Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Fri, 31 May 2024 12:35:24 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2024/04/10/sede-da-confederacao-nacional-de-municipios-cnm/ //28ers.com/2024/04/10/sede-da-confederacao-nacional-de-municipios-cnm/#respond Wed, 10 Apr 2024 19:25:27 +0000 //28ers.com/?p=16298 Continue lendo ]]> Por Mira Arquitetos
7 minutos

Sede da Confederação Nacional de Municípios ?CNM (texto fornecido pelos autores)

O partido adotado determina a criação de um espaço metropolitano em consonância com o contexto urbanístico da cidade como condição principal para projeto do novo equipamento. O plano de ação para a implantação da nova sede da CNM partiu de alguns pressupostos fundamentais:

– formulação de um modelo de ocupação do solo com ênfase na integração dos usuários com a paisagem construída;
– estruturação/hierarquização do térreo deve reforçar sua vocação como principal local de convergência;
– escolha de um sistema construtivo claro e racional, garantindo rapidez e economia na execução;
– adoção de estratégias que permitam o bom desempenho ambiental do edifício.

Fotografia: Leonardo Finotti

O eixo de evolução do projeto se materializa em sua extensão máxima na forma de um prisma metálico branco que flutua delicadamente sobre o embasamento de concreto. O posicionamento da lâmina busca transferir para dentro do corpo construído os visuais da paisagem, incorporando a presença do entorno ao seu uso cotidiano. A disposição dos elementos construídos é uma resposta direta à distribuição do programa no lote:

– a base abriga todas as funções coletivas, espaços destinados a acolher o público externo (salão nobre, foyer, salas de apoio), assim como espaços de estar (café);
– na lâmina metálica encontram-se as áreas de trabalho administrativo, salas de reunião e corpo diretivo;
– na cobertura, salas de reunião;
– por fim, no subsolo, garagens (2º e 3º subsolos) e um anexo destinado ao restaurante e áreas técnicas (1º subsolo).

Maquete física do CNM

O desenho do chão foi o fio condutor da proposta. Criou-se uma praça, levemente rebaixada em relação a cota média do terreno, que se desdobra em dois níveis, resultando em uma nova topografia para o lote. Na cota 1042.70 o espelho d’água orienta o percurso do pedestre rumo à recepção, configurando o acesso às áreas administrativas. Na cota inferior, inscrita na volumetria da base, encontra-se a praça cívica por onde é possível acessar o complexo do auditório. Uma escadaria conecta os dois planos, permitindo a realização de eventos de forma autônoma, sem prejudicar a rotina de trabalho administrativo.

Fotografias: Leonardo Finotti

O sistema construtivo adotado buscou conciliar necessidades de redução de custos, rapidez de execução e flexibilidade máxima para os planos de trabalho. Para tanto, toda a estrutura, forros e elementos de vedação foram rigorosamente modulados a partir de múltiplos de 1,25m. O embasamento de concreto obedece a criteriosa disposição de pilares, potencializando a disposição de vagas de estacionamento e dos demais espaços internos. A estrutura periférica da caixa metálica elimina completamente a interferência de pilares dos planos de trabalho, permitindo futuras atualizações de layout e prolongando assim a vida útil da edificação. As redes de infraestrutura e lógica distribuem-se por forros, pisos e shafts. Uma prumada central de elevadores e escadas faz a integração vertical do edifício dividindo os planos de trabalho em dois grandes planos livres.

Plantas, Cortes e Elevações

A instituição exige um edifício exemplar no que diz respeito à gestão dos recursos naturais. Nesse sentido, a estratégia de gestão ambiental foi pensada de forma a oferecer respostas abrangendo as principais esferas da sustentabilidade.

Na esfera ambiental:
– aumento do desempenho térmico da edificação, reduzindo o ganho de calor através do uso de lâminas de água nas coberturas e de cores com alto coeficiente de reflexão;
– uso de brise protegendo os planos de trabalho de incidência direta dos raios solares;
– camada de ar ventilada nas fachadas;
– ventilação cruzada em todos os ambientes, permitindo a redução do uso de ar condicionado;
– águas pluviais captadas pelos espelhos d’água, direcionadas para cisternas de armazenamento e reutilizadas posteriormente na irrigação e em vasos sanitários;
– amplo uso de iluminação natural indireta;
– no paisagismo, a escolha das espécies arbóreas nativas do cerrado, bioma onde está inserido o projeto.

Diagrama de Estratégia Ambiental

Na esfera social:
– acessibilidade universal;
– atendimento às necessidades básicas de ergonomia.
– espaços integradores viabilizando interrelações entre usuários e visitantes.

Na esfera econômica:
– modulação e uso de componentes industrializados, racionalizando a obra e reduzindo
o desperdício de materiais;
– escolha de materiais de acordo com seu ciclo de vida e facilidade de manutenção.

Fotografias: Leonardo Finotti


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Maria Cristina Motta e Luís Eduardo Loiola (Mira)

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no conjunto de toda a sua produção?

Mira – Éramos, Cris e eu, arquitetos com poucos anos de formados. O projeto da CNM reuniu um conjunto de ideias que alimentávamos desde a faculdade e é síntese desse início de percurso. Consideramos nossa obra inaugural.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

Mira – O projeto foi selecionado via concurso público de anteprojetos, organizado pelo IAB DF.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Vocês destacariam algum momento significativo do processo?

Mira – O desenho do térreo, buscando trazer para dentro do lote a dimensão pública do chão de Brasília, foi um momento importante. Pensamos em uma nova topografia, organizando as funções previstas em níveis distintos. O espaço resultante é um percurso que aos poucos revela escalas ocultas, invisíveis para quem vê o prédio da rua. Um trajeto onde as alturas se alternam e os vazios se sucedem até o interior do edifício.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros autores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

Mira – Fomos responsáveis por todo o desenvolvimento, coordenação e compatibilização do projeto de arquitetura e engenharias complementares. As modificações mais importantes surgiram logo no início do processo de desenvolvimento onde incorporamos observações da Comissão Julgadora, desejos da Instituição e ajustes para atender à legislação. As dimensões do edifício foram aumentadas para melhor acomodar as áreas de trabalho. O corte do embasamento em concreto armado foi reorganizado, tornando-o mais simples e flexível.

Como o partido estrutural e de infraestrutura fizeram parte da concepção arquitetônica desde o princípio, as engenharias complementares pouco impactaram o desenvolvimento.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra? Se sim, quais os momentos decisivos dessa participação?

Mira – Fomos contratados para o acompanhamento de obra e tivemos participação ativa na implementação do edifício. Consideramos nossa participação decisiva quanto ao cuidado com o controle das especificações e em particular com a execução e tratamento para acabamento e proteção do concreto aparente.

MDC – Vocês destacariam algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

Mira – A simplicidade da solução arquitetônica resultou em um edifício sóbrio. Apesar das diversas alterações posteriores, é surpreendente como os princípios essenciais dessa arquitetura perduram no tempo.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, fariam algo diferente?

Mira – Consideramos que a resposta foi adequada ao problema e programa colocado.

MDC – Como vocês contextualizam essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

Mira – O edifício da CNM é um dos poucos construídos no país, nos últimos 20 anos, cuja escolha do projeto se deu por meio de um concurso público de arquitetura. Consideramos todo o processo um exemplo positivo no panorama nacional, reforçando a importância dos concursos como modalidade mais democrática de licitação para a escolha de projetos públicos.


projeto executivo


EXECUTIVO SÉRIE A:
PLANTAS E CORTES

21 pranchas (pdf).
40,56mb


EXECUTIVO SÉRIE F:
AMPLIAÇÃO – BRISES

2 pranchas (pdf).
1,35mb


ficha técnica

Local: Brasília, DF
Data do projeto: dezembro de 2010
Conclusão da obra: junho de 2016
Área do terreno: 5.040 m²
Área construída: 10.488 m²
Arquitetura: Mira Arquitetos (Luís Eduardo Loiola e Maria Cristina Motta)
Colaboradores: Ana Carolina Sumares, Luís Felipe da Conceição, Marcelo Ribas, Luisa Leme Simoni, Gabriela Lira Dalsecco



Estrutura:
Kurkdjian e Fruchtengarten Engenheiros Associados
Fundações:
Mag Solos Engenheiros Associados
Instalações prediais: MHA Engenharia Ltda
Luminotécnica: Lux projetos
Caixilhos: Dinafex
Paisagismo: Gabriela Ornaghi
Construtora: Soltec Engenharia



Fotos: Leonardo Finotti
Contato: mira@miraarquitetos.com.br



Concurso Nacional de Projetos: 1º Lugar


galeria


colaboração editorial

Isabela Gomide

deseja citar esse post?

LOIOLA, Luís Eduardo. MOTTA, Maria Cristina. “Sede da Confederação Nacional de Municípios – CNM”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., abr-2024. Disponível em //www.28ers.com/2024/04/10/sede-da-confederacao-nacional-de-municipios-cnm. Acesso em: [incluir data do acesso].


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//28ers.com/2024/04/10/sede-da-confederacao-nacional-de-municipios-cnm/feed/ 0 16298
Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/08/25/sede-sebrae-nacional/ //28ers.com/2023/08/25/sede-sebrae-nacional/#respond Fri, 25 Aug 2023 15:13:50 +0000 //28ers.com/?p=12283 Continue lendo ]]> por gruposp + Luciano Margotto
15 minutos

Sede SEBRAE Nacional (memorial do concurso 2008)

“Pátio, céu canalizado.
O pátio é o declive pelo qual se derrama o céu na casa.?br>Jorge Luis Borges


O partido adotado no projeto responde a um só tempo às condicionantes urbanísticas de Brasília – incluindo as características topográficas do terreno – e ao caráter da arquitetura que se pretende para a nova sede do SEBRAE NACIONAL. O que se propõe não é um edifício, mas um conjunto arquitetônico com: 1) ênfase na espacialidade interna, objetivando a integração dos usuários assim como da paisagem construída e natural; 2) máxima flexibilidade para a organização dos escritórios; 3) preocupação em se obter ótimo desempenho ambiental e econômico.

Fotografia: Nelson Kon

o pátio

Todo o conjunto se desenvolve a partir de uma espacialidade interior. Desenvolvido em planta, o vazio adquire grande presença no interior do conjunto, na forma de pátio onde se localizam as atividades mais públicas. Ao redor desta praça interna, no térreo inferior encontra-se o espaço de formação e treinamento, salas multiuso, auditório, biblioteca e a cafeteria, enquanto no térreo superior estão os principais acessos do conjunto, com varandas abertas à cidade e ao lago.

Plantas (1) térreo inferior; (2) térreo superior

Fotografia: Pedro Kok

A TOPOGRAFIA E O SENTIDO ESPACIAL: O TÉRREO MULTIPLICADO

São dois os térreos. Optou-se por abrir um plano construído abaixo do nível da soleira, integrando-o verticalmente ao nível dos acessos, como térreos multiplicados, iluminados e ventilados pelo espaço livre que os circunscreve, o que lhes concede expressão arquitetônica. O chão do edifício, público, é construído, portanto, distinto do terreno natural que o circunda, destinado às áreas verdes permeáveis.

Cortes transversais e longitudinais

Fotografia: Pedro Kok

A DISTRIBUIÇÃO DO PROGRAMA

O arranjo do programa está diretamente ligado com a disposição das peças edificadas no terreno. Na base do conjunto (térreo inferior e térreo superior) encontram-se as funções coletivas, as atividades que por vezes recebem colaboradores ou público externo. Estes espaços estão organizados e articulados pela Praça de Estar, marcada ainda pela presença do auditório. As funções administrativas e o corpo diretivo estão concentrados nos pavimentos superiores. Nos pavimentos inferiores está localizada a garagem e as atividades administrativas relacionadas à serviços e manutenção predial.

Plantas (1) subsolo 1; (2) subsolo 2; térreo inferior (3); térreo superior (4); pav. tipo 1 (5); pav. tipo 2 (6).

OS ESCRITÓRIOS: MODULARIDADE E FLEXIBILIDADE

O projeto dos espaços de trabalho admite alterações de arranjos, tanto para os espaços, quanto para os componentes de instalações prediais e de infraestrutura ?piso elevado, forro e ausência de pilares no meio dos pavimentos. A área disponível para os escritórios é, realmente, livre.

ARTICULAÇÃO, CIRCULAÇÃO E INFRAESTRUTURA

Para conectar todos os setores, criou-se uma estrutura periférica dupla – dois castelos de circulação vertical, infraestruturas e apoios diversos – com múltiplas possibilidades de ligação: escadas, varandas e elevadores coletivos ou privativos promovem a comunicação entre os diversos espaços. A circulação incorpora no desenho do percurso cotidiano o vazio central, acentuando sua presença. Todas as redes de infraestrutura se distribuem para o conjunto a partir de lajes com instalações (forros e pisos elevados) e dutos verticais especializados (shafts).

ACABAMENTO E EXPRESSÃO ARQUITETÔNICA

A expressão arquitetônica do conjunto arquitetônico proposto está estreitamente vinculada às decisões de projeto que concorrem no sentido de proporcionar uma obra organizada e eficiente com redução estratégica das ações construtivas. As estruturas serão tratadas e permanecerão aparentes, evidenciando-se a plasticidade do aço e concreto. Os painéis metálicos quebra-sóis garantem a integridade do conjunto. Em linhas gerais o edifício contrastará a cor natural dos materiais utilizados, o branco da estrutura metálica, o azul do céu e o verde da paisagem envoltória.

Fotografia: Nelson Kon

O conjunto edificado, com o térreo aberto permitirá visuais alongadas, sublinhando a possibilidade de extensão do chão público sem comprometer o gabarito que resguarda o céu de Brasília e que estará presente no grande espaço central conformado. Finalmente, a delicada curva do castelo de serviços na face norte, além de ceder parte do terreno para cidade marca a singularidade desta construção, nem pretensamente palácio nem isolada, mas superfície convergente e multiplicadora da urbe, sua história, sua vida.

Fotografias: Pedro Kok


Brasília 60 anos (Texto escrito para o site do CAU BR, 2020), por Alvaro Puntoni

Voltei a Brasília depois de quase 25 anos sem ir1, em 2007, a convite de um seminário na UnB. Me lembro que no primeiro dia após jantarmos, resolvemos caminhar pelo meio das superquadras desfrutando destes espaços intermediários entre as lâminas habitacionais suspensas do chão. A ideia de estar na “cidade rodoviária?e estar ouvindo o trilar contínuo dos grilos e o silêncio sentido era uma sensação realmente encantadora. Pensamos, num momento de insanidade, de irmos assim caminhando nestes bosques urbanos sucessivos até o hotel que ficava no setor hoteleiro, mas resolvemos depois de algum tempo caminhando livremente pelos térreos abertos, ruas e jardins, pegar um táxi.

Esta ideia de um chão público, a “superfície diferenciada?da nova capital, conforme descrição do próprio Lucio Costa, já havíamos sublinhado em um concurso para a sede do IPHAN em 2006, quando propusemos um edifício que pairava sobre este chão do Cerrado. A este primeiro ensaio de uma arquitetura possível em Brasília seguiram outros, todos frutos de concursos públicos promovidos pelo IAB.2

Nos parecia um sonho impossível e distante, como arquitetos de São Paulo, termos a possibilidade de fazer um edifício em Brasília e participar do diálogo, a coexistência de diferentes lógicas. Poder contribuir com uma frase a mais no livro que é esta cidade que nos encanta.

Em 2007 nosso desenho para a sede da CAPES3 continha esta mesma visão de um chão liberado com serviços instalados em estruturas laterais de concreto que suportavam as estruturas metálicas passantes dos espaços de trabalho. O mesmo conceito que utilizamos em 2008 no concurso (promovido pelo IAB DF) para o SEBRAE.

A sede do SEBRAE Nacional foi uma experiência incrível para todos nós. Primeiro por representar a realização deste sonho de construir em Brasília. Depois pela oportunidade que tivemos durante a obra de visitar por 52 vezes o canteiro e, consequentemente, estarmos em Brasília neste período de 18 meses e poder conhecer melhor a cidade e seus habitantes.

Procuramos neste projeto fazer uma arquitetura que se ajustasse e se conciliasse ao máximo com Brasília em todos os seus aspectos históricos, ambientais, culturais e urbanos. Apesar de todas as dificuldades que tivemos no processo do projeto à obra, de convencimento (dos clientes, empreiteira e, até mesmo, o poder público) e, depois, na apropriação da obra, sentimos que mesmo com todos os desaforos e magoas o prédio vai resistindo ao tempo, passados agora 10 anos da sua inauguração. Desta experiência ficam os amigos que fizemos e um prédio austero inserido na paisagem e conciliado com a urbe “costiana?

Despois ainda tivemos a oportunidade de participar de outros concursos: a sede do CAU IAB4 em 2016, quando retomamos as ideias ensaiadas na sede do IPHAN 10 anos atrás, o Centro Educacional Crixá-DF em 20185 e a Arena Brasília em 20196.

Mas, destes projetos recentes, destacamos o Concurso Internacional para a Orla Livre do Paranoá7. Nesta participação fizemos como uma declaração de amor por esta cidade tão querida para nossa arquitetura e cara para nossa existência como brasileiros. Além dos 80 faróis que balizavam a Orla a cada quilometro, lembrando da sua existência durante a noite, gostávamos da proposta de um banco, um equipamento urbano, pensado como um edifício, que teria 80 km de extensão, que submergia e voltava a aparecer, organizando a ciclovia e o passeio de pedestre, além de ser a luminária horizontal deste plano de mobilidade ativa que circunvalaria a lago. Neste banco estariam impressos aleatoriamente páginas de livros, como por exemplo o do Lucio Costa, e um usuário poderia ir assim, caminhando e sentando, descobrindo e desfrutando partes destes livros, que fariam do estar urbano uma descoberta cotidiana.

Como devem ser as cidades históricas: uma descoberta nova a cada dia.

Como penso ser Brasília agora.

1 – Minha última ida a Brasília havia sido em 1991 por ocasião da premiação do Concurso do Pavilhão de Sevilha no Itamaraty.
2 – Na realidade nosso primeiro concurso em Brasília foi para a sede do CONFEA em 1996, em associação com Ângelo Bucci.
3 – Realizado em parceria com Luciano Margotto. Neste concurso obtivemos uma menção honrosa.
4 – Neste concurso obtivemos o quinto lugar.
5 – Neste concurso obtivemos o terceiro lugar.
6 – Em associação com MRGB arquitetos;
7 – Realizado em 2018, associado aos escritórios Burgos&Garrido (Espanha), Arquipélago, Eduardo Gianni e Ornaghi Paisagismo, quando obtivemos uma menção honrosa.


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por gruposp (gSP)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

gSP – Sem dúvida é uma das nossas obras mais importantes. Por sua escala, por seu programa institucional e público e por estar em Brasília, o que é um sonho para nós arquitetos: ter uma obra em Brasília.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

gSP – Foi por meio de um concurso público organizado pelo IAB-DF em 2008. O concurso foi realizado em duas etapas. Na primeira etapa eram entregues 6 pranchas A3, todas previamente diagramadas pelo termo de referência do concurso, o que é interessante por equalizar as propostas e facilitar a comparação. A segunda fase teve três participantes e cada proposta deveria ser apresentada em 8 pranchas A0 com um modelo. O coordenador deste concurso foi o arquiteto Haroldo Pinheiro que organizou de forma precisa e rigorosa.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

gSP – Este projeto – realizado pelo gruposp arquitetos em associação com o arquiteto Luciano Margotto –culmina uma genealogia de projetos iniciada em 2004 com o Museu do Ouro em Sabará, passando pela Casa do Querosene, pela Nova Sede do IPHAN em Brasília, além do projeto para Sede da CAPES em Brasília, Habitação Social em Manaus e os primeiros estudos para o Edifício Simpatia.

Nestes projetos a ideia principal foi de concentrar todos os serviços em faixas infraestruturais de modo a permitir a liberação de vazios amparados para a vivência. Estas faixas são simultaneamente os componentes estruturais que se constituem em características expressivas e protagonistas da arquitetura proposta.

Outro aspecto relevante é a manutenção da leitura do sítio original a partir de uma implantação que não obstrua a possibilidade de situar-se no território, permitindo a visualização da cidade a partir dos espaços internos.

O terreno situa-se junto ao eixo rodoviário-habitacional, próximo à área das embaixadas no lado sul da cidade de Brasília, na continuidade do eixo comercial da superquadra, apresentando esta declividade típica de Brasília, situada junto ao vale que se lança em direção ao Lago Paranoá. O conceito do projeto era manter livre o chão de Brasília como uma continuidade deste solo público, a partir das superquadras habitacionais. Teríamos dois térreos: um superior e outro inferior onde situam-se os programas mais coletivos e abertos ao público externo do SEBRAE.

No térreo superior temos apenas os espaços de acolhimento e acessos. Dois espelhos d’água garantem um microclima interno mais agradável, importante em uma cidade como Brasília. Importante destacar a questão climática. Como se sabe temos um clima que permite pensar e fazer uma arquitetura mais aberta. No caso do SEBRAE os elevadores e escadas estão sempre relacionados com os espaços externos, reforçando aspectos característicos da arquitetura brasileira.

Finalmente nos dois últimos pavimentos – uma estrutura aérea metálica que paira sobre este chão e conforma um pátio interno central – estão os escritórios, ocupando planos abertos e flexíveis, conformado pela estrutura metálica que se vincula com os castelos infraestruturais de concreto.

Nos cortes é possível compreender a relação do edifício com a topografia que permite a organização do programa. Além disto destacamos alguns elementos estruturais: as varandas são lajes atirantadas em vigas que vencem o vão de 36 metros. Isto foi realizado para evitar colunas que interferissem nos programas do térreo inferior, como o auditório, por exemplo. Outro elemento importante é o que chamamos de “nuvem? uma estrutura de aço e vidro que abriga a circulação de pedestres no térreo do edifício.

Outra ideia a ser destacada é a concepção da sequência construtiva. Temos uma estrutura de concreto até o nível dos escritórios e depois uma construção por montagem a partir deste nível quando começa a estrutura de aço. Imaginou-se uma sequência construtiva desta forma: primeiro todos os elementos de concreto, em seguida a estrutura metálica e as lajes, e, finalmente, os fechamentos metálicos e vidros.

Apesar de claramente possível, em função do tempo de 18 meses para execução, ela foi feita de maneira simultânea. A obra foi bem realizada apesar dos percalços de um processo que levou três anos entre o concurso e a conclusão da obra.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

gSP – Os projetos de arquitetura são marcados pela interlocução entre as múltiplas disciplinas que, no final, viabilizam a realização do projeto e a execução da obra. Nesse sentido, claro que ocorreram ajustes ao longo do processo, desde aspectos legais relacionado a aprovação do projeto pelo GDF (Governo do Distrito Federal) até questões específicas de instalações gerais. Mas é o projeto estrutural que mais solicitou ajustes, apesar de termos trabalhados com os engenheiros (Zaven & Fruchtengarten) desde a concepção do projeto na primeira e segunda etapas do concurso. Mas é interessante destacar que a obra mantém muita semelhança em relação ao projeto apresentado na segunda etapa do concurso.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra? Se sim, quais os momentos decisivos dessa participação?

gSP – Por solicitação do SEBRAE prestamos um serviço de acompanhamento da obra (não se tratou de uma fiscalização, para a qual foi contratado um engenheiro, mas uma assessoria técnica à realização da obra). Realizamos 52 visitas à obra (que compreende o período de março de 2009 até novembro de 2010). As visitas eram quase que quinzenais e organizadas por pautas previamente estabelecidas a partir dos relatórios elaborados pela arquitetura e a partir de demandas da fiscalização ou da própria construtora.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

gSP – Os relatos (e agradecimentos) dos usuários nas visitas realizadas após a ocupação do edifício sempre foram o que mais nos emocionou. Por exemplo, a possibilidade de funcionários que antes não se encontravam ou se viam, agora podiam ter esta experiência, promovida pela arquitetura.

Outra história legal é que o interesse de visitação do edifício, sobretudo por parte de arquitetos e estudantes de arquitetura, fez com que o SEBRAE criasse um programa de visita guiada, com uma publicação e criação e uma vaga de trabalho para esta finalidade.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

gSP – Provavelmente sim, afinal de contas como nos lembra Heráclito, não somos os mesmos arquitetos depois de 15 anos. Na realidade, esta questão do tempo da obra – os tempos da arquitetura – faz os arquitetos continuamente repensarem o que estão fazendo. Afinal de contas, quando fica pronta a obra, diz respeito a uma ideia de outro momento passado, como uma espécie de cápsula do tempo. Se não temos esta noção, dificilmente podemos fazer as revisões críticas necessárias para seguirmos adiante, contribuindo para o avanço disciplinar de nossa atividade.

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

gSP – É uma obra representativa por advir de um concurso público bem-sucedido. Houve também algumas premiações, mas estas são consequências de um trabalho bem realizado.


projeto executivo


PARTE 1:
CONCURSO ETAPAS 1 E 2

25 pranchas (pdf).
40,27mb


PARTE 2:
ANTEPROJETO

12 pranchas (pdf).
10,67mb


PARTE 3:
PROJETO LEGAL

12 pranchas (pdf).
9,47mb


PARTE 4.1:
PROJETO EXECUTIVO – 01
PLANTAS E IMPLANTAÇÃO + CORTES E ELEVAÇÕES

71 pranchas (pdf).
61,48mb


PARTE 4.2:
PROJETO EXECUTIVO – 02
PISO, FORRO E ELÉTRICA + DETALHES

23 pranchas (pdf).
35,05mb


PARTE 4.3:
PROJETO EXECUTIVO – 03
ÁREAS MOLHADAS, AMPLIAÇÕES,
ESQUADRIAS, AUDITÓRIO E OUTROS


96 pranchas (pdf).
83,89mb


PARTE 5:
COMUNICAÇÃO VISUAL

37 pranchas (pdf).
27,61mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Brasília, DF
Ano de projeto: 2008
Ano de execução e conclusão da obra: 2009 e 2010
Área do Terreno: 10.000,00 m²
Área Construção: 25.000,00 m²
Concurso Nacional: 1º Prêmio
Arquitetura, Comunicação Visual, Ambientação e Mobiliário: Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano Margotto.
Colaboração: Amanda Spadotto, Cristina Tosta, Camila Obniski, Daniela Pochetto, Fabiana Cyon, Flavio Castro, João Carlos Yamamoto, José Paulo Gouvêa, Juliana Braga, Luis Cláudio Dias, Roberta Cevada, André Nunes, Julia Valiengo, Julia Caio, Isabel Nassif, Rafael Murolo, Rafael Neves, Raphael Souza


Estrutura: Jorge Zaven Kurkdjian, Julio Fruchtengarten
Paisagismo: Fernando Magalhães Chacel, Sidney Linhares
Luminotécnico: Ricardo Heder
Hidráulica / Elétrica: Wang Mou Suong, Ulisses Tavano, Roberto Chendes
Climatização: Eizo Kosai, Thermoplan Engenharia Térmica Ltda.
Eco-eficiência: Luis Carlos Chichierchio, Juliette Haase de Azevedo
Automação / Segurança predial / Áudio e Vídeo: Roberto Luigi Bettoni, Aires Craveiro, Victor Vainer
Transporte Vertical: Moacyr Motta
Impermeabilização: Virginia Pezzolo
Contenções: Engedat Consultoria e Projeto Ltda
Caixilhos: Andre Mehes, Dinaflex Ltda.
Orçamento: Mauro Zaidan, Nova Engenharia Ltda.
Painel Artístico: Ralph Gehre
Maquete: Gaú Manzi, Fabio Gionco, José Paulo Gouvêa
Construção: Termoeste SA Construções e Instalações

Fotos: Nelson Kon e Pedro Kok
Contato: contato@gruposp.28ers.com


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

PUNTONI, Alvaro. SODRÉ, João. DAVIES, Jonathan. MARGOTTO, Luciano. “Sede SEBRAE NACIONAL”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., ago-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/08/25/sede-sebrae-nacional/ . Acesso em: [incluir data do acesso].


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//28ers.com/2023/08/25/sede-sebrae-nacional/feed/ 0 12283
Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/07/11/paroquia-sagrada-familia/ //28ers.com/2023/07/11/paroquia-sagrada-familia/#respond Tue, 11 Jul 2023 18:21:06 +0000 //28ers.com/?p=11156 Continue lendo ]]> Por arqbr + Luciana Saboia
9 minutos

Paróquia Sagrada Família (texto fornecido pelos autores)

?em>Encontrei-me no altiplano, aquele horizonte sem limite, excessivamente amplo. É fora de escala ?como um oceano com imensas nuvens movendo-se sobre ele. Colocando a cidade no meio, nós poderíamos estar criando uma paisagem.”? As palavras de Lucio Costa sobre as percepções e sensações iniciais ao deparar-se com o sítio escolhido para a edificação da Nova Capital do Brasil, Brasília, evoca um dos signos constituintes da concepção urbanística, bem como da representação de suas paisagens: a presença do horizonte. Para além do sentido de organização e orientação, o horizonte expressa a visão do todo e, primordialmente, o vínculo entre o observador e o ambiente, condição necessária ao aparecimento da paisagem.

Fotografia: Joana França

Do gesto projetual à inscrição no território, as quatros escalas – monumental, gregária, residencial e bucólica – assinalam a sensibilidade contemplativa dada à paisagem, a consideração às ambiências urbanas, assim como as distintas formas de tratá-las. Mas será precisamente a escala bucólica, que definirá o caráter de Brasília enquanto cidade-parque, ao evidenciar a proximidade com a natureza intocada e um continuum estético entre espaços habitados, espaços livres, grandes extensões do cerrado, parques, cinturões verdes esparramados ao longo de eixos viários e o horizonte sempre desimpedido.

No processo de expansão urbana iniciado antes mesmo de sua inauguração segundo o modelo de cidades-satélites, o sentido de continuidade e visibilidade do conjunto urbano será dado pelas estradas parques, inspiradas nas parkways de Olmsted e Vaux e projetadas como instrumentos de planejamento regional. Às margens da EPIA, Estrada parque Indústria e Abastecimento, uma das principais componentes do sistema viário radioconcêntrico implantado para resguardar o Plano Piloto idealizado por Lucio Costa, encontra-se o sítio destinado à Paróquia Sagrada Família.

Fotografia: Joana França

Caracterizada por uma exuberante alameda de eucaliptos que emoldurava a entrada da cidade, a EPIA, federalizada em 2004, foi transformada recentemente em via expressa, tendo seu leito principal ampliado e o tráfego de passagem segregado do tráfego local. Com a poda de quase a totalidade das árvores para abrigar vias marginais, o entorno esmaeceu de seu caráter bucólico distintivo, reforçado pelo parcelamento do solo, crescimento extensivo de moradias de alto padrão e grandes empreendimentos comerciais, criando rupturas no tecido urbano e conformando uma paisagem genérica em mutação constante. Assim, a função urbana da estrada, a atenção às qualidades cênicas e a experiência sensível do percurso dão lugar a velocidade, a eficiência e a fluidez sob uma lógica rodoviarista.

Implantação

O partido adotado desdobra-se segundo a relação entre espiritualidade, natureza e comunidade. A espiritualidade comunica-se na religião católica através de seus ritos, celebrações e signos sagrados. O sentido de sagrado permanece e renova-se no contato sensível da natureza, que evoca a presença divina e a integração com o cosmos. Por sua vez, a arquitetura tem sido o espaço privilegiado de manifestação do sagrado por aquele que a ocupa, onde a luz penetra com delicadeza ou o silêncio da pedra manifesta-se no murmúrio das preces. A nave circular traz como conceito esse gesto de acolhimento quando aproxima o altar dos fiéis.

Fotografia: Joana França

A luz natural penetra pelo anel circular da cobertura, transformando a espacialidade interna da nave, disposta meio nível abaixo da cota natural do terreno, o que permite o transbordamento da paisagem através de uma pequena abertura rente a rés-do-chão à medida que preserva a intimidade do espaço interno. Tal visada só é possível pela elevação do volume circular de concreto aparente, suspenso por seis pilares integrantes da estrutura de fundação encaixada na topografia. Ao revelar a presença do horizonte, a arquitetura torna-se elemento constitutivo da paisagem, uma abertura para a dimensão poética do mundo, entrelaçando a realidade material ao olhar de seu espectador.

Corte e detalhe ampliado

Fotografia: Joana França

O traçado gerador do projeto é determinado por dois eixos principais. O eixo noroeste-sudeste interliga a nave circular, o anexo e a edificação existente ao fundo, onde localizam-se as atividades paroquianas. Ao longo de sua extensão, configura-se uma praça linear, um espaço de estar voltado para a cidade, que atua como suporte ao percurso errático daqueles imersos no ato ritualístico ou mesmo ao viajante da estrada, na busca pela suspensão do cotidiano ou de um refúgio dos tormentos do próprio existir. Perpendicularmente, o eixo nordeste-sudoeste preserva a visão contemplativa: o cruzamento da linha do horizonte com o volume vertical do campanário sinaliza e orienta o visitante ou àqueles que à distância passam em grande velocidade na via expressa.

Plantas térreo e subsolo

Pode-se afirmar que o partido arquitetônico sintetiza três premissas fundamentais presentes em Brasília: a implantação edilícia inscrita delicadamente na topografia e sua abertura ao horizonte; a indissociabilidade entre o urbano e sua arquitetura, entre o espaço público e o privado e, por conseguinte, entre a comunidade e o sagrado; e terceiro, a consideração da paisagem enquanto elemento estruturante e fundamental da configuração arquitetônica, reconhecido no tombamento da cidade como patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO.

1 –  COSTA apud SHOUMATOFF. Profiles [Brasília]. The New Yorker. New York, nov. 1980, p. 94.


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Eder Alencar (E.A.)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

E.A. – É uma obra de importância significativa, pois marca o início do ARQBR e possui, em sua concepção, os princípios que nortearam toda a produção posterior do escritório, tais como a definição de eixos que regulam a ocupação do lugar, a relação com a topografia a partir do desenho do chão e o diálogo com a paisagem, tornando-a parte integrante do partido arquitetônico.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

E.A. – Foi uma concorrência fechada, com uma comissão julgadora formada por membros da comunidade, pessoas de diversas áreas profissionais. O projeto vencedor foi escolhido com base em parâmetros estabelecidos pela própria comissão. Cada membro dessa comissão, individualmente, atribuiu suas notas a cada parâmetro e o projeto vencedor foi aquele que atingiu a maior média.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

E.A. – A concepção se deu com total liberdade de proposição, sem interferência do cliente, como em um concurso. O processo foi um tanto linear, sem grandes inflexões. Logo de início, após algumas reflexões, foram estabelecidos os conceitos que norteariam a definição do partido arquitetônico – espiritualidade, natureza e comunidade.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

E.A. – Sim, fizemos a indicação dos profissionais responsáveis pelas demais disciplinas e fomos responsáveis pela coordenação dos projetos. Houve duas mudanças relativas a questões da estrutura, sem, no entanto, alterar o partido estrutural e também relativas a necessidades acústicas, como a adição do ripado de madeira, com tratamento absorvente por trás, e o forro acústico micro perfurado.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra?

E.A. – Tivemos participação durante todo o processo, por meio de visitas semanais à obra e reuniões em nosso escritório. Com o intuito de realizar a melhor técnica, foi constante o diálogo entre os autores do projeto e todos os profissionais envolvidos.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

E.A. – A obra proporcionou à paroquia novas possibilidades para a realização de eventos e de reunião da comunidade, oferecendo um espaço com diversas potencialidades para a cidade. Cabe ressaltar que o anexo e a casa do padre ainda estão em processo de conclusão.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

E.A. – Acreditamos que seria natural, após 13 anos, revisitarmos o partido adotado, sem, no entanto, desviar da simplicidade e daqueles princípios que orientam a nossa prática. Possíveis mudanças se dariam menos na esfera conceitual e mais em proposições técnicas. O aprendizado adquirido ao longo da obra, que se estende até hoje em virtude das dificuldades financeiras enfrentadas pela paroquia, certamente nos conduziria a uma solução estrutural mais econômica.

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

E.A. – A relacionamos com valores que reconhecemos em Brasília, os quais entendemos serem inerentes a uma arquitetura moderna brasileira. O diálogo da edificação com o chão livre e contínuo desenhando uma nova topografia e a presença da paisagem, em Brasília fortemente marcada pelo horizonte e amplitude do céu, como elemento estruturante do partido arquitetônico. Valores presentes nos projetos da Rodoviária do Plano Piloto, na Praça dos Três Poderes e nos prédios residenciais das Superquadras.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

E.A. – A obra da Paroquia da Sagrada Família, em conjunto com a produção geral do escritório, trouxe a reflexão sobre como a obra, ao realizar-se, quando passa do desenho à sua materialização, ganha autonomia. Para além do domínio técnico, inerente às disciplinas de projeto, a obra torna-se objeto da experiência do outro e da coletividade, alcança o ser humano em suas dimensões individual e coletiva.


projeto executivo


PARTE 1:
PLANTAS, CORTES E ELEVAÇÕES

23 pranchas (pdf).
19,50mb


PARTE 2:
AMPLIAÇÕES – ÁREAS FUNCIONAIS

9 pranchas (pdf).
3,49mb


PARTE 3:
ESQUADRIAS E CAIXILHOS

9 pranchas (pdf).
5,76mb


PARTE 4:
MOBILIÁRIOS E OUTROS OBJETOS

19 pranchas (pdf).
7,46mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Brasília – DF
Ano de projeto: 2012 – 2015
Ano de obra: 2019 – 2022
Área Construída: 3.915 m²
Autores: Arq. Eder Alencar, Arq. André Velloso e Arq. Luciana Saboia
Colaboração: Arq. Paulo Victor Borges e Margarida Massimo
Estagiários: Rodrigo Rezende, Pedro Santos e Julia Huff

Arquitetura: ARQBR Arquitetura e Urbanismo
Construção: Técnica Construtora
Estrutura metálica:
Comini Tuler
Estrutura de concreto:
Breno Rodrigues
Instalações:
Alencar Costa
Luminotécnico:
Beth Leite
Acústica:
Síntese Acústica Arquitetônica
Paisagismo:
Quinta Arquitetura, Design e Paisagismo
Conforto Ambiental:
Quali-A Conforto Ambiental e Eficiência Energética

Fotos: Joana França
Contato: contato@arqbr.28ers.com


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

ALENCAR, Eder. SABOIA, Luciana. VELLOSO, André. “Paróquia Sagrada Família”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., jul-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/07/11/paroquia-sagrada-familia/ . Acesso em: [incluir data do acesso].


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//28ers.com/2023/07/11/paroquia-sagrada-familia/feed/ 0 11156
Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2013/01/06/homenagem-a-oscar-uma-montagem-niemeyer/ //28ers.com/2013/01/06/homenagem-a-oscar-uma-montagem-niemeyer/#respond Sun, 06 Jan 2013 19:36:24 +0000 //28ers.com/?p=8563 Continue lendo ]]> serie-oscar

Raymund Ryan

Alguns anos atrás, o atrevido artista galês Cerith Wyn Evans fotografou o interior da Catedral Metropolitana projetada por Oscar Niemeyer para a área central de Brasília. Nessas imagens, um vazio em forma de vórtice é inundado de cor e luz; anjos esculpidos por Alfredo Ceschiatti parecem voar na rede modernista de concreto e vidro de Niemeyer. Ou estaria a estrutura iluminada de Niemeyer de fato girando sobre as figuras que pairavam, congeladas momentaneamente no espaço e no tempo? Na minha experiência, os melhores projetos de Niemeyer instigam tais pensamentos sobre movimento, exploração, dança. Cinestesia concreta.

 Brasilia 01.09.04

Cerith Wyn Evans
Brasilia 01.09.04
2006
C-print
Paper size: 25.4 x 30.5 cm
© Cerith Wyn Evans
Courtesy White Cube

Na mesma época, tive a oportunidade de visitar Brasília. Vim da Irlanda para apresentar uma conferência sobre a arquitetura contemporânea irlandesa, um tema de certo modo irônico já que diversos dos edifícios irlandeses caberiam integralmente no interior dos espaçosos saguões dos projetos autorais de Niemeyer. Eu nunca tinha visto um edifício de Niemeyer “em carne e osso?e tinha minhas dúvidas sobre as realizações do mestre. Essa reação, a um só tempo emocionada e cética, é evidente em um breve artigo publicado em Irish Architect em Dublin.

Contatos posteriores com o trabalho de Niemeyer me atraiam para suas qualidades. Aos 7 minutos e 20 segundos do filme Orfeu Negro (1959), encontramos o Ministério da Educação e Saúde Pública, projetado por uma equipe que incluía Le Corbusier e um jovem Oscar. A câmera registrou a chegada de Eurydice, interpretada pela atriz nascida em Pittsburgh Marpessa Dawn, e seu percurso através do centro do Rio. Repentinamente vemos a silhueta da laje retilínea do Ministério contra o céu azul. A câmera move-se para os heróicos pilotis onde Eurydice, com seu vestido branco virginal, serpenteia através da ensolarada praça modernista e seu paisagismo por Roberto Burle Marx.

Recentemente, viajei de Pittsburgh, onde hoje trabalho, para Belo Horizonte. Lá vi obras  impressionantes de Niemeyer dos anos 50. O destaque foi um passeio pelos quatro pavilhões edificados por Niemeyer ao redor da Lagoa da Pampulha, edifícios sociais com deliciosas formas esculturais e uma continuidade espacial entre interiores e o mundo exterior da natureza. Fotografias de Luisa Lambri revelam a intimidade dos pavilhões de Pampulha; dificilmente alguém não se entusiasma com o puro deleite que esses pequenos edifícios oferecem. Várias das imagens de Lambri foram exibidas aqui no Carnegie Museum of Art em 2006, apresentadas sob a instalação de Ernesto Neto  Okitimanaia Ogu ?um grande brasileiro junto a outro.

Untitled (Casino, #09),  2003

Luisa Lambri
Untitled (Casino, #09),  2003
Lasrechrome print mounted on Plexi
Edition of 5 + 1 AP
unframed: 110.5 x 132.7 x 0 cm
 Courtesy of the Artist and Marc Foxx, Los Angeles

 

Os Estados Unidos e Niemeyer tiveram um relacionamento tortuoso. Ele e Lucio Costa, é claro, realizaram o pavilhão temporário para o Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque em 1939. Tendo o visto recusado por motivos políticos, Niemeyer nunca viu a casa que ele projetou no início dos anos 60 para o cineasta Joseph Strick em Santa Monica; felizmente, a propriedade foi meticulosamente restaurada por Michael e Gabrielle Boyd. É o trabalho de Niemeyer no projeto da Sede das Nações Unidas em Nova Iorque que lhe assegura um legado norte-americano. Os visitantes hoje podem apreciar uma evocativa vista do complexo das Nações Unidas desde o FDR ?Four Freedoms Park ?inaugurado no último mês de outubro a partir de desenho de um dos mais importantes arquitetos contemporâneos de Niemeyer, Louis I. Kahn.

Visitando-se o www.mapquest.com e buscando-se “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? encontra-se uma propriedade longilínea com duas piscinas e diversas estruturas alongadas para sul para mirar para o Mediterrâneo. Esse paraíso projetado para a família de editores Mondadori é praticamente invisível desde a rua. Na última primavera meu avião para Nice sobrevoou o lugar de modo que parecíamos flutuar, momentaneamente, sobre a piscina biomórfica à beira-mar. Eu me lembrei da visita à casa de Niemeyer em Canoas com sua rocha aparente, sua delgada laje de cobertura e sua sedutora piscina; tão sedutora de fato que fiquei tentado a me despir e mergulhar.

O legado ou desafio de Oscar Niemeyer aos arquitetos reside em como lidar com o planejamento crítico e o projeto de edifícios, tanto em termos sociais e técnicos, sem se esquecer de buscar o prazer na vida.


Raymund Ryan é curador do Heinz Architectural Center Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
Sua exposição atual é White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Homage to Oscar : a Niemeyer Montage

A few years back, the cheeky Welsh artist Cerith Wyn Evans photographed the interior of the Metropolitan Cathedral designed by Oscar Niemeyer for the centre of Brasilia. In these images, a vortex-like void is infused with colour and light; angels sculpted by Alfredo Ceschiatti appear to fly in Niemeyer’s modernist net of concrete and glass. Or could it be that Niemeyer’s flared structure is in fact rotating about the levitating figures frozen momentarily in space and time? In my experience, Niemeyer’s best projects instigate such thoughts of movement, exploration, dance. Concrete kinaesthesia.

Around the same time, I had the opportunity to visit Brasilia. I made my way from Ireland to give a talk about contemporary Irish architecture, a topic not without irony as many of the Irish buildings would fit in toto within the spacious foyers of Niemeyer’s signature projects. I had never seen a Niemeyer building “in the flesh?and had mixed feelings about the master’s achievements. This reaction, being simultaneously thrilled and sceptical, is evident in a brief article I contributed to Irish Architect in Dublin.

 Subsequent exposure swayed me to the merits of Niemeyer’s work. 7 min 20 sec into the film Orfeu Negro (1959), we find the Ministry of Education and Health, designed by a team including Le Corbusier and a young Oscar. The camera has tracked the arrival of Eurydice, played by Pittsburgh-born Marpessa Dawn, and her tentative progress through downtown Rio. Suddenly we see the taut slab of the Ministry silhouetted against a blue sky. The camera pans down to heroic pilotis as Eurydice, in her virginal white dress, sashays across the sunny modernist plaza with its landscaping by Roberto Burle Marx.

More recently I flew from Pittsburgh, where I now work, to Belo Horizonte and saw impressive interventions there by Niemeyer from the 1950s. The highlight was a tour of four pavilions erected by Niemeyer around the lake at Pampulha, social buildings with delicious sculptural form and flow of space between indoors and the external world of nature. Photographs by Luisa Lambri reveal the intimacy of the Pampulha pavilions; one cannot but be enthused by the sheer joy of these smaller projects. Several Lambri prints were exhibited here at the Carnegie Museum of Art in 2006, arranged beneath Ernesto Neto’s installation Okitimanaia Ogu ?one great Brazilian hanging with another.

The United States and Niemeyer had a rather tortuous relationship. He and Lucio Costa realised of course the temporary pavilion for Brazil at the New York World’s Fair in 1939. Refused visas on political grounds, Niemeyer never saw the home he designed in the early 1960s for filmmaker Joseph Strick in Santa Monica; happily, that property has been meticulously restored by Michael and Gabrielle Boyd. It is Niemeyer’s role in designing the United Nations in Manhattan that ensures him a US legacy. Visitors now enjoy an evocative view of the UN complex from the FDR Four Freedoms Park inaugurated this October to designs by one of Niemeyer’s greatest contemporaries, Louis I. Kahn.

 If you go to www.mapquest.com and search for “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? you’ll find an elongated property with two swimming pools and several structures stretching south to overlook the Mediterranean. This paradise designed for the Mondadori publishing family is almost illegible from the road. Last spring my plane into Nice banked above the site so that we seemed to hover, momentarily, above the biomorphic sea-side pool. I was reminded of my visit to Niemeyer’s home at Canoas with its exposed rock, wafer-thin canopy roof, and enticing pool; so enticing in fact I was tempted to strip and plunge right in.

 Oscar Niemeyer’s legacy or challenge to architects is to grapple with critical planning and construction projects, in both social and technical terms, without forgetting to take pleasure in life.


Raymund Ryan is Curator, The Heinz Architectural Center, Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
His current exhibition is White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012
See all the texts in the series Oscar Niemeyer 1907-2012

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC
See everything on Oscar Niemeyer published on MDC magazine

Tradução: Carlos Alberto Maciel
Colaboração editorial: Danilo Matoso

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Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2012/12/05/brasilia-antologia-critica-lancamento-em-sp/ //28ers.com/2012/12/05/brasilia-antologia-critica-lancamento-em-sp/#respond Wed, 05 Dec 2012 20:49:22 +0000 //28ers.com/?p=7907 Continue lendo ]]>

brasilia-antologia-criticaBrasília : antologia crítica

Alberto Xavier e Julo Katinsky (orgs.)

Terceira obra da Trilogia Brasília é lançada em São Paulo no dia 14.12.2012

A editora Cosac Naify anunciou para o próximo dia 14 o esperado lançamento do livro organizado pelos arquitetos Alberto Xavier e Julio Katinsky. A obra apresenta o registro de 67 textos, que datam desde antes da fundação da cidade até análises contemporâneas fazendo um balanço da repercussão do projeto de Brasília em âmbito nacional e internacional.

Escritos por mais de sessenta autores entre, ensaístas, arquitetos, urbanistas, engenheiros, historiadores, sociólogos e políticos, o livro reúne textos de autores como Mário Pedrosa, Joaquim Cardozo, Gilberto Freyre, André Malraux, Sibyl Moholy-Nagy, Françoise Choay, Bruno Zevi,Sigfried Giedion, Alberto Moravia, Max Bense, Reyner Banham, Milton Santos, Lina Bo Bardi, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Clarice Lispector.

A Trilogia Brasília, da editora Cosac Naify, motivada pelo cinquentenário da Capital Federal,  é composta ainda pelos livros: O concurso de Brasília: sete projetos para uma capital (outubro de 2010) e Arquivo Brasília (dezembro de 2010).

Lançamento:
Sexta-feira, 14.12.2012, 19h30
Livraria Cultura do Conjunto Nacional
São Paulo

Com informações da Cosac Naify

Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Rem Koolhaas e Petra Blaisse
Mediação:Luciana Sabóia e Elane Ribeiro Peixoto (organizadoras)
27 de agosto de 2011
Memorial Darcy Ribeiro – UnB
Brasília
parte I

Rem Koolhaas e Petra Blaisse
Mediação:Luciana Sabóia e Elane Ribeiro Peixoto (organizadoras)
27 de agosto de 2011
Memorial Darcy Ribeiro – UnB
Brasília
parte II


Filmagem e edição: Luciana Jobim

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interdisciplinaridade e experiências em
documentação e preservação do
patrimônio recente

7 a 10 de  junho . 2011
brasília

O DOCOMOMO é uma organização não-governamental fundada em 1988, na Holanda, com representação em mais de quarenta países. Entidade sem fins lucrativos, os seus objetivos são a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura e no urbanismo. Atualmente está sediado na Fundação Mies van der Rohe, de Barcelona e faz parte do corpo assessor do World Heritage Center da UNESCO. O DOCOMOMO é reconhecido como uma das mais importantes organizações mundiais ligadas às causas preservacionistas.

Em 1992 foi criado, junto à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, a sua seção brasileira, o DOCOMOMO Brasil. No momento, está sediado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os seminários do DOCOMOMO Brasil são realizados a cada dois anos desde 1995. Envolvendo cursos e programas de pós-graduação em arquitetura e urbanismo de diversas universidades, estes eventos já se tornaram um fórum reconhecido ?inclusive no plano internacional ?pela contribuição ao debate sobre a arquitetura e o urbanismo do movimento moderno. Com a criação dos núcleos regionais do DOCOMOMO, a sua atuação tem se estendido por todo o país, resultando na realização de diversos eventos de caráter local.
O 9º Seminário DOCOMOMO Brasil será realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília de 7 a 10 de junho de 2011, terá como tema Interdisciplinaridade e experiências de documentação e preservação do patrimônio recente, e reunirá pesquisadores nacionais e estrangeiros de diversos campos do conhecimento envolvidos com a área de documentação e conservação de  arquitetura e urbanismo modernos.


Para inscrições e mais informações, visite a página do evento em www.docomomobsb.org.

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Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2011/02/17/da-insustentabilidade-do-plano-piloto/ //28ers.com/2011/02/17/da-insustentabilidade-do-plano-piloto/#comments Thu, 17 Feb 2011 20:16:27 +0000 //28ers.com/?p=4662 Continue lendo ]]>

Jorge Guilherme Francisconi

Introdução

É muito provável que a grande maioria das pessoas pense que o Plano Piloto de Brasília conta com aquela sólida fundamentação urbanística que as leis de Planos Diretores oferecem e que a legislação federal exige. Mas nada disso acontece. Vencido o ano do cinquentenário da inauguração da Nova Capital, o Plano Piloto permanece desprovido da fundamentação urbanística exigida pela civitas civitatis do Brasil, núcleo urbano tombado pelo IPHAN, Patrimônio da Humanidade pela UNESCO e também núcleo [core] de metrópole com mais de três milhões de habitantes. Ao contrário do restante do território do Distrito Federal, que segue o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal [PDOT/DF], a urbanização do Plano Piloto não dispõe de fundamentos jurídicos sólidos visto ser inaplicável e insustentável o marco institucional estabelecido pelo GDF, mediante o Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987, e ratificado pela Portaria 314 do IPHAN, de 08 de outubro de 1992, que são as normas que sustentam a preservação do plano-piloto de 1957.

A insustentabilidade urbanística que se estabelece a partir do fato de que há duas questões que o Decreto não responde: [i] qual é o plano-piloto a ser adotado? [ii] quais são as características essenciais de cada escala urbana? Isso porque o Decreto é um instrumento legal que aprova dois planos urbanos diferentes [plano-piloto original e plano-piloto construído], como se iguais fossem, para definir o plano diretor da mesma área urbana [Plano Piloto]. Além disso, estabelece que a concepção urbana da cidade adotará as características essenciais de conceito urbanístico criado por Lucio Costa [escalas urbanas], mas as características das escalas nunca foram definidas. Ou seja: o Plano Piloto de Brasília não dispõe dos fundamentos jurídico-normativos exigidos para promover uma urbanização sustentada.

Pode-se imaginar que algumas pessoas dirão que os argumentos não procedem visto que o Decreto caducou porque não atende ao Estatuto da Cidade1. Vale lembrar que a Lei Orgânica do DF valida o Decreto e a Portaria quando, em 1996, acrescentou um inciso no Art. 3o da Lei Orgânica [Emenda à Lei Orgânica nº 12], segundo o qual cabe ao Governo do Distrito Federal:

XI ?zelar pelo conjunto urbanístico de Brasília, tombado sob a inscrição nº 532 do Livro do Tombo Histórico, respeitadas as definições e critérios constantes do Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987, e da Portaria nº 314, de 8 de outubro de 1992, do então Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural ?IBPC, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ?IPHAN. [grifo nosso]

O Plano Piloto recebe tratamento diferenciado, no PDOT, devido a este inciso da Lei Orgânica. Para esta área cabe aprovar o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília [PPCUB], cuja minuta está sendo elaborada por empresa consultora contratada pela SEDUMA/GDF.

Aqui o objetivo maior é analisar, com cuidado e profundidade, o impacto do Decreto no. 10.829/87, elaborado a partir do texto Brasília Revisitada, como marco urbanístico definido pelo Governo Federal para preservar os valores urbanos e atender exigência da UNESCO quando do pleito para que o Plano Piloto de Brasília fosse qualificado como Patrimônio Cultural da Humanidade. Para atender a estes objetivos caberia elaborar um Decreto conceitualmente sólido para fins de valorizar, preservar e consolidar os valores urbanos do plano-piloto, segundo as características essenciais de cada escala. Mas, como se verá, o Decreto não oferece a fundamentação exigida e por isso torna-se necessário refazê-lo para fins de planejamento e gestão do Plano Piloto. Esta constatação poderá, por certo, colidir com textos pouco técnicos e muito literários, surgidos ao longo das últimas décadas, mas que não analisam os equívocos e a precisão conceitual do Decreto Brasília Revisitada. E sobre estas diferenças de pontos de vista caberá a cada um formular seu juízo.2

Os dois planos-piloto de 1957

No transcorrer do ano de 1957, dois planos-piloto foram criados para a Nova Capital do Brasil, ambos sob a égide de Lucio Costa. O primeiro foi o plano-piloto original selecionado por júri internacional como vencedor do concurso para a Nova Capital. O segundo foi o plano-piloto que orientou a construção do Plano Piloto. Os dois projetos são mencionados por Lucio Costa em Brasília 57 ?85: do plano-piloto ao Plano Piloto, documento cuja redação coordenou, faz trinta anos, para atender o convite de Luis Cordeiro e Tânia Battella, membros do Governo do Cel. José Ornellas, para que fizesse o “check-up?urbanístico e apoiasse em ações de gestão e planejamento do Plano Piloto.

Fig.1 ?Plano-Piloto original ?vencedor segundo júri internacional [1957] Fonte: Brasília 57-85. p. 29

Fig.1 ?Plano-Piloto original ?vencedor segundo júri internacional (1957). Fonte: Brasília 57-85 p.29

Em Brasília 57?5 constam os dois projetos do plano-piloto e Lucio Costa trata desta reformulação do projeto original ao lembrar que ?em>no inicio do desenvolvimento do projeto houve sempre a intenção de fidelidade ao risco original, tanto por parte da Divisão de Urbanismo como das autoridades ?respeitar o plano-piloto era ponto pacífico…? E destaca: ?em>a Brasília que hoje existe é muito parecida com a Brasília inventada por seu autor.?sup>3. Esta observação caracteriza o fato de o projeto original não corresponder ao projeto adotado na construção do Plano Piloto porque, ainda em 1957, houve a decisão de refazer o plano-piloto original e projetar o plano-piloto construído.

Em 1985, Lucio Costa participa da elaboração do Decreto Brasília Revisitada, em cujo texto consta o plano-piloto original no Art.1o e nos anexos [Fig.1], assim como consta o plano-piloto usado na construção da Nova Capital, que não é mencionado nos artigos do Decreto, mas cujo mapa [Fig.2] consta nos anexos e é utilizado para definir os perímetros de cada escala urbana na área do Plano Piloto [Fig.4].

O decreto foi elaborado para atender exigência de parecer do ICOMOS para UNESCO que era “favorável a inscrição de Brasília na lista do Patrimônio Mundial?desde que adotadas “medidas mínimas de proteção (que) garantam a salvaguarda da criação urbana de Costa e Niemeyer.?Face a aprovação do parecer pelo Conselho da UNESCO, em maio de 1987, foi promulgado o Decreto 10.829/87 para evitar o longo procedimento que envolve a aprovação de leis federais e locais. A base jurídica do Decreto é a Lei Federal no. 3.751/60, aprovada em 13 de abril para estabelecer “a organização administrativa do Distrito Federal?e cujo art. 38 foi inserido para atender preocupações quanto à preservação dos valores urbanísticos, arquitetônicos e culturais do Plano Piloto. Para tanto este artigo estabelece que: ?em>Qualquer alteração no Plano Piloto, a que obedece a urbanização de Brasília, depende de autorização de lei federal?/em>. Este texto sustenta o Decreto no10.829/87, publicado em 14/Out/1987 no Diário Oficial do Distrito Federal, cujo Artigo 1o trata da concepção urbana do plano-piloto e estabelece que:

Art. 1o. ?Para efeito da aplicação da Lei no. 3.751 […] entende-se por Plano Piloto de Brasília a concepção urbana da cidade, conforme definida na planta em escala 1/20.000 e no Memorial Descritivo e respectivas ilustrações que constituem o projeto de autoria do Arquiteto Lucio Costa, escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso para a construção da nova Capital do Brasil.?/em> [grifo nosso]

Com isso o Decreto incorre em equívoco quando estabelece que o Plano Urbano adotado na construção do Plano Piloto é aquele escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso. Afirmação que não corresponde a verdade visto que não foi o que aconteceu. Há significativas diferenças entre a concepção urbana do projeto aprovado pelo júri internacional [Fig.1] e o projeto da Divisão de Urbanismo da NOVACAP [Fig.2] e que foi adotado na construção cidade. Ainda que os dois projetos sejam parecidos do ponto de vista urbanístico, é impossível tratar dois projetos urbanos parecidos numa mesma norma legal, como se iguais fossem, dado que não adotam fundamentos jurídicos e administrativos iguais para fins de planejamento e gestão. Desta forma, Brasília Revisitada sanciona o plano-piloto original [Art.1o] e consolida, no restante do texto e nos Anexos, o plano-piloto construído.

Fig.2 ?Plano piloto construído ?produto da NOVACAP (1957). Fonte: Brasília 57-85. p.29

As alterações no projeto original constam em recente artigo de Maria Elisa Costa4 e podem ser identificados mediante comparação da Figura 1 [planta em escala 1/20.000 – Art. 1o] com a Fig.2 [adotada na construção do Plano Piloto]. As alterações do plano-piloto original envolveram a nova inserção da cidade no território e mudanças em projetos específicos, como a Plataforma Rodoviária e o entorno. Também foi alterada a localização de atividades e funções urbanas, como o jardim zoológico e o jardim botânico, de inicio localizados no Eixo Monumental do plano-piloto, assim como houve a supressão, criação e realocação de setores, como as Quadras 01.

As alterações do plano-piloto original ao plano-piloto construído foram feitas por equipe da NOVACAP coordenada por Augusto Guimarães Filho, profissional que sempre trabalhara com Lucio Costa e que foi por ele indicado para coordenar o desenvolvimento do projeto, a partir de escritório no Rio de Janeiro. As alterações feitas no projeto inicial da civitas não alteraram a essência urbanística e simbólica, mas alteraram a condição urbana, o assentamento no território, a infraestrutura, a disposição funcional ao longo dos eixos viários estruturadores [Fig.3] e criaram uma bolha urbana ao distanciar a Estação Ferroviária da Plataforma Rodoviária.

A sucinta comparação do plano-piloto original com o plano-piloto construído permite dimensionar o conflito criado pelo Decreto no.10.829/87 quando, 27 anos após a inauguração de Brasília, este oficializa o plano-piloto original e não aquele adotado na construção de Brasília. Um dúbio paradoxo reforçado pela inclusão dos dois Planos Urbanísticos como anexos do Decreto no.10.829/87, ao lado de textos de Lucio Costa que tratam das escalas e de conceitos de natureza geral e de natureza específica.

Por outro lado, é importante lembrar que a proposta original de Lucio Costa correspondeu ao conceito de Plano Piloto exposto por Le Corbusier em correspondência ao Mal. Jose Pessoa, ainda em 1955.5 Segundo Le Corbusier, “Plano Piloto significa a expressão pelo desenho e pelos textos das idéias de ordem geral e particular que a minha experiência permite submeter …? Quanto ao desenvolvimento deste Plano Piloto, a tarefa caberia aos brasileiros. Ou seja, o conceito de Plano Piloto adotado no Edital de Licitação para o Projeto da Nova Capital era aquele de Le Corbusier e não correspondia àqueles de Plano Diretor Urbano adotados nos anos cinquenta.

Fig.3 ?Alterações no plano piloto

Fig.3 ?Alterações no plano piloto. Fonte: Brasília 1960 2010 passado, presente e futuro. p.53

As alterações feitas no plano-original por autoridades e pela Novacap resultaram em projeto “parecido? visto que mantém os fundamentos básicos, mas onde constam fortes alterações funcionais. A Fig.3 sintetiza as mudanças mais vigorosas, visto que apenas a área tracejada corresponde às funções urbanas originais. Todas as demais áreas urbanas constituem alterações para (i) suprimir a função granjas e implantar áreas habitacionais unifamiliares, (ii) ocupar áreas sem destinação com atividades funcionais múltiplas; ou (iii) suprimir área habitacional de superquadras para implantar atividades próprias da área central.

A relocação de atividades urbanas e redefinição de padrões urbanísticos levou a criação de dois planos-pilotos “parecidos? como diz Lucio Costa, mas diferentes quanto a concepção urbana e totalmente diferentes quanto a exigências administrativas, jurídicas, de planejamento e de gestão. Este fato caracteriza a fragilidade do marco normativo visto que, juridicamente, todo e qualquer plano urbanístico constitui um todo único e diferenciado.

Face estas observações seria necessário promover uma fundamentada e urgente revisão do Artigo 1o do Decreto no 10. 829/87, quanto à concepção urbanística de Brasília, para que o plano-piloto seja único, dotado de fundamentos conceituais sólidos e corresponda às exigências de marco urbanístico do Plano Piloto do Distrito Federal.

Características Essenciais de cada Escala Urbana

O Decreto Distrital de no 10.829/87, que regulamenta a Lei Federal de no 3751/60, também exige a definição das características essenciais de cada escala urbana, para que estas possam ser aplicadas no planejamento e gestão do Plano Diretor, visto que seu Art. 2o estabelece que:

Art. 2º – A manutenção do Plano Piloto será assegurada pela preservação das características essenciais de quatro escalas distintas em que se traduz a concepção urbana da cidade: a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica. [grifo nosso]

Mas estas características essenciais ainda não foram definidas e são poucos os que sabem que Lucio Costa só criou seu conceito de escalas urbanas e de jogo de escalas no final de 19616. Quase dois anos depois de sancionado o mencionado artigo 38 da Lei federal no 3.751/60 e inaugurada a Nova Capital7. A teoria das escalas urbanas foi criada para explicar a concepção original do plano-piloto e a menção feita no Artigo 2O. implica em que estas características essenciais devam ser definidas. Mas decorridos mais de trinta anos de vigência do Decreto, as escalas urbanas permanecem sem definição e nesta condição não há como aplicá-las. Com isso se estabelece a segunda insustentabilidade do Decreto Brasília Revisitada, visto que até hoje não foram definidas as funções e atividades urbanas que correspondem a cada escala urbana, o que impede sua aplicação na práxis da gestão urbana, em especial quanto a promover zoneamento que defina os territórios onde cada escala urbana é dominante e qual o jogo de escalas que deverá ser promovido.

A inocuidade do Art. 2o. quanto as escalas urbanas reforça a confusão criada pelo Decreto no 10.829/87 no planejamento e gestão do Plano Piloto, uma constatação que talvez colida com apressadas conclusões de especialistas pouco familiarizados com a teoria da escala urbana criada como fundamento teórico para justificar projetos de 1957. Para Lucio Costa, a prática é o plano-piloto, a teoria é a escala urbana8, mas por ora, a teoria das escalas urbanas permanece inócua porquanto incompleta. E assim permanecerá enquanto não forem definidas as características essenciais da cada escala, quais sejam a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica.

Fig.4 ?Concepção Urbanística de Brasília

Fig.4 ?Concepção Urbanística de Brasília. Fonte: Brasília : preservando o patrimônio da humanidade Porto Alegre: RS Projetos, 2010. p.15

As definições disponíveis, como aquelas feitas por Lucio Costa para o anexo do Decreto Brasília Revisitada, oferecem adjetivos e exemplos que não atendem às exigências mínimas da ciência urbanística porque não indicam funções e usos, nem os padrões de urbanização que correspondem a cada escala no território do Plano Piloto. A exigência quanto a conceituação das escalas consta no art. 2o. do Decreto, mas como o conceito não foi definido, não há como saber do que se trata e como será delimitado o território para sua aplicação. A Fig.4 apresenta o território de cada escala como definido faz um quarto de século. Desde então os perímetros permanecem congelados e tornou-se impossível estabelecer um jogo de escalas destinado, segundo Lucio Costa em 1961, a “caracterizar e dar sentido a Brasília [para] a cidade tomar verdadeiramente pé.?sup>9

Fig.5 ?Proposta de atualização da escala monumental

Fig.5 ?Proposta de atualização da escala monumental. Apresentada ao CONPLAN/DF em Novembro / 2010

O fato de que, ao longo quase meio século, a teoria tenha sido muito citada e nunca aplicada se deve, também, ao próprio Lucio Costa na medida em que não detalhou e desenvolveu a teoria que criara para sustentar os planos-piloto. Embora cite e descreva os valores de cada escala, ele não ofereceu fundamentação urbanística sólida e substantiva. Mesmo no Anexo I do Decreto Brasília Revisitada, não trata a questão de forma urbanisticamente adequada. Observe-se que neste Anexo irá indicar a escala monumental como igual ao caráter monumental, uma definição que contraria o Relatório de 1957, onde não consta a palavra escala e onde é dito que caráter monumental abrange todo Plano Piloto – “não no sentido da ostentação, mas no sentido da expressão palpável […] consciente daquilo que vale e significa? Em contrapartida, a escala monumental é indicada para uma parcela menor do Plano Piloto.

Esta ambigüidade conceitual talvez tenha motivado Maria Elisa Costa10 a rever o conceito e sua territorialidade, e elaborar proposta para ampliação da área da escala monumental de forma a abrigar três categorias de monumental: de elementos determinantes, de elementos incorporados e de elementos complementares. Seguindo esta linha de pensamento, no final de 2010 incorporei e ampliei sua proposta territorial para escala monumental [Fig.4] e apresentei a sugestão de novo perímetro [Fig.5] aos membros do CONPLAN/DF.

Questões conceituais e dúvidas semelhantes envolvem o entendimento e as funções que caracterizam o território da escala gregária e da bucólica. No Anexo de Brasília Revisitada, Lucio Costa conceitua a escala bucólica como território de “extensas áreas livres, para serem arborizadas ou guardando a cobertura vegetal nativa, diretamente contígua a áreas edificadas.?Bem mais tarde define a escala bucólica como sendo aquela destinada ”ao lazer?sup>11, mas não é isto que consta no Decreto Brasília Revisitada.

Como ocorre em toda e qualquer cidade viva, as normas rígidas e desatualizadas deste Decreto não impediram as expansões e mudanças funcionais no Plano Piloto, como a que se observa na expansão do território destinado à escala monumental sobre o território da escala bucólica [Fig.6], que ocorre sob a égide da excepcionalidade concedida a Oscar Niemeyer12, cujo escritório está legalmente capacitado para ignorar o Decreto Brasília Revisitada.

Conclusão

Fig.5 ?[Foto: Joana França. www.joanafranca.com]

Fig.6 ?(Foto: Joana França. //www.joanafranca.com)

Como conclusão pode-se dizer que os fundamentos do Decreto Brasília Revisitada, marco jurídico que rege a urbanização do Plano Piloto, não são sólidos, consistentes ou adequados. Por um lado, porque adota dois planos urbanos parecidos, mas diferentes, como Plano Piloto de Brasília. Por outro lado, porque não estabelece as características essenciais das escalas urbanas, conceitos urbanísticos fundamentais para sustentação do planejamento e da gestão do Plano Piloto. Como resultado, há uma fragilidade normativa e urbanística, que é reforçada por não estarem sendo cumpridas as exigências da legislação federal, em especial o Estatuto da Cidade.

Nestas condições é fundamental, para que o Plano Piloto seja preservado, fortalecido e que tenha suas funções consolidadas, que se defina o plano urbano [plano-piloto] que rege sua urbanização e quais as características essenciais e as funções de cada escala urbana, para após definir o perímetro em que cada escala será dominante no respectivo território e qual o jogo das escalas que será fomentado e permitido no tecido urbano do Plano Piloto. Este é o desafio que planejadores urbanos, juristas, arquitetos, urbanistas e ambientalistas, entre outros, devem enfrentar para preservar os valores da civitas civitatis nacional.

Brasília, 10 de fevereiro de 2011


notas

1 Agradeço Danilo Matoso Macedo por haver corrigido o entendimento, exposto em textos anteriores, de que o Decreto seria Federal e não Distrital, como de fato é, bem como pelo apoio editorial.

2 A verificação de que o Plano Piloto não tem sustentabilidade urbanística legal é fruto da conjuntura pessoal de estar redigindo livro sobre conceitos, comportamento e impacto de Lucio Costa, ao tempo em que participava do CONPLAN/GDF e do Conselho do IPHAN/DF, após ter prestado consultoria para equipes técnicas que elaboraram o projeto do PDOT/DF.

3 COSTA, Lucio. in Brasília 57-85: do plano-piloto ao Plano Piloto, Brasília : GDF/SVO/DAU ; TERRACAP/DITEC, 1985. p.27. Coordenador: Lucio Costa; Executores: Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas de Lima; Supervisão: Luiz Alberto Cordeiro e Tânia Battella de Siqueira. 145 p.

4 ver COSTA, Maria Elisa e LIMA, Adeildo Viegas em resumo de “Brasília 57-85: do plano-piloto ao Plano Piloto? in LEITÃO. Francisco. (org.). Brasília 1960 2010 Passado Presente e Futuro, Brasilia, SEDUMA/GDF, 2009.

5 LE CORBUSIER, carta enviada ao Marechal Jose Pessoa, apud VIDAL, Laurent, De Nova Lisboa a Brasília ?A invenção de uma Capital (seculos XIX ?XX), Brasilia: UnB, 2009. p.181.

6 O conceito de “escala urbana?foi tornado público por Lucio Costa em entrevista concedida ao jornalista Cláudio Ceccon e publicado na seçao de Arquitetura do Jornal do Brasil em 18 de novembro de 1961. Antes Lucio Costa havia formulado outras teorias explanatórias sobre seu projeto para o plano-piloto.

7 O artigo 2o. do Decreto regulamenta conceito que não existia quando a lei foi sancionada.

8 O fato da teoria para o plano-piloto de 1957 ter sido criada em 1961 nao invalida sua enorme importância. Como lembra Fernando Pessoa, : ?em>Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria.?/em> [OPP, III, 1172, apud BRECHóN, Robert, Estranho Estrangeiro: Uma Biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzál, 1996.].

9 Jornal do Brasil, nov., 1961

10 Costa, Maria Elisa , Notas Relativas ao tombamento de Brasília, escritas e remetidas ao IPDF/GDF em novembro de 1997.

11 Costa, Lucio, ”Brasilia Revisitada? in COSTA, Lucio. Lucio Costa : Registro de uma Vivência. São Paulo: Empresa das Artes, Brasília: UnB 1995. p. 331.

12 IPHAN, Portaria no. 314, de 08 de outubro de 1992.


Jorge Guilherme Francisconi

Arquiteto [FAU/UFRGS], PhD em Ciências Sociais [Maxwell School of Public Administration and Citizenship, Syracuse University], Secretário Executivo da CNPU/SEPLAN/PR, Presidente da EBTU/MT e Diretor Geral do DENATRAN/MJ, foi Criador e Coordenador do PROPUR/FAU/ UFRGS, Coordenador do Mestrado da FAU/UNB e também docente da FGV/RJ, da Universidade de Paris XII e do CNAM, em Paris e em Montpellier.


Colaboração editorial: Débora Andrade

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Danilo Matoso Macedo

[1]

soberania-perspectivaEm 9 de janeiro de 2009, em seu escritório de Copacabana, Oscar Niemeyer apresentou o estudo preliminar do projeto para a Praça da Soberania, em Brasília, ao governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e a seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho. À semelhança de outros projetos recentes de Niemeyer, o projeto era marcado pela simplicidade de formas, materializadas em grandes superfícies brancas e aberturas fechadas por vidro preto. Próximo à Plataforma Rodoviária, uma praça cimentada no canteiro central da Esplanada dos Ministérios correspondia ao estacionamento subterrâneo abaixo, destinado a abrigar três mil veículos. Sobre o concreto, um edifício curvo elevado em pilotis ?o Memorial dos Presidentes, encomenda do presidente Lula ?contraposto por um obelisco inclinado ?o Monumento ao Cinqüentenário ?de altura comparável aos noventa e dois metros das torres do Congresso Nacional mais adiante.

Antes mesmo de qualquer consulta aos arquitetos que trabalham no GDF, ou de qualquer estimativa de preço da obra, o governador declarou aos presentes: Vamos fazer! No dia seguinte, a reunião foi relatada na capa do Correio Braziliense, [2] com a manchete: Para se espantar e curtir. Imediatamente, os arquitetos brasilienses se espantaram e voltaram a curtir a dor de feridas antigas e novas, todas ainda abertas. O espanto ficou por conta do obelisco de mais de cem metros de altura e do edifício curvo, numa área originalmente destinada ao vazio ?disposição presente desde o Plano Piloto, e expressamente assim mantida quando do tombamento da cidade pela Unesco em 1987. Já as penas curtidas tinham um duplo viés.

soberania-perspectiva-2De um lado, a iconoclastia tradicional de arquitetos inconformados com as feições recentes das obras de Niemeyer. Para estes colegas ?e também para alguns apreciadores das obras complexas, multicoloridas e multiformes das obras anteriores a Brasília, como a Pampulha ?a simplicidade recente parece simplismo apenas. E o que os admiradores da nova produção de Niemeyer ainda consideram síntese, os críticos já consideram descuido.

De outro lado, o descontentamento geral da comunidade de arquitetos projetistas brasilienses devido à realização de mais uma grande obra pública, com contratação de projetos por escritórios privados, sem a realização de concurso de arquitetura. A lista recente não é pequena, e o privilégio da contratação sem concurso não é exclusivo de Oscar Niemeyer: desde a encomenda do projeto urbanístico para o bairro Setor Noroeste,[3] bem como para o Parque Burle-Marx[4] e a via interbairros, passando pela nova Estação Rodoviária,[5] pela sede do Governo do Distrito Federal na Cidade Satélite de Taguatinga,[6] pela reforma do Estádio Bezerrão, no Gama,[7] e culminando no projeto para o Estádio Mané Garrincha,[8] em Brasília, com vistas à Copa do Mundo de Futebol. O monopólio de Niemeyer, de fato, se restringe à Esplanada dos Ministérios e adjacências. É sabido que, eticamente, o arquiteto evitou a contratação particular para a elaboração dos projetos arquitetônicos iniciais quando da construção da capital. Num gesto nobre, Oscar preferiu ser contratado como funcionário da Novacap, recebendo apenas seu salário à época.[9]

soberania-plantaO mesmo não ocorreu quando do retorno do arquiteto do exílio na década de 1970. Sobretudo após o tombamento da cidade, o escritório de Niemeyer passou a ser diretamente contratado para toda e qualquer grande obra pública do Governo Federal, pelo sistema de notória especialização. É um tipo de prática que ocorre em maior ou menor escala em diversas cidades brasileiras, com notórios especialistas locais, nacionais e, mais recentemente, internacionais. No caso do escritório de Niemeyer, o privilégio foi reforçado e garantido por uma portaria do IPHAN, estabelecendo que excepcionalmente, e como disposição naturalmente temporária, serão permitidas, quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília ?arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer ?com complementações necessárias ao Plano Piloto original.[10]

Para se espantar e curtirO projeto da Praça da Soberania, entretanto, parece ter dado impulso a algum tipo de questionamento destes processos. O Governo do Distrito Federal contratou Oscar Niemeyer para realizar o projeto sem licitação e sem concurso público. O governador aprovou a proposta publicamente, levando a imprensa a uma reunião de trabalho com o arquiteto, em lugar de cercar-se de seus técnicos, e antes mesmo de submeter o projeto ao IPHAN. E a proposta era no coração da cidade, num local importante para a população e sabidamente non-aedificandi. E causou a todos espanto, como queria seu autor.

A partir da matéria no Correio Braziliense, manifestações de repúdio começaram a circular por telefonemas e e-mails exaltados entre arquitetos ainda durante o final-de-semana. Na segunda-feira, dia 12 de janeiro, foi publicado na revista mdc um texto de Sylvia Ficher ?Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.[11] Tratava-se de um pequeno desabafo passional da historiadora e professora da UnB, que tocava em diversos pontos nevrálgicos do debate em torno às obras recentes de Niemeyer desde o Panteão da Pátria (1985), passando por um sumário juízo negativo de valor sobre a praça para concentrar seu fogo no ataque ao monopólio de Oscar Niemeyer em Brasília. O texto circulou em diversas rodas por e-mail na internet, tendo sido novamente publicado na Revista da Semana da Editora Abril, no Portal Vitruvius[12] ?o mais popular site de arquitetura do país ? no portal da Universidade de Brasília e em diversos blogs. Em que pese o extenso passado de rigorosas pesquisas de Sylvia Ficher, tratava-se aqui de um artigo de opinião, e não um arrazoado científico. O tom pessoal do artigo causou indignação aos admiradores e colaboradores mais próximos de Oscar Niemeyer. Por outro lado, fosse o texto uma extensa e embasada argumentação técnica, não teria tido o alcance e a popularidade que teve.

No domingo seguinte, dia 18 de janeiro, o jornalista Elio Gaspari dedicou sua coluna na Folha de S.Paulo[13] a uma associação entre a condenação de Sylvia Ficher à Praça da Soberania e a sua própria condenação a um texto que Niemeyer publicara naquele mesmo jornal reabilitando historicamente a figura de Joseph Stálin.[14] Com a repercussão do ataque de Sylvia à obra de Niemeyer, o desabafo local da pesquisadora começou a ganhar contornos de polêmica nacional.

No dia 20 de janeiro, o pesquisador e professor da UnB Frederico Holanda enviou à revista mdc um curto artigo também pessoal ?A praça do espanto,[15] condenando diretamente o projeto para a Praça da Soberania e associando sua aridez à já existente no adjacente Complexo Cultural da República ?última grande obra de Niemeyer inaugurada na Capital. A publicação do texto de Holanda na revista mdc foi acompanhada por outro texto do jovem arquiteto e pesquisador Carlos Henrique Magalhães[16] intitulado Pela soberania do vazio.[17] Argumentação mais arrazoada que as anteriores, o texto de Carlos evocava a obra pregressa de Oscar Niemeyer e os princípios norteadores do Plano Piloto de Brasília como base para defender a preservação do vazio acima do gramado da Esplanada ?onde Niemeyer pretendia implantar o obelisco e o Memorial dos Presidentes. Ao mesmo tempo, Conceição Freitas publicava em sua coluna no Correio Braziliense o texto Niemeyer versus Niemeyer.[18] A jornalista reforçava os argumentos de Sylvia e recuperava ?a partir de um comentário na revista mdc[19] ?um texto de Nicolai Ouroussoff,[20] escrito em 2007, em que do crítico de arquitetura do New York Times questionava a pertinência da contratação de Niemeyer para reforma e ampliação de suas próprias obras construídas há mais de cinquenta anos.

No dia seguinte, Sylvia Ficher voltava a se manifestar no texto Verso e reverso em Niemeyer,[21] agora acompanhada do arquiteto Jorge Guilherme Francisconi, ambos membros do Conselho de Planejamento Territorial do DF ?Conplan. O artigo, publicado no Correio Braziliense, manifestava que aquele órgão colegiado vinha sendo obrigado a aprovar a execução de projetos de Niemeyer em áreas de impacto, por força dos precedentes estabelecidos e do já mencionado artigo personalista da Portaria 314 do IPHAN. E o Conplan, unanimemente constrangido, enviara ao IPHAN um questionamento sobre a legitimidade do dispositivo legal. Era uma denúncia explícita de uma espécie de venda do direito de construir, que seria operada pelo escritório do arquiteto em Brasília.

A nova praça para BrasíliaSurpreendentemente, foi o próprio Oscar Niemeyer que se encarregou de elaborar sua primeira defesa, com artigo de sua lavra publicado na quinta-feira, dia 22 de janeiro, no Correio Braziliense. No texto, intitulado simplesmente A nova praça para Brasília,[22] Oscar Niemeyer justificava sua proposta com base nas grandes reformas urbanas de Paris e Barcelona ocorridas no século XIX, argumentando que mesmo os centros históricos precisam ser alterados. E se Brasília precisava ser modificada, ele possuía o direito e a obrigação de conceber e propor a praça. O texto ainda revelava oposição ao projeto de ninguém menos que a filha de Lucio Costa ?a também urbanista Maria Elisa Costa ? por ocupar o vazio da Esplanada dos Ministérios. Por fim, o arquiteto desqualificava seus críticos, ao tratá-los por pessoas até então desconhecidas que se permitiam falar sobre o assunto.

O tom confrontativo ?ainda que contraditório ?do texto de Niemeyer visava a anular os argumentos seus novos críticos arquitetos, mas acabou por reavivar antigos questionamentos da corporação às suas obras, despertando ainda o antagonismo em especialistas e pesquisadores de outras áreas. A pecha de desconhecidos gerou reações raivosas de moradores da cidade, que passaram a reivindicar em blogs e cartas aos jornais ?muitas vezes de modo deselegante ?o direito dos desconhecidos a opinar sobre o local em que habitam. Com efeito, no dia seguinte, o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil ?IAB-DF ?enviava uma Mensagem ao arquiteto Oscar Niemeyer[23] cujo tom reverente e introdução elogiosa não impediram a conclusão solicitando o estudo de nova localização para o monumento.

Em 24 de janeiro, o Correio Braziliense estampou, na mesma página, a carta do IAB e a segunda defesa do projeto da praça,[24] desta vez feita pelo arquiteto Glauco Campello ?antigo colaborador de Niemeyer, pioneiro da construção de Brasília e ex-presidente do IPHAN. Prudente, Glauco se limitava a uma apologia dos valores plásticos e simbólicos da Praça da Soberania e suas edificações em si, sem mencionar a relação com o entorno urbano ou o processo de contratação do arquiteto. Até então, o Correio Braziliense vinha dando voz ao debate de maneira esparsa. No dia seguinte o jornal iniciaria uma verdadeira campanha em torno do tema, envolvendo definitivamente no debate a população da Capital Federal.

Praça na Esplanada inflama BrasíliaCom a manchete Praça na esplanada inflama Brasília,[25] a polêmica em torno ao projeto foi capa do Correio em sua edição de domingo. Três páginas de matérias, conduzidas por Conceição Freitas, deixavam de lado definitivamente as questões envolvidas em torno à contratação de Oscar Niemeyer e colocavam foco na relação entre a praça e a cidade Patrimônio da Humanidade. As reportagens faziam um apanhado da polêmica,[26] um histórico das obras de Niemeyer em Brasília (sessenta e seis ao todo)[27] e colhiam declarações de outros dois professores da UnB: Cláudio Queiroz e Frederico Flósculo.[28] Enquanto um ?ex-colaborador de Oscar Niemeyer na Argélia ?assumia a defesa do projeto em todos os sentidos, o outro limitava-se a expressar certa perplexidade em relação ao gesto que ele classifica de contraditório em relação à propostas originais da cidade.

Também era publicada na íntegra a carta de Maria Elisa Costa mencionada por Niemeyer, manifestando, antes de ser apresentado o projeto,[29] sua opinião contrária à localização da praça na Esplanada. Tratava-se de um documento pessoal, em que ela expunha suas preocupações quanto às edificações: o obelisco poderia competir com as torres do Congresso Nacional, e o Memorial dos Presidentes poderia obstruir a visão da rodoviária. A urbanista sugeria ainda ao amigo a alteração da proposta, com o atendimento ao programa do Memorial subsolo e a localização do obelisco no trecho oeste do Eixo Monumental, fora da Esplanada dos Ministérios.

A guinada do debate para o campo exclusivo do patrimônio histórico e artístico parecia, em princípio, favorecer Oscar Niemeyer. Afinal, o tema da contratação por notória especialização e o monopólio de projetos monumentais caia para segundo plano, e era a própria portaria do IPHAN de regulamentação do tombamento que garantia a exclusividade do arquiteto. Sintomaticamente, dentro no campo do patrimônio, a discussão ganhava contornos personalistas. Tratava-se agora de um projeto de Niemeyer oposto ao projeto de Lucio Costa ?como a filha deste encaminha apreensiva. E neste ponto fica exposto o tombamento de Brasília como a preservação de uma idéia[30] exclusiva dos dois arquitetos, e não de um construto social concreto ?obra coletiva. Aqui, entretanto, a relação entre a produção de Oscar Niemeyer em Brasília e os órgãos de preservação do patrimônio ganharia contornos diferentes. De fato, na reportagem de Conceição Freitas, o superintendente do IPHAN em Brasília, Alfredo Gastal, e a representante da Unesco, Jurema Machado, manifestavam-se contrários ao projeto de Niemeyer argumentando conflito deste com os valores tombados.

A declaração dos representantes dos órgãos máximos de preservação do patrimônio no Brasil e no mundo alavanca, no dia seguinte, o início de uma investigação do Ministério Público sobre a legalidade do projeto da praça ?sob o ponto de vista do tombamento, e não da contratação do projeto sem licitação ou concurso.[31] O caráter aparentemente oficial da oposição desses órgãos ao projeto leva à repercussão do caso na imprensa nacional como um problema administrativo. Quando, em 27 de janeiro, a Folha de São Paulo publica sua primeira matéria jornalística sobre o tema, o faz opondo exclusivamente Oscar Niemeyer a Alfredo Gastal.[32] Mais uma vez uma discussão que se iniciara como um levante público a um ato do governo local ganha contornos personalistas. A posição de Gastal, em todo caso, apoia-se na mesma portaria 314 do IPHAN, que estabelece: nos terrenos do canteiro central verde são vedadas quaisquer edificações acima do nível do solo existente, garantindo a plena visibilidade ao conjunto monumental.[33]

O enfoque incompleto da Folha foi reproduzido em diversos jornais no país inteiro, incluindo O Globo ?fenômeno passível de aferição pela grafia errada (Gaspal) que a matéria do jornal paulista trazia, e que foi reproduzida nas reportagens em outros veículos. Cabe lembrar, em todo caso, que não se tratava de uma disputa administrativa, mas política. Todas as autoridades em questão haviam se manifestado exclusivamente à imprensa, e não oficialmente. Não havia sido iniciado qualquer projeto de aprovação e nenhuma equipe de técnicos havia sido convocada para emitir parecer arrazoado. E como não existia processo de aprovação do projeto ou ato administrativo motivador, não poderia haver ilegalidade. A discussão entre as autoridades e arquitetos era pautada pelos jornalistas, e não pelos fatos.

Gastal e LeléSe para o restante do Brasil a imprensa pintava o retrato de um querela burocrática, em Brasília, a campanha do Correio ganhava cada vez mais apelo político e popular. O jornal passou a cobrir diariamente o debate, abrindo uma enquete online sobre o projeto, que se manteve sempre com cerca de 75% de reprovação pelos internautas ?chegando a mais de quatro mil votos. Pode-se dizer, inclusive, que foi a fome de matérias do Correio ?em pleno marasmo de janeiro ?que deu novo impulso à discussão. O jornal passou a contatar sistematicamente Oscar Niemeyer, bem como todos os especialistas e autoridades relacionadas ao patrimônio histórico em Brasília, cobrando manifestações e respostas de todos. Pressionado, o arquiteto recorreria ao auxílio de seus ex-colaboradores e amigos, como foi o caso de Cláudio Queiroz e Glauco Campello, e como seria o caso, em seguida, de João Filgueiras Lima ?o Lelé ?e de Ítalo Campofiorito.

Lelé publicaria sua defesa na terça-feira seguinte. Seu texto se chamava Mais uma obra prima,[34] e também refletia cautela por parte do autor ao evitar uma análise da praça e sua relação com a cidade. Lelé se limitava a resumir o currículo profissional de Oscar Niemeyer e as características reconhecidas de sua arquitetura. Ao cerne da questão o arquiteto dedica poucas palavras: ?em>Vemos no projeto dessa praça uma composição ousada e singela de beleza indiscutível, em que predomina seu monumento central triangular ancorado no solo e com sua aresta superior levemente curva, que lhe confere uma surpreendente elegância e leveza.?/p>

A reação de Lelé dava voz a um grupo numeroso de arquitetos próximos a Niemeyer a quem o caráter passional e pouco argumentativo de textos como o de Sylvia Ficher e Frederico Holanda havia soado simplesmente como falta de respeito ao mestre, que tanto já fizera pela arquitetura brasileira. Agravavam esta impressão negativa os inúmeros comentários de leitores – a maioria desqualificações sumárias ?feitos abaixo dos textos em sites de notícias. Não fosse o histórico cinquentenario[35] de Oscar Niemeyer de desqualificação sistemática de qualquer crítico de sua obra, poder-se ia imaginar que também era esta a impressão causada a ele mesmo, e que motivara o adjetivo de desconhecidos aos opositores do projeto.

Os defensores de Oscar aparentemente não haviam tomado conhecimento de artigos como os de Carlos Henrique Magalhães e de Andrey Schlee. Este último, arquiteto, historiador e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília ?FAU-UnB, publicaria seu primeiro texto sobre o tema ?De obeliscos e espetos ?na revista mdc no dia 28 de janeiro.[36] Talvez pressentindo que poderia ser enquadrado como desconhecido, o experiente pesquisador e admirador confesso de Oscar Niemeyer precedia sua argumentação propriamente dita por um breve histórico e uma genealogia dos obeliscos na arquitetura universal e na obra do arquiteto. O arrazoado, como o de Magalhães, relembrava os princípios fundamentais do urbanismo da cidade, que nortearam sua construção e motivaram seu tombamento. Para Schlee, definitivamente não poderia ser adotado o argumento de complementação para áreas expressamente non-aedificandi do Plano Piloto tombado.

Coincidentemente, o também diretor da UnB ?do Instituto de Ciências Sociais, Gustavo Lins Ribeiro, se manifestou por escrito no Correio Braziliense no mesmo dia, no ponderado e imparcial texto Cavalos de Tróia,[37] em que igualmente reforçava os valores originais do Plano Piloto e da Esplanada, a serem preservados.

Niemeyer na trincheiraEsta edição do Correio, por outro lado, parecia dar a entender que Niemeyer não apenas se sentia pessoalmente agredido, como também protegido pelas muralhas de sua história, de sua competência e sobretudo de seus amigos, mas não necessariamente com as armas da razão: Niemeyer na trincheira: “não abro mão?/em>,[38] estampava a capa do jornal em letras garrafais. O arquiteto afirmava: Eu me sinto muito apoiado pelos meus amigos, de modo que vou continuar. Estou numa trincheira e não abro mão. Sou um arquiteto, com um trabalho feito.[39] Realmente, na mesma reportagem, assinada pelo jornalista Raphael Veleda, Cláudio Queiroz vinha mais uma vez em defesa do projeto, agora articulando um discurso sobre a obra propriamente dita. Para Queiroz, a inclinação do obelisco seria suficiente para torná-lo menor que o Congresso Nacional quando visto a partir da Plataforma Rodoviária. Seria um truque arquitetônico, um toque só alcançado por gênios como o Oscar.

Ironicamente, é nesta matéria que um dos amigos de Niemeyer se manifesta contra o projeto da praça. A crítica vinha do arquiteto Carlos Magalhães,[40] representante oficial de Niemeyer em Brasília e, juntamente com Fernando Andrade, um dos responsáveis pelo seu escritório local. Magalhães, talvez justificadamente desejoso de que a polêmica tivesse fim, disparava: O Oscar é muito grande para se submeter a essa bobagem. Ele tem que compreender que Brasília não é mais dele e está se defendendo sozinha. O desenrolar dos fatos nos dias seguintes demonstraria que a apreensão de Magalhães procedia.

A esta altura do debate, os diversos envolvidos já davam entrevistas a emissoras de rádio e televisão, reforçando seus pontos de vista. Enquanto a professora Sylvia Ficher insistia no telenoticiário local que as obras públicas deveriam ser realizadas por meio de concurso público, Cláudio Queiroz seguia tentando explicar o truque arquitetônico de Oscar. Entretanto, o foco do debate havia sido definitivamente deslocado para a questão do patrimônio histórico e artístico, e a próxima rodada se concentraria no detalhamento deste tema. Os tradicionais defensores e detratores do projeto de Brasília eram unânimes em concordar que a praça não estava de acordo com os princípios fundadores da cidade, conforme tombada pela Unesco em 1987, a divergência passaria a ser agora acerca da propriedade ou não da alteração por um de seus supostos autores.

A campanha do Correio prosseguia, e no dia seguinte o assunto novamente seria manchete: Debate sobre praça chega ao Planalto.[41] Segundo o jornal, o governador levaria o assunto ao presidente Luís Inácio Lula da Silva, em reunião entre os dois agendada para o dia 6 de fevereiro ?duas semanas em seguida. A discussão político-ideológica esteve sempre margeando o debate sobre a Praça da Soberania. Não apenas o fato político em si de uma obra de vulto como esta junto ao centro de decisões do país, mas também o engajamento político do comunista Niemeyer e sua relação pessoal com dirigentes de ideologia diversa. De fato, conhecedor do capital simbólico de seu afeto, Niemeyer sempre retribuiu com amizade a generosidade dos gestores em convidá-lo a projetar ?pelo menos em entrevistas a jornais. Assim, não apenas Juscelino Kubitschek foi seu amigo, mas também o foram o governador de São Paulo, Orestes Quércia ?que lhe encomendou o Memorial da América Latina ? e o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz ?responsável pela encomenda do Setor Cultural Sul. Agora o governador José Roberto Arruda e o Secretário de Cultura Silvestre Gorgulho eram tratados por amigos nas entrevistas ao Correio. O amigo Arruda entretanto parecia não retribuir a confiança do arquiteto, deixando-o sozinho no debate sobre a Praça.

Questionado sobre a aprovação instantânea do projeto de Niemeyer no escritório de Copacabana, José Roberto Arruda já declarara em entrevista à Secretaria de Comunicação da UnB, na segunda-feira,[42] que o GDF não dispunha de previsão orçamentária para a execução do projeto da Praça da Soberania. Agora desejava compartilhar o ônus político pela obra grandiosa com o presidente Lula ?que, segundo Niemeyer, havia encomendado o Memorial dos Presidentes. No dia seguinte, entretanto, o Palácio do Planalto negaria a presença do assunto na pauta da reunião.

Outro aspecto de fundo político dizia respeito à ideologia do próprio arquiteto, considerado figura histórica do PCB. Niemeyer é de uma geração antiga do Partidão de defesa do comunismo do sentido lato, cujos valores hoje talvez soem ingênuos. Para alguns dessa geração, a construção de monumentos públicos de acesso livre à população é um ato de socialização da construção civil, é a construção de edifícios para o povo.[43]

Talvez esta lente seja a única pela qual seja possível compreender não apenas os argumentos vindouros de Niemeyer para justificar a Praça da Soberania, mas também a posição de outros defensores de mesma estirpe, como Frank Svensson, que assim comentou o texto de Sylvia Ficher na revista mdc: Para mim a preocupação de fundo de Oscar Niemeyer, arquiteto engajado politicamente, é de como afirmar arquitetonicamente a atualíssima questão da soberania nacional! Para quem não desposa desse engajamento é compreensivel que os valores e critérios de julgamento sejam outros.[44] Esta afirmação de Soberania, entretanto, manifestada logo após a já mencionada publicação de um texto indulgente a Joseph Stálin, não foi vista com bons olhos não apenas por arquitetos, mas pela população em geral e por jornalistas como Elio Gaspari.

Para estas pessoas, especialmente sensibilizadas pela força do chavismo na América Latina, a Praça da Soberania era mais uma expressão de totalitarismo ?acusação frequentemente feita à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes ?que um espaço para o povo. Com esse cenário político de fundo compreendem-se os motivos da grande abrangência de uma polêmica, em princípio, arquitetônica: tratava-se tanto de um ato de revolta contra as arbitrariedades do governo populista local, quanto um ato de repúdio político à recente defesa de Stálin feita pelo arquiteto.

Se nesse dia o viés político da reportagem do Correio parecia desviar o debate para este campo, na mesma página constava um artigo de outro ex-colaborador de Oscar Niemeyer que também frequentara as esferas do patrimônio brasiliense. Nada menos que o redator do decreto de tombamento do Plano Piloto: Ítalo Campofiorito.

Num breve texto intitulado Quando o novo não desfigura o moderno,[45] Ítalo fazia uma repreensão às autoridades do patrimônio que haviam se manifestado a respeito do assunto, argumentando que somente a decisão do Conselho Consultivo do IPHAN ?órgão máximo do Instituto ?poderia constituir parecer definitivo do mesmo sobre o assunto. Ítalo, entretanto, não se furtava a apresentar um argumento de autoridade no texto ?sintonizando-se assim com as demais argumentações em favor da Praça. O arquiteto explicava que na legislação de preservação de Brasília se vedam construções no “canteiro central verde? na intenção óbvia de evitar futuras edificações espúrias que prejudicassem a integridade visual e artística da Sede do Congresso. Posso testemunhar da intenção, já que a redação em pauta copia a do decreto, que é de minha lavra.

Houvesse sido concluída neste ponto, a polêmica em torno à Praça da Soberania talvez não houvesse afetado a visão que os brasilienses e arquitetos guardavam de Oscar Niemeyer e de seus projetos. O arquiteto se notabiliza há tempos tanto pelo hábito de interferir em espaços cívicos com ousadia quanto pelo absoluto descaso pela preservação de sua própria obra. Ele ainda é Oscar Niemeyer: o mais fecundo inventor de formas de nossa arquitetura, o inesgotável improvisador de soluções, o ‘playboy?endiabrado[46] com uma experiência profissional inigualável no mundo. Levar o tema da Praça para a discussão nas altas esferas de órgãos de preservação possivelmente implicaria em sua aprovação ?se nela se empenhasse o arquiteto tão influente no IPHAN. E com o tempo a população certamente se acostumaria à nova leitura que a Praça da Soberania ofereceria da Esplanada.

A campanha do Correio Braziliense, entretanto, demandava novas manchetes e mais combustível para a polêmica. No dia seguinte, a manchete do jornal estampava uma frase de Niemeyer: “A briga está boa?/em>.[47] O texto publicado nesta edição de 30 de janeiro seria o primeiro de uma série de declarações do arquiteto que refletiam ou uma profunda desarticulação de idéias ou uma intenção clara de alteração no modo de se pensar o patrimônio arquitetônico e urbanístico de Brasília.

A briga está boaO título ?Uma explicação necessária[48]– dá a entender que se trata do tradicional texto arrazoado homônimo que acompanhava os projetos de arquitetos da geração de Niemeyer. O arquiteto pouco explica de seu projeto, no entanto. Primeiramente, deixa claro que se trata de uma encomenda do Correio, que insiste para que ele escreva alguma coisa sobre essa celeuma que está ocupando este jornal. Logo, Niemeyer evoca as defesas que solicitara a Ítalo Campofiorito, Lelé e Glauco Campello, e estabelece um diálogo socrático ?recurso caro ao arquiteto desde a década de 1970 ?como se um amigo lhe pedisse para comentar o Plano Piloto, dividido entre pobres e ricos. Os primeiros em seus apartamentos confortáveis ligados às escolas, ao comércio local, como convém; os outros, mais de três milhões de brasileiros, esquecidos pelas cidades-satélites sem escolas, postos de saúdes e as áreas de recreio indispensáveis.

Era o discurso do comunista que voltava à tona. À primeira vista, a colocação parecia fora de lugar ?afinal, Oscar não deixara claro em que a Praça da Soberania contribuiria para a redução das desigualdades. A já mencionada visão popular que Niemeyer tem da construção de monumentos, entretanto, torna coerente o discurso. Em seguida, Oscar se lançava ao auto-elogio ao falar da importância e visibilidade que suas obras têm no exterior. Por fim, Niemeyer afirma ter sugerido ao amigo Silvestre Gorgulho a criação de uma comissão de arquitetos da melhor categoria que se incumbisse dos problemas da arquitetura e do urbanismo desta cidade, encaminhando as soluções que lhes pareçam mais justas e necessárias.

Neste momento, o arquiteto parecia não tomar conhecimento da existência do já mencionado Conplan, órgão encarregado de tratar das questões urbanísticas do Distrito Federal. Embora Sylvia Ficher e Jorge Guilherme Fancisconi dele fizessem parte, era público e notório que se tratava de um colegiado formado majoritariamente de membros do governo, e por representantes da sociedade civil indicados pelo próprio governador, que submetiam suas decisões ao Secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio-Ambiente, a quem cabia acatá-las ou não. Niemeyer parecia ignorar também a sugestão de seu amigo Ítalo Campofiorito, de tratar da querela no Conselho Consultivo do IPHAN. A sugestão de Niemeyer desqualificava não apenas a competência de seus críticos, mas também os órgãos que poderiam jogar a seu favor.

A mesma página do jornal trazia uma reportagem introduzindo o tema e mencionando cautelosas declarações do ex-presidente do IAB-DF Otto Ribas, para quem o problema não seria a construção da praça, mas do obelisco. Trazia ainda um curto texto do Instituto Histórico e Geográfico do DF ?assinado por ninguém menos que o ex-diretor da Novacap, Ernesto Silva. Juntamente a Affonso Heliodoro Santos, o pioneiro ressaltava a contrariedade da proposta de Niemeyer ao Plano Piloto original tombado, motivo pelo qual o IHG-DF era contrário a sua execução.[49]

No dia seguinte, sábado, o ritmo frenético do Correio parecia haver esgotado a produção recente de novas manifestações qualificadas sobre a questão da Praça da Soberania. Mas isso não significava o abandono do tema. Ao contrário, a jornalista Graça Ramos oportunamente usou-o para trazer à tona uma antiga proposta do paisagista Roberto Burle-Marx para a Esplanada.[50] No projeto, em lugar do gramado constava uma espécie de parque, com lagos, pontes e árvores. Embora se tratasse de proposta evidentemente descabida no contexto atual, Graça Ramos aproveitava o ensejo para relembrar que no ano de 2009 seria celebrado o centenário do paisagista, e que diversos eventos e publicações marcariam a efeméride. A edição do jornal trazia ainda trechos de uma entrevista com Maria Elisa Costa,[51] que reforçava os pontos de vista expressados na carta a Oscar, anteriormente publicada. Para a urbanista, o monumento poderia ser implantado em outro lugar, e não na Esplanada. A partir do diagnóstico social de Niemeyer no artigo anterior, ela sugeria Taguatinga ?centro demográfico do Distrito Federal ?como local apropriado.

No dia seguinte, Niemeyer publicaria seu terceiro texto sobre a Praça, intitulado pelo jornal de Contraste incômodo.[52] Nele, o arquiteto refutava a possibilidade de realizar o monumento ou a praça em outros lugares e insistia, evocando até mesmo a memória de Juscelino Kubitschek, que a demanda e a decisão de construir eram do governador. Com esta manobra, Niemeyer transferia para Arruda o ônus político e o bônus popular da realização do projeto e da obra. Reforçava ainda o pedido de criação de uma comissão de notáveis para avaliação do desenvolvimento urbano da cidade, com a qual ele daria por bem-sucedida esta luta. Mas Arruda já se havia entrincheirado ele mesmo na evasiva da questão orçamentária, deixando o arquiteto sozinho.[53]

O Correio começaria então a dar mostras de incapacidade de gerar matérias sobre o tema no mesmo ritmo que antes. Numa pequena reportagem,[54] a jornalista Nahima Maciel extraia de Cláudio Queiroz a declaração talvez mais jocosa de todo o debate, ao sugerir que fosse, de fato, criada a comissão sugerida por Niemeyer, e que seus integrantes fossem Glauco Campello, Ítalo Campofiorito e Lelé. Na mesma página, o advogado Reginaldo de Castro apresentava argumentos jurídicos para demonstrar,[55] citando como norma um texto de Glauco Campello, a viabilidade legal da execução da Praça da Soberania, conforme proposta por Niemeyer.

Tombamento de Brasília é uma besteiraO elemento de choque desta segunda-feira, 2 de fevereiro, entretanto, não estaria no Correio, mas novamente na Folha de S.Paulo. O jornal paulista trazia uma entrevista exclusiva com Oscar Niemeyer, realizada no domingo por Denise Menchen.[56] O título atribuía a Niemeyer uma frase não encontrada na entrevista:?em>Tombamento de Brasília é uma besteira.?O arquiteto colocaria em desfile vários dos temas e máximas recorrentes em seus textos ao longo de mais de setenta anos de carreira, mas sem conseguir concatená-los com a coerência de costume. E iniciaria seu discurso ?antes de qualquer pergunta do jornalista ?criticando a desigualdade social de Brasília, segundo seu entendimento refletida na exclusão dos pobres do Plano Piloto. Entretanto, quando perguntado sobre a relação da Praça da Soberania com a solução do problema da desigualdade, o arquiteto diria que a ela era indispensável, por faltar a Brasília uma praça importante, como em todas as cidades do mundo existe. Ao ser questionado sobre a alteração no Plano Piloto representada pela obra, o arquiteto afirmava que ali é o lugar certo, não está perturbando nada. Em dois momentos, Niemeyer se justifica pela sua própria importância e pela importância de seus defensores (Italo, Glauco, Lelé, Jayme Zettel). Se a defesa com evasivas e argumentos de autoridade decepcionava, os ataques do arquiteto na entrevista surpreenderiam. Inicialmente, Niemeyer atacava o tombamento da cidade (o mesmo tombamento que lhe garantia a contratação por notória especialização): uma cidade não pode ser tombada porque sempre aparecem modificações. Em seguida, atacaria a Plataforma Rodoviária, projeto de Lucio Costa constante já Plano Piloto original, que articula o cruzamento entre os Eixos Monumental e Rodoviário: a rodoviária não é um prédio importante. O que caracteriza Brasília são os palácios. É desnecessário assinalar que o ataque de Niemeyer à cidade e ao seu tombamento não contariam a seu favor perante a opinião pública. Mais que isso, afirmar que a cidade mais monumental do país carece de uma praça monumental soava no mínimo curioso. Afinal, apenas no Eixo Monumental, há a Praça do Buriti, a praça da Torre de Televisão, as praças elevadas da própria Plataforma Rodoviárias e, evidentemente, a Praça dos Três Poderes. Além disso, Brasília possui praças gigantescas projetadas por Burle-Marx praticamente em desuso, como a Praça de Portugal ?junto ao Setor de Embaixadas ?e a Praça Duque de Caxias ?no Setor Militar Urbano. A entrevista havia, ao fim e ao cabo, encurralado o arquiteto contra seus próprios argumentos.

Enquanto isso, no mesmo dia, o arquiteto e ex-professor da FAU-UnB, Ricardo Farret, publicava na revista mdc o pequeno texto Espaço público e imaginário social,[57] em que comentava o surpreendente desenrolar público do debate, relembrava polêmicas análogas que ele mesmo tivera a oportunidade de travar com Oscar Niemeyer (quando da reforma da Catedral Metropolitana de Brasília), e sobretudo apontava para o fato de que o Governo do Distrito Federal está se especializando em apresentar propostas urbanísticas por meio da imprensa, sem que se saiba as suas razões e grau de prioridades. Estão aí o Plano Lerner, a retomada do Projeto Orla, para citar só dois exemplos. A oportuna lembrança de Farret trazia à tona um dos problemas mais prementes na preservação do Plano Piloto de Brasília: a ausência de um Plano Diretor ou de um Plano de Preservação claro.[58]

As respostas à entrevista de Niemeyer começaram a vir à tona no dia 4 de fevereiro. A revista mdc publicou em sua seção Ensaio e Pesquisa o texto de Andrey Schlee A praça do ‘maquis?/a>.[59] Tratava-se de um trabalho escrito um ano e meio antes para apresentação em um seminário em que o pesquisador apresentava a Praça dos Três Poderes em seu desenho original de Lucio Costa ?como platô construído frente à paisagem natural do cerrado ? bem como as origens deste desenho em fortificações e praças coloniais implantadas à beira do mar. Em seguida, demonstrava como as sucessivas adições de edifícios como o Panteão da Pátria, o anexo do STF e a Procuradoria-Geral da República vinham liquidando com o cerrado e descaracterizando a praça. A publicação do texto pela revista era claramente uma resposta à afirmativa de que a cidade necessitava de uma nova praça. Schlee publicou simultaneamente um novo texto de opinião, intitulado Não se preocupe em entender,[60] retornando a uma interpretação da Praça da Soberania e do Complexo Cultural da República como expressões de uma arquitetura concebida com nada de detalhes, nada de filigranas por razões puramente plásticas, artísticas. O pesquisador partia de um paralelo com as imagens dos quadros de De Chirico para evidenciar a aridez das plataformas de concreto carentes de paisagismo em Brasília, onde as coisas estão dispensadas de lógica funcional e situadas no mágico sossego de seu isolamento.

Niemeyer desiste da praça na EsplanadaAs refinadas críticas de Andrey Schlee infelizmente ficariam apenas como registro histórico. O debate propriamente dito havia sido concluído na edição do Correio Braziliense daquele mesmo dia, com a manchete ?sobre uma foto do arquiteto ?ocupando toda a primeira página do jornal: Niemeyer desiste da praça na esplanada.[61] A capitulação foi publicada dentro de uma reportagem de Nahima Maciel,[62] com o pequeno texto de Niemeyer intitulado Decisão.[63] Nele, o arquiteto reafirmava seus argumentos em favor do projeto e relembrava a solidariedade de seus amigos, como Lelé. Em que pesasse a segurança em suas propostas Niemeyer lera nos jornais que o governador José Roberto Arruda, por falta de verba e de tempo, reconhecia ser agora impossível realizar a construção da praça que tanto desejava. Daí a desistência do debate. Em todo caso, o projeto continuaria a ser desenvolvido normalmente, na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a ser cogitada. Entretanto, as declarações do governador não eram fato novo. Tudo leva a crer que a desistência certamente ocorrera em função da repercussão negativa da entrevista na Folha. Além disso, era um alívio para Niemeyer poder voltar a seus afazeres cotidianos.

Nos dias que se seguiram, muitos dos que vinham debatendo compartilharam do alívio com o fim do debate, elogiando no Correio a decisão do arquiteto. No dia 5 o jornal fez um apanhado de declarações dos envolvidos na querela.[64] No dia seguinte, Maria Elisa Costa ainda reforçaria uma defesa talvez preparada na segunda-feira, afirmando que a Esplanada já tem sua praça: a plataforma Rodoviária.[65] Um toque final de humor ainda foi acrescentado com a divulgação,[66] no sábado 7 de fevereiro, de que o carnavalesco Joãosinho Trinta havia proposto a Niemeyer a realização de um carro alegórico da Praça da Soberania, a ser colocado em evolução da Escola de Samba Beija-Flor em 2010. No carro, todos os ex-presidentes ainda vivos seriam convidados a desfilar como destaques.

No domingo, dia 8 de fevereiro, foram ainda publicados no caderno de cultura do jornal Estado de São Paulo um texto de Hugo Segawa ?provavelmente escrito antes do fim da polêmica ?intitulado Por um olhar desimpedido,[67] acompanhado por uma entrevista do diplomata André Corrêa do Lago. O historiador Segawa fazia uma retrospectiva histórica da Esplanada e da Plataforma Rodoviária, retomando seus valores fundamentais, expressados na legislação vigente do patrimônio, concluindo que se a Praça da Soberania viesse a soerguer-se no local originalmente planejado, o viajante não mais vislumbraria o eixo monumental. Veria a fachada envidraçada do Memorial dos Presidentes. A entrevista do diplomata Corrêa do Lago,[68] permeada pelo mesmo espírito encomiástico que vinha dominando as matérias realizadas após a decisão de Niemeyer, continha uma sentença premonitória: os gênios jamais jogam a toalha.

Salvo manifestações esporádicas já fora do calor da disputa, pouco se falaria da Praça da Soberania nos meses seguintes. A pedido dos editores da revista mdc, Cláudio Queiroz escreveria um arrazoado sobre a praça, intitulado Praça da Soberania – assertivas,[69] explicando suas declarações feitas em entrevistas durante o debate. Para Queiroz, o projeto era um gesto finalístico destinado a promover a restauração da própria Esplanada e de suas principais visuais, em que a própria verticalidade das torres do Congresso estariam intimidadas, em presença das principais edificações dos setores bancários e hoteleiros. O obelisco cumpriria ainda a função de restaurar, por contraste arquitetônico a volumetria do centro cívico face a linearidade elegante da Rodoviária restabelecendo a totalidade urbana, anteriormente marcante, pela ligação virtual com a Torre de TV, cuja expressão, valor e significado diluíram-se, após a evolução conclusiva dos setores hoteleiros e bancário.

Mas Niemeyer voltara a seus afazeres: realizava novos projetos, acompanhava as obras em andamento ?sobretudo as de Niterói ?e organizara mais um livro com uma coletânea de seus trabalhos recentes, a ser lançado na galeria de sua filha, Ana Maria, no final de maio. Um pouco antes do lançamento, o arquiteto gentilmente convidou os professores e estudantes da UnB para realizar uma visita às obras de Niterói, onde ele daria uma palestra sobre seu trabalho. O convite, feito por João Filgueiras Lima, foi aceito pelos acadêmicos, que no dia 29 de maio eram recebidos por Niemeyer no Caminho que leva o seu nome na cidade fluminense.

Soberania-Perspectiva-1No final da palestra, Niemeyer apresentou seu projeto para a Praça da Soberania, na verdade nada menos que uma nova proposta, também era publicada na edição do Correio Braziliense daquele dia com a manchete Niemeyer muda Praça da Soberania.[70] No projeto, o obelisco, com a mesma forma mas com cinquenta metros a menos, ficava deslocado do eixo da Esplanada. O Memorial do Cinquentenário e o Memorial dos Presidentes eram deslocados para as laterais do canteiro central dois blocos longitudinais ?um curvo, com uma marquise, e outro reto, elevado sobre pilotis. Na mesma semana ainda havia sido lançado o quarto número da revista Nosso Caminho, que Niemeyer e sua esposa vinham editando desde 2008, em que o arquiteto publicava a nova versão do projeto.

Soberania-Perspectiva-2

No dia seguinte, o Correio Braziliense publicava uma matéria de uma página sobre a visita do grupo da UnB ao Rio no dia da apresentação do projeto.[71] Uma foto, de autoria do Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, mostrava os estudantes e professores em volta do arquiteto, e o texto jornalístico de Diego Amorim e Gizella Rodrigues ?com títulos como A praça não interfere no Plano Piloto e Espaço a ser completado ?dava a entender que havia consenso sobre o a nova proposta. Aos olhos da opinião pública, o projeto teria obtido a aprovação de alguns de seus maiores críticos: os professores da UnB. Era uma verdadeira ação coordenada de Niemeyer para apresentar e aprovar publicamente seu projeto quatro meses após o fim da polêmica inicial.

A praça não interfere no Plano PilotoO texto explicativo que acompanhava o projeto não foi publicado no jornal, embora estivesse exposto na galeria de Ana Maria Niemeyer no Rio de Janeiro. Seu título, não menos afirmativo, era: Uma modificação irrecusável. Nele, o arquiteto explicava como havia alterado o projeto em função das críticas recebidas, conforme ele mesmo dava a entender em sua entrevista no Correio: Encontrei uma forma de conduzir melhor o trabalho. Coincidentemente, alguns pontos correspondem à questão de visibilidade que eles (arquitetos que criticaram o projeto) tanto defenderam.Tudo indicava que o debate seria reacendido, caso o próprio governador José Roberto Arruda não houvesse colocado uma pá de cal no assunto. No dia 31 de maio, domingo, na capa do Correio constava a nota: governador diz que, por falta de recursos, obra não será construída na sua gestão.[72]

Não obstante, dez dias depois o presidente do IAB-BA, Paulo Ormindo Azevedo ?referência nacional na área de patrimônio histórico ?publicaria na revista mdc o texto intitulado Niemeyer não dorme nos louros…[73] Para Azevedo, a reação crítica à proposta de Niemeyer fora movida em grande parte por uma dissimulada “oscar-jeriza?/em>. O arquiteto fazia coro com Cláudio Queiroz, classificando a obra de um complemento e uma correção, e traçando um paralelo entre o obelisco do cinqüentenário e o monumento a George Washington, no mall da capital norte-americana. Azevedo desloca ainda o problema da área do patrimônio histórico, afirmando que, se nas décadas de 1940 a 1960 tivéssemos a burocracia preservacionista que temos hoje no plano federal e estadual, não seria construída a Pampulha.

Na semana seguinte, também na revista mdc, o arquiteto e pesquisador da FAU-UnB, Eduardo Rossetti, publicaria na revista mdc o último texto especializado de que temos notícia sobre o assunto, intitulado Oscar Niemeyer além da crônica de uma praça anunciada.[74] Rossetti parte de um breve histórico sobre a polêmica da praça, para concluir que, ao fazer uma nova proposta, o arquiteto simplesmente fizera questão de dar a última palavra sobre o assunto. A partir da praça, era feita então uma avaliação panorâmica da produção recente de Niemeyer, com programas cada vez maiores e mais complexos e soluções mais simples, em que Niemeyer assinala a permanência de suas estratégias projetuais, especulando, depurando, reforçando e ampliando o seu reconhecido repertório formal. Para Rossetti, entretanto, a ênfase na questão formal era um reducionismo em si mesma, concluindo que em meio às decisões excludentes e às subordinações que regem o ato de projetar ?ou seja, elaborar a invenção arquitetônica ?a forma continua a ser a questão fundamental que Oscar Niemeyer propõe e deixa a todo o campo, para além da crônica de uma praça anunciada, efetivamente.

Os demais polemistas entretanto pareciam ter acompanhado a declaração de Sylvia Ficher sobre o assunto: Não faz mais sentido eu ficar dando opinião, dizendo se o projeto é bom ou ruim, se melhorou ou piorou. Quem tem que decidir se vai ou não fazer é o Iphan e o GDF.[75] De fato, o debate aparentemente retornou para as esferas da arquitetura e da Administração Pública. Até o presente momento, em todo caso, não se tem notícia de qualquer encaminhamento do projeto para avaliação pelos órgãos de patrimônio.

A rigor, o debate sobre a Praça da Soberania evidenciou o longo caminho a ser percorrido pelo campo arquitetônico brasileiro até que se possa realizar um debate público efetivo sobre seus valores. O primeiro problema foi a dificuldade em definir o que deveria ser discutido. A questão das contratações de projetos de obras públicas sem licitação ou concurso ?o cerne da crítica inicial de Sylvia Ficher ?parece continuar sendo um tabu no campo da arquitetura.

Um segundo problema aparente é a incompreensão generalizada em nosso meio sobre os processos de contratação da Administração Pública, e frequentemente em debates sobre o tema os argumentos passam pelo viés do juízo de valor pessoal sobre a qualidade da obra do arquiteto ou dos arquitetos em questão. O personalismo, os privilégios e idolatrias herdados dos oligopólios coloniais parecem persistir entre nós mesmo no trato da coisa pública. E mesmo ao discutir valores que, até por uma questão de autonomia de campo, deveriam ser tratados de maneira sistemática, arrazoada e demorada, os arquitetos e gestores públicos preferem arriscar-se a declarar publicamente suas opiniões particulares imediatas sobre temas em que deveriam se manifestar como técnicos e como administradores do espaço público ?mais que como políticos.

Em todo caso, é através da prática saudável do debate público, como o que teve início na Praça da Soberania ?e não das negociatas a portas fechadas ?que se pavimenta o caminho necessário para a construção de um campo arquitetônico mais republicano e de arquitetos mais envolvidos com sua própria cidadania que com questões endógenas. Esperamos todos que este tenha sido apenas o início de uma série de discussões que podem passar a ter lugar a cada grande obra pública. Os meios de comunicação estão abertos para isso e a população está desejosa de discutir a construção de suas cidades. Resta saber da disposição dos arquitetos para o debate.


notas

[1] Texto apresentado em setembro de 2009 no 8º Seminário Docomomo Brasil, na mesa Brasília: cidade real, cidade tombada, objetivando realizar uma síntese da polêmica, dando a conhecer ao público nacional o seu desenrolar local.

[2] Miranda, “Novo marco na esplanada.?e Macedo, “Brasília: Oscar Niemeyer projeta nova praça na Esplanada dos Ministérios.?/p>

[3] Mader, “Novo bairro aproveita lições do laboratório – Entrevista: Paulo Zimbres.?/p>

[4] Mader, “Presente verde.?/p>

[5] Toscano, “Começa em 15 dias obra da nova rodoviária.?e Reis, “Terminal Rodoviário de Brasília.?/p>

[6] Campos, “Complexo substituirá o Buritinga em 2009.?/p>

[7] Naves, “Sinal Verde.?/p>

[8] Correio Braziliense, “A capital do futebol.?/p>

[9] Niemeyer, As curvas do tempo, 111.

[10] IPHAN, Portaria n.314, de 08 de outubro de 1992 (Art.8º, §3º)

[11] Ficher, “Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.?/p>

[12] Ficher, “Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.?/p>

[13] Gaspari, “A praça da soberania de Niemeyer.?/p>

[14] Niemeyer, “Quando a verdade se impõe.?/p>

[15] Holanda, “A praça do espanto.?/p>

[16] Magalhães acabara de concluir um mestrado sobre a obra de um dos colaboradores de Niemeyer: o arquiteto Milton Ramos.

[17] Magalhães, “Pela soberania do vazio.?/p>

[18] Freitas, “Niemeyer versus Niemeyer.?/p>

[19] Cf. //28ers.com/2009/01/12/oscar-niemeyer-e-brasilia-criador-versus-criatura/#comment-56

[20] Ouroussoff, “Even if his own work isn’t broken, a brazilian architect fixes it.?/p>

[21] Francisconi e Ficher, “Verso e reverso em Niemeyer.?/p>

[22] Niemeyer, “A nova praça para Brasília.?/p>

[23] Campos, “Mensagem ao arquiteto Oscar Niemeyer.?/p>

[24] Campello, “Praça da Soberania.?e Campello, “A Praça de Niemeyer em Brasília.?/p>

[25] Correio Braziliense, “Praça na Esplanada inflama Brasília.?/p>

[26] Freitas, “Soberana Brasília.?/p>

[27] Freitas, “Niemeyer, 101 anos, 66 obras.?/p>

[28] Freitas, “Concepções divergentes.?/p>

[29] Costa, “Carta de Maria Elisa Costa a Oscar Niemeyer.?/p>

[30] Para desenvolvimento deste tema, Cf. Pessoa, “Brasília e o tombamento de uma idéia.?/p>

[31] Macedo, “Projeto da Praça da Soberania será investigado pelo Ministério Público.?/p>

[32] Carvalho, “Projeto de praça de Niemeyer para Brasília é ilegal, diz Iphan.?/p>

[33] IPHAN, Portaria n.314, de 08 de outubro de 1992 (art.3º, V)

[34] Lima, “Mais uma obra-prima.?/p>

[35] Cf. Niemeyer, “Criticada a arquitetura brasileira : fala Oscar.?/p>

[36] Schlee, “De obeliscos e espetos ou ‘Para se espantar e curtir’.?/p>

[37] Ribeiro, “Cavalos de Tróia.?/p>

[38] Correio Braziliense, “Niemeyer na trincheira.?/p>

[39] Veleda, “Niemeyer assume a defesa do seu projeto.?/p>

[40] Não se confunda Carlos Magalhães, colaborador de Niemeyer desde a década de 1950 com Carlos Henrique Magalhães, o jovem pesquisador a escrever Pela soberania do vazio.

[41] Correio Braziliense, “Debate sobre praça chega ao Planalto.?e Veleda, “Arruda quer opinião de Lula sobre a praça.?/p>

[42] Notícia apagada dos arquivos do website.

[43] Para um desenvolvimento desse tema, veja-se a seção Teoria em: Pereira, Arquitetura, texto e contexto, 148-153

[44] Cf. //28ers.com/2009/01/12/oscar-niemeyer-e-brasilia-criador-versus-criatura/#comment-158

[45] Campofiorito, “Quando o novo não desfigura o moderno.?/p>

[46] Expressão do crítico de arte Mario Pedrosa em: Pedrosa, “O depoimento de Oscar Niemeyer – II,?294

[47] Correio Braziliense, “A briga está boa.?/p>

[48] Niemeyer, “Uma explicação necessária.?/p>

[49] Tecles, “Niemeyer contra-ataca.?/p>

[50] Ramos, “Um parque na Esplanada.?/p>

[51] Tecles, “Obelisco em Taguatinga.?/p>

[52] Niemeyer, “Contraste incômodo.?/p>

[53] Arruda, “A boa polêmica.?/p>

[54] Maciel, “Proposta de comissão divide os arquitetos.?/p>

[55] Castro, “Breves notas sobre a Praça da Soberania.?/p>

[56] Menchen e Niemeyer, “Oscar Niemeyer: tombamento de Brasília é uma besteira.?/p>

[57] Farret, “Espaço público e imaginário social « mdc . revista de arquitetura e urbanismo.?/p>

[58] Produto atualmente em elaboração por um escritório gaúcho de planejamento contratado por licitação de técnica e preço pelo GDF.

[59] Schlee, “A praça do maquis.?/p>

[60] Schlee, “Não se preocupe em entender.?/p>

[61] Correio Braziliense, “Niemeyer desiste da praça na Esplanada.?/p>

[62] Maciel, “Niemeyer abre mão da polêmica praça.?/p>

[63] Niemeyer, “Decisão.?/p>

[64] Sallum, “Elogios à decisão de Niemeyer.?/p>

[65] Freitas e Rebello, “A Esplanada já tem sua praça.?/p>

[66] Correio Braziliense, “E a praça de Niemeyer pode parar na Sapucaí….?e Macedo, “Esplanada em transe : Praça da Soberania será carro alegórico no carnaval de 2010.?/p>

[67] Segawa, “Por um olhar desimpedido.?/p>

[68] Greenhalg, Gama, e Lago, “Os gênios jamais jogam a toalha – Estadao.com.br.?/p>

[69] Queiroz, “A Praça da Soberania : assertivas.?/p>

[70] Correio Braziliense, “Niemeyer muda Praça da Soberania.?e Dubeux e Niemeyer, “Uma nova praça – entrevista.?e Macedo, “Oscar Niemeyer propõe segundo projeto para a Praça da Soberania.?/p>

[71] Rodrigues, “Praça muda, polêmica não.?e Amorim e Rodrigues, “A praça não interfere no Plano Piloto.?/p>

[72] Mader e Borges, “Praça de Niemeyer sai dos planos.?/p>

[73] Azevedo, “Niemeyer não dorme nos louros?« mdc . revista de arquitetura e urbanismo.?/p>

[74] Rossetti, “Oscar Niemeyer além da crônica de uma praça anunciada.?/p>

[75] Rodrigues, “Praça muda, polêmica não.?/p>


referências bibliográficas

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Agradeço a Sylvia Ficher por haver gentilmente cedido seu levantamento bibliográfico sobre o debate sobre a Praça da Soberania: mais amplo que o aqui apresentado e para o qual serviu de base.


danilo matoso macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

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Marcelo Montiel

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Não vejo a Praça da Soberania como uma tragédia para Brasília. Pelo contrário, é um belo presente para a cidade, talvez o último de Niemeyer. Acredito que o princípio da espacialidade infinita do canteiro central da esplanada cantada por Vinicius e pintada por Wagner Hermuche vai continuar.

Todas as grandes cidades vêm sofrendo mudanças significativas. São Paulo foi implodida e reconstruída 2 vezes! Em Brasília, não só o tipo de rodoviária, toda a área central idealizada por Lucio Costa mudou. A distância no projeto original entre os ministérios não passava dos 150m, na esplanada construída tem 300 metros. O próprio Lucio Costa, com toda sua modéstia, afirma ter se enganado ao imaginar um centro requintado para Brasília: Quem tomou conta do centro foram os “brasileiros verdadeiros que construíram a cidade… Eles estão com razão, eu é que estava errado…o sonho foi menor do que a realidade…”.

O Congresso Nacional voltado para a Esplanada dos Ministérios sinaliza para o regime parlamentarista. Do contrário, lá deveria estar o Palácio do Planalto. Essa área da esplanada tem as características de uma “praça monumental? Lá, “naturalmente? acontecem as maiores manifestações. Niemeyer apenas seguiu o senso comum ao propor uma “praça?no início do canteiro central. A proximidade da praça com a rodoviária é significativa, é lá que os “verdadeiros brasileiros?estão. Sua proposta valoriza a imagem universal da Esplanada, ao fundo. A pregnância dessa imagem será reforçada justamente pela localização da praça. A vista da praça é mais privilegiada do que da rodoviária, de onde não se vê mais nada, apenas ônibus. A melhor vista, da rodoviária, é na plataforma onde todos passam às pressas, de automóvel. A vista mais emblemática (da Torre de TV) ainda não foi explorada com o “obelisco?

Niemeyer pode interferir no canteiro central, a um 1 km da Esplanada Monumental? Até hoje não sabemos se Oscar e Lucio se encontraram antes da entrega do projeto vencedor para a nova capital. O esboço de Lucio Costa para o Congresso já era o congresso projetado por Niemeyer! Sabemos que Oscar recusou o convite de JK para projetar a cidade inteira, preferiu um concurso, os projetos principais e o poder de decisão. O brilhante projeto do Plano Piloto da Nova capital não foi escolhido transparentemente, tanto é que o representante do IAB pediu demissão da comissão.

A Praça da Soberania nasce da necessidade soberana de um estacionamento para as áreas centrais. Niemeyer não projeta uma praça funcional, mas conceitual. A crítica às “formas gratuitas?parece patrulha funcionalista. Se arquitetura é arte, a discussão final é estética e a forma (soberana) estará à frente da função. A obra quando esteticamente qualificada sobrevive ao tempo, mesmo com tropeços funcionais (é o caso da belíssima Catedral de Brasília, e seu desconforto térmico). Cabe à crítica contextualizar a obra, sabendo que não se trata de uma praça tradicional, definidas pelas edificações que a cercam. É uma praça seca, não é irrigada de sangue e pedra. É mais uma praça formal “cimentada?(anêmica), típica da criação modernista (que repele a natureza), e, sobretudo, de Brasília, voltada mais para a introspecção do que para a socialização (urbanidade) do dia-a-dia, para a dimensão simbólica nacional do que local.

A Praça da Soberania (influência cubana?) abriga o Memorial da República e o Museu do Progresso, de base triangular. O elemento escultórico inclinado causará espanto pela dimensão, pelo caráter fálico e pelo irracionalismo (do qual sou favorável); enfim, pela força de expressão. Vai eletrizar a Esplanada Monumental. Vale lembrar que essas formas dialogam com o lema de Brasília “Venturis Ventis?

Nos anos 1990 Moacyr Góes montou a eletrizante peça “Escola de Bufões? do belga Michel de Ghelderode. Destacava-se no cenário o enorme mastro inclinado da proa de uma embarcação (gurupés), que ameaçadoramente avançava sobre a platéia. Esteticamente Niemeyer, com seu “unicórnio? está mais para esse desconcertante cenário (de Hélio Eichbauer) do que para a tradição histórica e solene, de um obelisco. Esse elemento, o “unicórnio? não bloqueia a vista da esplanada, só pontualmente. O novo projeto não adultera o conjunto da Esplanada e do Congresso Nacional (locado assimetricamente a 1,6 Km). Interfere positivamente. O equilíbrio entre os aspectos universais e particulares do “projeto original?serão valorizados. Niemeyer não está ocupando todo o gramado da esplanada, como afirmaram. A rigor ele não está na Esplanada dos Ministérios, está no canteiro central junto à Rodoviária.

As formas da natureza nos projetos de Niemeyer revelam a forte presença do mundo antigo (normativo). Daí a sempiterna proximidade de Niemeyer com o poder, como diria o professor Theobaldo da nossa pequena escola de arquitetura e urbanismo. Como um ateu amigo de Deus, Niemeyer transita entre a cópia deliberada das “formas naturais?(com objetividade), e a invenção sutil da modernidade (mais subjetiva e particular).

Quanto ao Memorial dos Presidentes, que presidentes? Um, dois, dois e meio; prefiro Oito e Meio de Fellini. Melhor fundir o Memorial com o Museu do Progresso, afinal nossa república é pretensamente positivista. Caberia até considerar o Memorial Auguste Glaziou, nosso profeta desconhecido que em 1895 indicou com precisão o local da futura capital, além de “inventar?o Lago.

Schiller, o filósofo alemão da educação artística, nos diz que é a vontade, e não a razão, que define o ser humano. Niemeyer tem a vontade de propor novos projetos para a área tombada. Ele é o cara! Ele não é VIP, é um monstro sagrado. Esse poder, já que não é meu, é preferível com ele. Para Fela Kuti, um músico genial da Nigéria, VIP é “Vagabond in Power? e Brasília já tem muitos VIPs. O conceito estético em Niemeyer, com referência em Schiller, pressupõe um estado de liberdade para toda a sociedade, onde o homem simples e o melhor preparado são cidadãos com os mesmos direitos.

Enfim, a grande discussão que interessa: Determinados espaços de Brasília merecem melhor atenção e providências imediatas. Será que os arquitetos urbanistas e a sociedade estão preparados para esse debate? Ou é melhor chamar o Ministério Público? O espaço brasiliense pode ser revisto, sobretudo, se o tombamento não vestir a cidade com uma camisa-de-força.

O arquiteto Gladson da Rocha, de viva lembrança, sempre dizia que Brasília era uma nova acrópole, dado o número de obras primas arquitetônicas, além da beleza da cidade. Pela genialidade de sua obra, Niemeyer tem o direito de propor, mesmo agora quando sua criatividade é questionada. Hoje Niemeyer é criticado quando simplifica ou quando complexifica; ou até, como disse o Briquet que lemos, de autoplágio.

Nos últimos anos a grande Brasília tem a cara da especulação imobiliária formal com o Sudoeste e, sobretudo, com Águas “Turvas?(“o paliteiro? segundo Paviani). A especulação informal (cancerígena) nos condomínios ainda sobrevive. Graças à vontade de Oscar Niemeyer e de alguns poucos arquitetos temos minimizado esse quadro, sobretudo no Plano Piloto. A propósito, porque não fechamos um acordo (idôneo) com a UnB para tornar a futura SQN 207 um projeto de arquitetos, desígnio de Brasília, e não da especulação imobiliária? Brasília não está engessada, mesmo sendo merecidamente Patrimônio Moderno/Pós-Moderno Cultural da Humanidade.


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Marcelo Montiel
Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo FACIPLAC / UNIPLAC
Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

]]> //28ers.com/2009/09/24/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus/feed/ 0 3245 Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/07/22/concurso-internacional-%e2%80%93-liceu-frances-em-brasilia-%e2%80%93-resultado/ //28ers.com/2009/07/22/concurso-internacional-%e2%80%93-liceu-frances-em-brasilia-%e2%80%93-resultado/#respond Wed, 22 Jul 2009 04:57:04 +0000 //28ers.com/?p=3197 Continue lendo ]]> Licée français François Mitterrand

Concurso é vencido pelos escritórios
José Tabith (Brasil) e Jean Dubus (França).

Em janeiro anunciamos os finalistas do concurso realizado pelo Liceu Francês François Mitterand de Brasília para o projeto e acompanhamento de obra da nova sede da instituição na cidade. O projeto vencedor é de autoria da equipe composta pelos escritórios José Tabith (Brasil) e Jean Dubus (França).

Trata-se de um edifício com área estimada em 10.000 m2, a ser construído em terreno situado no Lago Sul de Brasília, com área de 15.000 m2. A capacidade prevista para a nova sede é de 700 estudantes. O custo estimado da obra é de R$ 17.000.000,00.

Sobre o Concurso

Por se tratar de uma instituição coordenada pela Agência de Ensino do Francês no Exterior, do Ministério de Relações Exteriores e Européias da França, o concurso segue a regulamentação daquele país. O concurso ?restrito e baseado no anonimato dos concorrentes, conforme regras do Código de Obras Públicas da França ?foi realizado em duas etapas:

Etapa 1. Seleção dos candidatos com base nas obras e projetos similares, em especial relacionados à área educacional, capacidade financeira e técnica e motivação da equipe para a realização do projeto;

Etapa 2. Seleção do melhor projeto, baseado em Estudo Preliminar apresentado pelos candidatos selecionados na fase anterior.

Veja abaixo as imagens dos finalistas.

[Esta notícia é uma parceria com o portal concursosdeprojeto.org, onde você encontra mais informações]

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1° lugar ?José Tabith + Jean Dubus

liceu-brasilia-01b

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Finalista ?Christian de Portzamparc

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Finalista ?UNA Arquitetos e Segond Guyon

liceu-brasilia-una-guyon-1

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Finalista ?Vigliecca e Associados, Rafael Lorente Mourelle, Catherine Berger e Arturo Villaamil

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Fontes: PINI e Liceu Francês de Brasília

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//28ers.com/2009/07/22/concurso-internacional-%e2%80%93-liceu-frances-em-brasilia-%e2%80%93-resultado/feed/ 0 3197
Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/ //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/#comments Wed, 17 Jun 2009 17:01:55 +0000 //28ers.com/?p=2932 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Eduardo Pierrotti Rossetti

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Plataforma Rodoviária e Esplanada dos Ministérios . foto - Eduardo Rossetti

?#8230;provisoriamente? Assim, com a indicação desta possibilidade latente é que o Arquiteto Oscar Niemeyer encerrou sua participação direta nos embates acerca de seu projeto para a ?em>Praça da Soberania?na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Somente os mais incautos poderiam supor que o maior arquiteto atuante no campo brasileiro fosse deixar a última palavra sobre seu projeto com a imprensa, com ?em>a população? com outros arquitetos ou mesmo com pesquisadores e estudiosos da arquitetura —os ?em>especialistas? Enquanto acatava ?em>provisoriamente?o veredicto sobre sua proposição para uma intervenção no vazio soberano da Esplanada dos Ministérios, Oscar Niemeyer retomava o problema para redefinir uma nova solução para a ?em>Praça da Soberania? A nova versão para esta Praça tornou-se pública em 27 de maio, quando da abertura da exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?e do lançamento do quarto número da revista Nosso Caminho, que traz em sua capa a primeira versão da Praça da Soberania. Essa nova versão foi divulgada dois dias depois pelo jornal Correio Braziliense, justamente no dia em que o Arquiteto proferiu uma aula aos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

Neste novo projeto para a Praça da Soberania, Oscar Niemeyer apresenta uma solução que claramente indica a consideração de alguns aspectos que foram bastante criticados naquele primeiro projeto, para além da questão do tombamento e da possibilidade legal de construir a Praça —questão para a qual o IPHAN tem toda competência e legitimidade para decidir. O novo projeto de Oscar Niemeyer, descrito como sendo ?em>Uma modificação irrecusável?a href="#_ftn1">[1] propõe uma alteração significativa na dimensão e na implantação do obelisco (ou monumento), deslocando-o do eixo da Esplanada onde se situava originalmente, reduzindo sua altura pela metade, passando a ter 50m.[2] Além disso, o Memorial dos Presidentes passou a ser implantado paralelamente às vias do Eixo Monumental, aproximando-se da Via S1. Este Memorial tornou-se um bloco retilíneo, dialogando formalmente com um novo edifício de implantação equivalente com uso indicado de ?em>museu/exposições? Tudo agenciado sobre uma superfície graficamente homogênea, provavelmente seca, sem fatores indicativos sobre o caráter construtivo e matérico, sem maiores informações sobre a implantação e suas conexões com os setores culturais Norte e Sul, ou suas conexões com a Plataforma Rodoviária. Sem essas e outras precisões, pretender abordar a nova versão do projeto da Praça, torna-se apenas uma oportunidade especulativa.

Nesta versão atual do projeto, o arquiteto reconhece a importância fundamental da visibilidade do conjunto arquitetônico monumental projetado por ele mesmo a partir do risco de Lucio Costa e apreendido desde a Plataforma Rodoviária —cuja autoria é de Lucio Costa. Assim, muito mais do que um mero ajuste entre os edifícios da nova versão da Praça, é sintomática a manutenção deste diálogo atemporal com Lucio Costa evidenciado na argumentação de Niemeyer sobre a nova solução: ?#8230;senti que, sem querer, tinha atendido ao desejo de se manter uma visibilidade total da Rodoviária até a Praça dos Três Poderes.?a href="#_ftn3">[3] Trata-se de uma alteração projetual muito significativa, que evidencia também que Oscar Niemeyer reviu seu entendimento de que a Plataforma da Rodoviária seria apenas um mero cruzamento de viadutos, conquanto se configura de fato como lugar articulador da vida urbana.[4]

A segunda versão da Praça da Soberania deve ser compreendida mais como uma resposta de Oscar Niemeyer ao campo da arquitetura —incluindo aí também os ?em>especialistas”?do que uma indicação de sua efetiva vontade de construí-la. A edição dominical do Correio Braziliense já revelou a posição oficial do Governo do Distrito Federal de que o ?em>projeto não sairá do papel?[5] Assim, a nova versão da Praça parece ter uma existência com inicio, meio e fim já anunciados, sem pretender causar maiores debates ou sem pretender suscitar efetivas polêmicas. Ao que parece, ao mesmo tempo em que Oscar Niemeyer entende que não poderia deixar a terceiros a última palavra sobre o seu projeto, ele quer demonstrar que ainda está apto para assimilar críticas e re-estabelecer um diálogo profícuo com seu próprio campo, como uma de suas respostas à entrevista do Correio Braziliense indica. Indagado se foi um gesto de humildade modificar o projeto, ele responde: ?em>Lógico. Fiz o que é justo, correto…?a href="#_ftn6">[6] Menos do que um recuo, trata-se de um indício da capacidade do longevo arquiteto de rever suas próprias posições perante as diversas circunstâncias, como historicamente já fizera antes, no final dos anos 50, quando da publicação de ?em>Depoimento?[7]

Trata-se também de uma reação muito diferente do polêmico enfrentamento que ele travou com o projeto do novo auditório para o Parque do Ibirapuera em São Paulo, quando tentou efetuar uma alteração em sua marquise. Em meados dos anos 90, quando proferiu uma aula magna na FAU-USP, Oscar Niemeyer encerrou seu discurso com a última obra que pautava o debate corrente no campo, demarcando sua vivaz presença. Naquela ocasião, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói foi a obra que arrematava sua trajetória, fato equivalente com o que ocorreu no dia 29 de maio, quando ele encerrou mais uma exposição sobre sua própria trajetória perante alunos, familiares, imprensa e autoridades, mostrando a segunda versão para a Praça da Soberania. Qual será a próxima obra ou o próximo grande projeto a integrar essa trajetória? Isto é impossível saber, mas ao que tudo indica, enquanto ele, Oscar Niemeyer, estiver projetando e vislumbrando suas novas arquiteturas, fato seguro é que permanecerá distante da unanimidade.

A produção  recente do arquiteto nos últimos dez, quinze anos demonstra que Oscar Niemeyer permanece envolvido com demandas e programas complexos, tais como: universidades, centros administrativos ou complexos culturais de múltiplo uso, museus… São em grande parte projetos que correspondem a um ?em>tema mais forte?segundo ele, exigindo arquiteturas de caráter representativo, cívico ou com uma abrangência urbana de caráter e escala monumental. Para resolver tais edifícios, Niemeyer assinala a permanência de suas estratégias projetuais, especulando, depurando, reforçando e ampliando o seu reconhecido repertório formal. Além das superfícies preponderantemente secas que idealmente embasam as obras, muitas cúpulas, blocos ou edifícios pavilhonares, marquises e rampas predominam nesta produção, sendo articulados e agenciados para resolver mais a plasticidade do conjunto que a diversa gama de programas que devem abrigar. Os croquis de Niemeyer, que antes enunciavam estrutura e forma a um só tempo, agora cederam lugar às imagens produzidas pela computação gráfica, que direta e figurativamente constroem a própria imagem do fato arquitetônico. Contudo, o concreto se mantém como o material inerente ao seu projetar. Sendo hoje  preponderantemente branco, o concreto possibilita a Oscar Niemeyer definir as soluções formais, os vãos, os balanços e as dimensões que lhe são rotineiras: 50m, 200m, 300x300m, 150m de altura, etc.

Reiteradamente, a forma emerge como índice mais evidente e assumido de seu discurso, constituindo-se como uma chave de acesso específica para compreender a formulação de seu raciocínio construtivo, formal e simbólico. Oscar Niemeyer reforça a questão da forma como sendo a questão praticamente única e exclusiva da arquitetura. Sua fala de praxe defende que ?em>arquitetura é invenção?[8] e enfatiza que o controle sobre a forma é o problema projetual a ser enfrentado. Indiretamente, Niemeyer parece considerar secundárias as prementes circunstâncias do projetar para as quais concorrem as novas tecnologias construtivas, as legislações, os novos materiais, as demandas sos programas arquitetônicos contemporâneos, os suportes e linguagens de produção e representação do projeto, as questões urbanas, as questões ambientais, as especificidades sociais e as oportunidades políticas. Deste modo, seu discurso lança indagações sobre como produzir tecnologicamente, como explorar simbólica e plasticamente, como conceber as formas —novas e outras formas. Em meio às decisões excludentes e às subordinações que regem o ato de projetar —ou seja, elaborar a invenção arquitetônica?a forma continua a ser a questão fundamental que Oscar Niemeyer propõe e deixa a todo o campo, para além da crônica de uma praça anunciada, efetivamente.


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notas

[1] Trata-se do título do texto de apresentação que acompanha o projeto que está na  exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta no dia 28 de maio na Galeria Anna Maria Niemeyer, com visitação até 31 de julho. Note-se que este novo desenho e o texto não constam do livro homônimo, lançado nesta mesma ocasião.

[2] Deve ser notado que na proposição apresentada na exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta no dia 27 de maio na Galeria Anna Maria Niemeyer, a última frase do texto que acompanha o projeto indica uma altura de 30m: ?em>O monumento terá trinta metros de altura?(sic).

[3] Trata-se de uma frase que acompanha o desenho integrante da exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta em 27/maio de 2009 na Galeria Anna Maria Niemeyer. Grifos adicionais.

[4] Sobre a Plataforma Rodoviária, adianto que há um artigo em elaboração sobre ela.

[5] Vide ?em>Praça de Niemeyer sai dos planos? Correio Braziliense, 31/maio/2009, p.31.

[6] Vide Correio Braziliense, 29/maio/2009, p.25.

[7] Vide Módulo nº.09, fev/1958. pp.03-06.

[8] Frase proferida por Niemeyer novamente em sua aula, no dia 29/maio/2009.


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referências bibliográficas

ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. São Paulo: Ática, 2001.

Correio Braziliense. Edições: 29/05/2009; 30/05/2009 e 31/05/2009;

NIEMEYER, Oscar. Quase memória: viagens, tempos de entusiasmo e revolta ?1961-66. Rio de      Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1968.

NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura: 1937-2004. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2004.

NIEMEYER, Oscar. Oscar Niemeyer ?1999-2009. Rio de Janeiro: &Letras, 2004.

ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Arquitetura em transe. Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e         Lina Bo Bardi: nexos da arquitetura brasileira pós-Brasília (1960-85). São Paulo: FAU-USP, 2007. Tese de Doutorado.

STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Brasília:   EDUnB, 2003.

TAFURI, Manfredo. Teoria e história da Arquitectura. Lisboa: Editorial Presença. 1988.

TELLES, Sophia da Silva. Arquitetura Moderna no Brasil: o desenho da superfície. São Paulo: FFLCH-        USP, Dissertação de Mestrado, 1988.

VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura       de Oscar Niemeyer (1935-1998). São Paulo/FAU-USP, Tese de Doutorado, 2000.

XAVIER, Alberto (Org.). Depoimento de uma geração. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.


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Eduardo Pierrotti Rossetti

Arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador-pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

]]> //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/feed/ 2 2932 Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/10/niemeyer-nao-dorme-nos-louros/ //28ers.com/2009/06/10/niemeyer-nao-dorme-nos-louros/#comments Wed, 10 Jun 2009 14:35:57 +0000 //28ers.com/?p=2879 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Paulo Ormindo de Azevedo

Desde a construção de Brasília não se discutia tanto na mídia arquitetura e urbanismo como agora. O responsável por este fato é um rebelde de 101 anos. Independente do que possa ocorrer, a discussão já valeu à pena. Esta polêmica remete a outra travada em 1985, quando o governador José Aparecido convidou os principais arquitetos que projetaram Brasília – Lucio, Niemeyer e Burle Marx – para reverem o Plano Piloto depois de 20 anos de regime militar. Lucio respondeu com o documento “Brasília Revisitada? onde aconselhava a ocupação de áreas anteriormente consideradas non aedificandi e outras modificações.

A polêmica foi muito semelhante à atual. Pode o autor de um projeto alterá-lo? Sim, especialmente no caso de uma cidade, que é um organismo vivo e reflete os embates sociais ao longo da historia. Tem razão Niemeyer ao dizer que todas as cidades sofreram modificações e que “Brasília ainda vai passar por muitas delas? Depois de muita discussão as propostas de Lucio foram transformadas em lei e Brasília, sem perder seu valor, foi inscrita, em 1987, na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.

soberania-perspectiva-2A bola da vez é a proposta de Niemeyer, do inicio de 2009, de construção da Praça da Soberania com um obelisco de 100 m. A reação foi imediata, movida em grande parte por uma dissimulada “oscar-jeriza?que tem varias origens. Uma delas muito antiga de caráter ideológico, o monumentalismo de sua obra remanescente do autoritarismo da Era Vargas, teorizado por Joaquim Guedes[1], e que reflete o embate entre as escolas arquitetônicas carioca e paulistana. Outra simplesmente de disputa de mercado de trabalho, como fica evidente na carta de Sylvio de Podestá[2], de 2003, e na irônica nota de Julio Daio Borges na revista Piauí de junho de 2009.

Mas vamos convir que a arquitetura não-oficial de Brasília é o que existe de mais provinciano em todo o país e se não fosse o gênio de Niemeyer, a nossa capital não passaria de uma Palmas, salvo o plano. O fato é que se organizou uma espécie de cruzada digital de defesa da terra santa, como se Niemeyer quisesse destruir o Plano Piloto. Não se discutiu em nenhum momento o mérito da proposta, senão o fato de Brasília ser tombada.

O projeto de Niemeyer é de fato, a nosso ver, um complemento e uma correção. Ele procura criar um contra-ponto ao Congresso na outra extremidade da Esplanada dos Ministérios, a meio caminho da torre de televisão, reforçando a escala monumental da cidade, e integrando os dois núcleos de equipamentos culturais separados pela esplanada. Este esquema vem remotamente de Luxor e é o mesmo utilizado por L’Enfant no Mall de Washington, com a seqüência Capitólio, o grande obelisco e o Lincoln Memorial. Ainda em 1987 a Prefeitura de Paris realizou um concurso para criar um marco e integrar a nova zona corporativa de La Defense á cidade, reforçando a visual Louvre, obelisco da Concórdia, Champs Élysées e Arco do Triunfo. Ganhou o dinamarquês Otto von Spreckelsen com um monumental arco de 110 m, que em nada descaracterizou Paris, só a valorizou.

A questão não é o fato de Brasília ser ou não tombada, senão a implementação do tombar, oposto ao de “classificar? ou promover, usado em todo mundo, arcaísmo que tem sua origem no Decreto 25 de 1937, elaborado na urgência de proteger imagens, igrejas e palácios barrocos do ciclo do ouro. Mas os inspiradores dessa legislação, Mario de Andrade, Rodrigo Melo Franco e Lucio Costa, eram intelectuais que tinham um olho no passado e outro no futuro e consolidariam o Modernismo no Brasil. Se nas décadas de 1940 a 1960 tivéssemos a burocracia preservacionista que temos hoje no plano federal e estadual, não seria construída a Pampulha, o conjunto Pedregulho, o Parque do Flamengo, nem os calçadões da Av. Atlântica de Burle Marx, obras primas do século XX.

Neste sentido, Niemeyer tem todo o direito de protestar e xingar contra um instrumento que foi usado a pretexto de preservar sua obra e de Lucio e acabou o censurando. O que desqualifica Brasília não é o obelisco proposto, são os favelões satélites, como ele disse, e os 180 loteamentos fechados em áreas publicas verdes da cidade. Segregação de excluídos e auto-segregação elitista, que os Amigos de Brasília tentam ignorar. Diante dos protestos ruidosos da militância, o Governador José Roberto Arruda recuou alegando falta de recursos. Niemeyer elegantemente publicou, em 04/02/09, uma carta em que expressa a esperança de que no futuro sua obra seja construída.

Soberania-Perspectiva-1Mas tinha razão o embaixador André Correia Lago, “os gênios jamais jogam a toalha? titulo de uma entrevista dada ao Estado de São Paulo, em 07/02/09, em que traça um perfil muito lúcido da crise em que se debatem os arquitetos brasileiros, hoje. No final do mês de maio, Niemeyer voltou a fustigar com uma segunda versão do projeto, reaquecendo uma polemica que já deu um fruto, a criação de uma comissão de alto nível para cuidar do Plano Piloto, que deve ser preservado, mas não pode ser mitificado nem virar um museu dos anos 50.


notas

1 Monumentalidade x cotidiano: a função publica da Arquitetura, in Arquitextos n. 071.01, Portal Vitruvius, em 09/06/09.

2 Carta aberta ao arquiteto Oscar Niemeyer, in Arquitextos n. 40, Portal Vitruvius, em 09/06/09.

Paulo Ormindo de Azevedo

Professor titular da UFBa, consultor da UNESCO, membro do Conselho Consultivo do IPHAN e do Conselho Nacional de Política Cultural, Presidente do IAB-Ba.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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//28ers.com/2009/06/10/niemeyer-nao-dorme-nos-louros/feed/ 2 2879
Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/02/os-blocos-de-superquadra-um-tipo-da-modernidade/ //28ers.com/2009/06/02/os-blocos-de-superquadra-um-tipo-da-modernidade/#comments Tue, 02 Jun 2009 04:43:05 +0000 //28ers.com/?p=2715 Continue lendo ]]>

Brasília 194Carlos Henrique Magalhães

introdução

Passados os primeiros anos da primeira revolução industrial, diversos modelos urbanos foram realizados a partir da drástica transformação entre campo e cidade. Os expoentes da vanguarda moderna, comprometidos com os ideais de emancipação e convívio comum almejado pelo Iluminismo, lançaram-se em experiências de habitação coletiva que passaram a ganhar terreno a partir da década de 1920 em duas escalas: os edifícios coletivos passam a renovar as possibilidades de convívio por meio de equipamentos públicos que permitissem a socialização de diversas atividades; a destituição da malha urbana tradicional em favor da paisagem de objetos isolados passa a ser mais presente em diversos planos urbanísticos.

No Brasil, estas experiências espaciais de habitação coletiva estiveram presentes dentro perspectivas distintas, no que se refere à natureza do empreendimento e escala de realização, dentre as quais podemos destacar O Conjunto Habitacional do Pedregulho (1947 em diante) projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909 – 1964); Os edifícios do Parque Guinle (1948 – 1954), projetados por Lucio Costa (1902 – 1998), ambos no Rio de Janeiro.

Em Brasília, esta concepção alcança um nível de realização inédito. Ao agenciamento dos espaços públicos do setor residencial, alia-se a clara concepção projetiva das unidades habitacionais. A proposta dos blocos de superquadras remete anto às concepções de seu autor, Lucio Costa, como deixam expor diversas características da nova arquitetura moderna quanto aos preceitos que resultaram em sua forma. Nesse sentido, os blocos podem ser compreendidos dentro de um princípio operativo para a concepção de cada projeto, onde determinadas restrições e direcionamentos buscavam orientar a caracterização do conjunto, marcado pela lógica das projeções, do edifício isolado no terreno, do térreo livre e desimpedido.

Além das questões enunciadas acima, outras tantas se referem à ordenação do partido plástico. Esta pode ser evidenciada pela concepção das fachadas ?faixas contínuas de esquadrias, peitoris em concreto, elementos de proteção solar fixos ? pela relação entre cheios e vazios, pelo aspecto estrutural, pela diversidade na combinação de cores e materiais. O recente inventário dessas edificações[1] resultado de uma extensa pesquisa dos professores Matheus Gorovitz e Marcílio M. Ferreira, mostra que as diversas aproximações ao tema feitas por arquitetos de diferentes gerações e formações distintas, renderam grande diversidade aos blocos de superquadra de Brasília, permitindo que sejam identificadas diversas influências, adaptadas e ordenadas por esses criadores com sensibilidades distintas. A maneira pela qual estes arquitetos dialogam com diversos fatores construtivos e plásticos, oferece rico apanhado sobre o período da arquitetura moderna em Brasília, nas décadas que sucedem sua inauguração. Observando estes edifícios, podemos entender como esse tipo de habitação coletiva pôde ser interpretado, deixando entrever a disposição dos arquitetos envolvidos em sua execução, para a realização de características importantes do Plano proposto por Lucio Costa em 1957.

antecedentes notórios

Um dos primeiros exemplares deste novo tipo[2] de edificação foi o projeto dos Apartamentos Narkonfin (1928-29), de Ginzburg y Miljutin. O edifício é uma barra longitudinal de seis pavimentos sobre pilotis e expõe diversos princípios da nova arquitetura que emergia naquele momento: térreo desimpedido, janelas horizontais corridas e cobertura plana. A este tipo associa-se um conjunto de características de contexto urbano, da destituição dos lotes e da liberação do térreo, em favor de outra relação do edifício na paisagem. Dentre os exemplos mais significativos e influentes desta idéia têm-se os Siedlungen alemães, conjuntos habitacionais coletivos pensados como estruturas auto-suficientes.O conjunto da exposição Weissenhof, realizada no ano de 1927 em Stuttgart é significativo para compreensão dessa concepção vanguardista. Tendo Mies van der Rohe como arquiteto-chefe, contou com a participação de Peteter Behrens, Hans Poelzig, Walter Gropius, Victor Bourgeois, Ludwig Hilberseimer, Le Corbusier, J.J. Pieter Oud, dentre outros.[3]

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

O conjunto destas concepções foi reiteradamente lido e sintetizado por diversos arquitetos proeminentes da vanguarda moderna, dentre eles Le Corbusier que em sua Ville contemporaine pour trois millions d’habitants (1922) demonstra a vontade em se conceber ?…) um edifício teórico rigoroso, formular princípios fundamentais de urbanismo moderno.?[4] Uma “cidade de negócios?em oposição a uma “cidade de residências?é a proposta de Corbusier na tentativa de criar espaços arejados na confluente desordem que se instalava no coração de Paris quando propõe o plan Voisin em 1925. Em consonância a estes projetos, a Ville Radieuse será elaborada com a mesma pretensão de encarar essa nova civilização. Este empreendimento conciliatório será levado a cabo por Corbusier primeiro nos meios da cultura européia, em seguida, com a oportunidade de empreender uma viagem à América do Sul. Corbusier fez em 1929 uma série de conferências na Argentina, Uruguai e Brasil, importantes para ampliar seu conhecimento por parte das autoridades locais e fundamentais nas sementes que o mestre suíço lançou em solo nacional anos seguintes.

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Na década de 1950 foi realizada na Alemanha a Interbau (Internationale Bauausstellung) – primeira Exposição Internacional de Arquitetura ocorrida após a II Guerra Mundial. Esta consistiu na requalificação do bairro oitocentista Hansaviertel, bairro oitocentista em grande parte destruído por bombardeiros durante a Segunda Guerra. Em 1953, é instituído para a escolha do novo plano urbanístico do bairro, vencido por Gerhard Jobst e Willy Kreuer. A Interbau inaugurada em 1957 com espaços públicos desenhados de acordo com princípios modernos, edifícios isolados, predominância de espaços verdes e vazios. Dentre as tipologias encontradas nos bairros, temos: “torres de até 17 pavimentos, barras de 8 a 10 pavimentos, barras de 3 a 4 pavimentos e casas unifamiliares de 1 a2 pavimentos.?a href="#_ftn5">[5]

Dentre as unidades edificadas no bairro há uma barra de apartamentos projetada por Oscar Niemeyer. O edifício pode ser caracterizado pela concisão volumétrica, pela robustez dos pilotis e pelo delicado jogo de níveis que se desenha no pavimento térreo. Esta experiência é de fundamental importância para que possamos compreender a maneira pela qual se desenvolveu a linguagem dos blocos de apartamentos nas superquadras de Brasília: fundamentada em princípios operativos que fundamental sua feição essencial, mas relacionada a diferentes maneiras de manipular elementos plásticos semelhantes dentro de determinadas filiações.

lucio costa

Se na cisão entre as contingências materiais e da dimensão coletiva da arquitetura e do urbanismo desta fase de Corbusier pode-se perceber “a tentativa de uma conciliação entre a expressão do espírito do tempo e a busca da perenidade, condição essencial da arte.?[6] O tema para Lucio Costa irá comparecer de maneira semelhante, figurado na “possibilidade de reaproximação entre arte e técnica ?divorciadas na arquitetura do ecletismo e no ‘arremedo neocolonial??o descortinar de um novo campo expressivo para a arquitetura: o espaço contínuo moderno, flexível porque liberto da estrutura.?[7]

Como dito anteriormente, Lucio Costa ocupou destacada posição diante de um grupo de arquitetos afeitos à doutrina de Corbusier, converte-se ao modernismo arquitetônico e dá passos decisivos à reorientação propositiva que se desenvolveu a partir de então. Também na realização que significou Brasília percebem-se convergências e diferenças entre épocas distintas. Em sua proposta para o Plano Piloto há a capacidade de conciliar uma série de problemas complexos por meio de soluções sintéticas, tanto quanto em realizar ?por meio da conjugação entre diferentes escalas ?uma cidade capaz de ser expressão palpável da vida cotidiana e da monumentalidade simbólica.

A forma acabada desta realização brasileira tem suas raízes em diversas referências, sejam elas afetivas ou históricas, onde a sociabilidade deveria ser transformada em favor de uma cidade nova, inteiramente pública que, na concepção de Brasília, Lucio emprega com as devidas propriedades: eixos e perspectivas da lembrança de Paris; imensos gramados verdes ingleses; a pureza de Diamantina ?ou seja, da memória colonial, as fabulosas fotografias de terraplenos e arrimos chineses do começo do século XX. Estes elementos característicos comparecem em igual medida ao lado de referências modernas: setorização de atividades; ênfase dimensional das circulações de veículos; idéias de cidade parque e cidade jardim; habitações coletivas em blocos sob pilotis. Em essência, esta proposta de conjugação entre lógicas construtivas históricas e coloniais a tipos e procedimentos da modernidade será uma constante no trabalho de Lucio Costa.

 

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1950) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1943) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

No conjunto de edifícios que projetou no Parque Guinle (1943-54) este procedimento encontra uma possibilidade, pois, à tipologia fracamente moderna das lâminas de apartamentos sob pilotis, Lucio Costa associa características de forma a espaço da habitação tradicional brasileira, por um lado o partido é eminentemente racionalista, por outro a implantação e tratamento de superfícies em cada edifício denota uma “espantosa trama de cheios e vazios, que se integra na ortogonalidade rigorosa dos prismas e dilui a função de vedo atribuída à fachada. Sua aparição figura a possibilidade ideal de uma edificação inteiramente vazada, desmaterializada, pois tem o ar como matéria constituinte.?[8] Os Edifícios do Parque Guinle representam a ascendência mais imediata à concepção dos blocos de superquadra, sendo esta a conseqüência do conjunto das características de agenciamento e espacialidade, marcados por um princípio, mas de muitos resultados formais.

um tipo de moradia

O setor residencial de Brasília logrou grande êxito no Plano Piloto para a cidade. As chamadas superquadras podem ser caracterizadas objetivamente como grandes quarteirões de lados iguais da ordem de 280 metros[9]. O desenho das vias proposto por Lucio Costa obedece à hierarquia que as separa em diferentes demandas e dimensões e “no caso das superquadras adotou o acesso viário feito através de uma única rua sem saída, em ‘cul-de-sac? de realização bem mais simples do ponto de vista técnico e bem mais barato do ponto de vista econômico. De tal modo que as superquadras são servidas por trevos rodoviários apenas pelo lado do eixo residencial, garantindo-lhes uma relação bem mais articulada com seu entorno imediato em comparação com aquela das áreas centrais da cidade.?[10]

Em seu relatório, Lucio Costa dispõe as edificações apenas com relação às características que lhe seriam mais essenciais: na esplanada ministerial a disposição cadenciada dos edifícios do poder executivo cujo eixo termina com o congresso, ?um edifício em altura, e o triângulo da Praça dos Três Poderes; no comércio local a abertura das lojas para o interior das quadras e a conjugação das unidades, duas a duas. No caso dos blocos residenciais, Lucio definiu a natureza volumétrica desse tipo, tais como: os gabaritos e o térreo livre, sobre pilotis garantido o solo público, implantando a lógica das projeções, princípio fundamental para a compreensão da cidade. Como dito, antes dos blocos residenciais houve o Parque Guinle (1948-54), e antes deles uma aproximação de Lucio à proposta de Corbusier para uma Unité d’habitation de grandeur conforme, realizada em Marselha (1947-52).

Lucio chama de intuição precursora o empenho de Corbusier em propor este modelo residencial de edificação em altura.[11] Para Frampton, em função das escalas e da transformação de propriedades compositivas propostas, há em certas obras de Corbusier uma monumentalização do vernáculo. Se nas Maisons Jaoul o desenho é reinterpretação monumental de um vernáculo mediterrâneo, dada sua escala a solenidade introspectiva, nos 18 pisos de Marselha este princípio se efetuaria do ponto de vista da condensação social e na proximidade que teria com o modelo do Falanstério de Fourier, proposto no século XIX.[12] A unidade de Corbusier já trazia em si conjunto notável de características espaciais, constituindo espécie de protótipo à espera de outras realizações que se irmanassem com este edifício isolado. Realizações estas constituídas pelas características do chão na qual estas unidades estariam implantadas.

Tal quais outros princípios modernos o edifício isolado não representa um advento do séc. XX. Razão fundamental de representações e contextos de excepcionalidade, o destacamento em relação ao entorno é característica presente na cultura de diversos povos encarnando o desejo de exprimir representatividade, caso de palácios e catedrais. A arquitetura moderna brasileira encontra na realização do MESP razão pioneira para a dissolução do quarteirão em favor de uma continuidade aberta que, nesse caso, fugia às determinações do Plano urbanístico de Alfred Agache. Esta monumentalidade a efetuar a emancipação de pequenas extensões urbanas, termina por torna banal o que antes deveria ser lido sob o viés da exceção.[13] Para James Holston tal acontecimento tem um além que pode ser evidenciado por uma reversão moderna entre fundo e figura, de tal forma que se existia ao longo de séculos uma oposição entre cheio (solido = fundo = privado) e vazios (vazio = figura = público), ocorre no movimento moderno ruptura definitiva desse tradicional sistema de significação da arquitetura.[14]

A difusão de técnicas construtivas, especialmente representadas pelo amplo uso do concreto armado em conjugação ao aço, possibilitou o surgimento de diversas estruturas e a realização de algumas propostas corbusianas como o esqueleto independente das vedações. Esta por sua vez termina por permitir a realização do térreo potencialmente livre de barreiras físicas e no lugar de pilares e pilastras, os pilotis. Do esquema Dom-ino a Brasília há um percurso representativo de experiências culturais que permitem a observação deste tipo construtivo em diversos programas e em atendimento a grande conjunto de necessidades.

reflexões críticas

 

Levantamentos de tipos de projeção (MACHADO, Marília, 2008).

Levantamentos de tipos de projeção (Machado, 2008).

Frederico Holanda em longos estudos sobre os lugares e da desvinculação entre discurso a prática urbanística, identifica dois tipos fundamentais de espaços que se alternam ao longo da história: a paisagem de objetos e dos lugares. Seus estudos com base em dimensões morfológicas de desempenho[15] mostraram que há uma excessiva permeabilidade no interior das superquadras residenciais e que estas são responsáveis por diversas relações que, tomando por base determinados parâmetros, ocasionam perda de orientabilidade e identidade nesses tecidos.

Há a afirmação corrente de que em Brasília tudo é igual e são muitos os que ao visitar a cidade se questionam sobre a lógica que separa os lugares. Ainda que haja a presença de grandes extensões não conectadas, os espaços livres em Brasília não se constituem precisamente por vazios; essas ausências são antes de mais imersas em quantidades e cuja prática projetiva deve ser orientada, dentre outros, ao planejamento setorial da cidade. “Aqui tudo é indiferente e, no entanto, tudo importa.?[16] Desse modo, ainda que a repetição seja propriedade marcante ao longo das superquadras, veremos que muitos exemplares guardam características distintivas no manejo de contingências semelhantes.

Nesse sentido o bloco de superquadras representa um tipo moderno dos mais importantes na historiografia da arquitetura, ainda que discussões mais criteriosas a esse respeito tenham vindo a ser publicadas em tempos mais recentes.[17]]

os blocos de superquadra, caracterização objetiva

Num primeiro momento pode ser efetuada uma divisão entre os blocos residenciais com base em suas dimensões. Na já célebre frase de Lucio, os pavimentos para esse tipo de edifício estariam limitados em seis, de modo que as crianças estariam nas quadras ao alcance da voz de suas mães. São de seis pavimentos e térreo, os blocos das quadras 100, 200 e 300.[18] Seguindo a cota decrescente em direção ao Lago Paranoá, os edifícios das quadras 400 possuem térreo e mais três pavimentos. A intenção inicial com relação ao perfil sócio-econômico dos moradores do plano era a de que houvesse uma estratificação deste entre famílias, uma vez que “neles não são obrigatórios elevadores e garagens, são de construção mais barata, contribuindo para a diversificação?[19]

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Os blocos de superquadras respondem a uma demanda sócio-espacial específica e incorreríamos em erro ao imaginar que a plena realização de suas potencialidades poderia ser repetida na solução de questões sem o mesmo aparato e substrato material. Dizendo de outra forma, ainda que em pontos isolados do território do Distrito Federal a solução de uma lâmina de apartamentos sobre pilotis tenha sido empregada, não configura a mesma ambiência urbana que se tem no Plano Piloto. O conjunto habitacional localizado na Região Administrativa do Guará, denominado Lucio Costa é exemplo dessa questão.[20] Lucio Costa não possui nenhum projeto de edificação residencial no Plano.  Embora em Brasília houvesse a intenção de diminuir a iniqüidade social, estes prédios ?localizados a certa distância do centro, segundo um modelo de pulverização de núcleos ?foram pensados para resolver o problema de moradia de camadas sociais menos favorecidas. Daí a designação de cada uma das unidades: operário (52 m²) e favelado (29 m²), cada qual pensado com um tamanho específico, mas agrupados nas mesmas unidades habitacionais. O arruamento se distingue das superquadras pela rigidez geométrica e pelas possibilidades de trajeto; desenham losangos no chão de tal forma que o ângulo formado com o paralelismo dos blocos permite a constituição de permanências e trajetos de pedestres. Em trechos no interior destas quadras estão dispostos equipamentos públicos e instalações comerciais.

Os blocos em si são constituídos por pilotis baixos de 2.20 m de pé direito e três pavimentos, podendo cada unidade ter até oito apartamentos por andar. Apresentam características plásticas de adaptação ao modo de vida que seu autor imaginou. Segundo Jaime Almeida “os tamanhos reduzidos dos espaços e da área a ser construída (superfície do piso) dos apartamentos seriam compensados pela mobilidade familiar que se refletiria na utilização do espaço disponível. Assim, os filhos pequenos ao dormirem mais cedo, liberariam, aos adultos, os demais aposentos, que iriam para cama mais tarde. As crianças, ao crescerem, inverteriam com os mais idosos o uso do apartamento.?[21]

Em contraste com essa intimidade regrada de espaços mínimos, Lucio propõe a diversidade e generosidade da ocupação pública do solo, dado o dimensionamento das áreas abertas configuráveis por atividades de convívio comunal. Mas, se o urbanista viesse a visitar o conjunto anos após sua inauguração, certamente não se encantaria com “a realidade maior que o sonho?encontrado na posse que os moradores deram às áreas verdes. Ao contrário do que acontece no Plano, os térreos foram cercados, na maioria das vezes, extrapolando o perímetro da projeção de cada edifício. Soma-se a isso, o pouco cuidado na manutenção de equipamentos comunitários, resultado de uma introspecção que nem de longe lembra a almeja subtração da vida privada em favor da exterioridade pública proposta por pelo urbanista de Brasília.

Tanto no conjunto de Lucio Costa quanto nas superquadras, permanecem indagações quanto à propriedade de aglutinação desses espaços, marcados por uma relação de mão dupla entre oposições, sejam elas do campo e da cidade, do passado e futuro; de tal forma que “a recusa de uma urbanidade opulenta opera uma total redefinição das funções urbanas tradicionais, bem como das relações entre comércio, residência, transporte e pedestre, na medida em que retira da rua a qualidade de espaço que tem definido, historicamente, a sociabilidade pública em contraste com a esfera privada.?[22]

códigos de edificação

As características apresentadas dependem não só de conceitos urbanos, mas também de detalhamentos e execuções regulamentadas pelos códigos de edificação[23]. E por meio da leitura dos diferentes textos presentes nesses códigos é possível verificar a transformação de fisionomia tanto do bloco de superquadras quanto em outras edificações. No caso das superquadras presencia-se:

a)       Gradativa ampliação da largura das projeções, em função do incremento nos índices de ocupação;

b)      Modificação significativa da volumetria ?que num momento pioneiro se caracterizava pela depuração e concisão volumétrica ?em função das alterações resultantes quanto às possibilidades de avanços e compensações de área.

c)       Redução das áreas livres no pavimento térreo, que passam a serem ocupadas por salões de festas, residências funcionais, áreas de guarita etc.

d)      Acréscimo de coberturas de uso individual ou coletivo, que modificam a cota de coroamento e feição edilícia das quadras. Em algumas delas, coexistem tipos mais recentes em contrastes com outros de épocas passadas, noutras, há a presença exclusiva daqueles exemplares;

Sendo assim, coexistem ao longo das Asas Sul e Norte linguagens as mais distintas e características plurais de projeto, que ocorrem tanto em função da localização quanto do tempo de construção de cada unidade, sendo estas representativas de períodos distintos da ocupação de projeções ao longo das quadras. Se as quadras da Asa Sul apresentam maior homogeneidade entre edifícios e as quadras da Asa Norte, em oposição, apresentam exemplares mais distintos entre si; a estatística não é suficiente para que possamos asseverar que existe uma linha sobre a qual possamos perfazer itinerário de linguagens ou de sua transformação. Mesmo entre blocos coetâneos, não é possível que se faça classificação de filiação a uma ou outra tendência, o que se vê são diversas vocações materializadas dentro de determinações de ordem legislativa.

O grande número de projetos dentro desse tipo permite que façamos a leitura acerca de algumas coincidências de sensibilidades que em muito favorecem a diferenciação entre uma e outra quadra. De modo geral, prevalecem nas quadras empreendidas pelo poder público e Institutos de Aposentadoria e Pensão uma notável preocupação de conjunto, na forma e diálogo que esses projetos estabeleceriam entre si. Preocupação que se esmaece à medida que cresce o poder de influência e realização da iniciativa privada, onde passa a importar sobremaneira a melhor relação de área como meio de obter maiores lucros na venda de unidades.[24]

Segundo Marília Machado algumas fases distintas podem ser identificadas na história das superquadras cada qual com características próprias. A primeira delas tem início em 1956 e se estende até 1961 ?quando da elaboração dos primeiros projetos da superquadra de Brasília, com destaque para o projeto de Hélio Uchoa para as quadras SQS 105 e SQS 305. A segunda fase vai do início do governo de Jânio Quadros em 1961 e vai até a deposição do presidente João Goulart pelo golpe militar de 1964. O terceiro momento decorre todo durante a ditadura, entre 1965 e 1970, particularmente pela retomadadas construções da capital pelo governo militar, principalmente após a criação da Codebrás, no governo Costa e Silva, que assegurou um grande movimento de funcionários para Brasília. Na última fase que se estende até o final da década de 1980, um conjunto de 120 quadras já se encontra consolidado.

nuances propositivas

No ano do lançamento para o concurso da nova capital Oscar Niemeyer publica na revista Módulo o texto Considerações sobre a Arquitetura Brasileira, no qual engrandece o atual estágio de reconhecimento e difusão alcançado pelos autores da modernidade arquitetônica no Brasil, a ponto de “em pouco tempo ela se tornar nossa arquitetura corrente e popular.?[25]No entanto, propõe a ressalva de que a racionalização e simplicidade encontrada em algumas soluções pioneiras não foram bem apreendidas por número considerável de profissionais. Os exemplos são todos feitos por comparação: primeiro uma obra do próprio arquiteto, em seguida um exemplo de má aplicação dessas possibilidades. A primeira delas se refere ao térreo livre sobre pilotis que, se numa idéia geral se apresenta como denso renque de pilares com pouca distância entre si pode bem ser transformado num amplo vão, de melhor ambiência e que aperfeiçoaria a técnica estrutural empreendida anos a fio em pesquisas por nossos melhores calculistas.

No que se refere à comunicação urbana de interação entre pares e o caminho do pedestre no tecido dessa cidade moderna, os pilotis ocupam lugar privilegiado, somado ao tratamento do piso térreo e das áreas ajardinadas adjacentes. Do ponto de vista estrutural podem descarregar os esforços, principalmente, de duas maneiras: estruturas cadenciadas e de pouca ou nenhuma variação dimensional, ou apresentarem desenho para as colunas do térreo diferentes dos demais pisos por meio do emprego de vigas ou lajes de transição.

 

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

Quanto às fachadas apresentam uma variação de combinação essencialmente moderna entre aparência e funcionamento.  Se, em alguns expoentes da vertente corbusiana da modernidade brasileira o modelo do pano de vidro sobreposto pelo brise-soleil[26] é corrente, esta solução se tornará menos difundida no desenho de fachadas das superquadras. Em edifícios das primeiras décadas ocorrem, na maior parte dos casos, duas elevações principais bem distintas, uma conforma os ambientes sociais do apartamento, outra, encobre setores de serviço ou circulação. Tal solução é feita de méritos e lacunas, pois, por questões outras de projeto, alguns prédios podem ter fachadas pouco protegidas direcionadas para orientações de maior incidência solar dada a rigidez com a qual os blocos são implantados.[27] No que se refere ao alinhamento dos prédios com relação ás vias que delimitam as quadras a relação na maioria absoluta é de ortogonalidade, tanto quanto no eu se refere às projeções em que poucas são as quadradas, predominando as barras lineares.

 

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

No que se refere à quantidade de produção, Oscar Niemeyer não está no patamar de demais arquitetos que projetaram blocos de apartamentos para as superquadras. No entanto, o impacto de seu pensamento naquilo que se refere à permanência e consecução das características do plano, aliado às propostas do racionalismo carioca se fazem sentir em alguns aspectos. As superquadras 107 e 108 Sul foram integralmente projetadas pelo arquiteto, e deveriam servir como referência para das demais. Sobre isso, Nauro Esteves afirma que dada a urgência na elaboração de projetos, foram definidos seis tipos de quadra que deveriam ser distribuídas ao longo das asas.[28]

 

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959).  Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Embora possuam, em seu conjunto, grandes nuances, alguns projetos são sempre lembrados pela generosidade do desenho de seus espaços públicos e pela qualidade de concepção de seus edifícios. A superquadra 308 sul (1959) apresenta edifícios que variam pouco entre si. O projeto de Marcelo Campello e Sérgio Rocha com paisagismo de Burle Marx, feito para o Banco do Brasil, cria disposições espaciais no interior da quadra de rara propriedade, sendo constantemente referenciada como quadra modelo. Diferentemente dos projetos que vinham sendo desenvolvidos até então, este possui nove projeções no lugar das onze, aplicadas na maioria das quadras até então.[29] O projeto para a quadra SQS 114 foi executado pela mesma equipe e guarda muitas semelhanças: a disposição dos blocos com os panos de vidro orientados todos de frente para o trajeto de circulação de veículos no interior da quadra; a presença de um edifício no centro da implantação com apenas quatro pavimentos, provavelmente, como meio de se manter uma linha de coroamento mais próxima entre cada bloco.

Outros arquitetos contribuíram enormemente para a configuração das quadras e uma merecida posição de destaque deve ser dada a Eduardo Negri que, atuando pela Caixa Econômica Federal, foi responsável por quase uma centena de blocos de apartamentos, principalmente nas quadras SQS 102, 202, 303, 111, 314. Helio Uchoa, responsável pelas quadras SQS 105 e 305; Luiz Henrique Pessina, Manoel Hermano e Marcílio Mendes Ferreira também são dignos de distinção.

 

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Ao nos atermos aos elementos de linguagem presentes em alguns exemplos dentre os blocos de superquadra, percebemos diversas proposições. Ainda que tenhamos parâmetros gerais para a concepção destes edifícios, há espaço para a aproximação criativa de cada autor, que irá dar diferentes tratamentos para as diversas partes que o compõe. Dentre as quais podemos citar: o dimensionamento e desenho dos pilotis (cilíndricos, prismáticos, em “V?; a opção pela transição de esforços entre os pilares que se elevam ao longo dos pavimentos e aqueles que se situam a rés do chão; tratamento de fachadas das ares sociais; tratamento de fachadas das áreas de serviço e assim por diante.

Os Blocos da SQS 107 e 108 (1958-1959) de Oscar Niemeyer apresentam uma clara definição plástica encarnada na economia de meios, na qual prevalece a alternância do tratamento que se dá às fachadas, ora elementos de proteção solar, ora planos envidraçados. Os pilotis apresentam robustez realçada pelo contraste entre as superfícies do piso e aquelas que revestem as colunas.  Os Blocos apresentam pouco contraste de cores entre superfícies, sendo esta variação alcançada por meio do jogo volumétrico entre as partes. Os blocos foram projetados para os funcionários públicos que foram transferidos para Brasília com a mudança da capital. O desenho dos arruamentos compõe de maneira equilibrada e consistente a delimitação entre áreas de circulação e demais trechos, onde se situam parques, jardins e gramados.

Os já referidos edifícios da SQS 308 (1959) de Marcelo Campelo e Sérgio Rocha possuem uma fisionomia caracterizada pela duplicidade entre as fachadas principais. O desenho das esquadrias que revestem a fachada das atividades sociais obedece à rígida modulação, percorrem o pé direito do piso ao teto. São pintadas na porção inferior obstruindo parcialmente a permeabilidade visual, garantido a devida privacidade ao interior dos apartamentos. O desenho dos pilotis é prismático e nos acabamentos das superfícies no térreo, há uma combinação que confere austeridade ao mesmo: pisos em cerâmica preta, paredes revestidas em mármore e peças cerâmicas pintadas com elementos geométricos. Os intervalos entre cheios e vazios valorizam seus interiores, tanto quanto o cuidado com o qual são concebidos os arruamentos, as peças de mobiliário urbano e a disposição do paisagismo, de Roberto Burle Marx.

 

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

Os blocos das SQS 305 e 105 (1959) de Hélio Uchôa apresentam a aplicação de elementos da linguagem racionalista carioca, na ordenação espacial e elementos de vedação. A imagem que transmite a fachada destes edifícios é quase membrana, uma tessitura na superfície que permite estes elementos serem lidos de perto e à distância. De igual maneira se dão os revestimentos da superfície nos edifícios de Marcílio Mendes Ferreira para a SQN 206 (1977-78). Sobre os pilotis de desenho expressivo e robusto, a barra dos apartamentos possui as delimitações externas caracterizadas pela cadência de elementos pré-moldados em concreto, que sombreiam as fachadas da incidência solar mais acentuada. Também por elementos em concreto é constituída a fachada do Edifício R3 (1972) de Milton Ramos localizado na SQS 203. Sobre um arranjo de pilares moldados em loco que configuram os pilotis estão dispostos, em cada piso, elementos de concreto que servem simultaneamente como sustentação e vedação. Estes elementos retangulares apresentam uma elevação como um troco de pirâmide em negativo e ora são opacos, ora possuem esquadrias com aberturas do tipo máximo ar.

 

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Estes exemplos se somam a outros de igual importância e são fundamentais para que se possa historiar a arquitetura que se desenvolve em Brasília nos primeiros anos a partir de sua inauguração. O tipo moderno representado pelo edifício de superquadra oferece a possibilidade de desvendarmos caminhos propositivos, identificando as nuanças presentes em cada uma dessas materializações. A concepção geral dos projetos lançada por Lucio Costa define parâmetros gerais para a proposição destes criadores empenhados em conferir à cidade, os aspectos essenciais à sua perenidade histórica, tanto quanto em propor soluções que demonstrem certas filiações, escolhas e a maneira de assimilar influências e transformá-las.

conclusão

O patamar significativo que se atinge em Brasília da conjugação entre características de ordem urbana e edilícia, permite que possamos compreender os blocos de superquadra com um tipo representativo da modernidade arquitetônica. A realização do Plano Piloto de Brasília permite que sejam levantadas, analisadas e discutidas diversas características físicas e espaciais que embasaram o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira. Dentre os diversos setores da cidade, a solução dos blocos residenciais de superquadra, guarda elementos fundamentais presentes na definição dos espaços urbanos propalada pelo movimento moderno no panorama internacional. Ao mesmo tempo, este tipo geral de edificação dá claras mostras de maneiras pelas quais os arquitetos envolvidos em sua construção lançaram mão de um determinado repertório de elementos plásticos, para a construção de determinada fisionomia.

O resultado do intervalo de possibilidades presentes nos parâmetros legislativos possibilitou riquezas nos resultados formais e arranjos espaciais presentes ao longo das quadras residenciais do Plano Piloto, não sendo possível definir uma filiação de linguagem restrita para estes edifícios. A leitura de seus elementos constituintes aponta para referências dissimiles e complexo sendo resultado da conjugação de características plásticas que manifestam nuances propositivas. Montar e compreender este repertório pode auxiliar na realização de estudo mais abrangente, direcionado para o entendimento da pluralidade e diversidade de nossa arquitetura moderna a brasileira.


notas e referências bibliográficas

[1] Estudos mais detidos e criteriosos sobre o tema podem ser encontrados em alguns volumes. Ver: Farès El-Dahdah. (Org.). Brasilia’s Superquadra. Cambridge e Munique: School of Design, Harvard, e Prestel, 2005. O livro citado acerca das superquadras é um apanhado organizado e bem estruturado sobre os dados históricos e as características de cada edifício em suas perticularidades, ver: GOROVITZ, Matheus; FERREIRA, Marcílio Mendes. A invenção da superquadra. Brasília: IPHAN, 2009.

[2] Em definição mais imediata o tipo, do grego typos (cunho, molde, sinal), é aquilo que inspira fé como modelo; coisa que reúne em si os caracteres distintivos de uma classe. O Termo foi objeto de estudo de diversos teóricos em diferentes campos do conhecimento, na filosofia, na sociologia, na arte. Na arquitetura uma das definições pioneiras pode ser encontrada na obra de Quatremère de Quincy. Seu estudo serviu como fonte e inspiração para discussão de diversos teóricos, críticos e historiadores, em reflexões críticas elaboradas principalmente a partir da década de 1960. A esse respeito ver: QUATREMÈRE DE QUINCY, Antoine Chysostome. Diccionario de arquitectura: voces teóricas. 1ª Ed. Buenos Aires: Nobuko, 2007. Neste trabalho o tipo será entendido como a idéia da arquitetura por meio da redução de particularidades de forma, como meio de observar em cada concepção suas características essenciais. Ver: ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ARGAN, Giulio Carlo. Sobre a tipologia em arquitetura. In: NESBITT, Kate. Uma Nova Agenda para a arquitetura, pp. 268.

[3] MACHADO, Marília Pacheco. Superquadra: pensamento e prática urbanística. Dissertação de mestrado, Brasília. UnB. 2007.

[4] LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p ?156.

[5] ESKINAZI, Mara Oliveira. A Interbau e a Requalificação Moderna do Oitocentista Hansaviertel em Berlim ?1957. 7° Seminário DOCOMOMO Brasil, 2007.p ?2 .

[6] MARTINS, Carlos A. Ferreira. Leitura Crítica. In: CORBUSIER, Le. Precisões: sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004 .p ?273.

[7] WINIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001. p ?8.

[8] Idem, p ?33

[9] As unidades residenciais em Brasília se constituem de superquadras, com 240×240 metros definidos por uma faixa de vegetação de 20 metros de largura e dispostas ao longo de uma estrada parque. COSTA, Lucio. Habitação Coletiva em Brasília. Módulo n° 12, fev. 1959, pp. 12 ?16.

[10] FICHER, Sylvia et. al. Uma Análise dos Blocos Residenciais das Superquadras do Plano Piloto de Brasília.2003

[11] COSTA, Lucio. O arquiteto e a sociedade contemporânea. In: Registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

[12] FRAMPTON, Keneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997

[13] ZEIN, Ruth Verde. O Lugar da Crítica: ensaios oportunos de arquitetura. Porto Alegra: Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001.

[14] [Modernism breaks decisively with this traditional system of architectural signification. Whereas the preindustrial baroque city provides another of public and private values by juxtaposing architectural conventions of repetition and exception, the modernist city is conceived of as the antithesis both of this made of representation and of its represented political order.] HOLSTON, James. The modernist city and the Death of The Street. In: LOW, Setha M. [Org.] Theorizing the City: The New Urban Anthology Reader. Rutgers University Press. 1999,

p ?265.

[15] HOLANDA. Frederico. O Espaço de Exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

[16] VALÈRY, PAUL. Eupalinos, ou o Arquiteto. São Paulo: Editora 34, 1996.

[17] Além dos citados textos de Marília Machado e Sylvia Fischer, o conjunto de obras dos edifícios de superquadra foi objeto de pesquisa coordenado por Matheus Gorovitz e Marcílio Mendes Ferreira em:

[19] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[20] Pensado inicialmente para a cidade de Alagados na Bahia.

[21] ALMEIDA, Jaime. Avaliação de Plantas de Apartamentos Econômicos em Torres Residenciais no Contexto das Construtoras. Paranoá Cadernos Eletrônicos, Brasília DF, 2003.

[22] WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001, p. 28 ?29.

[23] Antes do código de edificações de 1998(Lei no 2.105/98, regulamentada pelo Decreto no 19.915, de 17 de dezembro de 1998: Código de Edificações do Distrito Federal.), vigoraram outros três códigos de regulamentação em Brasília, aprovados nos anos de 1960 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal no 7, de 13 de junho de 1960: “Aprova a Consolidação das Normas em vigor para as construções em Brasília.?, 1967 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal ‘N?no 596, de 8 de março de 1967: Código de Edificações de Brasília (R.A.1) e Normas Complementares) e 1989. Sobre o último código é importante ressaltar que ?em>dada a importância atribuída à listagem da Unesco e a aprovação das sugestões de Costa, o Código de 1989 incorporou na íntegra os textos do Decreto no 10.829/87[23] e do Brasília revisitada, não apresentando o formato legislativo de praxe. Por seu lado, a nova Câmara aprovou em 1993 uma Constituição própria do Distrito Federal[23], a qual tornou obrigatória a elaboração periódica de planos diretores. Assim, Brasília passava a ser objeto do controle urbanístico tanto de órgãos federais como distritais, em uma coabitação nem sempre das mais harmoniosas.?ver: Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[24] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Op. Cit.

[25] NIEMEYER, Oscar. Considerações sobre a Arquitetura Brasileira. Módulo, Ano 03, n° 7, fev. 1957, pp. 5 ?10

[26] [É a partir da aliança entre função, materiais e procedimentos construtivos que Le Corbusier havia estabelecido os seus cinco pontos de uma arquitetura nova, defendendo o pano de vidro e inventando o brise-soleil.] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões Brasileiras. Sobre um Estado Passado da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Tese de Doutorado, Universidade de Paris VIII- Vincennes- Saint Denis, 2002.

[27] BRAGA, Darja Kos. Arquitetura residencial das superquadras do Plano Piloto de Brasília: aspectos de conforto térmico. Brasília: Universidade de Brasília, 2005.

[28] MACHADO, Marília Pacheco. Op. Cit, p ?89.

[29] Idem, p ?74.


Carlos Henrique Magalhães
Arquiteto e Urbanista (UnB, 2006), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB,2009).

Contato
grao.ds@gmail.com

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Soberania-Perspectiva-2Quatro meses após desistir do debate
sobre a Praça da Soberania, o arquiteto
realiza nova proposta paro mesmo local.

Oscar Niemeyer apresentou ao público hoje nova proposta para a Praça da Soberania em Brasília, na Esplanada dos Ministérios. O projeto substitui aquele elaborado em janeiro pelo arquiteto, quando gerou intensa discussão em torno de sua realização. Em 4 de fevereiro, com a publicação do texto Decisão, o arquiteto desistira do debate, advertindo entretanto que continuaria a desenvolver o projeto “na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a ser cogitada”.

Soberania-Perspectiva-1A publicação do projeto hoje, na primeira página do jornal local Correio Braziliense, foi articulada com outras duas ações bastante enérgicas de Niemeyer no sentido levar adiante imediatamente a idéia. A primeira foi o lançamento do quarto número da revista Nosso Caminho – editada pelo arquiteto, seus amigos e colaboradores mais próximos – com a publicação do projeto original concebido para a Praça da Soberania. A segunda foi a realização de uma palestra para estudantes e professores de arquitetura da Universidade de Brasília, em pleno Caminho Oscar Niemeyer – um conjunto de monumentos projetados por ele em Niterói. A palestra foi concluída com uma exposição do novo projeto para a Praça da Soberania.

Conforme sugerido pela reportagem do Correio Braziliense, Niemeyer identificaria nos professores da Universidade de Brasília os principais críticos de seu projeto. Na semana passada, através do arquiteto João Filgueiras Lima – o Lelé -, Niemeyer convidou os alunos da universidade à palestra na Escola de Humanidades, que funciona no Caminho Oscar Niemeyer – seu maior conjunto de obras recentes. Mais de cinquenta estudantes e docentes se dirigiram a Niterói para ouvir o arquiteto.

A ação coordenada dessa sexta foi apenas o coroamento de uma semana bastante movimentada para Niemeyer. Na última quarta-feira, no jornal Folha de S.Paulo, ele anunciou a conclusão de um anteprojeto para a Biblioteca Árabe/Sul-Americana em Argel, capital da Argélia, com mais de 45 mil metros quadrados, bem como uma torre e um centro de convenções adicionais no ainda inconcluso Caminho Oscar Niemeyer. No mesmo dia, na galeria de sua filha Anna Maria, foi lançado o livro Oscar Niemeyer 1999-2009.

Em entrevista ao Correio Braziliense, o arquiteto reafirma os argumentos anteriormente usados para defender seu projeto e passa a explicar a nova proposta. Em lugar de uma grande edificação curva transversal à Esplanada, agora são dois blocos longitudinais, encostados às vias. Foi mantido o obelisco do Monumento ao Cinquentenário de Brasília, deslocado do eixo central e  reduzido para 50 metros de altura – metade das dimensões originais. Niemeyer conclui: Assim é mais acessível, mais barato, mais bonito até. A solução que encontrei é tão mais simples de fazer. A questão da visibilidade que eles exigiram de poder olhar da Rodoviária à Praça dos Três Poderes não será mais problema. Ficou livre. Eu mudei a posição dos prédios, vai ser bem mais fácil de construir mesmo. O estacionamento ficou independente de tudo, embaixo da avenida de pedestres.

Matéria elaborada com base em notícias veiculadas
no Correio Braziliense (29/05/2009) e na Folha de S.Paulo (27/05/2009).

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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[1]

1. introdução

As pesquisas históricas e as diversas abordagens relacionadas à caracterização formal e compositiva do Congresso Nacional, um dos Palácios da Praça dos Três Poderes, constituem-se referências para o entendimento do edifício, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e construído em Brasília entre 1958 e 1960. Conquanto haja farta produção encontrada em publicações que fazem menção a estes aspectos do conjunto arquitetônico, identifica-se a escassez de estudos que tomem por base as fontes primárias de documentação técnica e realizem a necessária confrontação deste material com as edificações: o Edifício Principal e os edifícios Anexos.

As investigações realizadas com base nesta constatação, conduzidas como parte da pesquisa vinculada ao curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília – FAU-UnB, têm apresentado resultados em duas vertentes que contribuem para o entendimento do objeto: uma relacionada à preservação dos bens arquitetônicos e outra vinculada aos registros da historiografia existente. Em ambos os casos, os passos iniciais se baseiam nos estudos fundamentados em documentação cadastral disponível e complementados por levantamento físico dos edifícios.

Na primeira vertente observa-se que um dos pontos de entendimento comum a respeito da Preservação do Patrimônio Edificado[2] relativo à Arquitetura Moderna no Brasil é o de que, preliminarmente à definição das intervenções, sejam quais forem, é necessário amplo conhecimento dos edifícios[3]. A respeito do assunto, a ausência de conhecimento detalhado das características edílicas do Palácio do Congresso, tem deixado uma lacuna nas informações sobre a técnica construtiva ali existente. A falta destes subsídios, devidamente consolidados em documentação sistematizada, é evidenciada no necessário embasamento das decisões que conservem a feição e a função originais da edificação ou na fundamentação do contraditório em ações que conspiram contra a conservação da obra.

Em relação à historiografia existente, identifica-se que as abordagens e os registros encontrados em livros e publicações periódicas especializadas, tanto nacionais quanto internacionais, têm ênfase na análise geral do partido e trazem pouca informação resultante da consulta em fontes primárias. Uma das conseqüências deste fato pode ser notada nas representações gráficas que se utilizam das mesmas bases de 1957 sem que houvesse uma comparação destas com os documentos técnicos e com a obra construída. A falta de uma revisão crítica destas fontes bibliográficas fez com que indicações equivocadas se repetissem em várias abordagens utilizadas como referência em produções acadêmicas.

A partir destas constatações prévias, serão apresentados os resultados preliminares da confrontação realizada entre projetos elaborados e obra construída do Congresso Nacional, tendo por base a documentação original dos desenhos técnicos produzidos no período inicial da construção de Brasília. As análises têm como fundamentos as vertentes anteriormente descritas e é baseada em três tipos de documentos: os Anteprojetos de 1957, o conjunto reconhecido como Projeto para Execução[4] elaborado entre 1957 e 1960, e a obra construída, cuja conclusão avança no ano de 1960.

2. preservação do patrimônio e conhecimento edilício

Em meio às comemorações do centenário do arquiteto Oscar Niemeyer, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural ratificou a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN de inscrever no Livro do Tombo um conjunto que contemplou trinta e cinco prédios e monumentos criados pelo arquiteto em nove cidades do País[5]. O Palácio do Congresso Nacional faz parte deste conjunto e, a partir desta iniciativa, passa a ser considerado Patrimônio Artístico que precisa ser preservado em seus aspectos conceituais e materiais. Em que pese a importância do efeito legal, a eficácia de tal ação depende das bases técnicas para que a preservação seja viabilizada e estas informações, que se constituem nas orientações gerais combinadas com a sistematização das partes do objeto concreto, não se encontram consolidadas.

Destaca-se que, em relação às orientações gerais, as características específicas da Arquitetura Moderna Brasileira e o relativo curto período de existência das edificações representam alguns dos desafios para agrupar de forma consensual as bases e as diretrizes para a elaboração dos Projetos de Preservação. No entanto, o conhecimento das técnicas construtivas edilícias, incluindo a ciência da interação entre materiais e processos envolvidos, tem sido considerado um dos pré-requisitos para a Preservação do Patrimônio Edificado. A orientação consta das instruções de Programa do Governo Federal[6] e se inclui nos debates dos recentes Seminários de Documentação e Conservação do Movimento Moderno – DOCOMOMO[7]. Neste último caso, trata-se especificamente da intervenção no patrimônio moderno, que tem representado preocupações na prática profissional face ao desafio de conciliar as necessárias modificações com a preservação nas obras representativas desta fase.

Corroborando este senso compartilhado e as dificuldades delineadas, nota-se, na atuação relacionada ao Congresso Nacional, a necessidade de sistematizar as informações sobre os processos técnicos construtivos adotados – entendidos como a expressão dos valores elegidos pelo arquiteto – para que sirvam como subsídios nas intervenções que ocorrem nos edifícios. Como solução para suprir esta exigência, entende-se que as atividades de leitura e de conhecimento das características das edificações – obtidas por meio de vistorias, levantamentos físicos, levantamento cadastrais, além de registros iconográficos e fotográficos – podem contribuir para o mapeamento destes processos que constam nos documentos de projetos e nos próprios edifícios.

A leitura dos documentos que instruem o Tombamento, por seu turno, evidencia a necessidade destes estudos com base na abordagem da técnica construtiva. Pois, embora os documentos se constituam de importante embasamento cognitivo para as obras, sobretudo na configuração do valor artístico, observa-se que a compreensão e decodificação dos sistemas da construção, essenciais nas ações de preservação a serem conduzidas pelos órgãos responsáveis, não foi feita. Depreende-se que esta tarefa carece do trabalho de pesquisa e das avaliações que complementem o conjunto de instruções já elencadas.

O sentido geral das obras de Oscar Niemeyer reside no modo particular pelo qual o arquiteto expressa o caráter libertário próprio a toda obra de arte. O belo conduzido pela imaginação poética, determina por antecipação a dimensão de um tempo e de um espaço maiores que os do presente e do imediato […] [8]

3. aspectos da documentação técnica

Como parte das ações voltadas para complementação destes dados, face o contexto descrito, uma das atividades empreendidas trata dos aspectos relativos à documentação técnica existente.  Esta documentação agrega as informações de projeto que registram os atributos funcionais, formais e técnicos[9] considerados na época para as edificações e serve de ponto de partida para os estudos e investigações pertinentes ao conhecimento das obras.

As considerações acerca destes aspectos na documentação do Congresso Nacional são resultantes da análise conjunta do mesmo tipo de registro relacionado aos demais Palácios da Praça dos Três Poderes: o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Para cada um dos edifícios, a abordagem teve como primeiro passo a delimitação das etapas na produção técnica e das variações verificadas em projetos, na seqüência tratou-se de comparar as versões ocorridas na concepção e, por fim, buscou-se correlacionar as atividades a fim de desvelar parte dos métodos que permearam a tarefa projetual.

Nos trabalhos precedentes para o caso específico, foram realizados o mapeamento e a organização das fontes primárias que tratam do Palácio. Identificou-se que, apesar das dificuldades e condições encontradas na época para a manutenção destas peças gráficas[10], atualmente a documentação encontra-se íntegra nos volumes de projetos, ainda que sejam notados alguns intervalos na seqüência numérica. Parte do material está relacionado ao Fundo Novacap[11] e a documentação mais recente das intervenções faz parte do acervo do Centro de Informação e Documentação da Câmara dos Deputados.

Do agrupamento de documentos a serem considerados, destaca-se que as etapas de elaboração as quais precederam a construção podem ser reunidas em dois conjuntos de documentação gráfica. O primeiro nominado de Estudos Preliminares (Figura 1), segundo Katinsky, se constitui de mais de trinta variações realizadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer e que encontram-se representadas e analisadas em pesquisa de livre-docência[12]. O segundo, com base no qual o assunto será tratado, pode ser identificado no total de desenhos técnicos que caracterizam a evolução de etapas após a definição do partido. Este conjunto, que é composto pelos projetos de arquitetura, projetos de estruturas e demais projetos complementares, constitui fonte primária para a pesquisa em andamento e encontra-se em fase de catalogação e recuperação na Seção de Patrimônio Histórico e Arquitetônico da Câmara dos Deputados.

Figura 1 ?Parte dos Croquis de Estudos Preliminares para o Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1957.

Figura 1 ?Parte dos Croquis de Estudos Preliminares para o Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1957.

3.1. etapas e variações

Passo preliminar na análise da documentação localizada, foi a identificação dos tipos de projetos, das etapas desenvolvidas e das variações ocorridas, aspectos que retratam as mudanças no ideário até a solução final. Embora se registre a existência de desenhos de instalações e de outros planos complementares, optou-se por delimitar o exame à documentação relativa aos projetos de arquitetura e de estruturas, no entendimento de que estas atividades são definidoras das intenções do arquiteto para as obras[13]. Com base nesta premissa, foi possível comprovar que as fases reconhecidas nos demais Palácios da Praça dos Três Poderes, se encontram definidas também no Congresso Nacional (Tabela 1).

Tabela 1 ?Desenvolvimento das etapas de projetos e da execução da obra.

Tabela 1 ?Desenvolvimento das etapas de projetos e da execução da obra.

Para o caso em estudo, a descrição dos produtos e os conteúdos das fases do Projeto de Arquitetura podem ser sintetizados nas seguintes etapas:

  • Anteprojetos – constituem-se de desenhos originais produzidos em 1957, com técnica de grafite sobre papel vegetal. Os conjuntos são compostos de plantas, com lançamento preliminar do programa, e cortes em escala não superior a 1:200. Esta etapa conta com duas versões, aqui denominadas Anteprojeto 01 e Anteprojeto 02, que serão detalhadas mais adiante;
  • Projeto – desenhos originais produzidos entre 1957 e 1960, técnica grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Trata-se de aprofundamento nos estudos de anteprojeto com a ampliação de determinados desenhos. Possivelmente os produtos desta etapa foram encaminhados para o lançamento dos projetos complementares. As ampliações de desenhos ocorreram em escala 1:100 e indicam revisões e avanços nas propostas lançadas. Este conjunto de documentos apresenta versões diversas de um mesmo desenho, decorrentes principalmente das alternativas para o programa, como no caso em que se identifica para a planta do pavimento Semi-enterrado vinte e seis versões elaboradas;
  • Alvenaria – desenhos originais produzidos entre 1958 e 1960, grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Esta etapa apresenta as intenções lançadas na fase de Projeto complementadas com as respectivas compatibilizações provenientes dos projetos complementares. Da mesma forma que na etapa anterior são encontradas várias versões com o mesmo objetivo, no entanto, as versões para esta fase não se limitam às definições programáticas em desenhos de planta. Existem versões de cortes diversos com o objetivo de incorporar os resultados das outras atividades de planejamento, notadamente das soluções estruturais;
  • Esquadrias – desenhos originais, produzidos entre 1958 e 1960, grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Representam os intentos para as fachadas e esquadrias internas, com indicações de configuração das vedações verticais em pano de vidro, dimensionamentos gerais e detalhes em escala 1:1;
  • Detalhes Diversos – desenhos originais, produzidos entre 1958 e 1960, grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Constitui-se de etapa que contempla detalhamentos para várias partes do edifício, tais como: vistas ampliadas de sanitários, copas e cozinhas; indicações de revestimentos e acabamentos em metal e madeira; detalhes de iluminação e forros, dentre outros.

Para melhor entendimento do processo ocorrido, cabe relacionar as etapas de projeto, transcritas nos documentos da época, com as nomenclaturas da prática projetual atual advindas dos instrumentos normativos de Elaboração de Projetos de Edificações[14]. A partir desta verificação, percebe-se que o conteúdo das fases de Anteprojeto é correlato com o previsto na descrição normativa para o mesmo termo, já os produtos das fases denominadas Projeto, Alvenaria, Esquadrias e Detalhes Diversos se aproximam da definição de Projeto para Execução, que trata da representação final das informações técnicas da edificação e de seus elementos[15].

A documentação relativa aos Projetos de Fundações e Estruturas se constitui dos desenhos originais, com técnica de grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica[16]. Nota-se a ausência de datas em grande parte das pranchas de estruturas[17]. Constitui-se dos projetos assinados pelo engenheiro Joaquim Cardozo, correspondentes à estrutura do Edifício Principal – desenhos de formas, armação e detalhes – e à parte dos Anexos em concreto, visto que estes edifícios possuem estrutura mista: pilares e vigas metálicas revestidas por concreto. Além de encontrar-se completa em seu conjunto, representa leitura complementar essencial na caracterização da arquitetura, não só pela relação entre estas disciplinas que concorrem para a execução da obra, mas também pelo método de trabalho indicado, tratado mais adiante.

3.2. versões do projeto de arquitetura

A fim de referenciar as versões de projetos do Congresso Nacional, cabe caracterizar em linhas gerais a obra definida pelo Projeto para Execução analisado. O conjunto edificado tem a função de abrigar os dois órgãos do legislativo sem que haja interferência na independência das Casas. Além da ocupação compartilhada, o programa foi distribuído em duas partes distintas – os plenários e os edifícios administrativos. O volume prismático, Edifício Principal abriga as funções legislativas de apoio aos plenários e serve de embasamento para as cúpulas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Como parte da composição principal, os Anexos[18] de cada Casa configuram as duas torres de vinte e oito pavimentos para serviços administrativos e escritórios.

As etapas que levaram a esta configuração final da arquitetura são detalhadas adiante com base nos três conjuntos de documentos que as definem: Anteprojetos 01 e 02, Projeto e Alvenaria. A característica comum a essas etapas é a confirmação das definições gerais do partido, relacionadas à composição e à volumetria, resultantes da fase de Estudos Preliminares. As diferenças encontram-se na distribuição programática e nas soluções da técnica construtiva para viabilizar a execução do partido e a construção da obra.

3.2.1. anteprojeto 01

Conjunto com nove pranchas de desenho, sem indicação de data, provavelmente elaborados entre janeiro e julho de 1957, composto de planta de situação, plantas dos pavimentos em escala 1:500 e Cortes em escala 1:200 e 1:500. Esta proposta não consta das publicações previamente consultadas e representa uma primeira apropriação do programa com base no partido escolhido.

Figuras 2 e 3 ?Anteprojeto 01 - Corte esquemático do Congresso Nacional |  Situação. 1957.

Figuras 2 e 3 ?Anteprojeto 01 - Corte esquemático do Congresso Nacional | Situação. 1957.

A implantação já representava os principais elementos na configuração em que seriam construídos: o Edifício Principal com as cúpulas dos plenários e as torres de escritórios dos Anexos (Figura 3). A principal característica que distingue esta proposta da versão final é a previsão de um espaço Semi-enterrado denominado Grande Auditório, descrito como área para Televisão e público, localizado em frente ao Congresso, na área que atualmente abriga o jardim inclinado defronte à fachada oeste (Figuras 2 e 3).

O Congresso tinha um grande auditório pra público, […], pra assembléias populares, assim, que o povo fosse lá em vez de ficar nas galerias (sic), […]. Porque você repara que o terreno é mais baixo no meio, entre as duas pistas, então ali seria um grande auditório, o jardim passava no nível das pistas e embaixo seria um grande auditório pra assembléia do povo. Isso foi abandonado depois, evolução natural do projeto.[19]

O pavimento Semi-enterrado previa passagem de veículos, Chapelaria e estacionamentos, além da circulação de ligação às torres dos Anexos. Os acessos ocorreriam pelas fachadas oeste e leste e as rampas de veículos no edifício dar-se-iam pelas fachadas norte e sul. Esta configuração foi modificada na versão executada.

O pavimento Térreo se caracteriza como nível de acesso ao Edifício Principal, com duas circulações que ligam a espaços denominados Hall de Imprensa e Hall de Público, este último a partir do plano inclinado frontal que permitiria acesso ao grande hall de elevadores (Figura 4). O pavimento que contava com um espaço de pé-direito duplo, configurado por mezaninos na fachada oeste e leste, lembra a solução adotada para o Palácio do Planalto, com a presença de um elemento marcante definido pela rampa em curva.

Figura 4 ?Anteprojeto 01 ?Planta do pavimento Térreo. 1957.

Figura 4 ?Anteprojeto 01 ?Planta do pavimento Térreo. 1957.

O nível denominado Sobreloja é configurado pelos planos que definem o vazio dos mezaninos, o primeiro caracteriza a circulação de público às galerias, o segundo delimita os espaços para áreas de atividade do legislativo e apoio aos plenários. A rampa na fachada oeste, além de permitir acesso à plataforma das cúpulas, possuía um lance para o mezanino de circulação do público para as galerias (Figura 2), solução que seria modificada na versão final, na qual este lance passaria a dar acesso ao pavimento Térreo.

3.2.2. anteprojeto 02

Este conjunto, que se constitui de sete pranchas de desenhos datados de julho de 1957, combinado com desenhos da fase Projeto, foi a principal base para a divulgação do projeto[20] e referência identificada em várias publicações. Apresenta-se com produtos similares aos do estudo anterior, com plantas dos pavimentos em escala 1:200. A proposta mostra-se mais próxima do plano final adotado, em termos de distribuição do programa. As exigências programáticas repercutiram no adensamento da ocupação, o que provavelmente levou à eliminação dos mezaninos inicialmente previstos, optando-se pela elaboração de planos em seminíveis para ainda caracterizar um espaço nobre de recepção, denominado Hall Geral para público, atual Salão Negro.

No pavimento Semi-enterrado (Figura 5) foram mantidas as funções gerais, nota-se que o espaço Salão de Estar dos Deputados e Senadores, nesta proposta se integraria visualmente com a Praça dos Três Poderes. No acesso de veículos observa-se que, embora a via se encontre na locação aproximada da executada, a entrada é proposta pela fachada sul e norte, medida que iria ser alterada para acesso principal pela fachada oeste.

A rampa de público na fachada oeste passa a se ligar ao pavimento Térreo (Figura 6), que é confirmado como acesso de público por meio do Hall Geral, que por sua vez faculta um dos caminhos à circulação para as galerias. Também neste nível estão presentes os espaços de Hall de Imprensa para cada Casa e a conformação das vedações dos plenários que se encontra próxima da definitiva. A proposta do Salão de Estar também é descrita para o pavimento, em posição análoga à do nível inferior e contemplava a integração visual pretendida, que deixou de existir após a expansão ocorrida no Edifício Principal em 1970.

A vista da Praça dos Três Poderes que do antigo salão se descortinava desapareceu, mas a arquitetura externa do Palácio foi preservada, e com tanto apuro que ninguém percebe essa modificação que, como arquiteto, sempre lamentei. [21]

No nível denominado Esplanada passou a existir um corredor que liga os dois plenários e define a Circulação de público para as Galerias (Figura 7). Além de acessível pelo Hall Geral, este espaço possuía entrada a partir da laje de embasamento. Nas representações em desenho esta circulação se encontra acima do perfil normal da plataforma sob a qual se assentam as cúpulas. A solução indicada no corte longitudinal (Figura 17) criava uma linha de cumeeira (Figura 18) definida por dois planos inclinados que conflitavam com a proposta pretendida, na qual os volumes característicos do partido pousam sem interferências sobre uma superfície regular.

Figura 5 ?Anteprojeto 02 ?Edifício Principal ?Pavimento Semi-enterrado | Pavimento Térreo | Esplanada. 1957.

Figura 5 ?Anteprojeto 02 ?Edifício Principal ?Pavimento Semi-enterrado | Pavimento Térreo | Esplanada. 1957.

3.2.3. projeto

A etapa denominada Projeto foi iniciada em setembro de 1957, se estendeu em fase posterior a 1960[22] e avança além da inauguração de Brasília. Foram localizadas, até o momento, sessenta e três pranchas de desenhos, além das variações. Configura-se no aprofundamento das premissas esboçadas no Anteprojeto 02, redesenhadas em documentos que correspondem à ampliação da escala. Percebe-se que o conjunto edificado passou a ser tratado em agrupamentos distintos de desenvolvimento: o primeiro se ocupou das soluções para o Edifício Principal – com destaque para os desafios da técnica vinculada ao uso do concreto – e o segundo tratou do desenvolvimento dos Anexos.

No Edifício Principal, os pavimentos Semi-enterrado, Térreo e Esplanada se encontram com os espaços em configuração aproximada da versão final, a distribuição geral sofreria pequenas alterações, resultantes da adequação de programa apenas estimada inicialmente[23], que não destoam do lançamento definido no Anteprojeto 02. No encaminhamento dos pavimentos é consolidada a proposta dos seminíveis que fazem a transição entre a fachada oeste, com Hall Geral apresentando pé-direito mais elevado, e a fachada leste voltada para a Praça dos Três Poderes.

Encontra-se representada, nas peças gráficas da fase inicial desta etapa, a interferência identificada na fase do Anteprojeto 02, entre a Circulação de público para as Galerias e as cúpulas. Fato que pode ser observado na ampliação do corte longitudinal e na indicação dos cortes transversais elaborados em 1957 (Figuras 8, 9 e 10) além de ser confirmado nos desenhos de fachada (Figura 11). Estes cortes transversais foram utilizados na primeira publicação completa do projeto em revista especializada[24]. A alteração da interferência tem a primeira ocorrência em documentos também desta fase, a partir de setembro de 1958.

O edifício dos Anexos foi objeto de avanços na proposta mantendo sua configuração geral. Chama atenção a previsão de combogós para as fachadas entre as duas lâminas que, ainda nesta fase, ganhariam esquadrias nos mesmos moldes daquelas propostas para as fachadas sul e norte externas.

Figuras 8, 9 10 e 11 ?Etapa Projeto |Corte Transversal ?Senado Federal |Corte Transversal ?Circulação para Galerias | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados | Trecho Fachada Oeste ?Cúpula da Câmara dos Deputados. 1957.

Figuras 8, 9 10 e 11 ?Etapa Projeto |Corte Transversal ?Senado Federal |Corte Transversal ?Circulação para Galerias | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados | Trecho Fachada Oeste ?Cúpula da Câmara dos Deputados. 1957.

3.2.4. alvenaria

A etapa denominada Alvenaria, ocorreu entre setembro de 1958 e dezembro de 1959, tendo sido localizados, até o momento, quinze pranchas de desenhos, além das variações. Os desenhos apresentam-se com maior riqueza na representação e com informações detalhadas de dimensões e acabamentos. Os pavimentos do Edifício Principal são representados conforme a segmentação definida pelas duas juntas de dilatação que interrompem os duzentos metros de comprimento do prédio. As compartimentações nos pavimentos ainda seriam objetos de pequenas modificações durante o processo.

Nas peças gráficas do Edifício Principal, chamam a atenção as propostas de brise vertical para a fachada oeste, que não foi executada, e de uma linha de combogós, paralela às esquadrias nas fachadas sul e norte, também não executada. No caso desta última, constata-se que o arrimo executado e o avanço da plataforma configuravam proteção necessária para estas fachadas. A fachada oeste, no entanto, sem a adoção de outra medida, ficou desprovida de sistema de proteção.

3.3.  metodologia do desenvolvimento de projetos

A análise conjunta dos projetos de arquitetura e estruturas dos Palácios na Praça dos Três Poderes nos permite deduzir a existência de um método de trabalho entre as equipes envolvidas, caracterizado pela estreita e, em muitos casos, indissociável relação existente entre decisões provenientes da arquitetura e encaminhamentos adotados nas soluções de estruturas. Corroboram esta percepção as referências de atuação dos responsáveis pelo desenvolvimento de cada atividade: o arquiteto Nauro Esteves, no projeto de arquitetura, e o engenheiro Joaquim Cardozo, nos projetos de estruturas.

O arquiteto Nauro Esteves, responsável pelos trabalhos de desenvolvimento do escritório de Oscar Niemeyer, era o coordenador das atividades técnicas dos projetos, fato comprovado pela sua assinatura em quase todas as peças gráficas do Congresso – arquitetura, estruturas e instalações.

[…] eu sempre fui o coordenador de arquitetura e urbanismo, com diversos nomes, mas sempre fui eu. Sempre, desde o primeiro dia até eu sair. Então os projetos sempre eram aprovados por mim. Os da iniciativa privada e os projetos do governo eram todos visados por mim, porque eu era o coordenador. Então, todos passaram na minha mão. [25]

O registro da participação de Nauro em outras funções projetuais estendeu a atuação da arquitetura para além dos desenhos desta disciplina e fez com que informações não identificadas nesta atividade de projeto estivessem presentes em outros desenvolvimentos. É o que se nota no caso da laje de cobertura que define a plataforma de base dos plenários no Congresso, aparentemente modificada durante a execução do plano estrutural, e na definição para a tangente da cúpula da Câmara dos Deputados, conforme os dizeres de Oscar Niemeyer[26]. Comprovação correlata é encontrada nos projetos para o Palácio do Planalto, no qual as decisões de calhas e caimentos da cobertura foram somente localizadas no planejamento de formas da laje de cobertura. Outro registro no mesmo edifício são as alternativas para as passagens de tubos de águas pluviais nos pilares, repertório sugerido por Joaquim Cardozo para escolha mais adequada da arquitetura e das instalações.

No Congresso Nacional este aspecto é evidenciado na mudança ocorrida para o planejamento da plataforma de embasamento das cúpulas. Trata-se da alteração ocorrida no projeto de arquitetura, entre as etapas de Projeto e Alvenaria, referente ao posicionamento da Circulação de público para as Galerias da Câmara e do Senado. O fato desperta interesse devido à combinação entre duas constatações: a primeira é a verificação, em arquitetura, do intervalo existente entre a última versão dos desenhos de corte para a solução prévia, janeiro de 1958, e a primeira versão que contempla a mudança na intenção, setembro de 1958. A segunda é a de que ocorreu em período próximo[27] o registro de documentos em fase avançada do projeto de estruturas para o trecho em questão, com a existência de detalhamento de armação de vigas da terceira laje na previsão definitiva que seria adotada (Figura 16).

Esta averiguação suscita a questão sobre até que ponto as equipes de desenvolvimento interagiam entre si e indicavam caminhos nessa relação entre arquitetura e engenharia em busca da melhor decisão para os problemas enfrentados. No caso do engenheiro Joaquim Cardozo essa interação parece ter existido a despeito da elaboração dos projetos ter ocorrido no escritório do Rio de Janeiro, enquanto a equipe de arquitetura desenvolvia os projetos em Brasília. As fases atuais da pesquisa, configuradas pela análise aprofundada dos documentos combinada com o levantamento físico, poderão contribuir para o entendimento desta questão.

[…] em Brasília nós tínhamos 15 pranchetas; arquitetos e desenhistas eram 15, mais o pessoal da instalação elétrica, hidráulica, etc., que era aqui. Concreto, só concreto que ficou no Rio, porque o Joaquim Cardozo tinha muita idade, não pôde vir pra Brasília. Então o escritório de concreto nosso ficou no Rio. [28]

4. historiografia

O cotejamento da documentação técnica com as informações contidas no conjunto de obras escritas sobre o Congresso Nacional permitiu identificar duas questões que se referem à historiografia existente. A primeira se vincula ao assunto do conhecimento edilício e ao diagnóstico sobre a disponibilidade de instruções a respeito da técnica construtiva, obtidas a partir da confrontação entre documentação e obra construída. A segunda trata da necessária revisão de representações gráficas utilizadas como referências para pesquisas e publicações.

Em relação à primeira questão, aponta-se a necessidade de confrontação entre os documentos técnicos e a obra executada a fim de empreender a análise dos sistemas construtivos e dos materiais, com o propósito de complementar um assunto cujo detalhamento tem pouca ocorrência nas referências utilizadas. Em um dos livros que aborda a obra de forma pormenorizada, Bruand deixa claro que não se detém nas questões do conhecimento das técnicas construtivas com a seguinte justificativa:

[…] a arquitetura brasileira tem empregado em seu conjunto procedimentos bastante simples, cujos princípios podem ser facilmente compreendidos por um leigo; além do mais, não pretendíamos entrar em detalhes quanto às técnicas empregadas, interessando-nos estas somente na medida em que possibilitam, explicam ou condicionam a concepção formal […] [29]

Linha de abordagem análoga tem prevalecido na maioria das publicações, nas quais as incursões sobre detalhes da técnica construtiva tratam, em alguns casos, da descrição dos elementos de revestimentos e em outros apresentam enfoque nos aspectos estruturais[30]. Nestas ocorrências os estudos têm sido conduzidos com base em fontes secundárias, documentação publicada em periódicos ou livros, e em nenhum dos casos ocorre referência às fontes primárias sobre os edifícios ou ao levantamento físico da obra construída, que possibilitariam estudo detalhado do assunto.

No tocante à segunda questão, verifica-se que em diversas ocorrências de pesquisa e de publicações as representações gráficas não correspondem à obra executada. Percebe-se que este problema é resultante da repetição de desenhos sem que houvesse a consulta às fontes primárias dos documentos técnicos ou a confrontação com o objeto construído.

A divergência entre informações gráficas e obra construída é reconhecida em dois pontos: o primeiro se refere à diversidade nas plantas dos níveis, ocorridas entre as etapas, e o segundo diz respeito à solução definida para a plataforma que serve de base para as cúpulas. De forma distinta das variações programáticas para compartimentação, ocorridas nos pavimentos e que não representam impacto no partido proposto, a configuração do projeto indicada nos cortes para o nível da plataforma do Edifício Principal – denominado Esplanada e que define a Circulação de público para as Galerias dos plenários – corresponde a uma interferência no desígnio pretendido por Oscar Niemeyer.

Esta ocorrência é verificada na referência basilar para as diversas publicações sobre os edifícios que se encontra na Revista Módulo[31] de 1958. No periódico ocorre a primeira publicação completa do projeto[32], incluindo fotos de maquete, croquis, texto explicativo e desenhos técnicos de plantas dos pavimentos e de cortes do edifício. Conforme mencionado anteriormente, estas representações técnicas foram produzidas a partir da combinação dos produtos de duas etapas: as plantas dos pavimentos Semi-enterrado, Térreo e o corte longitudinal têm origem no Anteprojeto 02, a planta do pavimento Esplanada e os cortes transversais são da fase inicial da etapa Projeto.

Figura 12 ?Croqui do Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1987.

Figura 12 ?Croqui do Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1987.

Neste conjunto de desenhos o projeto para o nível de base das cúpulas não condiz com a versão final definida, trata-se de uma proposta que foi alterada por apresentar interrupção na percepção dos elementos de destaque e na permeabilidade visual que se pretendia (Figuras 17 e 18). No caso, nota-se que o teto da Circulação de público para as Galerias se encontrava em nível acima do embasamento definido, com isso gerava uma linha de cumeeira situada a 1,70m acima do plano de base (Figura 9). Esta elevação criava um volume que interferia tanto no Senado quanto na Câmara (Figura 18). A previsão representava um obstáculo à intenção do arquiteto de proporcionar a vista que hoje se estende em profundidade, além do edifício, acima da esplanada, entre as cúpulas[33] (Figura 12). Destaca-se que as fotos da maquete não permitem antever esta interferência, pois ela foi executada considerando uma plataforma contínua sobre a qual os volumes se assentavam, ou seja, o modelo não corresponde ao desenho técnico representado.

A proposta final para o caso apresenta a circulação de público totalmente integrada à plataforma (Figura 14). Neste planejamento a cota da laje de teto do espaço passou a corresponder ao nível de base das cúpulas (Figuras 13 e 15), eliminando, assim, a interferência outrora identificada Era a solução pretendida, ilustrada em croquis, explicada nos textos como manifestação da intenção do arquiteto e a que foi de fato executada (Figuras 19 e 20).

Figuras 13, 14, 15 e 16 ?Etapa Alvenaria ?Corte Transversal ?Senado Federal, 1959 | Corte Transversal ?Circulação para Galerias, 1958 | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados, 1959 | Armação de viga na Circulação para Galerias, 1958.

Figuras 13, 14, 15 e 16 ?Etapa Alvenaria ?Corte Transversal ?Senado Federal, 1959 | Corte Transversal ?Circulação para Galerias, 1958 | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados, 1959 | Armação de viga na Circulação para Galerias, 1958.

Figuras 17 e 18 ?Anteprojeto 01 ?Corte Longitudinal | Plataforma das cúpulas - simulação da volumetria. 1957.

Figuras 17 e 18 ?Anteprojeto 01 ?Corte Longitudinal | Plataforma das cúpulas - simulação da volumetria. 1957.

Figuras 19 e 20 ?Projeto Executado ?Corte Longitudinal | Maquete da plataforma das cúpulas, conforme executado. 2008.

Figuras 19 e 20 ?Projeto Executado ?Corte Longitudinal | Maquete da plataforma das cúpulas. 2008.

A cúpula da Câmara dos Deputados demandava um estudo cuidadoso que a deixasse com que apenas pousada sobre a esplanada, isto é, a cobertura do prédio; o mesmo acontecia com esta última, cujo topo é tão fino que ninguém imagina constituir, internamente a galeria do público que liga os dois plenários.[34]

Figuras 21 e 22 - Croqui da Cúpula da Câmara dos Deputados | Croqui da Circulação para as Galerias. Oscar Niemeyer. 1987.

Figuras 21 e 22 - Croqui da Cúpula da Câmara dos Deputados | Croqui da Circulação para as Galerias. Oscar Niemeyer. 1987.

Atribui-se a ocorrência inicial da inconsistência aos fatos simultâneos condensadas no período entre 1958 e 1960, com destaque para a urgência na elaboração de projetos, a necessidade de divulgação na mídia especializada, a estratégia política de publicidade para as obras e a execução da construção em tempo exíguo. Neste contexto, não se trata de equívoco na representação por parte do arquiteto, uma vez que a intenção expressa era clara, mas da utilização da documentação que estava disponível no momento, ainda que em nível preliminar. A reprodução sistemática dos dados[35], sem que houvesse a atualização das informações e adequação à obra imaginada e executada, é que pode ser configurada como um lapso da historiografia, fato relevante ao verificarmos que estas informações têm servido de referência para pesquisas e para investigações sobre o objeto.

5. conclusões

Os resultados preliminares das investigações em desenvolvimento sobre o Palácio do Congresso Nacional confirmam a importância da pesquisa em arquitetura baseada em fontes primárias e ratificam a relevância do tipo de exame que explica a obra em seus elementos constituintes. Estas ações podem contribuir para uma análise que acrescente informações às interpretações compositivas e formais já existentes, com a pretensão de uma abordagem distinta da mitificação que Montaner[36] afirma existir em torno da figura, do estilo e das obras de Oscar Niemeyer.

As descrições e as questões apresentadas são conseqüências do trabalho de pesquisa e investigação empreendido com base no contexto descrito: a condição legal de Preservação, a indicação sobre a importância do conhecimento edilício e as constatações relacionadas à carência de informações sobre as características construtivas do Palácio. Neste primeiro momento, conforme ilustrado, a consulta em fontes primárias, além de delimitar as bases para o avanço dos estudos, serviu para a revisão de dados existentes nas obras escritas sobre a edificação.

As avaliações demonstradas neste artigo foram conduzidas como parte da pesquisa que tem como objeto a arquitetura da Praça dos Três Poderes, com ênfase nos Palácios do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Os desdobramentos futuros do assunto buscarão o aprofundamento nas duas vertentes apontadas inicialmente. Na primeira, trataremos da identificação e da definição de parâmetros analíticos para entendimento das obras e na sistematização de suas principais características construtivas, visando a Manutenção e Preservação dos bens arquitetônicos. Na segunda, as leituras empreendidas da documentação técnica permitirão complementar as informações da historiografia ou servirão de base para a revisão de dados existentes, como no caso que se verificou para o Palácio do Congresso Nacional.


notas

[1] Este texto foi apresentado originalmente no 1º Seminário Latino-Americano Arquitetura e Documentação, em Belo Horizonte, em setembro de 2007.

[2] São adotados preferentemente os conceitos e definições indicados nos cadernos técnicos elaborados pelo Ministério da Cultura – Instituto do Programa Monumenta para Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural.

[3] Tema tem sido objeto de discussão e de estudos em eventos recentes, tais como os Seminários de Documentação e Conservação do Movimento Moderno – DOCOMOMO.

[4] Para as análises realizadas, considerou-se como Projeto para Execução o conjunto de documentos que configuram as etapas do projeto de arquitetura denominadas: Projeto, Alvenaria, Esquadrias e Detalhes Divesos.

[5] Cf. RODRIGUES. Iphan tomba 35 obras de Niemeyer. Estado de São Paulo, 07 dez. 2007. Caderno Metrópole, in: //www.cultura.gov.br/site/2007/12/07/iphan-tomba-35-obras-de-niemeyer/.>. Acesso em 31 jul. 2008.

[6] Monumenta, programa de recuperação do patrimônio cultural urbano brasileiro, executado pelo Ministério da Cultura e financiado pelo BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.

[7] DOCOMOMO – Documentation and Conservation of buildings, sites and neighborhoods of the Modern Movement é uma organização não-governamental fundada em 1988, com representação em mais de quarenta países, cujos objetivos são a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações afins.

[8] BRASIL. Processo de Tombamento do Conjunto Arquitetônico de Oscar Niemeyer em Brasília, p.31.

[9] Cf. ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13531: Elaboração de projetos de edificações – Atividades Técnicas, p.5.

[10] O arquiteto Nauro Esteves relata incêndio que quase dizimou a documentação elaborada na época,  in: ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p. 7.

[11] O Fundo NOVACAP integra o acervo do Arquivo Público do Distrito Federal e consiste de documentos, filmes e negativos fotográficos que registram a construção de Brasília e seus antecedentes – Missão Cruls – desde 1892 até 1960.

[12] Cf. KATINSKY. Olhar arquitetura. in: ARTIGAS. Caderno dos riscos originais: projeto do edifício da FAU-USP na Cidade Universitária, 142p.

[13] Cf. NIEMEYER, Depoimento. In: MÓDULO, n.º 9, 1958, p.5.

[14] Cf. ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13531: Elaboração de projetos de edificações – Atividades Técnicas, p.4.

[15] Ibidem.

[16] Parte destas cópias correspondem às pranchas de desenhos do cimbramento, executadas por uma das empreiteiras contratada para a obra,  a Companhia Constructora Nacional S/A, do Rio de Janeiro.

[17] Identifica-se desenhos de locação datados de novembro de 1957 e parcela da documentação produzida em 1958 e 1959.

[18] O termo Anexos é tratado para definir o Anexo I da Câmara do Deputados e Anexo I do Senado Federal, as duas torres de vinte e oito pavimentos que compõem o conjunto originalmente projetado em 1957. Informações adicionais sobre os demais edifícios anexos de cada Casa podem ser consultadas em SILVA et SÁNCHEZ, Arquitetura dos Anexos na Praça dos Três Poderes – O caso do Congresso Nacional. 2007.

[19] ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p. 20.

[20] Publicados nos periódicos: BRASÍLIA: Novacap, n.º 7, 1957. p. 8-11 e MÓDULO, n.º 9, 1958. p.14-21.

[21] NIEMEYER, Minha Arquitetura, p.45.

[22] Foram identificados documentos com esta classificação datados de julho de 1960, a partir deste ano os desenhos referem-se a modificações pontuais de compartimentação e leiaute.

[23] Cf. NIEMEYER. Minha Arquitetura, p.43-45.

[24] COSTA et NIEMEYER. Praça dos Três Poderes e Palácio do Congresso Nacional. In: MÓDULO, n.º 9, 1958, p.14.

[25] ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p.34.

[26] Cf. NIEMEYER. Problemas da Arquitetura 6 – O Problema Estrutural e a Arquitetura Contemporânea. In: Módulo. Rio de Janeiro, n.57, p.96.

[27] O desenho representado pela Figura 16 indicada, a prancha CA 342-1, não apresenta registro de data, no entanto, o documento seguinte, a prancha CA 343-1, tem anotação de data no mês de outrubro do mesmo ano.

[28] ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p.9-10.

[29] BRUAND. Arquitetura Contemporânea no Brasil, p.7.

[30] VASCONCELLOS, Concreto armado Arquitetura Moderna Escola Carioca, p.275-282.

VASCONCELOS, Concreto no Brasil: recordes, realizações, história, p.91-98.

[31] MÓDULO, n.º 9, 1958, p.14-21.

[32] O projeto foi publicado anteriormente, na Revista Brasília, n. 7, em julho de 1957, no entanto, as representações se limitam a fotos da maquete e a dois cortes.

[33] NIEMEYER. Forma e função na arquitetura moderna. In: Módulo. Rio de Janeiro, n.21, p.2-7.

[34] NIEMEYER. A Concepção Arquitetônica do Palácio do Congresso Nacional, in : BRASIL. Câmara dos Deputados: instalações e serviços, p.9.

[35] O desenho do corte longitudinal é identificado nas seguintes publicações da Referência, por ordem cronológica:

REVISTA. Acrópole, n.° 256/257, Brasil, 1960, p.75;

SPADE et TUTAGAWA. Oscar niemeyer. New York, 1969, p.70;

MONDADORI. Oscar Niemeyer. Italia, 1975, p.184;

GOROVITZ. Brasília, uma questão de escala. Brasília, 1985, p.45.

VASCONCELOS, Concreto no Brasil: recordes, realizações, história. Brasil, 1985, p. 97;

MAYER.  A linguagem de Oscar Niemeyer, Brasil, 2003, Anexo B;

VASCONCELLOS, Concreto armado Arquitetura Moderna Escola Carioca.  Brasil, 2004, p. 282.

[36] “[…] existe realmente tal mitificação sobre sua figura no Brasil, razão por que ainda não há livros bons e críticos o suficiente sobre ele. Continuam dominando os panegíricos sentimentais e nacionalistas.” MONTANER. In: GIOIA. É simplista reduzir a arquitetura brasileira a Niemeyer, diz crítico. Folha de São Paulo. Ilustrada. 12 dez. 2007.

referências

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ESTEVES, Nauro Jorge. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989. 40p.

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VASCONCELLOS, Juliano Caldas de.   Concreto armado Arquitetura Moderna Escola Carioca: levantamentos e notas. 2004. 313f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura, Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

VASCONCELOS, Carlos Augusto de. Concreto no Brasil: recordes, realizações, história. 2.ed. São Paulo: Pini, 1992. 277p.

fontes das figuras

Figura 1

HUG, Alfons et SALLES, Evandro. Revendo Brasília. Brasília: Goethe Institut/Fundação Athos Bulcão, 1994. p.24.

Figura 2

Congresso Nacional ?Brasília – Ante Projeto 1:500 – Corte Longitudinal Esquemático.

Figura 3

Congresso Nacional ?Brasília – Ante Projeto 1:1000 – Situação.

Figura 4

Congresso Nacional ?Brasília – Ante Projeto 1:500 – Térreo.

Figuras 5, 6 e 7

REVISTA Módulo. Rio de Janeiro. n. 9,  Jul. 1958. p. 21.

Figura 8

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 8-4 – Congresso Nacional – Projeto – Secção Transversal ‘CC’. DUA NOVACAP, 1036. Esc. 1:100. Brasília, 10.12.1957.

Figura 9

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 7-5 – Congresso Nacional – Projeto – Secção Transversal ‘BB’. DUA NOVACAP, 1042. Esc. 1:100. Brasília, 12.12.1957.

Figura 10

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 6-4 – Congresso Nacional – Projeto – Secção Transversal ‘AA’. DUA NOVACAP, 1033. Esc. 1:100. Brasília, 9.12.1957.

Figura 11

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 12-1 – Congresso Nacional – Projeto – Fachada Este. DUA NOVACAP, 1256. Esc. 1:100. Brasília, 12.2.1958.

Figuras 12, 21 e 22

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Divisão de Publicações. Bibliografias 3: Brasília.  Brasília: Câmara dos Deputados, 1972. p. 9.

Figura 13

BARROSO, Sabino Machado. CN 12-3 – Congresso Nacional – Alvenaria – Secção Transversal Plenário do Senado. DUA NOVACAP B 952. Esc. 1:100.Brasília,  10.4.1959.

Figura 14

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 8-2 – Congresso Nacional – Alvenaria – Secção Transversal 2ª Junta. DUA NOVACAP, B 464. Esc. 1:100. Brasília, 23.12.1958.

Figura 15

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 9-1 – Congresso Nacional – Alvenaria – Corte Plenário Câmara. DUA NOVACAP, B 1006. Esc. 1:100. Brasília, 18.4.1959.

Figura 16

CARDOZO, Joaquim; ESTEVES, Nauro Jorge.  CN-CA 342-01 – Concreto – 2ª Laje – 2ª Junta – Vigas Armação. DAU NOVACAP, B013962.  Brasília, Brasília, 1958.

Figura 17

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 5-2 Congresso Nacional – Anteprojeto – Corte Longitudinal . DAU NOVACAP, Nº 498. Brasília, 16.07.1957.

Figura 18

Plataforma das cúpulas – simulação da volumetria para o Anteprojeto 01. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.

Figura 19

Projeto Executado – Corte Longitudinal. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.

Figura 20

Maquete da plataforma das cúpulas, conforme executado. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.

As Figuras 2, 3, 4, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17 e 19 são reproduções elaboradas a partir dos documentos originais de projetos. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.


Elcio Gomes da Silva

Arquiteto e urbanista (UnB, 1995), Doutorando em Arquitetura e Urbanismo (UnB), arquiteto da Câmara dos Deputados.

José Manoel Sánchez

Engenheiro Civil (UnB, 1979), Doutor em Estruturas e Construção Civil (UnB, 2003) e Professor Adjunto da Universidade de Brasília-UnB.

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Cláudio Queiroz

[veja os desenhos do projeto de Niemeyer aqui]

Os aspectos aparentemente secundários, defendidos no presente escrito, tratam de entendimento arquitetural sobre os elementos contidos na proposta apresentada, que a justificaram, classificando-a.

São relativos às escalas envolvidas, proporções e perspectivas, demonstrando não haver inadvertência, em relação à Brasília e à Esplanada dos Ministérios. E contrariamente, são complementações necessárias.

Esses aspectos, a partir do projeto de Oscar Niemeyer para aquela implantação definida, consideram o entorno imediato da Esplanada dos Ministérios e de Brasília, em face da praxis de crescimento urbano e estimando o caráter universal desta obra prima incomparável da era moderna, a ser preservada.

Em suas realizações, o urbanista e o arquiteto vivem no projeto de Brasília complementaridades jamais vistas na História da Arquitetura, como pode ser observada na totalidade da concepção e, particularmente, em relação ao edifício do Poder Legislativo – o Congresso Nacional – expressão simbólica significante.

Ponto focal da civitas, sua arquitetura é uma das preferidas do autor, estando entre as que bem evidenciam a reflexiva intencionalidade do urbanista e a aludida complementaridade.

Não houve, tampouco, descuido, no que concerne à Rodoviária do Plano Piloto, limite oeste da Esplanada dos Ministérios, ambas, projetadas por Lucio Costa, o urbanista de Brasília, venerável mestre da Arquitetura brasileira.

a razão

A proposta de Oscar Niemeyer restaura a escala monumental da Esplanada. Atualizando-a, o faz, levando em conta as perspectivas da totalidade urbana e da proximidade envolvente, reparando, inclusive, a proporção do edifício do Congresso Nacional em sua dimensão urbana significante.

A Esplanada é limitada a leste pelo Congresso Nacional, circunstanciado pela perspectiva do canteiro central. Nos dois canteiros laterais ela é ultimada, pelos mais antigos ministérios da República: o da Justiça e o das Relações Exteriores. No extremo oeste, a elegância longilínea da Rodoviária encerra no espaço da Esplanada a parte do civismo formal do Estado brasileiro. Entala os três canteiros: o central e os dois laterais. Abriga no canteiro sul a “Casa de Chá”, e o Teatro Nacional no norte. Estes primeiros equipamentos culturais acessíveis da plataforma rodoviária, já ofereciam importantes mirantes para a Esplanada nacional, malfadadamente inexplorados, nem para vivência sócio-cultural e nem turisticamente.

Niemeyer concebeu a Praça da Soberania, implantado-a entre as vias N e S, que delimitam o canteiro central da Esplanada, a quatrocentos metros da Rodoviária de Brasília, e a um quilômetro do edifício do Poder Legislativo.

Sua concepção é comprometida, também, com duas visualizações importantes, a partir das chegadas das L2, norte e sul.

Toda a área da Esplanada dos Ministérios está à cavaleiro na campina – entre cinco e oito metros sobrelevada pelo terrapleno, a partir do nível térreo da Rodoviária e delimitado pelas vias laterais N1 e S1, descaindo paulatinamente até a Praça dos Três Poderes.

Assim, a Esplanada é dividida longitudinalmente em três áreas chamadas, como citado anteriormente, “canteiros”, notadamente pelo grande canteiro central gramado, continuo até a Ferroviária (na EPIA), a extremo oeste de Brasília/capital, se distanciado do grande cruzamento dos eixos Rodoviário e Monumental.

Os dois canteiros laterais norte e sul abrigam, notadamente, os ministérios, na maior parte da Esplanada, mais próxima do Congresso.

Mais perto da Rodoviária estão as instituições culturais da capital: no canteiro sul está implantada entre os ministérios e o Museu da República, a Catedral, e entre estes, acontece a chegada da Avenida L2 Sul, que desemboca na Via S (sentido oeste-leste), paralela a sua congênere Via N (leste-oeste) que também recebe a L2 Norte.

a promenade cultural

Entre estas duas únicas artérias que chegam a Esplanada e a Rodoviária, a escala do centro cívico foi bastante atingida em sua expressão simbólica, dada a proporção assaz vigorosa dos quarteirões, onde predominam bancos e hotéis avizinhados.

As duas vias N e S percorrem todo o Eixo Monumental, mas na Esplanada definem os canteiros no sentido leste-oeste. O terrapleno é delimitado pelas vias N1 e S1, paralelas às N e S. As três grandes áreas são cortadas longitudinalmente pelas vias S e N, de seis pistas cada uma que, desde o extremo oeste do Eixo Monumental. Ao atravessarem a Rodoviária, penetram a Esplanada até à Praça dos Três Poderes.

A nova obra, portanto, integra transversalmente toda a área cultural, desde o limite externo da N1, até o limite análogo, a S1, que delimitam o terrapleno da Esplanada. A Praça da Soberania, portanto, entre os dois canteiros laterais, idealiza a integração transversal da Esplanada em alternativa a sua ocupação efêmera, provisória e transitória. Os primeiros equipamentos culturais realizados em lados opostos, o Teatro Nacional no canteiro norte, e no sul a Casa de Chá, ainda não requerem tal integração, inclusive pelo acesso a partir da plataforma da Rodoviária; tampouco, os últimos construídos, o Museu da República com a Biblioteca Nacional ao sul, não têm correspondência do lado norte, pois a Praça do Povo, prevista com o propósito alternativo referido acima, existe somente em projeto.

A nova obra concebida por Niemeyer propondo área pavimentada no canteiro central, no seu limite sul, situa-se defronte ao largo, entre o Museu da República e a Biblioteca Nacional – atravessando a Via S. No seu limite norte, situa-se diante de quintão análogo, no canteiro lateral norte; neste caso entre o Teatro Nacional e a já projetada Praça do Povo, também chamada Praça de Eventos. Isto significa a travessia da Esplanada a partir das vias N1 e S1. Hoje o Museu da República e a Biblioteca Nacional são acedidos a partir da S1, tal como poderá ocorrer da N1, chegando à Praça do Povo ou àquele quintão. Segue-se facilitada a travessia da Esplanada por intermédio da nova área concebida, com os novos equipamentos culturais da Praça da Soberania, que se estendem àquelas áreas previstas em cada canteiro lateral; ao norte, já projetado e ao sul em funcionamento. Todas, com forte apelo popular e turístico, além do grande prestamento social e histórico.

Desta maneira os dois setores culturais dos canteiros laterais, norte e sul, originalmente separados, passam a constituir uma grande área transversal de setecentos metros – cortadas em três praças pelas Vias N e S – o que torna possível, com a proposta de pavimentação adequada, o uso intenso de pedestres, em toda a largura da Esplanada.

O dimensionamento da nova Praça do Povo, ou de Eventos, para usos variegados, permite adequar transversalmente, de forma sustentável, as comemorações populares das datas cívico-nacionais.

A área “pedestrianizável” dessa apropriação transversal é próxima à que vem sendo inadequada e irracionalmente utilizada nos gramados do canteiro central, na altura dos ministérios, interpondo-se ao edifício do Congresso: além dessa poluição visual do centro cívico, restam as partes do canteiro central, frequentemente estragadas e, posteriormente, lenta e custosamente recuperadas. Por exemplo: desde os festejos do final de 2008, passados dois meses da ocupação inconveniente, as grandes áreas danificadas ainda não estão normalizadas.

A referida pavimentação da área central é realizada sobre a garagem no subsolo, abrigando três mil vagas para veículos, além de circulação de pedestres, locais de comércio e de conveniências, ligando as duas outras praças culturais norte e sul. Os ambientes em nível enterrado podem ser iluminados e ventilados naturalmente, pela suspensão do memorial dos presidentes, solto do nível do chão acima.

A solução pode promover integração indispensável à vivência, e trânsito aprazível entre os equipamentos destas últimas partes culturais da Esplanada dos Ministérios, a serem devidamente discutidas, projetadas e concluídas. Esta condição poderá garantir aos visitantes dominar o continuum espacial em toda a extensão norte-sul do terrapleno aperfeiçoada em promenade cultural.

Sendo esta, a visualização mais ampla da dimensão transversal do da Esplanada, surgem renovadas visuais, como à cavaleiro, sobre a plataforma da Rodoviária. As chegadas na Esplanada pelas L2 norte e sul, ampliam a impressão da importância de refletir o novo espaço, tal é o entendimento do arquiteto.

A volumetria da vizinhança financeira superou as expectativas em volume e em altura, os setores regidos pela escala gregária.

O fato de acentuar a visualização para aqueles pontos de vista que contemplam os novos objetos arquitetônicos refinadamente concebidos, concorre no sentido de reconsiderar a proporção da escala do centro cívico, em relação ao entorno gregário. Este, assoberbado pela cultura da permissividade e seduzido pela argumentação dúbia dos agentes econômicos e de seus representantes, “flexibilizou” em momento crucial os limites da escala gregária.

A atualização da escala monumental, ao tempo de concluí-la, visa preservar valores e significados originais, influindo, inclusive, na proporção de elementos estético-simbólicos que impõem:

  • a restauração da própria Esplanada e de suas principais visuais, a partir do Congresso, da Rodoviária e das L2 Norte e Sul, dos percursos intermediários em relação ao centro administrativo;

  • a altura das torres do Congresso, particularmente intimidadas, em presença das principais edificações dos setores bancários e hoteleiros;

  • a volumetria do centro cívico face a linearidade elegante da Rodoviária a ser restaurada, por contraste de arquitetônico;

  • a revisão da relação com a totalidade urbana, anteriormente marcante, pela ligação virtual com a Torre de TV, cuja expressão, valor e significado diluíram-se, após a evolução conclusiva dos setores hoteleiros e bancário.

elementos do projeto

O edifício baixo, pousado, semicircular, em trecho de curvatura costada para a Rodoviária, é arrematado pelas extremidades retas. Trata-se do memorial dos mandatários nacionais – posto turístico próprio a Brasília, naquele lugar – com fluxo objetivo de público, oposto aos flâneurs em torno, ou em visita especializada à obra de arte.

O Obelisco, cuja expressão formal é tão original quanto à das cariátides libertárias – as colunas da brasilidade identitária -, sem precedências dos gregos para cá, talvez, por tanto, perturbe oriundis de vários matizes: strictu sensu, é obra de arte. Como na engenharia são denominadas as congêneres pontes e torres. E como tal, não existe outro. Simples, este é o de Brasília.

Este Obelisco encerra o continente apropriado às exibições científicas e tecnológicas do País. A base alargada acomoda os níveis sobrepostos para exposições, enrijecendo a estrutura do constructo no talo.

O terraço é uma reservada área de cobertura aberta para a visual. Em verdade, é um mirante próprio à contemplação, privilegiadamente mais próximo do classicismo latente, mais avançado e em balanço, ecoando a atemporal Esplanada da modernidade brasileira, para o mundo; uma atração turística.

Sobre a cabeça dos pensantes, ao fruírem a beleza da obra humana, pesa o intrigante vazio inclinado! Diuturnamente sombrio como uma advertência, apontando o universo: materializa o simbolismo dos então utopistas Lequeu, Ledoux e Boullée, aos quais não permitiram o topos.

Deste mirante, de cuja forma estrutural originada no “V” de sua base, se dimensiona o referido terraço, “coberto do mistério”, obturado em cima e lateralmente, é escancarado em cinemascope para a Esplanada dos Ministérios. Não há ofuscamento que perturbe voyeurs e viciados nesta fruição: o cartão postal mais iluminado pelo poente finalístico, estendendo-se ao lago.

Da plataforma da Rodoviária ou do Memorial dos Presidentes, como das vias que atravessam paralelas a Esplanada, até a transversalidade definitiva do Congresso, se contemplará na paisagem a altiva Torre de TV; das L2, à contraluz, apesar de iluminado pelo próximo nascente, contrasta a face inferior, inclinada do opacificado obelisco, nesta visualização destacam-se: o desenho da torre, atrás, e a luminosa linearidade basal da Rodoviária.

O Obelisco, implantado em alinhamento de rigorosa axialidade na Esplanada, é visto inclinado e – o bojo – a partir das vias N, S e L2, para o observador, deslocando-se na plataforma, ou no Eixo Monumental, acentuará a verticalidade da Torre de TV e das duas do Congresso. Isto se concretiza em perspectiva, pela inclinação do objeto, participando do quadro.

A diferenciação importante está na inusitada implantação das torres do Congresso, o que parece sem importância, ou imperceptível. Entretanto, em relação à visualização do conjunto e do canteiro central, sendo assimétricas, conforme a evolução do conceito de simetria na Arquitetura moderna, para o de equilíbrio, isto vem a causar repercussões variadas nas perspectivas. Algumas mesmo inesperadas.

Deslocadas, cerca de cinquenta metros para a direção norte, as torres do Congresso estão, portanto, fora do alinhamento da Torre de TV e do obelisco, ambos implantados no eixo do gramado central. Esta condição, podendo ser de estranhamento, é mesmo de sensibilidade incomum, de coragem e liberdade, ao equilibrar – ou a simetrizar – o espaço e a totalidade monumental. Para alguns seria classicismo, embora se trate em verdade de algo repetido nesta análise, como a expressão delicada e insólita, de certa simetria latente. (Luigi, 108, 1987) permeando toda esta concepção urbana.

Passando pelo alto da Torre de TV até o pico do atlante libertário, o achincalhado obelisco, ambos alinhados no espaço de Brasília, como se fosse uma referência virtual. É uma nova linha invisível mais alta. Mas sensível. Sobre o eixo do gramado central, – como se fosse um novo pé-direito sobrelevado -, é a nova cumeeira do centro cívico, ascendendo a monumentalidade restaurada da Esplanada dos Ministérios, face às volumetrias dos centros de negócios vizinhos e da cidade vulgarizada.

Será também esta a impressão a partir dos pontos distantes, como do Colorado, da descida do Paranoá, do retorno da Escola Fazendária, visualizando Brasília e seu centro cívico, restaurado em seu valor e significado, sem que se trate de pretensa ostentação para enfrentar a soberba vizinha.

E do chão esta restaurada semiologia marcada pelo Obelisco, uma obra de arte que, com sua altura e inclinação, também acentuará a linearidade arquitetônica da Rodoviária. Por contraste, como o embasamento do edifício baixo – o Memorial dos Presidentes da República – curvo e pousado sobre o chão, contrasta com os volumes cravados no plano do solo, como são o Museu da República e os ministérios.

Estes – como partes da totalidade – participam assim, da dominante leveza do novo memorial; por sua vez, de contraste direto com o próprio Obelisco, jogando com aqueles que, como ele, são irrompidos da terra. A nova composição é rigorosamente implantada no meio da monumentalidade original, sobre o eixo do Eixo, realçando a mágica Catedral, em eterno estado de suspensão, como seus anjos. A totalidade estético-simbólica dessa dialética austera em sua autenticidade, recupera independência em relação ao acachapante entorno imediato, garantia da articulação do centro cívico com as demais escalas que harmonizam a constituição da cidade-capital.

Assim concluída a intervenção do Mestre, ela potencializa a articulação local, notadamente pelos edifícios diferenciados – os paradoxais – em especial, a Rodoviária e o Congresso Nacional. Este, respaldado pela relação direta; e aquela pela perfeita “retangularidade” da Esplanada; e ambos, pela relação com a implantação dos dois ministérios subjacentes – que se não fosse pela história seriam por suas distintas arquiteturas – em respeitosas distâncias do Congresso e do canteiro central, para se alinharem com os contrafortes estruturais da Rodoviária, no Teatro Nacional e na “Casa de Chá”, acentuando, nos extremos opostos, os limiares das passagens para e pela Praça dos Três Poderes.

Essa ultimação, definitiva obra desta composição, inequivocamente incomparável na modernidade, é de derradeira maestria, irradiando o climax emocionante de fruição em todo o percurso do tour cívico, do centro cultural à Esplanada e desta à Praça dos Três Poderes.

proporção, escala e perspectiva: arquitetura

O Obelisco, além de sutil e sofisticado em seu formato estrutural, é o mais que delicado trompe-l’oeil desenhado por Oscar, mestre incomparável de muitas dessas jóias da Arquitetura. Notadamente quando visto da plataforma rodoviária.

O conjunto projetado é visto de lá, de onde a implantação e a arquitetura se expressam delicadamente. O Obelisco é como uma firme linha ascendente, nascendo do chão, do largo da base, e levantando para desaparecer na direção do céu pelo encanto de crescente esbeltez.

Mas, a partir das chegadas das Vias L 2 Norte e Sul, ao irromper inclinado do solo, é contemplado em seu bojo de grandeza e significância. Grandeza, na elegância de suas três arestas descobertas daí; e significância, pela forma estrutural, surpreendentemente bela e simultaneamente funcional: restaura a monumentalidade da Esplanada para a observação de quem acessa, inclusive, pelas L 2, ou parte, despertando o visitante para a cidade-capital. A obra sublima os grandes edifícios das instituições financeiras e comerciais, por meio de autêntica, completa e apropriada harmonia. E por extensão virtual, remete seu equilíbrio para toda a cidade-capital.

Apesar das proporções pungentes da vizinha escala gregária, elas são inconvenientes, por demais. Mas, quando contrapostas à inclinação do Obelisco, em primeiro plano e em verdadeira grandeza, são atenuadas à medida. E o novo objeto acentua por contraste, a leveza da Rodoviária. Como sob o efeito piramidal do Teatro Nacional se contrapondo às palafitas da “Casa de Chá”. Este Obelisco restaura a escala do centro cívico, inspirado na grandiloquência dos quadrantes do céu e do horizonte, a nordeste e a sudeste.

A Esplanada via-se condescendentemente apática em vista das ocupações efêmeras, provisórias e transitórias, além desses setores bancários e hoteleiros intumescidos e perenes.

A presença do Obelisco sublima a proporção gregária nos limites da condição central urbana, pela escala monumental. Não por ostentação diz seu inventor, mas pelo valor histórico que lhe concedeu significado, através da arquitetura brasileira expressa na sua plenitude simbólica, de rara simplicidade e, em Brasília, obstinada elegância.

Voltada para leste, a fachada do Memorial dos Presidentes, pousado no solo, contempla o eixo da Esplanada, de onde o Obelisco arremete sua incompreendida e escultural esbeltez, rigorosamente do eixo do canteiro central.

Visto da plataforma da Rodoviária, a inclinação do Obelisco para leste e para o alto, causa efeitos positivos, restaurando antigas e criando novas perspectivas; como acentuar a verticalidade das torres do Congresso e da Torre de TV, estabelecendo virtual ascensão da escala do centro cívico:

a

  1. o Obelisco está, portanto, alinhado com a Torre de TV, que é mais alta; um e outro estão situados equidistantes das vias N e S; a Torre de TV está topograficamente acima, facilitando a razão precípua do obelisco:
  2. visualizada a partir da Esplanada, está sob efeito do desnível topográfico ascendente;
  3. sobretudo, tendo o Obelisco inclinado e (em primeiro plano) pendendo para o observador, nesta perspectiva mostrará a Torre de TV destacada contra o céu, e aparentemente mais longa do que é hoje, em face da imponência dos hotéis mais próximos, densos e elevados; visto das L2, o Obelisco inclinado acentuará, por contraste, a longilínea plataforma da Rodoviária, deixando subjacentes os edifícios bancários mais altos;

b

  1. em relação às duas torres do Congresso, o Obelisco no eixo da Esplanada, acentuará a peculiaridade de serem deslocadas para a esquerda, para o nordeste, em relação ao classicismo latente do centro cívico;
  2. o Obelisco e as torres do Congresso estão aparentemente assentadas no mesmo plano do chão;
  3. mas, um ao lado do outro, o Obelisco sendo oito metros mais alto que as torres do parlamento, deve ser considerado também, que os níveis das cotas de soleira das duas torres do legislativo são inferiores à do novo objeto; contudo, inclinado como é, ainda assim aparenta ter a ponta mais baixa que as torres do Parlamento , independente das cotas de coroamento e, principalmente, quando visto da plataforma da Rodoviária, cuja perspectiva e ponto de fuga forçam a impressão;
  4. todavia, a Torre de TV e o Obelisco estão implantados alinhados em relação ao eixo do Eixo Monumental; diferentemente, em relação às torres do Congresso estão deslocadas do eixo e mais próximas do obelisco;
  5. o Obelisco aponta para o céu, mas na direção leste, estando no eixo, mas deslocado do alinhamento das torres do Congresso, e
  6. assim, a perspectiva é influenciada pelo jogo entre essas condições e pontos de fuga; mas sobretudo pelo solo em declive para o Congresso, no mesmo sentido da pendência do Obelisco, fugidio para o observador da Rodoviária: daí as torres do Parlamento também parecerem, ao olho humano, com maior verticalidade. E o Obelisco parece de menor altura em relação a elas, vistas da plataforma rodoviária.

Essas condições espaciais sobre os demais objetos, beneficiam-se da refletida inclinação do Obelisco; condições diferenciadas em relação à topografia ou aos níveis de soleira, ou em função das influências da luz solar: assim, o Obelisco pode tornar-se fugidio e iluminado do poente; confrontante e logo opacificado, do nascente. Portanto, em relação ao observador, outros objetos refletem tais efeitos, como os das torres do Congresso que parecem, visualmente, maiores que o Obelisco; e daquelas que, como a torre de TV, aparentam mais esbeltez, dada a impressão de suas acentuadas verticalidades, provocadas pela inclinação do Obelisco.

As analogias podem proceder se tais efeitos incidem nos objetos que estiverem próximas das mesmas condições de orientação solar e inclinação topográfica, por exemplo, como as implantadas no Eixo Monumental.

O Obelisco, por sua vez é menor, mais leve e mais esbelto do que parece nas fotos dos jornais, mostradas sempre em vol d’oiseau, aumentando brutalmente a obra em foco, em relação a todos os elementos de comparação abaixo: o obelisco tem cem metros de altura e a largura do canteiro central é de trezentos! Isto é fundamental.

Olhando para o Congresso do “meio” da plataforma da Rodoviária, afastado quatrocentos e cinqüenta metros, o Obelisco de cem, levanta sua perspectiva fugidia; do solo da Praça, paulatinamente, para o alto e para mais longe, distancia mais a sua altura, que visualizada como uma linha e, finalmente, parece mais baixo que o Parlamento.

É a aresta do “V”, do vinco estrutural superior, ascendente desde a base, lá onde aparece sua lateral esquerda expandida no solo; vai estreitando, à medida que sobe, desde a primeira parte até as duas acima, mais e mais esbeltas; fina, e finalmente desaparece ao apontar o infinito. Como uma linha, apenas vista.

Fugidio, para o observador do “meio” da Rodoviária a contemplar o conjunto do Poder Legislativo – base, cúpulas e torres – o Obelisco estará à direita; e em sua fuga, as torres na paisagem e na distância, são aparentemente mais esbeltas e maiores que o Obelisco no eixo.

Quer dizer, entre os dois setores culturais religados pela Praça da Soberania, exatamente no meio do eixo – longitudinal leste/oeste – do gramado central, de lá se alçam os cem metros, como um “concorde”, se não fosse um pássaro de concreto, de onde a Esplanada é percebida em seus setecentos metros de largura em terrapleno.

O conjunto da nova obra, em rigorosa simetria, e reforçada pela ascensão do Obelisco, refletindo assim:

  1. voltado para o declive topográfico, lago e nascente, estando inclinado na direção do sol, ao confrontar contraluz resulta paulatinamente opacificado; visto da Via N; do Ministério da Justiça mostra seu bojo aparentemente pouco inclinado, se impondo sobre os setores gregários.
  2. já para o aclive, subindo para o Cruzeiro, a inclinação para o nascente é costada para o poente, tornando-se fugidio, recebendo o sol na face norte, está assegurada sua esbeltez; visto da Rodoviária e inclinado para leste é fugidio naquela direção, parecendo mais baixo que o Congresso.

O Obelisco situado exatamente no meio, longitudinal no sentido do canteiro central, está distanciado do alinhamento das empenas dos ministérios, aproximadamente cento e setenta e cinco metros, de um lado e de outro.

Assim, entre as empenas dos ministérios, do lado norte e do lado sul, são aproximadamente trezentos e setenta e cinco metros de largura.

Quer dizer: a largura do espaço entre as empenas dos ministérios é próxima a quatro vezes a altura do Obelisco. Portanto, quase à proporção de um para quatro.

Da mesma ordem é a relação de proporção do chão da esplanada, que em toda a largura do terrapleno é próxima a oito vezes a altura do Obelisco. Tal como são quatrocentos metros de distância, da nova praça cultural até a Rodoviária (quatro obeliscos), são mil metros, desta ao Congresso (dez obeliscos).

Contemplado da plataforma da Rodoviária, a instituição cultural “Praça da Soberania”, é antecedida por massa arbustiva, arbórea e, sobretudo, com quatrocentos metros de verdor e trezentos de largura, só no gramado central. O percurso total da grande promenade cultural será de setecentos metros, no sentido da largura do terrapleno. O quilômetro posterior à Praça é suficiente para o Memorial dos Presidentes não atingir metade deste verdor, e muito menos para esconder quaisquer partes baixas do Congresso Nacional.

O Obelisco é visto lateralmente em sua proporção e plenitude, dos eixos N e S, e das Norte e Sul atenuando a escala gregária intumescida.

Deslocando-se na direção do Congresso, visto do Eixo S o Obelisco terá como paisagem o céu do quadrante e do horizonte a nordeste, direção Paranoá. Já no sentido da Rodoviária, desde a L2 Norte até passar em frente da obra de arte, a paisagem urbana de fundo é a dos volumosos edifícios das instituições financeiras, cuja proporção gregária superou a previsão da escala, fato largamente discutido à época.

O Obelisco expressivo, observado de lado e em primeiro plano, relega o intumescimento dos edifícios bancários e hoteleiros ao segundo plano, devolvendo ao centro cívico sua escala.

Assim a proposta do Prof. Niemeyer restaura a escala monumental da Esplanada em relação às proporções desabridas da volumetria mais próxima – bancos e hotéis – da escala gregária, sob efeito da soberba especulativa.

De tipicidade jamais vista, a criação do Obelisco, parece homenagear a infanta Cidade-Parque pelas bodas de meio século. Em sua idade urbana, ainda convém lhe assegurar, não ser órfã de regência devida.

conclusão

A Praça da Soberania surge da condição legal atribuída a Oscar Niemeyer dezessete anos atrás, como um dos autores dessa obra.

Para muitos cidadãos do mundo, do ponto de vista patrimonial, seus gestos finalísticos seguramente acrescentarão mais valor histórico a Brasília e por extensão ao País.

Entre estes, muitos brasileiros devem pensar que, pronta em noventa e sete por cento da totalidade, seria temerário não dispor de tão rara experiência e inusitada produtividade para concluir os três por cento restantes.

Esta finalização deverá ser honrosa também para grande número de arquitetos que tiveram seu ofício reconhecido pela oportunidade bem sucedida daquela geração de tantas e tão importantes realizações.

Felizes os brasileiros por seus bons mestres.

Diante da proposta, surgiram argumentos em face dos quais esta reflexão técnica limitada permitiu as assertivas favoráveis. Mas inúmeros poderão assumi-las melhor.

Niemeyer restaura a Esplanada e todo o centro cívico, reduzido em suas proporções pelo intumescimento do entorno imediato e da totalidade urbana da capital projetada.

A ligação entre os setores culturais, antes separados, é a promenade transversal, desde o largo entre o Museu da República e a Biblioteca Nacional, até o quintão entre o Teatro Nacional e a Praça do Povo.

O Museu dos Presidentes e o das C&T, sob o mirante do Obelisco, complementam o conjunto de instituições culturais próximas a Rodoviária de Brasília. A indústria desenvolverá em vantagem o turismo cultural, gerando dividendos sociais e históricos. A distribuição para saúde e educação, entre outros, tem mais uma fonte.

A ausência da arborização e do bucólico na Cidade Parque, pela adequada “pedestrianização” poderia ser clara referência às praças cívicas do sertão brasileiro, nas quais as batalhas entre mouros e cristãos são reapresentadas.

Neste caso, entretanto, sem lembrar as de São Pedro ou Siena, destituídas de gramíneas, sequer… Por serem do norte frio, não servem de contra argumento aos que prezam o frescor das arquetípicas do interior.

Mas, as pretensões de fruição arquitetural, como na Praça Tiradentes de Ouro Preto, com seu obelisco e verde, somente nas cantarias, são exemplares.

Servem para referenciar o desempenho da Praça dos Três Poderes e nossa tradição de praças cívicas, desde a arquitetura colonial brasileira.

O Setor Cultural da Cidade Parque vem atraindo a juventude nos grandes congraçamentos musicais de efeitos e iluminação especiais: pés no chão.

Fazem entender nos dias de hoje, algo mais do que a vaidade intelectual em bordões, pela crítica estética prazerosa à performance do mestre brasileiro hors-modismes.

Quanto ao sol: chapéu de palha, panamá, ou boné… e câmera de fotos. Sol!

Sombra? A Cidade Parque!

Cláudio José Pinheiro Villar de Queiroz
Arquiteto

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/09/por-um-olhar-desimpedido/ //28ers.com/2009/02/09/por-um-olhar-desimpedido/#comments Mon, 09 Feb 2009 17:02:17 +0000 //28ers.com/?p=1981 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Hugo Segawa

O título no Correio Braziliense poderia sugerir que a proposta de intervenção arquitetônica em debate em Brasília é um problema policial: “MPF vai apurar legalidade do projeto de Oscar Niemeyer para a Praça da Soberania”, Acuado ante as reações, o velho mestre, em entrevista para a Folha de S. Paulo, compreensivelmente desabafou: “Tombamento de Brasília é uma besteira”. Vindo de quem veio, a afirmação pode ter desdobramentos que extrapolam o debate sobre a Praça da Soberania e causar mal-entendidos ou manipulações acerca da instituição do tombamento.

Cumpriram suas responsabilidades os técnicos vinculados às instituições de Patrimônio Cultural ao evocarem as normas para questionarem a proposta de Niemeyer. Rezam os dispositivos legais que a área onde o arquiteto situou a Praça da Soberania é considerada non-ædificandi. Para leitores desprevenidos, a discussão pode parecer um emaranhado de filigranas jurídicas. Todavia, por trás da frieza e impenetrabilidade das leis, decretos e portarias relativas à preservação, há uma construção conceitual que não é labor apenas dos legisladores, mas obra fundamentada em valores culturais, arquitetônicos e urbanísticos que dão sentido e razão à regra jurídica. Entender esses valores, para além da hermenêutica jurídica, requer compreender as circunstâncias que motivaram a criação dessas regras, as exposições de motivos, perceber os conteúdos presentes nos momentos decisivos para apurar as referências em torno da polêmica da Praça da Soberania.

Em tempos recentes, o nome de Lucio Costa tem ficado injustamente na sombra. Não há dúvida que a Brasília de Lucio Costa, sem os marcantes edifícios de Niemeyer, não teria as qualidades que o Plano-Piloto ostenta. Mas o que seria da Brasília de Niemeyer sem a imaginação urbanística de Costa?

Niemeyer e Costa em Brasília são indissociáveis. Mas distinguíveis. O plano urbano vencedor do concurso nacional julgado em 1957 é de exclusiva concepção de Lucio Costa. Naquela ocasião, os dois estavam em campos opostos: o primeiro submeteu sua idéia ao júri; o segundo, como membro da comissão julgadora, elegeu vencedora a proposta do primeiro. Portanto, Niemeyer não teve qualquer participação na idéia original da cidade. Brasília foi inaugurada seguindo as diretrizes urbanísticas de Lucio Costa, e Oscar Niemeyer – apontado por Juscelino Kubitschek como arquiteto dos edifícios governamentais – soube valorizar as diretrizes, que foram implementadas com alterações, mas obedientes à maioria dos princípios originais.

Os anos da ditadura foram os de consolidação de Brasília e marcados pelo afastamento de Niemeyer e Costa, que, solitariamente, defendia à distância sua criação. Foi com o fim do autoritarismo militar e a ascensão de José Aparecido de Oliveira no Governo do Distrito Federal em 1985 que Costa e Niemeyer reataram suas relações com a capital. Mais do que repatriar seus criadores, Aparecido foi o entusiasta pela inclusão de Brasília na listagem do Patrimônio da Humanidade da Unesco. Foi um grande desafio. A candidatura de Brasília foi a primeira postulação de uma obra com princípios da arquitetura e urbanismo modernos a ser examinada pelo Comitê do Patrimônio Mundial. O reconhecimento de Brasília criou o precedente para a inclusão de monumentos do século 20, até então ausentes na lista da Unesco.

Mas a postulação de Brasília não foi imediatamente acatada na reunião do Comitê em junho de 1987. O parecer de Léon Pressouyre avaliando o mérito da candidatura ponderava: “O ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), ao mesmo tempo que expressa um parecer em princípio favorável à inscrição de Brasília na lista to Patrimônio Mundial, estima que essa inscrição deva ser adiada até que medidas mínimas de proteção garantam a salvaguarda da criação urbana de Costa e Niemeyer”. Imediatamente José Aparecido providenciou a elaboração de uma normativa, o Decreto nº 10.829/87, especificamente tratando da “preservação da concepção urbanística de Brasília”. Com essa regulamentação, atendeu-se à exigência do Comitê do Patrimônio Mundial e em sua reunião de dezembro de 1987, A Unesco inscreveu a cidade na lista do Patrimônio Mundial, justificada por “representar uma obra artística única, uma obra-prima do gênio criativo humano” e “ser exemplar marcante de um tipo de construção ou conjunto arquitetônico que ilustre um estágio significativo da história da humanidade”.

O decreto nº 10.829 que avalizou o reconhecimento da Unesco é a base de tudo se elaborou doravante sobre a preservação da cidade. Um de seus incisos aciona a polêmica sobre a Praça da Soberania: “Os terrenos do canteiro central verde são considerados non-ædificandi nos trechos compreendidos entre o Congresso Nacional e a Plataforma Rodoviária.” Qual a origem dessa restrição? Já na justificativa apresentada em 1956, Lucio Costa prescrevia que “a perspectiva de conjunto da esplanada deve prosseguir desimpedida até além da plataforma onde os dois eixos urbanísticos se cruzam”. É reiterada de forma mais evidente no relatório Brasília revisitada 1985/1987: complementação, preservação, adensamento e expansão urbana, parecer solicitado por José Aparecido para orientar sua administração. Ao descrever as características fundamentais do Plano-Piloto, Costa afirma: “A escala monumental comanda o eixo retilíneo – Eixo Monumental – e foi introduzida através da aplicação da ‘técnica milenar dos terraplenos’ (Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios), da disposição disciplinada porém rica das massas edificadas, das referências verticais do Congresso Nacional e da Torre de Televisão e do canteiro central gramado livre de ocupação que atravessa a cidade do nascente ao poente.” (grifo meu). Brasília Revisitada foi a manifestação final de Lucio Costa sobre o futuro da cidade. Foi nela que as autoridades do GDF buscaram fundamentos para a elaboração das diretrizes de preservação. A norma jurídica traduz a vontade expressa do autor do projeto de Brasília, cujo teor o urbanista reproduziu adaptado em seu livro Registro de uma Vivência, arrematando: “como se vê trata-se, em suma, de respeitar Brasília. De complementar com sensibilidade e lucidez que ainda lhe falta, preservando o que de válido sobreviveu”. (grifo de Costa).

Para concluir, ressalto a imaginação criativa de Lucio Costa. Há um trecho pouco lembrado da memória do concurso de 1956 no qual o urbanista antevê uma situação que sempre considerei de extremo requinte. Refere-se aos que partem da Plataforma Rodoviária (“traço de união do complexo urbano”): “o sistema de mão única obriga os ônibus na saída a uma volta, num ou noutro sentido, fora da área coberta da plataforma, o que permite ao viajante uma última vista do eixo monumental da cidade antes de entrar no eixo rodoviário-residencial, – despedida psicologicamente desejável” (grifo de Costa). A realidade confirmou a antevisão. Que refinamento, entre tantas passagens dessa justificativa de projeto, ao mesmo tempo concisa no conjunto e delicada nas minúcias. Se a Praça da Soberania viesse a soerguer-se no local originalmente planejado, o viajante não mas vislumbraria o eixo monumental. Veria a fachada envidraçada do Memorial dos Presidentes.

Hugo Segawa
 Arquiteto, professor livre-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Texto enviado pelo autor, e também publicado em 08/02/2009 no Estado de S.Paulo.

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Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/07/esplanada-em-transe/ //28ers.com/2009/02/07/esplanada-em-transe/#comments Sat, 07 Feb 2009 21:54:41 +0000 //28ers.com/?p=1975 Continue lendo ]]> Praça da Soberania será carro alegórico no carnaval de 2010

A Praça da Soberania, projeto de Oscar Niemeyer, teve sua execução na Esplanada dos Ministérios adiada indefinidamente, mas poderá ser levada a cabo ainda no ano que vem dentro de uma obra de sua lavra: o Sambódromo, no Rio de Janeiro. Dessa vez a promessa de execução não é do governador José Roberto Arruda, mas do carnavalesco Joãosinho Trinta, que esteve reunido com Niemeyer em seu escritório em Copacabana na sexta-feira (6/2/2009).

A intenção do carnavalesco é homenagear o cinquentenário de Brasília em 2010 com o enredo da Escola de Samba Beija-Flor. Todos os ex-presidentes serão chamados a desfilar num carro alegórico, a ser projetado por Oscar Niemeyer, alusivo ao Monumento ao Cinquentenário e ao Memorial dos Presidentes.

Não será a primeira experiência do arquiteto com o samba. Além do Sambódromo e da Praça da Apoteose, projetados  em 1983, Oscar Niemeyer já realizou o cenário para a peça Orfeu Negro, musicada e escrita por Tom Jobim e Vinicius de Moraes em 1956. Niemeyer e sua obra foram ainda homenageados como enredo das escolas de samba Unidos de Lucas, em 1988, e Unidos de Vila Isabel, em 2003, quando a escola obteve o terceiro lugar com o enredo O arquiteto no recanto da Princesa.

Niemeyer, que segundo seus amigos mais próximos se divertia tocando cavaquinho durante as obras da capital federal, acolheu a proposta com humor e entusiasmo: “Nunca fiz um carro alegórico. Mas gosto de ver o Sambódromo, a festa do povo. Foi uma obra formidável.”

A partir de notícia veiculada em 7/2/2009 no Correio Braziliense

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]]> //28ers.com/2009/02/07/esplanada-em-transe/feed/ 3 1975 Bras铆lia – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/04/decisao/ //28ers.com/2009/02/04/decisao/#comments Wed, 04 Feb 2009 20:34:06 +0000 //28ers.com/?p=1969 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania.

Oscar Niemeyer


 Dois ou três dias atrás era com entusiasmo que eu acompanhava, nos jornais, as discussões surgidas em torno da possibilidade de se inserir em Brasília a nova praça que projetei. Uma praça monumental, tão bonita que, acreditávamos, daria ao Plano Piloto a importância desejada.

Sabíamos que essa obra em nada prejudicaria o Plano Piloto, que, ao contrário, garantiria a esta capital o estacionamento para 3.000 carros que faltava. E parecia-nos ver a praça já construída, tendo, de um lado, o prédio baixo e sinuoso correspondente ao Memorial dos Presidentes, e, no centro, um grande triângulo destinado a uma exposição permanente sobre o progresso de nosso país – triângulo que, pouco a pouco, se ia transformando no monumento principal da cidade.

E foi com a apresentação desse projeto que há várias semanas uma polêmica se estendeu, ocupando os jornais. Confesso que eu não esperava tanto apoio dos que sobre a questão se manifestaram. Na verdade, alguns dos mais conhecidos arquitetos que atuaram em Brasília acorreram a me prestigiar, inclusive Lelé, que para mim telefonou esta manhã dizendo: “Oscar, estou doente, febril. Mas, se você precisar de mim, é só me ligar”.

E foi diante dessas provas de grande amizade que li nos jornais que o governador José Roberto Arruda, por falta de verba e de tempo, reconhecia ser agora impossível realizar a construção da praça que tanto desejava.

Com pesar nos reunimos, eu e meus companheiros de Brasília, para avaliar o que se passava. E chegamos à conclusão de que o governador do Distrito Federal não teria, como nos comunicou, condições para executar aquele projeto que tanto o empolgava.

O que fazer? O único pensamento que nos ocorria era, compreensivos, agradecer o apoio que o governador, com inegável interesse, nos dera e pôr de lado – provisoriamente – a idéia que muito nos entusiasmara. O projeto continuaria a ser desenvolvido normalmente, na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a ser cogitada.

Confesso que, ao tomar esta decisão, alguns dos meus companheiros pareceram magoados, embora sentisse em todos e em mim mesmo um certo alívio em pôr um ponto final a essa celeuma que tanto nos ocupara.

E compreendi que esta noite, mais tranquilo, voltaria à leitura de A viagem do elefante, que Saramago, esse grande escritor português, tão gentilmente me enviou. E amanhã, terça-feira [ontem], vou assistir com os meus amigos às aulas de cosmologia e filosofia que há cinco anos o físico Luiz Alberto Oliveira ministra para nós, fazendo-nos sentir que o que mais importa não são as tarefas que às vezes com sucesso realizamos, mas sim a luta por um mundo mais justo e solidário que nos ocupa, e que um dia, mais próximo do que imaginamos, se tornará realidade.

Oscar Niemeyer
Arquiteto

Texto enviado pelo autor, e também publicado em 04/02/2009 no Correio Braziliense.

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