Bloco de concreto – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Sun, 03 Nov 2024 14:59:35 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Bloco de concreto – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Bloco de concreto – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2024/10/28/casa-vila-matilde/ //28ers.com/2024/10/28/casa-vila-matilde/#respond Mon, 28 Oct 2024 20:26:02 +0000 //28ers.com/?p=18668 Continue lendo ]]> Por Terra + Tuma
9 minutos

Casa Vila Matilde (texto de Francesco Perrotta-Bosch | 2015)

É preciso avisar de antemão: este não é um projeto feito por caridade. Nem se encaixa a definição de habitação social. De fato, a história da casa na Vila Matilde restitui algo de elementar à arquitetura.

Fotografia: Terra e Tuma

Um então distante conhecido de Danilo Terra consultou o arquiteto sobre a possibilidade de reformar a casa onde sua mãe residia há 25 anos. Morava em um trecho do bairro de Vila Matilde, na zona Leste de São Paulo, oriundo de um antigo loteamento – uma vizinhança repleta de casas modestas, mas atendidas pelos serviços básicos de infraestrutura. Naquele ano de 2011, mãe e filho tinham dois cenários em mente: um projeto de reforma da casa ou sua venda para a compra de algum apartamento.

Situação

Danilo e Pedro Tuma, seu sócio no escritório, foram visitar a residência existente e constataram uma complicada situação: incontáveis rachaduras e infiltrações nas paredes; ampliações feitas ao longo dos anos sem qualquer ordenamento; faltavam janelas e aberturas que permitissem a entrada de ventilação e iluminação naturais nos ambientes internos. Era inviável o reaproveitamento da estrutura que lá havia. Embora insalubre, a senhora de 74 anos não fazia esforço para sair da velha casa. Por mais que o primogênito reconhecesse as condições ruins de moradia da matriarca, também percebia o quão negativo seria tirá-la da vizinhança onde há décadas estava estabelecida sua rotina.

Fotografias: Terra e Tuma

Assim, decidiram demolir a casa existente para edificar uma nova no mesmo terreno. As economias guardadas por esta senhora nas décadas de prestação de serviços domésticos eram na ordem de 100 mil reais. “Seria possível com este valor construir uma casa térrea para a mãe?”, questionava o filho aos arquitetos. “Tem que ser possível”, pensou a dupla do escritório Terra e Tuma. Ao apresentar seus projetos anteriores de residências, suas referências e sua ideia de arquitetura, eles esclareceram aos clientes que o limite para o orçamento era baixo, mas era viável.

Fotografia: Terra e Tuma

Nesse momento, é necessário se colocar na posição desta mãe e filho. Afinal, eles estavam prestes a pôr todo o dinheiro poupado em uma vida inteira à disposição de um projeto arquitetônico. Não é um ato muito comum para pessoas de uma classe social mais humilde no Brasil, país cujo senso comum põe o bom projeto de arquitetura como um benefício para quem tem dinheiro sobrando. Pondo-se no lugar dos arquitetos, gerenciar os escassos recursos de uma pessoa para materializá-los em sua nova moradia era uma responsabilidade grande.

Cabe também acrescentar que este não é um caso de fé à profissão. Provavelmente, dona Dalva não conhece Le Corbusier. Dona Dalva não sabe dos benefícios da planta livre, nem dos outros quatros pontos para a arquitetura moderna. Dona Dalva não deve estar ciente da importância
gregária do salão caramelo da FAUUSP. Pelo processo de construção, Dona Dalva não deu indícios de se importar com as condições operárias no canteiro de obras. Dona Dalva não se encanta com os hightechs, desconstrutivistas, metabolistas ou sustentáveis. Dona Dalva não aprendeu com Las Vegas. Ou seja, dona Dalva passa ao largo da intelligentsia arquitetônica, mas mesmo assim, por algum motivo, eles apostaram todas as fichas na arquitetura.

Fotografias: Terra e Tuma

Fez-se o contrato da mãe e filho com o escritório de arquitetura (também dirigido pela arquiteta Fernanda Sakano), de acordo com honorários compatíveis com o valor total possível e esclarecido desde a primeira conversa. Para viabilizar a edificação dentro desse recurso, os arquitetos auxiliaram na escolha e na elaboração de contratos com o empreiteiro, os complementares, os fornecedores.

A primeira proposta de projeto, feita ainda em 2011, era em estrutura metálica, revestimento externo em telha translúcida, divisórias internas em drywall. A referência explícita no powerpoint de apresentação é a Casa Latapie do escritório francês Lacaton & Vassal. A estratégia era de uma
construção seca com montadores específicos, apostando na rapidez e na minimização de erros de obra.

Chegou a ser feito o projeto executivo dessa versão. Esperou-se mais de um ano para a aprovação do desenho na prefeitura. Permaneceu em stand by por mais alguns meses até o dia de 2014 em que o filho constata que o forro do teto caíra em cima da cama da mãe. Com o risco iminente de ruir, o filho tira a mãe da casa antiga, que passa a morar de aluguel, e liga para os arquitetos informando que a obra tinha que começar.

No momento de executar, o escritório muda o projeto, optando pela segurança da pesquisa construtiva que se iniciara na Casa Maracanã e que se seguiu pela Casa com Estúdio e em mais duas edificações. “Pela responsabilidade da situação, tínhamos que acertar. Não teria quem
pagasse pelo erro”, afirmavam os arquitetos. Seguiram por um método construtivo que tinham domínio, lançando mão do bloco de concreto, sem revestimentos e com o mínimo uso de elementos facilmente encontrados em lojas de construção. Utilizam o essencial para a construção não por uma questão estética ou por qualquer demonstração de verdade do material, mas para dar pragmatismo de obra e reduzir custos.

Referência Casa Maracanã
Fotografia: Pedro Kok

Refizeram os desenhos gerais do projeto (em duas semanas) e iniciaram a demolição da velha casa, durante a qual surgiram os grandes desafios da execução. De um lado, o vizinho, que estava construindo seu segundo andar, escorava sua residência na precária edificação que estava sendo demolida. O muro da casa do outro lado assentava-se direto na terra, sem baldrame. Logo, as fundações eram executadas não somente para estruturar a casa da mãe e do filho, como também para manter em pé os sobrados ao redor. Soma-se a isso o fato do próprio lote não ser nivelado, de modo que foi necessário construir uma laje para estabelecer o piso térreo, vencendo as
irregularidades e cavidades no solo.

Outra condicionante atípica e só verificável no canteiro: o vizinho que se apoiava na antiga casa também invadia o lote em cerca de 50 cm, quebrando a linearidade da lateral. Quando se descobriu isso, o projeto foi todo espelhado, deixando o muro irregular adjacente ao pátio central. Parte considerável dos nove meses de execução foi destinada a esse cuidadoso processo de demolição e de fundações.

Fotografias: Terra e Tuma

A obra foi tocada por um empreiteiro de confiança, do qual partiu a iniciativa de acordar o acompanhamento da construção pelos arquitetos uma ou duas vezes por semana. Em virtude desse modelo, foi possível uma simplificação dos desenhos. Muitas decisões projetuais eram feitas no canteiro, por meio do diálogo com os construtores ou fornecedores. De acordo com a demanda, os arquitetos fizeram as plantas dos dois pavimentos, cortes, fachadas, as ampliações do portão e da escada, definiram as características gerais dos caixilhos. Tudo em pouquíssimas pranchas, de modo a evitar desenhos com detalhamentos raramente lidos pela mão de obra nacional.
Além de otimizar o tempo, este pragmático modo de trabalho minimizava custos e esforços tanto para os arquitetos e empreiteiro quanto para os clientes.

Plantas Térreo, Primeiro Pavimento e Cobertura

Entreveros de obra à parte, o levantamento das paredes de blocos de concreto foi uma etapa rápida. Recuada em relação ao alinhamento frontal do lote, está a sala. A partir dela se segue para um corredor onde se alinham as áreas com instalações hidráulicas – lavabo, cozinha e área de serviço. Em paralelo, está o vazio central com jardim. A separação entre interior e exterior nesse trecho nuclear é feita por uma longa esquadria que permite ampla iluminação e ventilação natural – a antítese da ambiência da velha casa. Ao fundo estão as duas suítes: no térreo para a mãe e no pavimento superior para o filho. A laje de cobertura da sala permite uma ampliação
futura da casa.

Cortes Longitudinais e Transversais

Fotografias: Terra e Tuma

Não somente a residência tem a robustez suficiente para agregar mais cômodos, mas também admite outros tipos de reformas. O chão, que é hoje o concreto alisado da laje, pode receber outro piso. As paredes, que são de bloco aparente, podem vir a ser pintadas, rebocadas ou revestidas. A casa vai se transformar, de acordo com um natural processo de apropriação por dona Dalva, que vai imprimir gradativamente sua identidade a essa casa. Porém, é interessante notar que, posterior à entrega da chave, mãe e filho consultam com frequência os arquitetos para pedir orientação na
disposição do mobiliário, na cor das cortinas, na colocação de suas plantas. O canal de diálogo permanece, pois há um reconhecimento por parte dos moradores da melhora da qualidade de vida pela arquitetura.

Esta não é a casa dos sonhos de dona Dalva. Aqui o Terra e Tuma não trata o projeto arquitetônico como uma tentativa de dar forma aos desejos que ocupam o imaginário da proprietária. No desenho, não há incrementos subjetivos, pois se tem consciência de que a noção estética de cada pessoa é muito singular. Não diferente de qualquer outro caso, o valor afetivo que a matriarca tem com cada material diverge da qualificação concedida às matérias pelos arquitetos.

Portanto, nesta circunstância de grande limitação orçamentária, para que a construção fosse possível, demandava-se a simplificação dos desenhos, a otimização da execução, a materialização exclusiva do que é essencial para dona Dalva morar. Das economias de uma vida inteira, ergueu-se uma casa com um tamanho decente, ventilação, iluminação, sem riscos de o forro cair sobre a cama. Na singeleza da casa na Vila Matilde referendada pela admirável história, restitui-se a noção de arquitetura como produção de espaço que ambiciona eminentemente a dignidade do habitar.


projeto executivo


EXECUTIVO COMPLETO

7 formatos (pdf).
2,87mb


ficha técnica

Local: Vila Matilde – São Paulo, SP
Ano de projeto: 2011 – 2015
Ano de construção: 2015
Área: 95 m²
Arquitetura: Terra e Tuma Arquitetos Associados | Danilo Terra, Pedro Tuma, Fernanda Sakano, Bruna Hashimoto, Giulia Galante, Jéssica Zanini, Lucas Miilher, Zeno Muica.


Construção:
Valdionor Andrade de Carvalho e equipe
Estrutura: Megalos Engenharia
Paisagismo: Gabriella Ornaghi Arquitetura da Paisagem


Fotos: Pedro Kok, Terra e Tuma (fotos antigas / fotos de obra)


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

TERRA, Danilo. TUMA, Pedro. SAKANO, Fernanda. PERROTTA-BOSCH, Francesco. “Casa Vila Matilde”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., out-2024. Disponível em //www.28ers.com/2024/10/28/casa-vila-matilde. Acesso em: [incluir data do acesso].


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5 minutos

Casa Maracanã (texto fornecido pelos autores)

A casa está localizada na Lapa, bairro predominantemente residencial da zona oeste de São Paulo, em terreno conciso e com topografia em declive.

Croqui de Corte Longitudinal e vista geral do ambiente social da residência: Pedro Kok

Ela se desenvolve em três pavimentos, abaixo e acima da cota de acesso, na qual estão implantados a garagem e o hall de distribuição da circulação vertical. Ocupando toda a largura do lote, as empenas laterais desempenham também o papel de muros de divisa e, estruturais, são feitas com bloco de concreto autoportante.

Assim, os oito metros de largura do ambiente social ficam livres da interferência de outros elementos estruturais e a residência ganha um aparente espaço extra, qualificado pelo pé-direito duplo e pelo confortável aporte da iluminação natural.

Fotografias: Pedro Kok e Cortes Longitudinais e Transversais

Há jardins na frente e nos fundos ladeando a sala de estar da cota inferior, dela separados por caixilhos de altura total que tornam indistintos os limites entre o edificado e os espaços livres.

Fotografias: Pedro Kok

Em contrapartida, o mezanino transversal, no nível intermediário, sinaliza a passagem do setor social para o de serviços e o estúdio, situados lado a lado na porção frontal e rebaixada do terreno.

Fotografias: Pedro Kok

A extrema simplicidade dos materiais – blocos de concreto autoportantes ou de vedação, sem revestimento – faz par com a exposição das tubulações, piso e escadas de concreto, todos aparentes. O cuidado na seleção dos fornecedores, por exemplo, garantiu a proximidade entre seus tons de cinza, tão claros quanto possível.

Fotografias: Pedro Kok

No andar superior, os dormitórios (três no total) dividem uma faixa de pouco mais de três metros de largura por oito de comprimento, compartilhando o banheiro que, sobressalente na fachada frontal, tem revestimento externo decorativo. O padrão de traços e círculos, nas cores branca, preta e vermelha, foi concebido pelo artista plástico Alexandre Mancini.

Plantas dos três pavimentos + Planta de Cobertura


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Danilo Terra, Fernanda Sakano, Juliana Terra e Pedro Tuma (T.T.)

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no conjunto de toda a sua produção?

T.T. – Seminal. Por ela o escritório encontrou um processo de reflexão e desenvolvimento de
projeto próprio, e como consequência uma linguagem identitária.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

T.T. – A casa pertence aos sócios Danilo e Juliana.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Vocês destacariam algum momento significativo do processo?

T.T. – Parâmetros de projeto extremamente limitantes em contraste com a liberdade de projetar
para si próprio tornaram o processo projetual em um laboratório destinado a encontrar
soluções pragmáticas, e que atendessem à família funcionalmente com a maior flexibilidade
espacial possível.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, podem comentar as mais importantes?

T.T. – Sim. Intensa participação. E as consequências foram determinantes para o resultado final. A
que mais se destaca é o sistema construtivo adotado. Um sistema misto de alvenaria
estrutural com concreto armado tradicional.

MDC – Os autores do projeto tiveram participação no processo de construção/implementação da obra?

T.T. – Sim, e também intensa, durante toda a obra. O canteiro também determinou a adoção de
certas soluções, como a alvenaria estrutural, viabilizando a construção no alinhamento do
terreno.

MDC – Vocês destacariam algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

T.T. – Foram incontáveis momentos da vida familiar, e até mesmo profissional, aos quais esta casa
atendeu muito bem. Sua estrutura comporta além do mais importante e trivial uso cotidiano,
até eventos e locações para fotos e filmagens.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, fariam algo diferente?

T.T. – Sim, foi um processo de muito aprendizado e consequente amadurecimento em projetos e
obras posteriores.

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

T.T. – Acreditamos que ela trata de resgatar uma linguagem projetual que não foi inventada por
nós, mas estava latente e muito pertinente ao contexto da produção arquitetônica
contemporânea.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostariam de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

T.T. – Agradecemos imensamente a sua contribuição. Um abraço!


projeto executivo


PARTE 1:
ARQUITETURA

4 pranchas (pdf).
5,02mb


PARTE 2:
DETALHES

6 pranchas (pdf).
2,6mb


PARTE 3:
ESQUADRIAS

5 pranchas (pdf).
2,1mb


PARTE 4:
ELÉTRICA

2 pranchas (pdf).
903kb


ficha técnica

Local: Bairro da Lapa – São Paulo, SP
Ano de projeto: 2008
Ano de conclusão: 2009
Área: 185 m²
Arquitetura: Terra e Tuma Arquitetos Associados | Danilo Terra, Pedro Tuma e Juliana Assali


Construção:
RKF | Rafael Alves
Elétrica | Hidráulica:
Minuano Engenharia | Cibele Báez Neme e Roberto Abou Assali
Esquadrias de Alumínio: Metaltec Esquadrias | Alexandre Hornink Mora e Fabio Cappeli
Estrutura: AVS | Carolina Ayres e Tomas Vieira
Impermeabilização: Kenzo Harada | Vedação Tecnologia em Construção
Marcenaria: Alceu Terra
Painel: Alexandre Mancini
Paisagismo: Gabriella Ornaghi Arquitetura e Paisagismo
Serralheria: Edison Shigueno


Fotos: Pedro Kok e Arturo Arrieta (Maquete)


galeria


colaboração editorial

Isabela Gomide

deseja citar esse post?

ASSALI, Juliana. TERRA, Danilo. TUMA, Pedro. “Casa Maracanã”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., out-2024. Disponível em //www.28ers.com/2024/10/28/casa-maracana. Acesso em: [incluir data do acesso].


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//28ers.com/2024/10/28/casa-maracana/feed/ 0 18595
Bloco de concreto – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/12/13/sede-para-uma-fabrica-de-blocos/ //28ers.com/2023/12/13/sede-para-uma-fabrica-de-blocos/#respond Wed, 13 Dec 2023 22:03:20 +0000 //28ers.com/?p=14633 Continue lendo ]]> Por VÃO
11 minutos

Sede para uma Fábrica de Blocos (texto fornecido pelos autores)

12.000 blocos. 75m² de área útil. 75m² de paredes.

Fotografias: VÃO (fotos da obra) + Rafaela Netto

A urgência de abertura do espaço, o baixo orçamento disponível e o terreno alugado eram fatores que impediam uma construção convencional para a sede desta fábrica de blocos de concreto em Avaré, interior de São Paulo. Diante deste contexto, os sócios passaram a cogitar a compra de um container, contudo, não nos parecia coerente que o futuro espaço de escritório e showroom da fábrica não empregasse o material por ela produzido.

Fotografias: Rafaela Netto + VÃO (fotos da obra)

Foi durante uma das visitas ao galpão, observando o sistema de armazenamento e transporte dos blocos em pilhas apoiadas sobre pallets, que ocorreu a ideia de construir sem a utilização de argamassa. Desta forma a obra seria transformada em uma rápida montagem e o material poderia ser totalmente reutilizado no caso de uma mudança de endereço.

Fotografias: Rafaela Netto

Como a quantidade de blocos não era um problema, a estabilidade seria garantida pelo aumento significativo da espessura das paredes, transformando-as em verdadeiras muralhas de blocos aparelhados1.

Fotografias: VÃO

Diagrama de organização dos blocos + possibilidades de montagem/desmontagem

A partir de então as relações entre altura, peso e superfície de contato dos empilhamentos passaram a ser exploradas tanto no projeto como em protótipos no canteiro de obra, resultando em duas configurações de aparelhos: paredes longitudinais com 0,6m de largura e paredes transversais com 1,20m de largura.

Planta + Sequência construtiva

De certo modo, o sistema construtivo desenvolvido faz uma alusão às antigas construções megalíticas, antecessoras à invenção de substâncias aglutinadoras, que tinham a força da gravidade como principal elemento estabilizador. Para nivelar e travar verticalmente essas muralhas a lógica do sistema observado na visita foi reproduzida na obra, substituindo os pallets por lajes a cada seis fiadas.

Lajes a cada seis fiadas
Fotografias: Rafaela Netto

Tanto nas lajes intermediárias quanto na cobertura, os trilhos pré-moldados foram justapostos sem a colocação das usuais lajotas cerâmicas, ou seja, o espaço de ar que seria gerado por elas foi preenchido pelo concreto, aumentando significativamente o peso das lajes a fim de auxiliar no travamento das largas muralhas de blocos.

 Fotografias: Rafaela Netto + Elevações frontal e lateral + Cortes longitudinal e transversal

1- Aparelhos são formas de encaixes dos blocos intercalados em sentidos diferentes para obter uma boa amarração das paredes.


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Anna Juni, Enk te Winkel, Gustavo Delonero (VÃO)

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no conjunto de toda a sua produção?

VÃO – Quando projetamos raramente pensamos no fim, ou na não existência da construção que desejamos realizar. A Sede para uma Fábrica de Blocos se difere por ser a única obra não-efêmera de nossa produção que projeta um ciclo, ou seja, que o pensamento considera tanto a construção quanto a sua iminente desmontagem, assim como a reutilização do material quando o terreno não for mais alugado pelos clientes.

Outra consideração sobre essa obra é que talvez ela seja o exemplo mais claro e direto a ser dado quando nos questionam sobre como o contato com as artes plásticas reverbera em nosso trabalho de arquitetura.

As aproximações com artistas, através do trabalho de assistência, trouxeram para nós uma entrega conceitual ao modo de pensar o projeto; uma abertura interpretativa, que suscita questões análogas em outros processos de uma natureza que não a da nossa formação. Não fosse essa influência, talvez não tivéssemos nos afastado de algumas automatizações do pensamento acerca do uso dos materiais, e talvez não nos tivéssemos proposto ao exercício de unir blocos de concreto sem qualquer substância aglutinadora.

Um segundo olhar para os blocos, sob uma outra perspectiva construtiva, resultou em uma experimentação que expande a convencionalidade do uso do material no campo da arquitetura.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

VÃO – A fábrica de blocos era recém-inaugurada em Avaré, interior de São Paulo, quando uma pequena incorporadora local nos encomendou o desenvolvimento de um projeto de uma casa para investimento.

Optamos por realizar esse projeto, chamado de Casa sem dono nº 02, em blocos de concreto aparente ?o que era, e ainda é, bastante inusual para a cidade. Os sócios da fábrica acabaram por visitar a obra e ficaram felizes de ver o projeto que evidenciava o material em sua forma natural, sem reboco. Logo após a visita eles nos contactaram com a proposta de realizar a sede de um escritório e showroom para a sua fábrica.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Vocês destacariam algum momento significativo do processo?

VÃO – Como já mencionado no memorial apresentamos dois projetos nesse processo, sendo o primeiro deles uma construção tradicional em blocos de concreto aparente. Essa versão foi vetada pela necessidade de rápida execução, pelo baixo orçamento disponível e o problema de investir uma grande quantia em um terreno alugado.

Apesar de desapontados com a reunião, e com a resolução dos clientes de comprar um container para realizar a sede, não desistimos do projeto. Assim surgiu a ideia de construir sem argamassa, utilizando apenas o peso do material e a força da gravidade como elementos estruturantes. Diante a garantia de uma rápida montagem, e da reutilização de praticamente todo o material no caso de uma mudança futura, não houve uma segunda negativa.

Essa grande e forçada inflexão conceitual foi o que nos levou ao projeto tal qual ele é hoje. Todavia, não fossem as adversidades de tempo e orçamento muito provavelmente teríamos construído um bom, porém convencional, projeto de blocos de concreto aparentes, sem a inventividade estrutural que nos levou à solução final.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, podem comentar as mais importantes?

VÃO – A estrutura da Sede para uma Fábrica de Blocos foi desenvolvida de maneira muito empírica por nós, pois não havia orçamento disponível para a contratação de um projeto de engenharia.

Fizemos apenas uma reunião informal de consultoria com um parceiro engenheiro a partir da ideia do empilhamento e aparelhamento dos blocos. Na conversa nos asseguramos que esse seria um caminho possível e, a partir de então, começamos a realizar alguns ensaios no local da obra. Foi através desses ensaios em escala 1:1, com o próprio material, que chegamos nas configurações finais das paredes com 0,6 e 1,2m de espessura.

Podemos dizer que na Sede para uma Fábrica de Blocos a criação de um novo sistema estrutural, ou de uma maneira não-convencional de empregar o material, antecedeu e norteou o desenvolvimento da arquitetura.

Todavia, vale destacar que buscamos sempre uma confluência entre o pensamento estrutural e espacial ao longo dos nossos processos. Isto é, há uma atenção em eleger tecnologias de construção que estejam conectadas intrinsicamente à arquitetura, construindo conjuntamente as suas espacialidades. E a cada trabalho nos mantemos atentos não apenas às viabilizações técnicas de estruturar os projetos, mas também à economia de meios e recursos, fazendo essas escolhas com discernimento e coerência em relação aos seus contextos.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra? Se sim, quais os momentos decisivos dessa participação?

VÃO – Como levantado na pergunta anterior, as investigações acerca de altura, espessura, peso e estabilidade dos empilhamentos foram elaboradas não somente na fase de projeto como também no canteiro de obra.

Para além disso acreditamos que o processo de participação e acompanhamento da equipe de arquitetura na obra é imprescindível para o bom andamento da construção. Esse é o momento no qual verificamos as materializações das ideias, tiramos dúvidas, e principalmente, um dos momentos de maior aprendizagem com as equipes. Não raro alteramos os projetos a partir de questões e sugestões colocadas pelos construtores e fornecedores no decorrer dos processos.

Na Sede para uma Fábrica de Blocos não foi diferente, nos fizemos presentes em todas as fases da obra. O que a difere das demais, no entanto, é que essa foi uma obra muito rápida e consequentemente com muito menos revisões em momentos decisivos.

MDC – Vocês destacariam algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

VÃO – Ao voltar ao local, após alguns anos da finalização de sua construção, tivemos uma grata surpresa: em um movimento entrópico, as heras dos canteiros externos invadiram o espaço interno, tomando todo o teto e parte das muralhas. Isso não havia sido planejado. Imaginávamos, é claro, que elas fossem crescer nas fachadas externas, mas nunca que fossem encontrar nos pequenos vãos entre os blocos, onde a argamassa encontra-se ausente, um caminho para essa ocupação inesperada do lugar. Felizmente essa surpresa foi celebrada pelos clientes e as heras foram mantidas no convívio espacial.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, fariam algo diferente?

VÃO – Não acreditamos em soluções ideais e encerradas ou em caminhos exclusivamente certos ou errados ?nossa produção difere-se muito entre si, de maneira geral.

As ideias que constroem cada projeto encontram-se atreladas a um recorte temporal de nossas vidas e consequentemente, de nossos interesses e pesquisas naquele momento específico. E quando construímos estamos materializando as ideias e pesquisas que alimentaram esse tempo.

Dito isso, talvez poderíamos pensar que quanto maior a distância temporal maior seria a distância entre o que fizemos e o que faríamos. Contudo, o frescor da finalização de uma obra também pode acentuar as vontades de mudança na concretização de ideias que não funcionaram como o esperado.

Olhando para a Sede para uma Fábrica de Blocos hoje consideramos apropriada a maneira como conceitualmente respondemos às questões de tempo e custo que culminaram em um novo sistema construtivo. Nesse sentido é provável que seguiríamos a mesma solução conceitual-estrutural, mas talvez mudássemos algumas das soluções técnicas, certamente influenciados pelo contexto atual de nossa pesquisa e pelos aprendizados que tivemos desde então.

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

VÃO – Entendemos todo projeto como uma pequena e eventual oportunidade de contribuir para o debate e o fazer coletivo da arquitetura. Acreditamos que a maior contribuição da Sede para uma Fábrica de Blocos para esse debate seja o sistema construtivo desenvolvido que, por não empregar argamassa, possibilita o reuso dos blocos de concreto.

Apesar desse sistema ter sido desenvolvido especificamente para essa obra, ele se insere em um debate urgente, contemporâneo e global que é projetar pensando nos ciclos das obras e os consequentes destinos dos seus materiais.

Para além disso essa obra versa sobre como o que a princípio é um empecilho para o desenvolvimento do projeto pode vir a se transformar em uma oportunidade de lançar um segundo olhar para aquilo que já é conhecido, e a partir dele abrir outros caminhos possíveis.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostariam de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

VÃO – Apesar de toda simplicidade formal, do programa comercial e de pequena escala, a Sede para uma Fábrica de Blocos tem sido um dos projetos mais importantes de nossa trajetória. Dentre as participações em exposições e prêmios que ele nos proporcionou podemos destacar o Prêmio Début da Trienal de Arquitetura de Lisboa de 2022 intitulada Terra.

O eixo temático no qual nosso projeto foi inserido chamava-se Ciclos e discutia como a arquitetura pode repensar e atuar efetivamente nos fluxos cíclicos e nos processos de transformação e redistribuição da matéria.

Vivenciar essa Trienal foi um momento muito transformador para nós. Seis anos após a conclusão do projeto tivemos a oportunidade de revisitá-lo conceitualmente através de um debate coletivo, estabelecido pela curadoria e pelos trabalhos de nossos colegas.

Ao citar esse evento não temos o intuito de evidenciar o prêmio, mas sim de perceber como as ideias podem seguir reverberando e proporcionando novas aprendizagens dentro de um contexto coletivo.


projeto executivo



EXECUTIVO COMPLETO

3 pranchas (pdf).
1,72mb


ficha técnica do projeto

Local: Avaré – SP
Ano de projeto: 2015
Ano de conclusão: 2016
Área construída: 150m²
Autores: Anna Juni, Enk te Winkel e Gustavo Delonero
Colaboração: André Nunes


Consultoria Estrutural: Reyolando Brasil (consultoria estrutural)
Construção: Equipe Blocos Tróia


Fotos: Vão (processo); Rafaela Netto (finais)
Contato: contato@vao.28ers.com


Premiações:
Integrante do Prêmio de Arquitetura Akzonobel Instituto Tomie Ohtake (2018);
1º Prêmio ?Premiação IAB-SP 75 anos ?Categoria Industrial (2018);
Prêmio Début ?Trienal de Arquitetura de Lisboa (2022).


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

JUNI, Ana. WINKEL, Enk te. DELONERO, Gustavo. “Sede para uma Fábrica de Blocos”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., dez-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/12/13/sede-para-uma-fabrica-de-blocos. Acesso em: [incluir data do acesso].


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