bairros, temos: “torres de até 17 pavimentos, barras de 8 a 10 pavimentos, barras de 3 a 4 pavimentos e casas unifamiliares de 1 a2 pavimentos.?a href="#_ftn5">[5]

Dentre as unidades edificadas no bairro há uma barra de apartamentos projetada por Oscar Niemeyer. O edifício pode ser caracterizado pela concisão volumétrica, pela robustez dos pilotis e pelo delicado jogo de níveis que se desenha no pavimento térreo. Esta experiência é de fundamental importância para que possamos compreender a maneira pela qual se desenvolveu a linguagem dos blocos de apartamentos nas superquadras de Brasília: fundamentada em princípios operativos que fundamental sua feição essencial, mas relacionada a diferentes maneiras de manipular elementos plásticos semelhantes dentro de determinadas filiações.

lucio costa

Se na cisão entre as contingências materiais e da dimensão coletiva da arquitetura e do urbanismo desta fase de Corbusier pode-se perceber “a tentativa de uma conciliação entre a expressão do espírito do tempo e a busca da perenidade, condição essencial da arte.?[6] O tema para Lucio Costa irá comparecer de maneira semelhante, figurado na “possibilidade de reaproximação entre arte e técnica ?divorciadas na arquitetura do ecletismo e no ‘arremedo neocolonial??o descortinar de um novo campo expressivo para a arquitetura: o espaço contínuo moderno, flexível porque liberto da estrutura.?[7]

Como dito anteriormente, Lucio Costa ocupou destacada posição diante de um grupo de arquitetos afeitos à doutrina de Corbusier, converte-se ao modernismo arquitetônico e dá passos decisivos à reorientação propositiva que se desenvolveu a partir de então. Também na realização que significou Brasília percebem-se convergências e diferenças entre épocas distintas. Em sua proposta para o Plano Piloto há a capacidade de conciliar uma série de problemas complexos por meio de soluções sintéticas, tanto quanto em realizar ?por meio da conjugação entre diferentes escalas ?uma cidade capaz de ser expressão palpável da vida cotidiana e da monumentalidade simbólica.

A forma acabada desta realização brasileira tem suas raízes em diversas referências, sejam elas afetivas ou históricas, onde a sociabilidade deveria ser transformada em favor de uma cidade nova, inteiramente pública que, na concepção de Brasília, Lucio emprega com as devidas propriedades: eixos e perspectivas da lembrança de Paris; imensos gramados verdes ingleses; a pureza de Diamantina ?ou seja, da memória colonial, as fabulosas fotografias de terraplenos e arrimos chineses do começo do século XX. Estes elementos característicos comparecem em igual medida ao lado de referências modernas: setorização de atividades; ênfase dimensional das circulações de veículos; idéias de cidade parque e cidade jardim; habitações coletivas em blocos sob pilotis. Em essência, esta proposta de conjugação entre lógicas construtivas históricas e coloniais a tipos e procedimentos da modernidade será uma constante no trabalho de Lucio Costa.

 

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1950) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1943) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

No conjunto de edifícios que projetou no Parque Guinle (1943-54) este procedimento encontra uma possibilidade, pois, à tipologia fracamente moderna das lâminas de apartamentos sob pilotis, Lucio Costa associa características de forma a espaço da habitação tradicional brasileira, por um lado o partido é eminentemente racionalista, por outro a implantação e tratamento de superfícies em cada edifício denota uma “espantosa trama de cheios e vazios, que se integra na ortogonalidade rigorosa dos prismas e dilui a função de vedo atribuída à fachada. Sua aparição figura a possibilidade ideal de uma edificação inteiramente vazada, desmaterializada, pois tem o ar como matéria constituinte.?[8] Os Edifícios do Parque Guinle representam a ascendência mais imediata à concepção dos blocos de superquadra, sendo esta a conseqüência do conjunto das características de agenciamento e espacialidade, marcados por um princípio, mas de muitos resultados formais.

um tipo de moradia

O setor residencial de Brasília logrou grande êxito no Plano Piloto para a cidade. As chamadas superquadras podem ser caracterizadas objetivamente como grandes quarteirões de lados iguais da ordem de 280 metros[9]. O desenho das vias proposto por Lucio Costa obedece à hierarquia que as separa em diferentes demandas e dimensões e “no caso das superquadras adotou o acesso viário feito através de uma única rua sem saída, em ‘cul-de-sac? de realização bem mais simples do ponto de vista técnico e bem mais barato do ponto de vista econômico. De tal modo que as superquadras são servidas por trevos rodoviários apenas pelo lado do eixo residencial, garantindo-lhes uma relação bem mais articulada com seu entorno imediato em comparação com aquela das áreas centrais da cidade.?[10]

Em seu relatório, Lucio Costa dispõe as edificações apenas com relação às características que lhe seriam mais essenciais: na esplanada ministerial a disposição cadenciada dos edifícios do poder executivo cujo eixo termina com o congresso, ?um edifício em altura, e o triângulo da Praça dos Três Poderes; no comércio local a abertura das lojas para o interior das quadras e a conjugação das unidades, duas a duas. No caso dos blocos residenciais, Lucio definiu a natureza volumétrica desse tipo, tais como: os gabaritos e o térreo livre, sobre pilotis garantido o solo público, implantando a lógica das projeções, princípio fundamental para a compreensão da cidade. Como dito, antes dos blocos residenciais houve o Parque Guinle (1948-54), e antes deles uma aproximação de Lucio à proposta de Corbusier para uma Unité d’habitation de grandeur conforme, realizada em Marselha (1947-52).

Lucio chama de intuição precursora o empenho de Corbusier em propor este modelo residencial de edificação em altura.[11] Para Frampton, em função das escalas e da transformação de propriedades compositivas propostas, há em certas obras de Corbusier uma monumentalização do vernáculo. Se nas Maisons Jaoul o desenho é reinterpretação monumental de um vernáculo mediterrâneo, dada sua escala a solenidade introspectiva, nos 18 pisos de Marselha este princípio se efetuaria do ponto de vista da condensação social e na proximidade que teria com o modelo do Falanstério de Fourier, proposto no século XIX.[12] A unidade de Corbusier já trazia em si conjunto notável de características espaciais, constituindo espécie de protótipo à espera de outras realizações que se irmanassem com este edifício isolado. Realizações estas constituídas pelas características do chão na qual estas unidades estariam implantadas.

Tal quais outros princípios modernos o edifício isolado não representa um advento do séc. XX. Razão fundamental de representações e contextos de excepcionalidade, o destacamento em relação ao entorno é característica presente na cultura de diversos povos encarnando o desejo de exprimir representatividade, caso de palácios e catedrais. A arquitetura moderna brasileira encontra na realização do MESP razão pioneira para a dissolução do quarteirão em favor de uma continuidade aberta que, nesse caso, fugia às determinações do Plano urbanístico de Alfred Agache. Esta monumentalidade a efetuar a emancipação de pequenas extensões urbanas, termina por torna banal o que antes deveria ser lido sob o viés da exceção.[13] Para James Holston tal acontecimento tem um além que pode ser evidenciado por uma reversão moderna entre fundo e figura, de tal forma que se existia ao longo de séculos uma oposição entre cheio (solido = fundo = privado) e vazios (vazio = figura = público), ocorre no movimento moderno ruptura definitiva desse tradicional sistema de significação da arquitetura.[14]

A difusão de técnicas construtivas, especialmente representadas pelo amplo uso do concreto armado em conjugação ao aço, possibilitou o surgimento de diversas estruturas e a realização de algumas propostas corbusianas como o esqueleto independente das vedações. Esta por sua vez termina por permitir a realização do térreo potencialmente livre de barreiras físicas e no lugar de pilares e pilastras, os pilotis. Do esquema Dom-ino a Brasília há um percurso representativo de experiências culturais que permitem a observação deste tipo construtivo em diversos programas e em atendimento a grande conjunto de necessidades.

reflexões críticas

 

Levantamentos de tipos de projeção (MACHADO, Marília, 2008).

Levantamentos de tipos de projeção (Machado, 2008).

Frederico Holanda em longos estudos sobre os lugares e da desvinculação entre discurso a prática urbanística, identifica dois tipos fundamentais de espaços que se alternam ao longo da história: a paisagem de objetos e dos lugares. Seus estudos com base em dimensões morfológicas de desempenho[15] mostraram que há uma excessiva permeabilidade no interior das superquadras residenciais e que estas são responsáveis por diversas relações que, tomando por base determinados parâmetros, ocasionam perda de orientabilidade e identidade nesses tecidos.

Há a afirmação corrente de que em Brasília tudo é igual e são muitos os que ao visitar a cidade se questionam sobre a lógica que separa os lugares. Ainda que haja a presença de grandes extensões não conectadas, os espaços livres em Brasília não se constituem precisamente por vazios; essas ausências são antes de mais imersas em quantidades e cuja prática projetiva deve ser orientada, dentre outros, ao planejamento setorial da cidade. “Aqui tudo é indiferente e, no entanto, tudo importa.?[16] Desse modo, ainda que a repetição seja propriedade marcante ao longo das superquadras, veremos que muitos exemplares guardam características distintivas no manejo de contingências semelhantes.

Nesse sentido o bloco de superquadras representa um tipo moderno dos mais importantes na historiografia da arquitetura, ainda que discussões mais criteriosas a esse respeito tenham vindo a ser publicadas em tempos mais recentes.[17]]

os blocos de superquadra, caracterização objetiva

Num primeiro momento pode ser efetuada uma divisão entre os blocos residenciais com base em suas dimensões. Na já célebre frase de Lucio, os pavimentos para esse tipo de edifício estariam limitados em seis, de modo que as crianças estariam nas quadras ao alcance da voz de suas mães. São de seis pavimentos e térreo, os blocos das quadras 100, 200 e 300.[18] Seguindo a cota decrescente em direção ao Lago Paranoá, os edifícios das quadras 400 possuem térreo e mais três pavimentos. A intenção inicial com relação ao perfil sócio-econômico dos moradores do plano era a de que houvesse uma estratificação deste entre famílias, uma vez que “neles não são obrigatórios elevadores e garagens, são de construção mais barata, contribuindo para a diversificação?[19]

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Os blocos de superquadras respondem a uma demanda sócio-espacial específica e incorreríamos em erro ao imaginar que a plena realização de suas potencialidades poderia ser repetida na solução de questões sem o mesmo aparato e substrato material. Dizendo de outra forma, ainda que em pontos isolados do território do Distrito Federal a solução de uma lâmina de apartamentos sobre pilotis tenha sido empregada, não configura a mesma ambiência urbana que se tem no Plano Piloto. O conjunto habitacional localizado na Região Administrativa do Guará, denominado Lucio Costa é exemplo dessa questão.[20] Lucio Costa não possui nenhum projeto de edificação residencial no Plano.  Embora em Brasília houvesse a intenção de diminuir a iniqüidade social, estes prédios ?localizados a certa distância do centro, segundo um modelo de pulverização de núcleos ?foram pensados para resolver o problema de moradia de camadas sociais menos favorecidas. Daí a designação de cada uma das unidades: operário (52 m²) e favelado (29 m²), cada qual pensado com um tamanho específico, mas agrupados nas mesmas unidades habitacionais. O arruamento se distingue das superquadras pela rigidez geométrica e pelas possibilidades de trajeto; desenham losangos no chão de tal forma que o ângulo formado com o paralelismo dos blocos permite a constituição de permanências e trajetos de pedestres. Em trechos no interior destas quadras estão dispostos equipamentos públicos e instalações comerciais.

Os blocos em si são constituídos por pilotis baixos de 2.20 m de pé direito e três pavimentos, podendo cada unidade ter até oito apartamentos por andar. Apresentam características plásticas de adaptação ao modo de vida que seu autor imaginou. Segundo Jaime Almeida “os tamanhos reduzidos dos espaços e da área a ser construída (superfície do piso) dos apartamentos seriam compensados pela mobilidade familiar que se refletiria na utilização do espaço disponível. Assim, os filhos pequenos ao dormirem mais cedo, liberariam, aos adultos, os demais aposentos, que iriam para cama mais tarde. As crianças, ao crescerem, inverteriam com os mais idosos o uso do apartamento.?[21]

Em contraste com essa intimidade regrada de espaços mínimos, Lucio propõe a diversidade e generosidade da ocupação pública do solo, dado o dimensionamento das áreas abertas configuráveis por atividades de convívio comunal. Mas, se o urbanista viesse a visitar o conjunto anos após sua inauguração, certamente não se encantaria com “a realidade maior que o sonho?encontrado na posse que os moradores deram às áreas verdes. Ao contrário do que acontece no Plano, os térreos foram cercados, na maioria das vezes, extrapolando o perímetro da projeção de cada edifício. Soma-se a isso, o pouco cuidado na manutenção de equipamentos comunitários, resultado de uma introspecção que nem de longe lembra a almeja subtração da vida privada em favor da exterioridade pública proposta por pelo urbanista de Brasília.

Tanto no conjunto de Lucio Costa quanto nas superquadras, permanecem indagações quanto à propriedade de aglutinação desses espaços, marcados por uma relação de mão dupla entre oposições, sejam elas do campo e da cidade, do passado e futuro; de tal forma que “a recusa de uma urbanidade opulenta opera uma total redefinição das funções urbanas tradicionais, bem como das relações entre comércio, residência, transporte e pedestre, na medida em que retira da rua a qualidade de espaço que tem definido, historicamente, a sociabilidade pública em contraste com a esfera privada.?[22]

códigos de edificação

As características apresentadas dependem não só de conceitos urbanos, mas também de detalhamentos e execuções regulamentadas pelos códigos de edificação[23]. E por meio da leitura dos diferentes textos presentes nesses códigos é possível verificar a transformação de fisionomia tanto do bloco de superquadras quanto em outras edificações. No caso das superquadras presencia-se:

a)       Gradativa ampliação da largura das projeções, em função do incremento nos índices de ocupação;

b)      Modificação significativa da volumetria ?que num momento pioneiro se caracterizava pela depuração e concisão volumétrica ?em função das alterações resultantes quanto às possibilidades de avanços e compensações de área.

c)       Redução das áreas livres no pavimento térreo, que passam a serem ocupadas por salões de festas, residências funcionais, áreas de guarita etc.

d)      Acréscimo de coberturas de uso individual ou coletivo, que modificam a cota de coroamento e feição edilícia das quadras. Em algumas delas, coexistem tipos mais recentes em contrastes com outros de épocas passadas, noutras, há a presença exclusiva daqueles exemplares;

Sendo assim, coexistem ao longo das Asas Sul e Norte linguagens as mais distintas e características plurais de projeto, que ocorrem tanto em função da localização quanto do tempo de construção de cada unidade, sendo estas representativas de períodos distintos da ocupação de projeções ao longo das quadras. Se as quadras da Asa Sul apresentam maior homogeneidade entre edifícios e as quadras da Asa Norte, em oposição, apresentam exemplares mais distintos entre si; a estatística não é suficiente para que possamos asseverar que existe uma linha sobre a qual possamos perfazer itinerário de linguagens ou de sua transformação. Mesmo entre blocos coetâneos, não é possível que se faça classificação de filiação a uma ou outra tendência, o que se vê são diversas vocações materializadas dentro de determinações de ordem legislativa.

O grande número de projetos dentro desse tipo permite que façamos a leitura acerca de algumas coincidências de sensibilidades que em muito favorecem a diferenciação entre uma e outra quadra. De modo geral, prevalecem nas quadras empreendidas pelo poder público e Institutos de Aposentadoria e Pensão uma notável preocupação de conjunto, na forma e diálogo que esses projetos estabeleceriam entre si. Preocupação que se esmaece à medida que cresce o poder de influência e realização da iniciativa privada, onde passa a importar sobremaneira a melhor relação de área como meio de obter maiores lucros na venda de unidades.[24]

Segundo Marília Machado algumas fases distintas podem ser identificadas na história das superquadras cada qual com características próprias. A primeira delas tem início em 1956 e se estende até 1961 ?quando da elaboração dos primeiros projetos da superquadra de Brasília, com destaque para o projeto de Hélio Uchoa para as quadras SQS 105 e SQS 305. A segunda fase vai do início do governo de Jânio Quadros em 1961 e vai até a deposição do presidente João Goulart pelo golpe militar de 1964. O terceiro momento decorre todo durante a ditadura, entre 1965 e 1970, particularmente pela retomadadas construções da capital pelo governo militar, principalmente após a criação da Codebrás, no governo Costa e Silva, que assegurou um grande movimento de funcionários para Brasília. Na última fase que se estende até o final da década de 1980, um conjunto de 120 quadras já se encontra consolidado.

nuances propositivas

No ano do lançamento para o concurso da nova capital Oscar Niemeyer publica na revista Módulo o texto Considerações sobre a Arquitetura Brasileira, no qual engrandece o atual estágio de reconhecimento e difusão alcançado pelos autores da modernidade arquitetônica no Brasil, a ponto de “em pouco tempo ela se tornar nossa arquitetura corrente e popular.?[25]No entanto, propõe a ressalva de que a racionalização e simplicidade encontrada em algumas soluções pioneiras não foram bem apreendidas por número considerável de profissionais. Os exemplos são todos feitos por comparação: primeiro uma obra do próprio arquiteto, em seguida um exemplo de má aplicação dessas possibilidades. A primeira delas se refere ao térreo livre sobre pilotis que, se numa idéia geral se apresenta como denso renque de pilares com pouca distância entre si pode bem ser transformado num amplo vão, de melhor ambiência e que aperfeiçoaria a técnica estrutural empreendida anos a fio em pesquisas por nossos melhores calculistas.

No que se refere à comunicação urbana de interação entre pares e o caminho do pedestre no tecido dessa cidade moderna, os pilotis ocupam lugar privilegiado, somado ao tratamento do piso térreo e das áreas ajardinadas adjacentes. Do ponto de vista estrutural podem descarregar os esforços, principalmente, de duas maneiras: estruturas cadenciadas e de pouca ou nenhuma variação dimensional, ou apresentarem desenho para as colunas do térreo diferentes dos demais pisos por meio do emprego de vigas ou lajes de transição.

 

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

Quanto às fachadas apresentam uma variação de combinação essencialmente moderna entre aparência e funcionamento.  Se, em alguns expoentes da vertente corbusiana da modernidade brasileira o modelo do pano de vidro sobreposto pelo brise-soleil[26] é corrente, esta solução se tornará menos difundida no desenho de fachadas das superquadras. Em edifícios das primeiras décadas ocorrem, na maior parte dos casos, duas elevações principais bem distintas, uma conforma os ambientes sociais do apartamento, outra, encobre setores de serviço ou circulação. Tal solução é feita de méritos e lacunas, pois, por questões outras de projeto, alguns prédios podem ter fachadas pouco protegidas direcionadas para orientações de maior incidência solar dada a rigidez com a qual os blocos são implantados.[27] No que se refere ao alinhamento dos prédios com relação ás vias que delimitam as quadras a relação na maioria absoluta é de ortogonalidade, tanto quanto no eu se refere às projeções em que poucas são as quadradas, predominando as barras lineares.

 

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

No que se refere à quantidade de produção, Oscar Niemeyer não está no patamar de demais arquitetos que projetaram blocos de apartamentos para as superquadras. No entanto, o impacto de seu pensamento naquilo que se refere à permanência e consecução das características do plano, aliado às propostas do racionalismo carioca se fazem sentir em alguns aspectos. As superquadras 107 e 108 Sul foram integralmente projetadas pelo arquiteto, e deveriam servir como referência para das demais. Sobre isso, Nauro Esteves afirma que dada a urgência na elaboração de projetos, foram definidos seis tipos de quadra que deveriam ser distribuídas ao longo das asas.[28]

 

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959).  Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Embora possuam, em seu conjunto, grandes nuances, alguns projetos são sempre lembrados pela generosidade do desenho de seus espaços públicos e pela qualidade de concepção de seus edifícios. A superquadra 308 sul (1959) apresenta edifícios que variam pouco entre si. O projeto de Marcelo Campello e Sérgio Rocha com paisagismo de Burle Marx, feito para o Banco do Brasil, cria disposições espaciais no interior da quadra de rara propriedade, sendo constantemente referenciada como quadra modelo. Diferentemente dos projetos que vinham sendo desenvolvidos até então, este possui nove projeções no lugar das onze, aplicadas na maioria das quadras até então.[29] O projeto para a quadra SQS 114 foi executado pela mesma equipe e guarda muitas semelhanças: a disposição dos blocos com os panos de vidro orientados todos de frente para o trajeto de circulação de veículos no interior da quadra; a presença de um edifício no centro da implantação com apenas quatro pavimentos, provavelmente, como meio de se manter uma linha de coroamento mais próxima entre cada bloco.

Outros arquitetos contribuíram enormemente para a configuração das quadras e uma merecida posição de destaque deve ser dada a Eduardo Negri que, atuando pela Caixa Econômica Federal, foi responsável por quase uma centena de blocos de apartamentos, principalmente nas quadras SQS 102, 202, 303, 111, 314. Helio Uchoa, responsável pelas quadras SQS 105 e 305; Luiz Henrique Pessina, Manoel Hermano e Marcílio Mendes Ferreira também são dignos de distinção.

 

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Ao nos atermos aos elementos de linguagem presentes em alguns exemplos dentre os blocos de superquadra, percebemos diversas proposições. Ainda que tenhamos parâmetros gerais para a concepção destes edifícios, há espaço para a aproximação criativa de cada autor, que irá dar diferentes tratamentos para as diversas partes que o compõe. Dentre as quais podemos citar: o dimensionamento e desenho dos pilotis (cilíndricos, prismáticos, em “V?; a opção pela transição de esforços entre os pilares que se elevam ao longo dos pavimentos e aqueles que se situam a rés do chão; tratamento de fachadas das ares sociais; tratamento de fachadas das áreas de serviço e assim por diante.

Os Blocos da SQS 107 e 108 (1958-1959) de Oscar Niemeyer apresentam uma clara definição plástica encarnada na economia de meios, na qual prevalece a alternância do tratamento que se dá às fachadas, ora elementos de proteção solar, ora planos envidraçados. Os pilotis apresentam robustez realçada pelo contraste entre as superfícies do piso e aquelas que revestem as colunas.  Os Blocos apresentam pouco contraste de cores entre superfícies, sendo esta variação alcançada por meio do jogo volumétrico entre as partes. Os blocos foram projetados para os funcionários públicos que foram transferidos para Brasília com a mudança da capital. O desenho dos arruamentos compõe de maneira equilibrada e consistente a delimitação entre áreas de circulação e demais trechos, onde se situam parques, jardins e gramados.

Os já referidos edifícios da SQS 308 (1959) de Marcelo Campelo e Sérgio Rocha possuem uma fisionomia caracterizada pela duplicidade entre as fachadas principais. O desenho das esquadrias que revestem a fachada das atividades sociais obedece à rígida modulação, percorrem o pé direito do piso ao teto. São pintadas na porção inferior obstruindo parcialmente a permeabilidade visual, garantido a devida privacidade ao interior dos apartamentos. O desenho dos pilotis é prismático e nos acabamentos das superfícies no térreo, há uma combinação que confere austeridade ao mesmo: pisos em cerâmica preta, paredes revestidas em mármore e peças cerâmicas pintadas com elementos geométricos. Os intervalos entre cheios e vazios valorizam seus interiores, tanto quanto o cuidado com o qual são concebidos os arruamentos, as peças de mobiliário urbano e a disposição do paisagismo, de Roberto Burle Marx.

 

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

Os blocos das SQS 305 e 105 (1959) de Hélio Uchôa apresentam a aplicação de elementos da linguagem racionalista carioca, na ordenação espacial e elementos de vedação. A imagem que transmite a fachada destes edifícios é quase membrana, uma tessitura na superfície que permite estes elementos serem lidos de perto e à distância. De igual maneira se dão os revestimentos da superfície nos edifícios de Marcílio Mendes Ferreira para a SQN 206 (1977-78). Sobre os pilotis de desenho expressivo e robusto, a barra dos apartamentos possui as delimitações externas caracterizadas pela cadência de elementos pré-moldados em concreto, que sombreiam as fachadas da incidência solar mais acentuada. Também por elementos em concreto é constituída a fachada do Edifício R3 (1972) de Milton Ramos localizado na SQS 203. Sobre um arranjo de pilares moldados em loco que configuram os pilotis estão dispostos, em cada piso, elementos de concreto que servem simultaneamente como sustentação e vedação. Estes elementos retangulares apresentam uma elevação como um troco de pirâmide em negativo e ora são opacos, ora possuem esquadrias com aberturas do tipo máximo ar.

 

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Estes exemplos se somam a outros de igual importância e são fundamentais para que se possa historiar a arquitetura que se desenvolve em Brasília nos primeiros anos a partir de sua inauguração. O tipo moderno representado pelo edifício de superquadra oferece a possibilidade de desvendarmos caminhos propositivos, identificando as nuanças presentes em cada uma dessas materializações. A concepção geral dos projetos lançada por Lucio Costa define parâmetros gerais para a proposição destes criadores empenhados em conferir à cidade, os aspectos essenciais à sua perenidade histórica, tanto quanto em propor soluções que demonstrem certas filiações, escolhas e a maneira de assimilar influências e transformá-las.

conclusão

O patamar significativo que se atinge em Brasília da conjugação entre características de ordem urbana e edilícia, permite que possamos compreender os blocos de superquadra com um tipo representativo da modernidade arquitetônica. A realização do Plano Piloto de Brasília permite que sejam levantadas, analisadas e discutidas diversas características físicas e espaciais que embasaram o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira. Dentre os diversos setores da cidade, a solução dos blocos residenciais de superquadra, guarda elementos fundamentais presentes na definição dos espaços urbanos propalada pelo movimento moderno no panorama internacional. Ao mesmo tempo, este tipo geral de edificação dá claras mostras de maneiras pelas quais os arquitetos envolvidos em sua construção lançaram mão de um determinado repertório de elementos plásticos, para a construção de determinada fisionomia.

O resultado do intervalo de possibilidades presentes nos parâmetros legislativos possibilitou riquezas nos resultados formais e arranjos espaciais presentes ao longo das quadras residenciais do Plano Piloto, não sendo possível definir uma filiação de linguagem restrita para estes edifícios. A leitura de seus elementos constituintes aponta para referências dissimiles e complexo sendo resultado da conjugação de características plásticas que manifestam nuances propositivas. Montar e compreender este repertório pode auxiliar na realização de estudo mais abrangente, direcionado para o entendimento da pluralidade e diversidade de nossa arquitetura moderna a brasileira.


notas e referências bibliográficas

[1] Estudos mais detidos e criteriosos sobre o tema podem ser encontrados em alguns volumes. Ver: Farès El-Dahdah. (Org.). Brasilia’s Superquadra. Cambridge e Munique: School of Design, Harvard, e Prestel, 2005. O livro citado acerca das superquadras é um apanhado organizado e bem estruturado sobre os dados históricos e as características de cada edifício em suas perticularidades, ver: GOROVITZ, Matheus; FERREIRA, Marcílio Mendes. A invenção da superquadra. Brasília: IPHAN, 2009.

[2] Em definição mais imediata o tipo, do grego typos (cunho, molde, sinal), é aquilo que inspira fé como modelo; coisa que reúne em si os caracteres distintivos de uma classe. O Termo foi objeto de estudo de diversos teóricos em diferentes campos do conhecimento, na filosofia, na sociologia, na arte. Na arquitetura uma das definições pioneiras pode ser encontrada na obra de Quatremère de Quincy. Seu estudo serviu como fonte e inspiração para discussão de diversos teóricos, críticos e historiadores, em reflexões críticas elaboradas principalmente a partir da década de 1960. A esse respeito ver: QUATREMÈRE DE QUINCY, Antoine Chysostome. Diccionario de arquitectura: voces teóricas. 1ª Ed. Buenos Aires: Nobuko, 2007. Neste trabalho o tipo será entendido como a idéia da arquitetura por meio da redução de particularidades de forma, como meio de observar em cada concepção suas características essenciais. Ver: ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ARGAN, Giulio Carlo. Sobre a tipologia em arquitetura. In: NESBITT, Kate. Uma Nova Agenda para a arquitetura, pp. 268.

[3] MACHADO, Marília Pacheco. Superquadra: pensamento e prática urbanística. Dissertação de mestrado, Brasília. UnB. 2007.

[4] LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p ?156.

[5] ESKINAZI, Mara Oliveira. A Interbau e a Requalificação Moderna do Oitocentista Hansaviertel em Berlim ?1957. 7° Seminário DOCOMOMO Brasil, 2007.p ?2 .

[6] MARTINS, Carlos A. Ferreira. Leitura Crítica. In: CORBUSIER, Le. Precisões: sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004 .p ?273.

[7] WINIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001. p ?8.

[8] Idem, p ?33

[9] As unidades residenciais em Brasília se constituem de superquadras, com 240×240 metros definidos por uma faixa de vegetação de 20 metros de largura e dispostas ao longo de uma estrada parque. COSTA, Lucio. Habitação Coletiva em Brasília. Módulo n° 12, fev. 1959, pp. 12 ?16.

[10] FICHER, Sylvia et. al. Uma Análise dos Blocos Residenciais das Superquadras do Plano Piloto de Brasília.2003

[11] COSTA, Lucio. O arquiteto e a sociedade contemporânea. In: Registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

[12] FRAMPTON, Keneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997

[13] ZEIN, Ruth Verde. O Lugar da Crítica: ensaios oportunos de arquitetura. Porto Alegra: Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001.

[14] [Modernism breaks decisively with this traditional system of architectural signification. Whereas the preindustrial baroque city provides another of public and private values by juxtaposing architectural conventions of repetition and exception, the modernist city is conceived of as the antithesis both of this made of representation and of its represented political order.] HOLSTON, James. The modernist city and the Death of The Street. In: LOW, Setha M. [Org.] Theorizing the City: The New Urban Anthology Reader. Rutgers University Press. 1999,

p ?265.

[15] HOLANDA. Frederico. O Espaço de Exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

[16] VALÈRY, PAUL. Eupalinos, ou o Arquiteto. São Paulo: Editora 34, 1996.

[17] Além dos citados textos de Marília Machado e Sylvia Fischer, o conjunto de obras dos edifícios de superquadra foi objeto de pesquisa coordenado por Matheus Gorovitz e Marcílio Mendes Ferreira em:

[19] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[20] Pensado inicialmente para a cidade de Alagados na Bahia.

[21] ALMEIDA, Jaime. Avaliação de Plantas de Apartamentos Econômicos em Torres Residenciais no Contexto das Construtoras. Paranoá Cadernos Eletrônicos, Brasília DF, 2003.

[22] WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001, p. 28 ?29.

[23] Antes do código de edificações de 1998(Lei no 2.105/98, regulamentada pelo Decreto no 19.915, de 17 de dezembro de 1998: Código de Edificações do Distrito Federal.), vigoraram outros três códigos de regulamentação em Brasília, aprovados nos anos de 1960 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal no 7, de 13 de junho de 1960: “Aprova a Consolidação das Normas em vigor para as construções em Brasília.?, 1967 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal ‘N?no 596, de 8 de março de 1967: Código de Edificações de Brasília (R.A.1) e Normas Complementares) e 1989. Sobre o último código é importante ressaltar que ?em>dada a importância atribuída à listagem da Unesco e a aprovação das sugestões de Costa, o Código de 1989 incorporou na íntegra os textos do Decreto no 10.829/87[23] e do Brasília revisitada, não apresentando o formato legislativo de praxe. Por seu lado, a nova Câmara aprovou em 1993 uma Constituição própria do Distrito Federal[23], a qual tornou obrigatória a elaboração periódica de planos diretores. Assim, Brasília passava a ser objeto do controle urbanístico tanto de órgãos federais como distritais, em uma coabitação nem sempre das mais harmoniosas.?ver: Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[24] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Op. Cit.

[25] NIEMEYER, Oscar. Considerações sobre a Arquitetura Brasileira. Módulo, Ano 03, n° 7, fev. 1957, pp. 5 ?10

[26] [É a partir da aliança entre função, materiais e procedimentos construtivos que Le Corbusier havia estabelecido os seus cinco pontos de uma arquitetura nova, defendendo o pano de vidro e inventando o brise-soleil.] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões Brasileiras. Sobre um Estado Passado da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Tese de Doutorado, Universidade de Paris VIII- Vincennes- Saint Denis, 2002.

[27] BRAGA, Darja Kos. Arquitetura residencial das superquadras do Plano Piloto de Brasília: aspectos de conforto térmico. Brasília: Universidade de Brasília, 2005.

[28] MACHADO, Marília Pacheco. Op. Cit, p ?89.

[29] Idem, p ?74.


Carlos Henrique Magalhães
Arquiteto e Urbanista (UnB, 2006), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB,2009).

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grao.ds@gmail.com

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Herbert Johnson Museum of Art (I.M Pei) foto - Cornell University (wikimedia commons)Sérgio Machado

AA: capa no n196, setembro de 1978Minha formação como arquiteto teve como referências a linguagem e os métodos da arquitetura moderna os quais, no decorrer dos 70’s, estavam sendo contestados, no que pode ser descrito genericamente como uma disputa entre cinzas e brancos, entre o inclusivo e o exclusivo.

O incômodo com o estreitamento das possibilidades de expressão, situação na qual a arquitetura se viu enredada, não era só dos pós-modernistas. Nos anos 70, até o Kenzo Tange desconfiava das limitações daquele estilo tão internacional, tendo feito esse desabafo em alguma das surradas páginas da Architecture D’Aujourd’hui. Logo ele, pioneiro do modernismo japonês.

Talvez a genialidade de muitos arquitetos que, a todo o momento, faziam ressurgir o nosso entusiasmo pelo modernismo, tenha contribuído para a manutenção da rigidez daquela linguagem, pautada na explicitação dos materiais e das técnicas, logo convertidos em protagonistas da forma. Entretanto, rigor é virtude: o problema é quando um estilo se legitima com argumentos morais, pois é como um santo que se contentasse em não pecar, abstendo-se de operar maravilhas.

Herbert Johnson Museum of Art (I.M Pei) foto - Cornell University (wikimedia commons)Tomemos como exemplo o Herbert Johnson Museum of Art, na Cornell University, projeto do escritório do IM Pei. A obra é de 1973 e mostra que amplas possibilidades de desenvolvimento ainda estavam abertas para o modernismo. As experimentações espaciais que ali ocorrem me parecem mais importantes do que o seu atrelamento aos dogmas do vocabulário moderno. Mesmo assim, na época, e para a maioria de nós, o uso do concreto aparente e a estrutura ousada eram mais importantes do que o próprio espaço. A forma, embora nem sempre derivada da função, não era discutida enquanto composição, por pudor.

Éolo Maia - O vento sobre a cidade - (cartaz de exposição)A primeira evidência da mudança dos ventos foi o pós-modernismo, que revalorizou a cultura local e a tradição arquitetônica, colocando novamente em discussão a legitimidade e a pertinência das intenções plásticas. Nesse momento, encontramos o fundamental “Complexidade e Contradição em Arquitetura”, de Robert Venturi (1968), semeando um pluralismo que prevalece até hoje e me parece definitivo.

Em seguida, o universo lúdico, despertado pelo resgate da liberdade exercida pelos arquitetos em períodos anteriores, foi um dos motores do deconstrutivismo, que surge vestido de sofisticação intelectual, talvez pelo medo de ser acusado de um reles culto à aparência ou pela necessidade mesma de uma muleta conceitual. Nem todos, entretanto, aderiram ao discurso pós-estruturalista. Dentre eles, está Frank Gehry, que se dedicou à especulação espacial, formal e construtiva, incluindo um grupo de artistas na concepção e análise dos seus projetos. Não é por coincidência que Gehry é o objeto mais freqüente das criticas a experimentação formal: atacar Peter Eisenman, por exemplo, seria mais arriscado, pois aí o debate provavelmente seria pautado pela lógica dos discursos literários, escapando quase sempre da concretude edificada, nivelando ou desnivelando os contendores por sua cultura pessoal e não pelas evidências construídas.

Museu Guggenhein (Frank Gehry, Bilbao) - Foto - É curioso que seja imputado ao projeto de Gehry, do Guggenheim, o desrespeito ao casco viejo de Bilbao, deixando de lado o feito extraordinário que a proposta realiza, ao integrar uma obra de infra-estrutura, um elevado, na composição do edifício: novamente aqui, pressupostos teóricos absolutos são colocados na frente da realidade, encobrindo-a.

Numa reação à exuberância plástica dos deconstrutivistas, uma onda neo-moderna invadiu a cena brasileira e mundial e tenta se impor mais uma vez como estilo hegemônico. Ela traz, por um lado, a covardia da maior parte das casas brancas de vidro verde e por outro, a apologia dos sistemas construtivos, acompanhada do malabarismo estrutural que emperrou o modernismo. Mas essas unanimidades também já começam a perder o fôlego e os holofotes logo se voltarão para outras linguagens.

É o próprio movimento de construção e desmonte de estilos que reafirma a arquitetura como uma prática entranhada na cultura, embora tal aggiornamento não impeça a ocorrência de atitudes mistificadoras e de posturas conservadoras, assentadas sobre imagens gastas. São estas resistências que obstaculizam um debate mais aberto sobre a forma dos edifícios.

A forma é o aspecto dos elementos culturais que pode ser diretamente observado e o significado consiste nas associações que a sociedade liga a este elemento, já dizia Linton. [1] Boa parte dos últimos 30 anos ficamos a discutir o significado como se ele dependesse unicamente da forma externa dos edifícios e nos afastamos de uma abordagem mais objetiva a respeito dela. Por outro lado, o significado é uma dimensão coletiva da arquitetura e se queremos discuti-lo deveríamos falar sobre uso e função, aspectos nos quais os interiores são determinantes e fundamentais.

Surgem daí alguns paradoxos típicos do país da jabuticaba: queremos a adesão do usuário, mas não discutimos a sua apropriação dos espaços que propomos, posto que função é coisa de funcionalista e interior é objeto da decoração. Queremos o reconhecimento social por nossas contribuições à paisagem construída, mas consideramos a preocupação com a forma uma coisa menor, própria dos formalistas.

Numa anedota antiga, ao sair de casa de manhã, o marido deixa um bilhete: “Cara esposa, tome todas as providências, pois hoje à 20h30, nós iremos copular”. Essa formalidade gelada é correlata do distanciamento asséptico com o que muitos arquitetos tratam as questões plásticas, enchendo-se de pudores e temendo o arrebatamento: procuram limpeza e correção.

Buscam, como Alberti, uma existência feliz.

Considerando a amplitude dos papeis que a arquitetura deve exercer na cultura, creio que deveríamos nos alinhar com Vitruvio e realizar, na venustas, uma vida apaixonada.


notas

[1] LINTON, R. 2.ed. O Homem: uma introdução à antropologia. São Paulo : Martins, 1952. 535p.


Sérgio Machado
Arquiteto e professor na FAU/Itaúna

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Uma das discussões mais interessantes sobre o Movimento Moderno na Arquitetura é a relação dos novos edifícios com o lugar onde se assentam, o que, é claro, remete à face pública do edifício quando esse lugar é a cidade. Passado o período mais questionador quando a crítica ao Modernismo era excessivamente áspera ?até mesmo para que a arquitetura pudesse se renovar ?podemos hoje entender melhor que muitas dessas críticas não se justificavam da forma como elas foram elaboradas e, nesse caso, inclui-se justamente  o problema da relação com o lugar.

Dizia-se que a Arquitetura Modernista desconhecia ou negava o lugar, privilegiando o edifício isolado e auto-referente. De fato, a atitude modernista pressupunha os aspectos de inovação (afinal de contas se considerava o “fim da história? e de transformação (o ideal de se “corrigir?cientificamente os erros dos edifícios e cidades), aspectos esses característicos não apenas da arquitetura, mas da própria atitude modernizante [1]. Assim, antes de negar o lugar, a arquitetura moderna buscava, por um lado, transformar o lugar e, por outro, inovadora que era, se estabelecer em contraste.

A nova cidade era o ideal a ser perseguido: novas formas de relação do prédio com a cidade. Daí surgiram as idéias do pilotis, do descortinamento da paisagem, da redução de fronteiras (ou sua atenuação) entre o público e o privado, enfim uma nova ordem urbana. Na postura modernista era importante que o espaço aberto se imiscuísse entre os prédios, livre, higiênico, claro. A questão assim colocada adquiria formas próprias quando o lugar dos novos edifícios não fosse um campo aberto (como a Villa Savoye) ou cidades absolutamente novas (como Brasília). A postura modernista com relação à pré-existência assume uma riqueza enorme quando analisada caso a caso: em Belo Horizonte tratava-se de substituir as formas arcaicas dos “neos?e garantir a vocação moderna da cidade, na avenida Paulista tratava-se de garantir a pujança econômica e a presença forte de cada instituição (fazendo com que cada prédio fosse necessariamente um indivíduo), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, tratava-se de mostrar como a nova estética e a nova tecnologia propiciavam novas formas de se dialogar e valorizar a paisagem local.

Talvez o sonho final fosse mesmo uma substituição completa em busca da nova ordem urbana. Mas no seu processo real de transformação das cidades, aquele que o­corria no dia-a-dia, ao largo das especulações e ensaios teóricos, na prática profissional c­otidiana, a arquitetura moderna deixou de seu primeiro i­ntento de transformar o lugar para buscar n­ovas formas de com ele dialogar, não no sentido de respeitar as pré-existências e trabalhar de forma harmônica (ou similar) mas de re-interpretá-las, buscar novas formas de relação do objeto com o lugar [2].

Tendo vivido a experiência de projetar nos últimos vinte e cinco anos, a minha própria obra e pensamento, de certa forma, refletem essa inquietação e essa busca de uma nova topologia urbana e, embora não seja a atitude acadêmica mais usual, não resisto à tentação de examinar esses aspectos na minha própria obra, impulsionado pelas características livres desta publicação. De qualquer forma, a experiência de quem viveu e projetou nesse tempo pode ser uma fonte interessante de dados para reflexão. Assim sendo, selecionei alguns exemplos, muitos deles resultantes de concursos públicos e não construídos (afinal os construídos já estão expostos…), para explorar exatamente esse caráter público, os quais passo a expor a seguir.

casa do jornalista

Belo Horizonte, 1982 (Fig. 1)
Arquitetos Ângela Roldão, Flavio Carsalade, Gustavo Penna,  Luis Antônio Fontes Queirós
(1º  lugar em Concurso Público)
 O projeto propõe um amplo espaço público no pilotis, a “Praça da Notícia?e para tanto tenta minimizar a presença do prédio e reforçar a luminosidade da praça, retirando os pilares intermediários (através do vão de vinte e cinco metros propiciado pela viga-ponte metálica) e pelo pé-direito de 15 metros do pilotis.

rede bandeirantes de televisão/sucursal belo horizonte

Belo Horizonte, 1981
Arquitetos Flavio Carsalade e Gustavo Penna
 O projeto propõe uma ampla janela para a cidade, propiciada pelo volume prismático e pela situação da avenida Raja Gabaglia, na cumeada da montanha.

edifício sede hemobel laboratório

Belo Horizonte, 1985 (Fig. 2)
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
 Os planos formadores do edifício exploram as possibilidades do lote, de esquina em ângulo agudo.

edifício sede do demetrô

Belo Horizonte, 1987 (Fig. 3)
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
(3o lugar em Concurso Público)
 A situação do terreno, linear, paralelo ao ribeirão Arrudas e à cavaleira sobre a cidade,  com duas entradas em cada uma das suas extremidades possibilitou a criação de uma rua pública de pedestres que se beneficiasse do potencial do terreno.

museu de arte de belo horizonte

Belo Horizonte, 1990  (Fig. 4)
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
(Participante de Concurso Público)
 A idéia chave do projeto foi a criação de uma grande superfície plana que se estendia ao longo da avenida dos Andradas, criando entre ela e os espaços de exposição um área intersticial por onde passaria uma grande rampa pública de pedestres ligando o viaduto da Floresta à praça da Estação.

parque amilcar vianna martins

Belo Horizonte, 1991 (Fig. 5)
Arquitetos Fernando Ramos, Flavio Carsalade, Gaston Oporto e José Eduardo Ferolla
 Da situação topográfica da Caixa d’Água do Bairro Cruzeiro, na parte alta da avenida Afonso Pena, resultam, para esta, taludes de fraco apelo visual e pouca conexão, para a cidade, uma vista exuberante. O projeto propõe, para a avenida Afonso Pena, uma conexão forte através do elevador e da passarela metálica e para seus taludes um tratamento em jardins escalonados que criam uma expressão plástica mais vigorosa e, para a vista da cidade, um amplo deck de observação em balanço sobre a montanha.

parque linear do arrudas

Belo Horizonte, 1989 (Fig. 6)
Arquitetos Carlos Antônio Leite Brandão, E­duardo Mascarenhas, Fernando Gontijo R­amos, Flavio Carsalade,  Humberto C­arneiro, José Eduardo Ferolla, Jurema Marteletto R­uggani, Marcos Emídio Fonseca
(Menção Honrosa no concurso nacional “BH Centro?para revitalização do centro de Belo Horizonte)
 A proposta do parque faz “costura?norte-sul e leste-oeste da cidade rompida pela linha férrea, através da ligação ininterrupta de pedestres desde o prédio da Rodoviária até a Serraria Souza Pinto e centro-bairro pela grande laje que cobre o metrô e aí cria um amplo espaço público.

edifício sede ordem dos advogados do brasil de patos de minas

Patos de Minas 1996
Arquitetos Antônio de Pádua Fialho, Flavio Carsalade e Paulo Henrique Lopes
 O grande pórtico na esquina do terreno triangular cria a interface entre a cidade e a instituição.

memorial do centenário de campo grande

Campo Grande/Mato Grosso do Sul, 1998
(Fig. 7)
Arquitetos Alexandre Brasil,  Carlos Alberto Maciel e Flavio Carsalade
(Terceiro Lugar no “Concurso nacional para o edifício comemorativo dos cem anos da cidade de Campo Grande)/ Mato Grosso do Sul??1998
 Todo o projeto se baseia na criação de um percurso ligando as várias entradas do terreno, onde situações arquitetônicas e paisagísticas vão ocorrendo em sucessão.

paço cultural da liberdade

praça anexa à Se-cretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000
Arquitetos Alexandre Brasil, Carlos Alberto Maciel e Flavio Carsalade
 A praça anexa às casas que abrigam a Secretaria Estadual da Cultura aproveita terrenos vagos de propriedade pública e dão dimensão pública e de percurso urbano à eles. n

referências bibliográficas

ABASCAL, Eunice Helena Sguizzardi. Cidade e arquitetura contemporânea: uma relação necessária. Texto in Vitruvius, 2005.
 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

notas

1.  “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor ?mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. (…) Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar? (BERMAN, 1988, p. 15)
 2.  “O modelo de espaço ordenado, tomando a natureza como enquadramento de edifícios “dispostos no verde?em que uma renovação formal alimenta-se do ideário iluminista de “fé no progresso da razão?veio sendo repensado?(ABASCAL, 2005)

flavio de lemos carsalade
 Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Escola  de  Arquitetura  da  UFMG  em  1979, Doutorando na Universidade Federal da Bahia ?2003, na área de patrimônio cultural, Mestre em Arquitetura pela Escola de Arquitetura da UFMG ?1997, professor da Escola de Arquitetura da UFMG, desde 1982  onde exerceu a vice-diretoria no período de 1989/1991. Atualmente Secretário Municipal de Administração Regional Pampulha, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, tendo atuado como presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais  (IEPHA/MG ), entre 1999 a 2002 e presidente do Departamento de Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/MG) nas gestões de 1996/1997 e 1998/1999. Atuou ainda como profissional liberal na área de arquitetura e urbanismo e como Professor visitante na “University of Washington?  Arquiteto premiado em vários concursos nacionais de arquitetura.

contato: flavio.carsalade@terra.com.br

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Arquitetura Moderna &#8211; mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2006/03/31/tecnica-moderna-entre-o-monumento-e-a-construcao-cotidiana/ //28ers.com/2006/03/31/tecnica-moderna-entre-o-monumento-e-a-construcao-cotidiana/#respond Fri, 31 Mar 2006 21:33:17 +0000 //28ers.com/?p=393 Continue lendo ]]> mdc 3Carlos Alberto Maciel

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O valor das obras de um homem não está nas obras, mas em seu desenvolvimento pelas mãos de outros, em outras circunstâncias.  Paul Valéry

Percebi que a arquitetura estava ligada a uma problemática nacional e popular e que era preciso arranjar uma ética que me reconciliasse com os ideais do povo brasileiro.
Vilanova Artigas

A arquitetura brasileira apresenta historicamente duas posições distintas quanto à importância e uso da técnica: a primeira, dominante desde o surgimento da arquitetura moderna no país, preocupa-se com a exploração plástica da estrutura e estabelece um discurso sobre a aplicação primorosa do conhecimento da construção. Esta vertente é bem representada por obras exemplares de arquitetos como Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, e ainda pela obra inicial de João Filgueiras Lima e algumas realizações de Affonso Reidy e Lina Bo Bardi. Não obstante a grande diferença quanto à escala, programa, origem dos recursos e mesmo a época da realização das suas obras, os arquitetos citados reeditam, cada um à sua maneira, um “discurso sobre a técnica? Oscar Niemeyer é quem mais radicalmente explorou as grandes estruturas, nas suas obras brasileiras possibilitadas por sua opção em trabalhar exclusivamente com obras públicas, e nas obras estrangeiras, para “mostrar o desenvolvimento da enge­nharia nacional? discurso que se conserva até a produção recente do arquiteto. Vilanova Artigas, em outro sentido, explorou as grandes estruturas em especial através do argumento de Auguste Perret de que “?preciso fazer cantar os pontos de apoio? Foi ainda um dos arquitetos que mais influenciou a arquitetura paulista no que concerne à aplicação do concreto armado aparente com a exploração dos grandes planos e empenas estruturais (Garagem de Barcos Santa Paula ?1961, FAU-USP ?1961) das lajes nervuradas permitindo o grande vão (FAU-USP, Rodoviária de Jaú ?1973, Vestiários do São Paulo Futebol Clube ?1961, Anhembi Tênis Clube ?1961, Ginásio de Utinga ?1962, Colégio 12 de Outubro – 1962) e da racionalidade construtiva dos “quatro pontos de apoio?(Casa Taques Bitencourt ?1959, Casa Ivo Viterito ?1962, Casa Mendes André ?1966), que se tornou aspecto recorrente na arquitetura paulista pós-Artigas, inclusive na obra de Paulo Mendes da Rocha. Nesta última, a matriz racionalista, herdada de Artigas, que caracterizou seus primeiros trabalhos como respostas generosas e inventivas às necessidades do cotidiano, cede lugar a um maior refinamento da técnica e da forma que dela decorre, o que aparece em projetos como o Museu Brasileiro da Escultura ?1988 e a marquise da Praça do Patriarca ?1992.

Para além da necessidade programática, estes projetos editam elementos de alta tecnologia que procuram estabelecer um discurso sobre a fundação ou edição do lugar através de uma exibição do conhecimento. Numa outra direção, o refinamento construtivo conduziu à exploração da lógica de montagem e industrialização de grandes estruturas na obra de Lelé, destacando-se os projetos iniciais em Brasília ?década de 70 e o Centro Administrativo da Bahia ?1973, que apresentam uma industrialização com grandes peças e com uma complexa lógica de montagem. Já a obra de Lina Bo Bardi explorou as estruturas protendidas, gerando à época o ?em>maior vão livre do mundo? no Museu de Arte de São Paulo – 1957, liberando o belvedere de inegáveis qualidades quanto ao uso público e abertura para a paisagem. Antecedeu a solução atirantada das lajes do MASP a bela solução construtiva de Affonso Reidy no projeto do Museu de Arte Moderna ?1953, no Rio de Janeiro, que reduz a seção dos pilares pela utilização da compensação entre momentos fletores na base do “V? O atirantamento das lajes, liberando um dos pavimentos ?à exceção do MAM, em geral é o térreo o pavimento liberado – foi também trabalhado por Oscar Niemeyer na Sede Mondadori – 1968, em Milão, e por Vilanova Artigas no Laboratório Nacional de Referência Animal, Lanara – 1975, em Pedro Leopoldo, MG. Esta solução, por ampliar os percursos das cargas até a fundação, contrariando a lógica natural imposta pela gravidade, é significativamente mais onerosa do que uma condução mais direta dos esforços, e nem sempre justificada quando confrontada com os usos em questão. Explicam-se este e outros artifícios estruturais não pela simples resposta ao programa colocado, mas pelo esforço de demonstração de um avanço da engenharia brasileira.  Para isso, estes arquitetos realizam edifícios cuja virtuosidade técnica, em geral de alto custo e construção especializada, confere às obras o status de ícone, monumentos que passam a ser cultuados e assimilados pelo inconsciente coletivo como símbolos do progresso do país e da alta capacidade de que dispomos para a construção dos principais edifícios públicos que abrigam e representam as instituições nacionais. Pelo alto grau de exploração t­écnica, nem sempre disponível de forma generalizada, e por apresentarem alto custo decorrente, entre outras coisas, da alta especia­lização construtiva, têm menor capacidade de gerar desdobramentos para o aprimoramento da construção cotidiana em larga escala. Sobre esta tendência, Lucio Costa se manifestou sabiamente:

A idéia é sempre exigir das novas técnicas soluções extremadas, não é? (…) Nas mãos de um arquiteto qualificado, naturalmente ele faria bem, mas essas levas e levas de arquitetos, cada um pretendendo “eu acho bonito? estão destruindo completamente o que era honesto: uma arquitetura vinculada a um sistema construtivo, uma coisa assim, sempre com a participação da qualidade, da intenção de harmonia (…). Porque nesta intenção o arquiteto se revela. (…) Porque realmente os arquitetos são estimulados para serem gênios, para inventar. Então o sujeito fica inventando demais, o próprio Oscar foi culpado disso [1].

De outro lado, é possível enumerar projetos em que se coloca em primeiro plano como fato mais relevante do uso e desenvolvimento da técnica não a sua própria demonstração, mas a preocupação em editar o conhecimento da construção de modo a responder aos problemas específicos colocados em cada situação. Esta outra maneira de consi­derar a importância da técnica esteve presente na obra de Lucio Costa e em grande parte da produção de Lina Bo Bardi. Nelas, a conciliação entre os padrões eruditos da arquitetura moderna e a tradição, tanto da arquitetura luso-brasileira, por um lado, como da arquitetura popular e o vernáculo, de outro, fundam uma abordagem da técnica de modo menos discursivo e mais fundado na interpretação de uma tradição construtiva [2]. Todas as casas projetadas por Lucio Costa são exemplares neste sentido. Esta abordagem também é fundadora da obra de Joaquim Guedes, que vale ser ressaltada em dois aspectos: primeiro, por ela mesma constituir uma crítica à atitude dominante da exploração formal das estruturas, revelando um decoro que apresenta uma “clara contenção no uso do concreto aparente?em favor de uma maior diversidade de materiais e tecnologias permitindo responder melhor ao clima, à economia ?escassez de recursos, e às “necessidades do dia-a-dia de atividades humanas específicas?[3]. Em segundo lugar, configura também uma atitude de resistência que retoma o vernáculo e as tradições cons­trutivas locais, reinterpretando-as para melhor respon­der aos problemas e limitações brasileiras. Essa postura crítica aparece no projeto do Grupo Escolar Ataliba Nogueira, de 1961, é exemplar nos projetos para a Cidade de Caraíba, na Bahia, e ainda orienta diversos projetos de residências.

Por último, vem se mostrando exemplar a obra recente de João Filgueiras Lima, que, para além da busca da invenção do maior vão ou de demonstração de virtuosidade, pesquisa sistemas cuja complexidade, lógica de montagem e adequação ao clima transportam nosso mais alto conhecimento para a construção de edifícios para o cotidiano, viabilizando edifícios de qualidade assustadoramente acima da média nacional que ao mesmo tempo apresentam baixo custo e grande facilidade de assimilação dos princípios de montagem nos mais variados locais do país, por mão-de-obra nem sempre especializada. Seu senso de economia, modularidade e repetição, facilidade e agilidade de montagem constituem uma resposta contundente à realidade brasileira, com grande potencial didático de gerar desdobramentos virtuosos para melhorar a qualidade da grande massa de construções anônimas que conformam nossas cidades [4]. Este compromisso com o desenvolvimento de uma técnica que nos permita superar o atual estágio civilizatório, com uma preocupação mais centrada na resolução de problemas aparentemente simples quando comparados ao avançado domínio da tecnologia que nossos grandes edifícios já demons­traram, mas complexos e aparentemente intrans­poníveis se abordados na construção cotidiana, parece apontar uma alternativa de construção viável e democrática para a ação dos arquitetos brasileiros contemporâneos, uma vez que recupera a racionalidade e a exploração das virtudes da técnica próprias da Modernidade, mas evita a ingênua crença no seu predomínio como um a priori positivo e universal. Concilia as virtudes da modernidade com as limitações e os valores locais, absorvendo criticamente um dos maiores avanços que o pensamento pós-moderno apresentou: a constatação do fim dos meta-relatos legitimadores e a valorização das especificidades regionais.

Se quisermos dar respostas mais abrangentes e pertinentes à sociedade, será preciso editar o conhecimento da construção para responder objetivamente às limitações já amplamente conhecidas ?em especial a escassez de recursos e a baixa qualificação da nossa mão de obra.

Sabemos produzir monumentos; falta-nos a competência para responder ao cotidiano. Transpor todo o conhecimento desenvolvido nos últimos 60 anos para um domínio de aplicação mais amplo e mais acessível a todos, buscando uma construção mais pertinente que reduza a distância entre o edifício comum e o de exceção. Por de lado o discurso e colocar a mão na massa. n

notas

1.  Cf. “Entrevista? Revista Pampulha, n.1, novembro-dezembro de 1979, p.12-19.
2.  Sobre a diferença entre as estratégias de ambos, ver WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p.35.
3. CF. CAMARGO, Mônica Junqueira de. Joaquim Guedes. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
 4.  Em recente artigo na Revista AU, Edison Eloy, Yopanan Rebello e Marta Bogéa apontam a pertinência das soluções  construtivas desenvolvidas por Lelé, Joan Villá e Eladio Dieste para as condições sociais, econômicas e culturais sul-americanas. In: “Invenção: popular e erudito? Revista AU, n. 141, dezembro 2005, p. 72-75.

carlos alberto maciel (1974)
Arquiteto e Urbanista (EA-UFMG – 1997) e Mestre em Teoria e Prática de Projeto (EA-UFMG – 2000),  professor no Unicentro Izabela Hendrix, autor de diversos projetos e obras destacados em premiações como o 3o, 4o , 6o e 7o Prêmios Jovens Arquitetos (1997-1999-2004-2005), a 4a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (1999), o 4o Prêmio Usiminas Arquitetura em Aço ?Centro de Arte Corpo (2001), a Premiação do Instituto de Arquitetos do Brasil ?São Paulo (2004), entre outros. Possui escritório próprio desde 1996.

contato: carlosalberto@arquitetosassociados.28ers.com | www.arquitetosassociados.28ers.com

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Assim caminha a modernidade?/title> <link>//28ers.com/2006/02/28/assim-caminha-a-modernidade%e2%80%a6/</link> <comments>//28ers.com/2006/02/28/assim-caminha-a-modernidade%e2%80%a6/#respond</comments> <dc:creator><![CDATA[editores mdc]]></dc:creator> <pubDate>Tue, 28 Feb 2006 19:06:55 +0000</pubDate> <category><![CDATA[Denise Marques Bahia]]></category> <category><![CDATA[Ensaio e pesquisa]]></category> <category><![CDATA[MDC 002]]></category> <category><![CDATA[Arquitetura Moderna]]></category> <category><![CDATA[História da Arquitetura]]></category> <category><![CDATA[Teoria da Arquitetura]]></category> <guid isPermaLink="false">//28ers.com/?p=330</guid> <description><![CDATA[Denise Marques Bahia [Ler o artigo em PDF] Criemos e manifestemos a arte dos tempos presentes. Ressurreições? Jamais! 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Ressurreições? Jamais!<br /> (Le Corbusier, em 1936, a bordo do Zeppelin, a caminho do Brasil)</p></blockquote> <h4 style="text-align:justify;">moderno, modernismo, modernista e modernidade</h4> <p style="text-align:justify;">A análise da significância da arquitetura moderna na contemporaneidade, de sua permanência ou superação, requer uma elucidação acerca dos termos modernidade, moderno, modernismo, modernista.</p> <p style="text-align:justify;">Por modernidade, entende-se um processo, ainda em curso, que teve início com a renovação científica do século XVII e a decorrente mudança na visão de mundo e nas formas de sua expressão pelo homem nas artes, na arquitetura, na cultura. A explicação teocêntrica do universo dá lugar à subjetividade, à compreensão racionalizada, ao <em>cogito </em>cartesiano. Consolida-se a crença na racionalidade emancipadora, na instrumentalização da técnica para domínio da natureza. Ao mundo fechado medieval, abre-se o universo infinito da ciência moderna. Arte, ciência, religião, política definem-se em esferas distintas.</p> <p style="text-align:justify;">Como um desdobramento desse processo surge o Modernismo, no começo do século XX, como um movimento estético e cultural que, na experiência brasileira, assumiu características próprias, somando os conceitos e práticas das vanguardas artísticas européias às buscas de reafirmação da identidade nacional, através da valorização do legado colonial barroco e das artes ditas populares. Este movimento, chamado Movimento Moderno, no caso da arquitetura brasileira, inscreve-se historicamente no período de 1928 a 1960. A historiografia trata dessa arquitetura como arquitetura moderna. Para Lucio Costa [1] é fundamental a distinção entre moderno e modernista. No primeiro caso tem-se uma arquitetura consistente, fruto de um processo enquanto que modernista designa obras alegóricas, equivocadas, pastiches.  O termo moderno pode referir-se tanto a manifestações desse movimento específico ?como utilizaremos neste texto – ou, no senso comum, quanto a qualquer objeto ou fato novo, diverso do conhecido, o que pressupõe uma relação temporal, uma experiência anterior. Apontar algo como moderno pode significar uma singularização do objeto, mas não sua definição precisa [2], na linguagem coloquial.</p> <p style="text-align:justify;">Além da necessidade de se elucidar o correto sentido dos termos, cabe ressaltar que o Modernismo, ou o moderno, não pode ser considerado um movimento unívoco mas plural, abrangendo diversas expressões e linguagens diferenciadas, ligadas a questões culturais e características individuais de seus atores. Sob a mesma designação – “moderna?– encontram-se obras bastante distintas, mas com um denominador comum.</p> <p style="text-align:justify;">Na contemporaneidade, o Modernismo vem se consolidando como patrimônio histórico e cultural e ressurge como nítida referência nos conceitos e práticas da produção arquitetônica recente.</p> <p style="text-align:justify;">Nesta perspectiva, é necessário e urgente a revisão crítica de suas proposições, das fraturas no seu projeto utópico de transformação social, da sua importância na cultura brasileira e o exame de sua permanência.</p> <h4 style="text-align:justify;">a arquitetura moderna no brasil: a expressão de um projeto de nação, do desejo de progresso</h4> <p style="text-align:justify;">O Modernismo no Brasil surge na década de 20 a partir de um movimento pendular entre o desejo de internacionalização, de consonância com as pesquisas e discussões estéticas mundiais e a necessidade de reafirmar a identidade nacional, de redescobrir os valores e tradições autóctones, para enraizar e legitimar as novas proposições, as novas formas de expressão. O advento da industrialização e a formação de uma sociedade cada vez mais urbana transforma a paisagem natural, como bem retratam os quadros de Tarsila. A metáfora da antropofagia exprime o processo de redescobrimento do país, do reconhecimento de suas origens culturais e exalta a inventividade de um povo que não quer se fechar para as influências externas num nacionalismo estúpido, mas que é capaz de se beneficiar com novas experiências, sem prejuízo de sua identidade.</p> <p style="text-align:justify;">Durante a Segunda Guerra Mundial, com o Estado Novo, o nacionalismo de Vargas e a política norte-americana da “boa vizinhança?surge a invenção de um Brasil expressa num imaginário popular de grande difusão no exterior. É o período do samba-exaltação de Ary Barroso. E dá-lhe Carmen Miranda, Walt Disney, Zé Carioca exaltando o “Brasil brasileiro? “o coqueiro que dá coco? compondo uma iconografia de uma aquarela histórica. No Estado Novo, o samba de Ary; no governo JK, a bossa-nova é a trilha sonora que ganha análoga repercussão internacional na construção da imagem de um país moderno, expressa na obra de Oscar Niemeyer.</p> <p style="text-align:justify;">Na arquitetura, o Modernismo surge então como linguagem, como um sistema de signos, mas também como expressão de um projeto político desenvolvimentista que culmina com a construção de Brasília. Neste contexto ideológico a monumentalidade ganha destaque. No início da década de 40, por iniciativa de Juscelino Kubitschek é criado o Complexo Arquitetônico da Pampulha, propiciando  a grande oportunidade para que Oscar Niemeyer realizasse um conjunto de obras inovadoras, de grande repercussão internacional, explorando as possibilidades técnicas e plásticas do concreto armado:</p> <blockquote> <p style="text-align:justify;">se o prédio do Ministério projetado por Le Corbusier constituiu a base do movimento moderno no Brasil, é à Pampulha ?permitam-me dizê-lo ?que devemos o início da nossa arquitetura, voltada para a forma livre e criadora que até hoje a caracteriza. [3]</p> </blockquote> <p style="text-align:justify;">Em 1943, é realizada a exposição e publicado o livro<em> Brazil Builds</em> em Nova Iorque, um marco na difusão da arquitetura moderna brasileira e na consagração de Niemeyer como maior representante, expoente máximo da arquitetura moderna brasileira no cenário mundial.</p> <p style="text-align:justify;">Nas décadas de 40 e 50, destacam-se as obras de Affonso Eduardo Reidy, Irmãos Roberto, Sérgio Bernardes, Oswaldo Bratke, Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, Eduardo Mendes Guimarães, entre outros. O Modernismo se consolida em diversas regiões do país, passando a se manifestar não somente em monumentais obras institucionais, públicas, mas também na arquitetura residencial e em obras de pequena escala. O movimento que se iniciou nas elites, com patrocínio colossal do Estado nas obras públicas, foi sendo assimilado e passou a simbolizar o desejo de ser moderno, de status, de pertencimento e inclusão social no projeto desenvolvimentista, de modo a ser referenciado nas mais singelas regiões, distantes dos eixos do poder central, na arquitetura vernacular, informal.</p> <p style="text-align:justify;">No Brasil, como aponta Lucio Costa, ao contrário de ou­tros países, não houve antagonismo entre tradição e moder­nidade e este aspecto talvez seja o que acabou por definir a singularidade da arquitetura brasileira frente ao movimento internacional, além das condições econômicas.</p> <h4 style="text-align:justify;">o modernismo na contemporaneidade: ainda modernos?</h4> <p style="text-align:justify;">Esta questão vem ganhando relevância nos debates contemporâneos sobre cultura e na crítica das artes e da arquitetura. Em 2005, deu origem a uma exposição realizada em Paris, intitulada <em>Encore moderne? Architecture brésilienne 1928-2005</em> e a uma publicação de autoria de Lauro Cavalcanti [4] . A exposição e o livro abordam a arquitetura brasileira produzida no período considerado “heróico??décadas de 1930 a 1960 –  e obras e projetos recentes, contemporâneos. Buscou-se, como explica Cavalcanti, identificar a relação entre a nova geração de arquitetos com o legado dos mestres da arquitetura moderna nacional.</p> <p style="text-align:justify;">O crescente interesse pelo moderno, bem como a diversidade de suas manifestações nos quatro cantos do mundo, pode ser verificado também nos seminários e publicações do DOCOMOMO [5]. É impressionante a quantidade de pesquisas, inventários, trabalhos acadêmicos e ações de preservação de bens modernos em diferentes culturas.</p> <p style="text-align:justify;">A arquitetura moderna como objeto de preservação revela o paradoxo de um movimento que buscava ser a expressão material de seu tempo, apontando sempre para o futuro, apostando nas novas possibilidades trazidas pelas inovações tecnológicas, inserido num projeto de modernização e progresso, e que agora se consolida como patrimônio histórico e cultural. O que era moderno é agora história, passado continuamente reatualizado e reinterpretado na vida cotidiana das cidades.</p> <p style="text-align:justify;">Mas qual é exatamente o legado do modernismo para a cultura brasileira e como se dá a sua permanência ou influência verificada em projetos e obras recentes? É notável a permanência do moderno na produção contemporânea da arquitetura, como podemos verificar nas diversas publi­cações e exposições de trabalhos de jovens arquitetos. Refiro-me a uma produção que pode ser interpretada como uma releitura do modernismo, não mais quanto à proposta utópica globalizante de transformação social, nem tampouco como mera manipulação do conhecido vocabulário formal corbusiano, ou como pastiches afetados e efêmeros que atendem aos modismos do mercado de consumo. Não se trata também de um retorno nostálgico, saudosista e anacrônico: afinal, “chega de saudade?depois de Brasília, da bossa-nova e do pós-modernismo. O que ocorre nesses casos é o que Lauro Cavalcanti bem define como um ?em>modernismo em movimento, mais dialético e conciliador(?. Uma arquitetura múltipla e plural praticada por profissionais que, sem reverenciar um tempo já passado, sabem nele encontrar riquezas e não fardos.</em>?/p> <p style="text-align:justify;">Cabe investigar, como propõe este evento “mdc? quais são as características essenciais comuns entre essas obras, denotativas dessa releitura, e quais os indicativos dos novos rumos apontados para a arquitetura moderna e para a modernidade em seu sentido mais amplo. A tarefa que se coloca nesta discussão é identificar qual o denominador comum, quais as interseções entre essas arquiteturas contemporâneas além da linguagem, do repertório formal.</p> <p style="text-align:justify;">Como exemplos dessa manifestação, desta­cam-se os trabalhos do grupo de arquitetos Alexandre Brasil, André Luiz Prado, Bruno Santa Cecília, Carlos Alberto Maciel, Danilo Matoso Macedo, Fernando Maculan, Humberto Hermeto, Pedro Morais que compõem a exposição “Diálogos? a qual tive oportunidade de visitar na Casa do Baile, em Belo Horizonte, então intitu­lada 8 Arquitetos. 54 Projetos, em abril de 2004 ?ver projetos publicados neste e nos demais números da MDC. Podemos destacar várias obras contemporâneas também representativas deste “modernismo em movimento? como por exemplo: a Casa em Aldeia da Serra (2002), SP, de autoria de MMBB Arquitetos (Ângelo Bucci, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga), que revela uma nítida influência da arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, é um volume unitário de concreto e vidro, composto de duas lajes sobre pilotis definindo três níveis que se articulam ao terreno inclinado por passarelas; a Residência Rio Bonito (2003) de Carla Juaçaba, localizada em Nova Friburgo, RJ, que apresenta a concepção estrutural – muros de pedra que servem de apoio a quatro vigas metálicas de 12m de comprimento – evidenciada na forma pura valorizada pelos materiais ?<a href="//28ers.com/category/_numeros-impressos/mdc-001/">ver MDC 1</a>; o Estacionamento de veículos E Box (2003), em Porto Alegre, do Studio Paralelo (Luciano Andrade, Gabriel Gallina e Rochelle Castro) ?obra singela que apresenta notável solução plástica definida pela integração de um volume principal composto de blocos de concreto aparentes e vidro com um “contêiner?suspenso que abriga o escritório administrativo. Além dessas, várias outras obras poderiam ser assim identificadas na produção atual bem mapeada nas recentes coletâneas elaboradas por Roberto Segre: “Arquitetura Contemporânea Brasileira?e “Jovens Arquitetos-Brasil?(Editora Viana & Mosley, 2004). Mas deixo ao leitor este desafio, este jogo crítico de identificar afinidades, características modernas eletivas.</p> <p style="text-align:justify;">Essas arquiteturas têm em comum a unidade entre linguagem estrutural e arquitetônica; a experimentação de novas possibilidades técnicas; a clareza formal; a potencialização da expressividade dos materiais; a linguagem a um só tempo moderna e contemporânea. Além desses aspectos, essas arquiteturas expressam uma postura bem moderna em sua concepção: buscar no “passado válido? como costumava dizer Lucio Costa, as bases para fundar um novo processo investigativo. Os arquitetos modernos recorreram ao legado colonial barroco para reconhecer a identidade nacional, para conciliar tradição e inovação, para ancorar as novas proposições políticas, sociais, estéticas, cultu­rais e os arquitetos contemporâneos recorrem analogamente ao legado moderno! Seria um sinal de continuidade do modernismo?</p> <h4 style="text-align:justify;">o futuro do moderno e o curso da modernidade</h4> <p style="text-align:justify;">Quando o crítico de arte Mário Pedrosa afirmou que o Brasil era um país “condenado ao moderno? no final da década de 50, analisando a construção de Brasília, estava alertando para o fato de existir um projeto político autoritário de uma modernização aparente e impositiva criada artificialmente. Nos relatos dos trabalhos  desenvolvidos no <em>II Congresso Nacional de Críticos de Arte</em>, realizado em São Paulo, em 1961, Pedrosa declara:</p> <blockquote> <p style="text-align:justify;">O Brasil é, essencialmente, um país condenado ao moderno. O Brasil, já tenho dito várias vezes, é um dos raros países do mundo com uma certidão de batismo; a partir de certa data, de um certo ano de um certo século, o Brasil passou a existir e antes não existia. Nós sabemos disso. E daí começou a ser construído de cima para baixo. (? Brasília só se explica também porque é um país que se constrói de cima para baixo. [6]</p> </blockquote> <p style="text-align:justify;">Houve aí a denúncia de um descompasso entre o progresso prometido e as reais condições objetivas e definitivas para alcançá-lo de modo irrestrito e democrático. É como se a arquitetura moderna, formulada segundo modelos europeus, viesse do futuro longínquo e pousasse no meio do nada, ou ignorando qualquer cultura existente. Ocorreria, então, nesta perspectiva, uma modernização sem modernidade, desenraizada. Hoje, passados mais de 45 anos da construção da capital do país, o moderno já se consolidou como tradição, nas artes, na arquitetura, na cultura e os megaprojetos urbanísticos impostos e bancados pelo Estado não se aplicam mais.</p> <p style="text-align:justify;">A falência do projeto moderno no Brasil, quanto aos seus propósitos sociais totalizantes é hoje inquestionável, fato consumado e não cabe aqui discuti-la. No entanto, vale rever os conceitos fundamentais do movimento, para entendermos, numa perspectiva contemporânea, sua importância histórica, cultural e entendermos porquê e como se manifestam nas obras recentes.</p> <p style="text-align:justify;">Hoje, com a complexificação da sociedade, com o agravamento dos efeitos perversos do subdesenvolvimento, com a consciência de que a identidade brasileira é múltipla e que a nossa cultura é plural,  o que fazer no “país do futuro?para retomar a modernização perdida e seguir conciliando inovação e tradição? O retorno ao moderno, agora com o devido distanciamento histórico, temporal e uma visão crítica menos apaixonada, sugere que há uma necessidade de recuperar a dimensão ética da arquitetura.</p> <p style="text-align:justify;">Para que a modernidade não seja uma condenação e se efetive, para que a arquitetura não se restrinja ao problema da forma e não se omita quanto às suas responsabilidades num mundo tão complexo, contraditório e cheio de desigualdades, sejamos, sim, ainda modernos, no sentido de operar as seguintes proposições, tipicamente modernas:</p> <p style="text-align:justify;">?exercer a vocação humanista da arquitetura;<br /> ?manter uma abertura constante para a experimentação;<br /> ?considerar sempre a questão da alteridade na concepção e produção da arquitetura;<br /> ?realizar uma pesquisa continuada de novas técnicas construtivas;<br /> ?conceber a arquitetura como expressão material de seu tempo;<br /> ?manter o equilíbrio fundamental entre a responsabilidade social, coletiva e o trabalho individual, autoral de criação artística;<br /> ?manter a postura “antropofágica?<br /> trabalhar o equilíbrio entre o ambiente natural e o construído;<br /> ?trabalhar coerentemente o sistema construtivo e a  linguagem formal, utilizando da melhor maneira os recursos disponíveis;<br /> ?manter uma consciência crítica e avaliativa constante do moderno.</p> <p style="text-align:justify;">Esses me parecem ser os elementos essenciais que constituem o mínimo denominador comum compartilhado por um considerável número de projetos e obras na arquitetura contemporânea. Então estes seriam os ingredientes da receita para continuar moderno, certo? Errado. Estes são os fios que, entrelaçados, compõem tramas mutáveis, “parangolés?arquitetônicos que assumem diferentes formas e configurações, principalmente a partir do movimento dos sujeitos que os incorporam.</p> <p style="text-align:justify;">Talvez o resgate dessas proposições possa nos colocar no rumo certo das trilhas da modernidade e promover uma equilibrada conciliação dos tempos ?passado, presente e futuro.</p> <h3 style="text-align:justify;">notas</h3> <p style="text-align:justify;">1. Costa, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo, Empresa das artes, 1995.<br /> 2. Sobre este tema ver Coelho Neto, José Teixeira. Moderno Pós Moderno ?modos e versões. São Paulo, Iluminuras, 2001.<br /> 3. Xavier, Alberto (org.). Arquitetura moderna brasileira ?depoimento de uma geração. São Paulo, Pini; Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura; Fundação Vilanova Artigas, 1987.<br /> 4. Cavalcanti, Lauro e Correa do Lago, André. Ainda moderno? Arquitetura brasileira contemporânea.http//www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq066.<br /> 5. Docomomo ?Documentation and Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement.<br /> 6. Arte em Revista, ano 2.n.4, São Paulo, Centro de Estudos de Arte Contemporânea, março de 1983, p.85.</p> <p style="text-align:justify;"><strong>denise marques bahia (1964)</strong><br /> Formada em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1989); Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1999); Especialização curso multidisciplinar “As escolhas e as contingências: a produção da vida e das idéias na modernidade??PREPES, PUCMinas (1993); Professora do Depto. de Arquitetura e Urbanismo da PucMinas desde 1994; Professora do Depto. de Projeto Arquitetônico da Escola de Arquitetura da UFMG (1999-2000); Professora do curso de Especialização em Arquitetura Contemporânea (2000, 2001), Design de Mobiliário (2004) e Arquitetura de Interiores (2002 a 2005) do Instituto de Educação Continuada IEC-PucMinas.</p> <p style="text-align:justify;"><strong>contato:</strong> dmbahia@uol.com.br, dmbahia@pucminas.br</p> ]]></content:encoded> <wfw:commentRss>//28ers.com/2006/02/28/assim-caminha-a-modernidade%e2%80%a6/feed/</wfw:commentRss> <slash:comments>0</slash:comments> <post-id xmlns="com-wordpress:feed-additions:1">330</post-id> </item> </channel> </rss>