Editoriais MDC – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Fri, 27 Feb 2015 19:31:43 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Editoriais MDC – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Editoriais MDC – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2012/12/20/oscar-niemeyer-1907-2012/ //28ers.com/2012/12/20/oscar-niemeyer-1907-2012/#respond Fri, 21 Dec 2012 00:44:42 +0000 //28ers.com/?p=8480 Continue lendo ]]> serie-oscar

Oscar Niemeyer recebeu todas as honrarias e homenagens possíveis a um arquiteto em vida. Quando de seu centenário, há cinco anos, a profusão de cerimônias, exposições, publicações foi tamanha, e tanto material foi produzido que é até hoje de difícil apreensão. Após seu falecimento, há duas semanas, o fenômeno vem se repetindo. Novas e antigas matérias vêm reverberando a vida e a obra de Niemeyer em todos os meios possíveis. Poucos apresentam de fato dados novos. A maioria repete o que já se sabe, ou multiplica erros históricos comuns. Praticamente nenhum meio de comunicação, porém, foi indiferente ao fato de que o mais relevante arquiteto brasileiro de todos os tempos havia nos deixado.

A revista MDC não será exceção. Lançamos a partir de hoje uma série em homenagem a Oscar Niemeyer, intitulada Oscar Niemeyer 1907-2012, recolhendo textos de diversos arquitetos que  compartilham conosco seu diálogo com Niemeyer e com sua obra. Visões pessoais, panorâmicas, estudos sistemáticos: interessa aqui não a forma, mas a relação arquiteto a arquiteto, pessoa a pessoa. Cada um, junto a nós, diz o mesmo:

Obrigado, Oscar.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012.

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC.

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Editoriais MDC – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2012/03/20/1922-quando-o-moderno-nao-era-um-estilo-e-sim-varios/ //28ers.com/2012/03/20/1922-quando-o-moderno-nao-era-um-estilo-e-sim-varios/#comments Wed, 21 Mar 2012 02:03:52 +0000 //28ers.com/?p=7527 Continue lendo ]]>

Danilo Matoso Macedo

Há homens que veem tudo de uma só cor, quase sempre preto. Eu vejo preto, branco, roxo, vermelho, amarelo. Vejo tudo de todas as cores do arco da velha. Aquele que vê uma cor só é mais pobre do que aquele que vê as sete cores. O homem que tem uma ideia só sobre um assunto é mais pobre do que aquele que tem duas. Dois valem mais do que um, pelo menos assim me ensinaram.

Rubens Borba de Moraes, Domingo dos séculos, 1924

Ao tomar conhecimento da revista MDC, Joaquim Guedes, imaginou ser a letra M correspondente a movimento. Talvez ele tenha se decepcionado ao constatar que nossas aspirações eram mínimas. Ponderou então, relembrando um antigo professor marxista, que os dois atributos do ser são a matéria e o movimento. E que se movimento é vida, ou nós lemos a vida e fazemos boa arquitetura ou não lemos e não fazemos nada

A Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo em 1922, não iniciou a arte moderna no Brasil, mas certamente colocou em movimento um modo moderno de discuti-la. Glorioso de antemão, no dizer de Mário de Andrade, o evento cumpriu seu propósito de alavancar jovens artistas, não só da metrópole em formação como de outras paragens ?como o próprio Rio de Janeiro ? para um plano de destaque na cultura nacional. Vinte anos depois, já era História rememorada e celebrada pelo próprio Mário.

Mitificado, combatido, recuperado, novamente combatido, o modernismo brasileiro ainda persiste entre nós. Mas a que modernismo brasileiro nos referimos?

Seria o expressionismo de Anita Malfatti e Di Cavalcanti? A estilização de Victor Brecheret e Vicente do Rego Monteiro? Ou o pontilhismo da belorizontina Zina Aita? Talvez a arquitetura despretensiosamente vernácula do polonês Georg Przyrembel. Ou a erudita arqueologia iconográfica dos edifícios de Antônio Garcia Moya…

Se a arte moderna nunca teve uma só causa, tendo bem servido tanto a fascistas como a comunistas, tampouco teve um só estilo. Mesmo assim, costumamos tratar por moderno um grupo restrito de obras. Na arquitetura, basta observar nas ruas que a maior parte da produção edilícia de nossas cidades permanece excluída do ensino em nossas escolas: desde o neocolonial, ainda presente em nossas residências, até o Déco ainda vigente na arquitetura corporativa. Vários estilos e obras, considerados modernos por seus contemporâneos eruditos e mais vanguardistas há um século, mantêm-se até hoje à margem da cultura arquitetônica habitualmente historiografada ?salvo alguns esforços isolados. E se mesmo Aita, Przyrembel e Moya, participantes da própria Semana de Arte Moderna de 1922, permanecem desconhecidos até do público especializado, que dizer de tantos outros…

Recuperando a figura do arquiteto paulista Antônio Garcia Moya, Sylvia Ficher comemora com a revista MDC os 90 anos da Semana de 22, num texto que será publicado na íntegra em três partes. O ar de novidade de fatos tão antigos talvez seja sinal de que neste campo há sempre muito o que por em movimento…


Antonio Garcia Moya, um arquiteto da Semana de 22
por Sylvia Ficher

Parte 1 : ou pro Mario, o Moya era moderno…

Parte 2 : ou la mala suerte…


danilo matoso macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

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Ruth Verde Zein
Danilo Matoso Macedo

Latin America, for example,
still has no body of theory of its own to show.

Hanno-Walter Kruft, A history of architectural theory.


Como é o lugar
Quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
Sem ser vistas?
(…)
Que fazem, que são
as coisas não testadas como coisas,
minerais não descobertos ?e algum dia
o serão?

Carlos Drummond de Andrade, A suposta existência.


A série Panoramas da Arquitetura Brasileira, que a partir de agora publicamos na seção Ensaio e Pesquisa, tem origem no Simpósio Temático Panoramas da Arquitetura Brasileira Moderna e Contemporânea, organizado por Ruth Verde Zein no I ENANPARQ ?Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, em 30 de novembro de 2010. Naquele evento, nove autores de panoramas apresentaram e discutiram suas obras, seus valores, seus processos de investigação e produção. A reunião tornou claro o impacto daquelas pesquisas na constituição da cultura arquitetônica contemporânea.

A historiografia da arquitetura do século 20 amadureceu um ritual de valoração de obras e autores para além de seu prestígio e reconhecimento locais. Com a expansão das revistas e das exposições, com seus catálogos, a consagração no próprio campo arquitetônico passou a independer do desempenho ou da popularidade das obras. Consolidaram-se assim as funções do crítico de arquitetura, do curador de exposições e do editor de revistas. Suas obras são possíveis portas de entrada de arquitetos e edifícios no panteão da história, e as narrativas desta são influentes elementos formativos das gerações de arquitetos do presente, num ciclo de reprodução de valores.

Do ponto de vista da organização formal, os produtos desse processo crítico e historiográfico poderiam ser divididos em:

a) coletâneas de textos, cuja reunião concertada alavanca uma visão narrativa implícita;

b) catálogos de obras, cuja seleção e reunião implicam uma visão crítica determinada;

c) narrativas panorâmicas, ou seja, esforços para propor explicitamente concatenações de fatos históricos, obras, autores e ideias;

A constituição desta série deve por isso ser tão plural e irrestrita quanto possível. Orientam-nos porém ao menos três objetivos bem determinados. Primeiramente, busca-se explicitar o próprio processo pelo qual as obras são selecionadas e incluídas numa determinada cultura arquitetônica, cujos valores tornam-se mais claros e passíveis de apreciação crítica. Em segundo lugar, compartilham-se as dificuldades, os dilemas e as limitações que a tarefa envolve, potencialmente servindo de estímulo e baliza para aqueles que hoje se dedicam a ela. Por fim, pretende-se tratar especificamente do campo de pesquisa que tem por objeto a própria história da arquitetura, e de sua teoria, em nosso país, cuja falta de divulgação sistemática tem levado a um relativo isolamento intelectual em relação ao meio internacional.

Sintomaticamente, por outro lado, alguns livros panorâmicos clássicos sobre nossa arquitetura são justamente aqueles que, de algum modo, tiveram algum tipo de fecundação estrangeira. Desde o catálogo elaborado por Philip Goodwin para a exposição Brazil Builds, realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1943, passando pelo Modern Architecture in Brazil, peça encomendada pelo Itamaraty a Henrique Mindlin para divulgação no exterior  em 1956 ?com introdução de Sigfried Giedion, até Arquitetura contemporânea no Brasil, escrito no final da década de 1960 pelo pesquisador francês Yves Bruand, ?e só publicado, em português, em 1983.

Também no estudo de nossa arquitetura colonial, os textos canônicos são provenientes de estudos de estrangeiros, como L’architecture religieuse baroque au Brésil, de 1956, encomendado pelo IPHAN a Germain Bazin, curador do Louvre; os artigos de John Bury ?compilados por Myriam A. Ribeiro em 1990; e a obra fundamental do norte-americano Robert Chester Smith, publicada na Revista do Patrimônio desde 1940, bem como em periódicos internacionais. Smith é responsável ainda pela introdução de um tipo de panorama ainda raro entre arquitetos brasileiros: a bibliografia comentada. É dele A guide to the art of Latin America, de 1948, e o capítulo sobre arte (e arquitetura) do Manual Bibliográfico de estudos brasileiros, organizado por William Berrien e Rubens Borba de Moraes no ano seguinte.

Se estes pesquisadores contaram com o apoio do Itamaraty e do IPHAN, do restrito grupo de intelectuais do patrimônio veio o conhecimento e parte da base empírica que lhes sustentou. São os trabalhos originais de Lucio Costa, Luis Saia, Joaquim Cardozo, Paulo Santos, seguidos por Sylvio de Vasconcellos e Carlos Lemos ?hegemonia confirmada em autores como Edgar Graeff, Benjamin de Araújo Carvalho, Eduardo Mendes Guimarães ou João Boltshauser. Dentre suas obras panorâmicas destaca-se a influente síntese Quatro séculos de arquitetura, de Paulo Santos, escrita em 1965 e publicada como livro em 1977. Na mesma linha, Carlos Lemos publicava o também sintético Arquitetura Brasileira em 1979, cuja abordagem da arquitetura moderna viria a ser aprofundada no capítulo que lhe coube do abrangente História Geral da Arte no Brasil, organizado por Walter Zanini em 1983. Juntamente aos estrangeiros, esses autores estabeleceram alguns paradigmas conceituais que desde então vêm servindo de base para outros estudos e debates sobre a arquitetura brasileira.

Poucas visões destoavam então daquele uníssono, como a editoria da revista Habitat, conduzida por Lina Bo Bardi nas décadas de 1950 e 1960 ?bastante crítica quanto à arquitetura carioca ? ou o Quadro da arquitetura no Brasil, publicado por Nestor Goulart Reis Filho em 1970, que partia de pressupostos analíticos urbanísticos, bastante distintos. A partir dos anos 1980, porém, a expansão da pesquisa e pós-graduação em arquitetura ampliou de maneira exponencial a quantidade e qualidade de estudos monográficos e setoriais sobre os mais variados temas, obras e arquitetos brasileiros.

Uma nova geração passa a propor as suas próprias leituras, revendo, ampliando e questionando as abordagens anteriores e já canônicas, divulgando-as inicialmente através de artigos pontuais, seja em publicações não acadêmicas (como a seção Ensaio & Pesquisa da revista Projeto ou a seção Documentos da revista AU), seja em publicações universitárias (como a revista Oculum da PUC-Campinas, entre outros). Paulatinamente esses estudos começam a ser publicados em livros cujas abordagens panorâmicas consolidam ou mesmo ultrapassam os paradigmas canônicos existentes. A partir do final dos anos 1990, essas publicações se consolidam, contando-se hoje com alguns panoramas mais amplos, temporal e geograficamente, sobre a arquitetura brasileira. Eles propõem novas abordagens visando uma compreensão de universos históricos mais extensos, complexos e não-lineares.

Esses trabalhos, abordando amplos períodos de tempo, atingindo ou não o momento contemporâneo, nascem de uma variedade de posturas conceituais: podem reforçar, revalidar e dar continuidade aos enfoques propostos pelos panoramas clássicos; podem contrapor-se ou alternar-se àquelas leituras; podem buscar estabelecer novos paradigmas e a abertura para outras possibilidades de interpretação. Em quaisquer casos, os esforços que vem sendo elaborados nesse sentido podem também ser entendidos como releituras da tradição da historiografia moderna brasileira, com vistas à compreensão crítica da nossa produção contemporânea.

Mas apesar desta produção recente, grande parte do ensino e da prática de arquitetura brasileiros segue empregando, nem sempre de maneira crítica, somente aqueles manuais anteriores à década de 1970. Sua leitura, embora útil e informativa, exuma pautas conceituais afinadas a momentos históricos passados. Quase sempre proclama de maneira linear, triunfal e frequentemente excludente, a autonomia, a consistência, a originalidade e a independência da modernidade arquitetônica brasileira, por exemplo.

Esse recurso aos clássicos é natural. Até mesmo pela dificuldade inerente a esse tipo de encargo, ainda há relativamente poucos estudos e pesquisas, realizados e publicados, tratando de nossa arquitetura de modo panorâmico, ou seja, abrangendo de maneira consistente e concertada períodos temporais ou geográficos amplos. Talvez o maior indicador dessa escassez seja a quase total ausência em nosso país de livros-texto abrangentes que deem conta com razoável profundidade de toda a história da arquitetura brasileira, desde a colônia até os dias de hoje.

Por isso, as narrativas de longo curso especificamente são um desafio conceitual importante. Sua produção é mesmo uma necessidade para aqueles que trabalham com a formação, o ensino e a pesquisa. Entretanto, não há seguramente uma maneira certa que determine como realizar tal tarefa; e assim pesquisas ou publicações tratando panoramicamente da arquitetura brasileira, abrangendo amplos períodos temporais e/ou geográficos, exige dos autores ou organizadores que definam com certa clareza os critérios de inclusão (e conseqüentemente, de exclusão) que adotam, os quais assumem de fato uma certa visão de mundo específica, que varia caso a caso.

Nem sempre porém a variedade de abordagens conceituais está clara e explicitamente indicada, e poucas vezes é facilmente perceptível aos leitores. Tal omissão frequentemente está ligada a uma certa compreensão vaga e difusa da mítica existência inconsútil de uma (e apenas uma) arquitetura para cada lugar e período, definida quase sempre de maneira excludente e linear. Esse hábito, nascido de uma visão ideologizada, no limite perpetua uma visão excludente da arquitetura contemporânea ao ser incapaz de compreender um panorama que já se complexificou exponencialmente. E talvez essa tarefa hoje sequer admita delimitações excessivamente rígidas de cunho regional ou nacional, tais como foram celebradas na primeira metade do século 20.

No caso brasileiro, esta abordagem unívoca está relacionada a uma certa confusão conceitual entre os temas de identidade nacional e os temas arquitetônicos, estes aparentemente apoiando e fomentando aqueles, num vínculo que é sempre reforçado embora talvez não seja nem necessário, nem indissolúvel, mas cuja presença constante ainda sombreia o campo. Ela impede ou dificulta abordagens multifacéticas ?ou que priorizem outros paradigmas que não o da identidade nacional ou o do desenvolvimentismo ?que acalentaram as primeiras visões panorâmicas da arquitetura moderna brasileira.

Com vistas a levantar estas questões, dentre outras, propõe-se, com a série Panoramas da Arquitetura Brasileira, o reconhecimento crítico de algumas das publicações de referência, debatendo as perspectivas delineadas pelos projetos, construções e pesquisas em andamento nesta primeira década do século 21. Inicialmente, a série contará com os aportes de Marlene Milan Acayaba e Sylvia Ficher, Hugo Segawa, Carlos Eduardo Comas, Roberto Montezuma, Renato Anelli, Abílio Guerra, Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein. Pretende-se ainda expandir estas colaborações com outros autores igualmente fundamentais que não puderam tomar parte do simpósio temático do ENANPARQ devido a contingências circunstanciais. Espera-se com isso contribuir para uma compreensão ampla e diversa dos processos e discursos formativos de nossa visão historiográfica, abrindo novos caminhos dentro daquilo que se considera arquitetura, e possivelmente iluminando novos campos para o arquiteto ?tanto o projetista quanto o pesquisador.


Ruth Verde Zein
Arquiteta, com mestrado (1999) e doutorado (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pós-doutorado (2008) pela FAU-USP. Prêmio Capes 2006 de Teses. É professora e pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É autora de, entre outros, Brasil: Arquiteturas após 1950 (com M. A. J. Bastos, Perspectiva, 2010), Sala São Paulo: A Arquitetura da Música (com A. R. Di Marco; Altermarket, 2007), Rosa Kliass: Desenhando Paisagens, Moldando uma Profissão (com R. Kliass, Senac, 2006) e O Lugar da Crítica: Ensaios Oportunos de Arquitetura (Ritter dos Reis/Proeditores, 2002).

Danilo Matoso Macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.


Colaboração editorial: Débora Andrade

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Editoriais MDC – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/11/sobre-projetos-executivos-e-detalhes/ //28ers.com/2009/06/11/sobre-projetos-executivos-e-detalhes/#comments Thu, 11 Jun 2009 06:02:26 +0000 //28ers.com/?p=2897 Continue lendo ]]>

NBR6492-DETALHESDanilo Matoso Macedo

A partir da próxima matéria, a seção Projetos e obras da revista mdc passará a disponibilizar arquivos com o Projeto Executivo ?ou Projeto de Execução ?completo. Entendemos que, com isso, amplia-se significativamente a relevância do material publicado. Ao acrescentar informação sobre as técnicas projetuais e construtivas adotadas na feitura da obra, procuramos trazer alguma contribuição ao delineamento de novos horizontes na crítica e de historiografia de nossa prática arquitetônica atual. Esperamos que uma nova crítica se forme e que nossa teoria se renove a partir da sistematização e da transmissão didática de um campo de conhecimento que até hoje tem sua cultura reproduzida quase que exclusivamente pela prática nos escritórios ?ao menos no Brasil. Esse medievalismo cultural da arquitetura talvez mereça aqui uma pequena digressão, necessária à explicitação de nossas intenções.

arquitetura é invenção ?de problemas?

Entablamento e capitel jônico, segundo o tratado de Vignola (1562)

Entablamento e capitel jônico, segundo o tratado de Vignola (1562)

Desde o surgimento, no século XV, do livro de arquitetura tal como o conhecemos hoje, nossa disciplina vem sendo transmitida majoritariamente por meio de textos, gravuras ou fotos naturalistas e desenhos técnicos simplificados de modo a caber nos formatos dos livros. Substituíam-se, e principalmente complementavam-se, com isso, os códices das corporações de ofício e as lições práticas por tratados de arquitetura concebidos e editados quase que à guisa de literatura. A cultura do livro impresso multiplicável foi componente ativo da revolução humanística da Idade Moderna no mundo ocidental. E as conseqüências da difusão arquitetônica completamente dissociada de qualquer contato direto com os edifícios, por assim dizer, prototípicos, levou em muitos casos à redução do escopo de nossa disciplina ao que pode ser transmitido por meio de livros e revistas: textos, imagens naturalistas e desenhos técnicos esquemáticos simplificados de escala reduzida. Os tratados da Renascença definem as “ordens?de arquitetura (colunas, capitéis, lintéis etc.) carentes de peso material. De que são feitos? Madeira, mármore, pedra, tijolo, estuque? Como são feitos? Por quem? Com que instrumentos? A que preço? Os livros não nos dizem. [1]

Com isso, a profissão e o profissional deslocavam-se do canteiro de obra dos artesãos para as côrtes dos nobres, dos intelectuais e sobretudo dos artistas. O desenho erudito desenvolvido junto à geometria descritiva acaba por se relacionar mais às especulações matemáticas e científicas do Iluminismo que à manufatura de edifícios e de seus componentes construtivos. Estes têm sua conformação ajustada à base de cinzéis, lixadeiras, desempenadeiras, sarrafos, gabaritos e outros instrumentos rudimentares para os quais as geometrias complexas advindas de equações espaciais fazem pouco sentido. Como nos lembra Alfonso Corona Martínez, os arquitetos do Renascimento inventaram uma competência profissional a partir dos meios de representação, ao dar importância maior aos problemas formais, de tal modo que estes somente poderiam ser resolvidos pelos arquitetos com o emprego de seu novo instrumental.[2]

As conseqüências e conflitos desse deslocamento da profissão até hoje se fazem sentir quando as soluções formais dos arquitetos deslocados do canteiro precisam ser construídas com integridade de modo a resistir às intempéries e à passagem do tempo. A cisão entre o canteiro e o desenho é problema antigo discutido repetida e exaustivamente a cada geração desde aqueles tempos. Entricheiram-se, de um lado, os arquitetos que vivem de textos, palestras e publicações em revistas, e de outro lado aqueles que vivem de produzir desenhos destinados à construção. Os argumentos de cada parte são repetitivos e talvez não valha a pena aqui mencioná-los senão em seus mais conhecidos pares dialéticos: teoria versus prática, “arquitetura do espetáculo?versus “arquitetura comum? artistas versus pedreiros, estrelas versus operários etc. Já lembramos recentemente[3] que, enquanto primeiro grupo goza de maior prestígio social, o segundo grupo projeta e constrói mais. Fosse a convivência entre estes grupos pacífica, e talvez nossas cidades houvessem sido construídas pelos arquitetos e urbanistas. A realidade, entretanto, é bastante distinta. Enquanto mestres de obras e técnicos em edificações efetivamente materializam nossas metrópoles ?que se expandem via de regra pelos bairros de classe média-baixa e baixa ?os arquitetos digladiam-se pela primazia da execução de poucos monumentos, edifícios públicos, moradias e escritórios das classes mais altas ?e vez por outra ou conjuntos habitacionais assistencialistas.

Essa inserção social e esse campo de atuação restritos descendem claramente daqueles construídos pelos arquitetos renascentistas ?e do que se convencionou chamar de arquitetura a partir de então, em oposição à mera construção[4]. Ocorre que, com a expansão das classes médias e a proliferação de arquitetos nesses extratos sociais intermediários, o número de profissionais excluídos é crescente. E mesmo os excluídos não se ocupam de tratar com competência dos seus problemas mais próximos: os edifícios das periferias (os responsáveis por mais de 70% da mancha urbana de nossas metrópoles). O motivo é muito simples: não foram preparados para fazê-lo. Aprenderam nas faculdades ?e lêem nas revistas e livros de arquitetura ?soluções para problemas que, ou não existem efetivamente, ou não lhes dizem respeito. Do mesmo modo, voltando aos dois grupos antagônicos, as estrelas costumam esbanjar uma despreocupação olímpica com a construção, uso e manutenção de seus edifícios, enquanto os técnicos pavoneiam-se ingenuamente de sua ignorância total sobre qualquer questão humanística que vá além do carisma de que usam para convencer seus clientes.

A história nos ensina que estes grupos não se reconciliarão. Preferimos, por isso, uma via alternativa, que teorize sobre os aspectos práticos e que cobre relevância social direta das problematizações teóricas. Se o arquiteto de escritório trata de desenhos técnicos e de técnicas construtivas, sobre eles também nos devemos debruçar em busca de constantes, princípios, valores e métodos passíveis de sistematização ?em busca da própria teoria ?e transmissão para as gerações futuras. Na mão inversa, se o arquiteto de revista trata de publicações, de livros, palestras e exposições, que elas digam respeito ao menos a soluções efetivas para os problemas de seu tempo, e não de frívolas questões endógenas.

a competência do arquiteto

Em nossa sociedade, arquitetos que projetam – e não possuem empreiteiras ?extraem seu sustento da entrega de desenhos. Mesmo que acompanhados por maquetes e textos, são os desenhos o cerne da documentação comercializada. Nesse sentido, o desenho é uma mercadoria como outra qualquer: possui seu valor intrínseco e seu valor como índice de uma obra que será construída. Mesmo que acompanhados pela carga simbólica conotada pela griffe do autor ?evidentemente parte do produto em questão ? são os desenhos que conectam criador e obra construída. Comprovam estes argumentos os croquis , os riscos originais que todos fazem questão de publicar junto aos projetos.

Existem definições claras sobre a natureza dos desenhos arquitetônicos. Segundo a Norma Brasileira, o projeto de arquitetura é elaborado nas seguintes etapas: levantamento de dados, programa de necessidades, estudo de viabilidade, estudo preliminar, anteprojeto (ou de pré-execução), projeto legal, projeto básico (opcional, voltado para órgãos públicos), e projeto para execução [ou Projeto Executivo] de arquitetura.[5] Este último é definido como etapa destinada à concepção e à representação final das informações técnicas da edificação e de seus elementos, instalações e componentes, completas, definitivas e necessárias à licitação (contratação) e à execução dos serviços de obra correspondentes.[6] A Tabela de Honorários do Instituto dos Arquitetos do Brasil[7] foi feita a partir dessas etapas. Enquanto se atribui um valor de 10% a 15% ao Estudo Preliminar, o Projeto Executivo corresponde a 50% da remuneração. Voltaremos a esta relação proporcional em seguida.

A responsabilidade do projetista sobre a obra construída é tanto maior quanto maior for a correspondência entre seus desenhos e a edificação concreta. Na prática atual, entretanto, esta constatação opõe-se ao senso comum corporativo corrente entre nós de que o arquiteto é dirigente da edificação. Assim o seria se sobre ela tivéssemos responsabilidade total ?o que não é o caso em nosso país. A obra construída é produto coletivo de todos os projetistas e de responsabilidade principalmente do construtor, e nesse grupo o arquiteto comumente assume apenas o peso do papel secundário que lhe cabe (vegetal, manteiga ou sulfite).

Indo mais além na argumentação, em nosso país não temos notícia de acionamento legal de algum arquiteto ou escritório de arquitetura devido a erros de projeto. Normalmente, a culpa por problemas em edificações recai sobre os empreiteiros e engenheiros projetistas, devido a problemas construtivos e a falhas nas instalações. No Brasil, o arquiteto ?o mesmo a encabeçar a ficha técnica em revistas, relegando aos demais os papeis de coadjuvantes ?não é responsabilizado por praticamente nada. Convido o leitor a vasculhar sua memória e a encontrar exemplos recentes de arquitetos considerados publicamente responsáveis por desabamentos, patologias estruturais e mesmo por acidentes de trabalho e enfermidades em moradores de seus edifícios. Verá que não se ouviu falar dos arquitetos. Os engenheiros em alguns casos foram presos ou execrados publicamente, porque deles efetivamente era a responsabilidade pelas decisões críticas.

Não nos enganemos atribuindo ao arquiteto contemporâneo uma competência que na prática não lhe cabe: o produto concreto imediato de seu trabalho são os desenhos, que são valorados por sua qualidade comunicativa e pelo que resulta dela ?a obra construída entendida em seu sentido meramente plástico. O desenvolvimento e detalhamento construtivo relevante de um projeto, para além das aparências portanto, implica em assumir mais responsabilidades. Ao assumir plenamente o encargo do projeto executivo, do detalhamento e da integração e compatibilização de projetos complementares, o arquiteto amplia consideravelmente o seu crédito efetivo pela obra construída ?e consequentemente seu campo potencial de atuação. Saber desenvolver e representar um projeto para execução deságua assim em mais competências profissionais.

Feita esta constatação, torna-se desconcertante o descaso do métier da arquitetura e engenharia brasileiras para com as convenções de desenhos. As normas são escassas[8], as disciplinas universitárias de desenho técnico são consideradas instrumentais (ou não finalísticas) e chega a ser um milagre que alguma comunicação efetivamente ocorra por meio de uma linguagem tão carente de gramática. Tanto nas engenharias quanto na arquitetura, a disciplina de desenho técnico foi reduzida a um reles semestre letivo, e o desenho técnico tem seu aprendizado nos estágios de escritório e marginalmente nas disciplinas de projeto.

As disciplinas de projeto e as demais disciplinas dos cursos universitários parecem tratar de tudo, menos do desenvolvimento de projetos nas sucessivas etapas necessárias à execução da obra. A prática dos escritórios de arquitetura é quase que integralmente composta pelo desenvolvimento de projetos de aprovação, de projetos executivos, de detalhamentos e de desenhos adicionais necessários à execução. Na verdade, vemos que a proporção valorativa sugerida pela Tabela de Honorários do IAB certamente sobrevalorizou as fases iniciais do projeto devido à carga simbólica da criação artística. A prática mostra que a relação estritamente quantitativa reduziria significativamente o valor daquelas. Um estudo preliminar desenvolvido em duas semanas tem seu desenvolvimento e obra arrastados por anos a fio, mas não se aprende sobre como lidar com isso nas universidades e pouco se discute sobre esta prática em nossas revistas e livros de teoria e história. Como observou John Summerson,

Ele [o arquiteto moderno], por diversos motivos, saiu de seu papel, deu uma olhada na cena ao seu redor e tornou-se obcecado não com a importância da arquitetura, mas com a relação da arquitetura com outras coisas. Isso é exatamente o que ocorreu.O arquiteto saiu de si mesmo, como se fosse uma segunda pessoa a sair da primeira num filme psicológico. Ele (prosseguindo momentaneamente com esta metáfora) deixou sua primeira personalidade na prancheta e assumiu a segunda (a personalidade ‘viva? numa volta ao mundo contemporâneo ?pesquisa científica, sociologia, psicologia, engenharia, as artes e diversas outras coisas.  Ao retornar à prancheta, sua primeira personalidade lhe parece constrangedora e extremamente desinteressante. Ali está ele desajeitadamente sentado, recendendo levemente a “estilos? Então a segunda personalidade senta-se ao lado dele e dolorosamente guia sua mão.[9]

Por bizarro que possa parecer, esta espécie de dupla personalidade do arquiteto não é exceção. Comprova isso o descompasso entre o que consta em nossa historiografia e o que de fato correspondeu à prática edilícia das sociedades ali descritas. Em alguns momentos, o ethos de uma personalidade invade os domínios da outra. É então que o arquiteto imbuído da cobrança social pela invenção ?no sentido lato ?torna-se incapaz de obedecer às mais simples convenções.[10]

o desenho arquitetônico, suas convenções e detalhes

Ocorre que, no Brasil, cada escritório de arquitetura inventa suas próprias convenções gráficas.  Aqueles encarregados de construir as obras devem aprender a ler o idioma de cada escritório, transformando-se em verdadeiros poliglotas iconográficos. De fato, se engenheiros civis, mestres-de-obras, serralheiros e marceneiros[11] acabam por aprender algo desse código na prática, o fazem de tanto sentirem no bolso as conseqüências de seus erros de interpretação. E se não aprendem a ler os desenhos, aprendem a conversar sobre eles minuciosamente com o arquiteto na obra.

Nessa babel, os arquitetos também padecem, já que dependem de engenheiros para desenvolver os projetos complementares. Os engenheiros ?sobretudo os ligados às instalações ?embora sejam bastante mais afeitos a seguir convenções de símbolos e metodologias de representação, tendem a tratar o desenho técnico mais como diagrama simbólico que como desenho figurativo. Dessa falta de compreensão das características físicas e dimensões da coisa tratada nascem os problemas de compatibilização ?cuja solução ou bem fica a cargo do arquiteto ou bem fica a cargo do empreiteiro ?onde tubos descem aparentes fachada abaixo, máquinas não cabem nos vãos destinados a elas, equipamentos ficam sem visita para manutenção etc.  A situação agravou-se ainda mais com o advento dos sistemas de CAD ?Computer Aided Design. No computador, a representação digital possui múltiplas possibilidades de elaboração, que resultam aparentemente num mesmo desenho impresso. O intercâmbio de arquivos entre engenheiros e arquitetos dentro desse universo infindável de variáveis é praticamente impossível sem uma padronização estrita do modo de trabalho. Evidentemente, a maior parte dos escritórios brasileiros de engenharia  e arquitetura ignora ou despreza olimpicamente os poucos padrões existentes.[12]

Mais uma vez, a origem dessas mazelas está na carência de conhecimento sistematizado sobre o tema em nosso país. Os arquitetos aprendem a desenhar estudos preliminares na faculdade e passam a vida folheando e estudando revistas e livros com plantas na escala de 1:500, e dali extraindo seus parâmetros de trabalho. Mesmo as revistas técnicas ?como a brasileira Techné, a alemã Detail ou a espanhola Tectónica ?limitam-se a exibir diretamente os detalhes da escala 1:1, passando ao largo das plantas, cortes e fachadas do projeto executivo, por uma simples impossibilidade material de publicar uma revista em formato A0. Estes desenhos gerais, os mais importantes de todo o projeto, onde todos os detalhes, eixos, especificações e dimensões estão indicados e mapeados, simplesmente não são publicados em tamanho legível. Enquanto isso, esquadrias e grampos de fixação de granito são reproduzidos ad nauseam.

À esquerda, detalhe do catálogo da Alcoa para pano de vidro. À direita, detalhe publicado no especial 'Detalles' da revista argentina Summa (dez.2004)

À esquerda, detalhe do catálogo da Alcoa para pano de vidro. À direita, detalhe publicado no especial 'Detalles' da revista argentina Summa (dez.2004)

Nesse ponto, o problema ganha nova complexidade, pois esbarramos no conflito entre a prática arquitetônica estrangeira e a brasileira. A representação do detalhe ampliado de vedação tem sua origem nas wall-sections norte-americanas ?desenhos autônomos que convencionalmente sintetizam o desempenho da vedação do edifício. São parte das convenções gráficas que os arquitetos são obrigados a dominar para obter seu diploma na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos. Se nesses países as normas existem e são cumpridas, no Brasil as normas rareiam e são ignoradas. Lemos os desenhos nas revistas estrangeiras e copiamos os seus cacoetes e seus detalhes ?as wall-sections que não fazem sentido algum em alvenaria de tijolos ?/em>, no que muitas vezes se torna um tecnicismo inútil e um detalhismo perfeitamente dispensável. Um exemplo clássico desse tipo de prática corrente entre nós é a insistência que se tem em publicar os detalhes de caixilharia de alumínio, quando é sabido que as montagens desses perfis extrudados de grande complexidade é inteiramente determinada pelas linhas criadas pela indústria. Escolhido o modelo da esquadria, trata-se simplesmente de uma montagem de detalhes padronizados sobre os quais o arquiteto e o engenheiro têm pouca ou nenhuma influência.

A causa para este tipo de vício, mais uma vez, tem suas origens na própria afirmação da autonomia do campo arquitetônico. Como bem nos lembra Sérgio Ferro: a coisificação desta verborragia analítica não pedida só é explicável (…) pela urgência de iludir o próprio esvaziamento.[13] Além dos detalhes inúteis, incluem-se na crítica de Sérgio Ferro também os detalhamentos superabundantes. Nesse campo, de identificação mais dificultosa, incluem-se sobretudo os defensores da industrialização na construção ?que de tanto buscar novos padrões acabam simplesmente por inventar todo um novo sistema semi-industrial a cada projeto. Nesse vício incorrem muitos dos que são admirados pelo domínio da técnica construtiva: inventam detalhes complexos, supostamente indicativos de alta tecnologia, que serão de execução difícil, dispendiosa e de desempenho duvidoso. Um bom exemplo é o que Peter Blake chamou, há mais de trinta anos, de celebração da junta:

(…) em certos tipos de construção com painéis ou outros tipos de pré-fabricação, a junta entre as partes ?aquela infinitamente problemática e infinitamente multiplicada junta, a causa de vazamentos, empenamentos, corrosão, desbotamento, de muita confusão, preocupação e trabalho ?essa junta insignificante simplesmente não era recoberta e ocultada da melhor maneira possível; ela era intrincadamente articulada, interminavelmente expressada, voluptuosamente discutida pelos críticos e masoquisticamente celebrada. [14]

da prática à teoria do desenho

É desejável, portanto, que nos debrucemos mais detidamente sobre os desenhos e especificações que resultam nas obras construídas que admiramos, de modo a lhes conhecer os pormenores que tornaram possíveis a comunicação com os executores e sua feitura a contento. Se nosso produto de trabalho é o desenho, é natural e desejável que nos detenhamos com mais vagar na reflexão acerca do que nos consome mais tempo e esforço ?o Projeto Executivo e a obra ?que nos valores artísticos emanados dos Desenhos de Apresentação constantes nos estudos preliminares feitos em uma semana. É natural que desejemos desenvolver uma espécie de “Teoria do Projeto Executivo? ou “Teoria do Desenho?em>.

É nesta documentação, em sua clareza, em sua capacidade de comunicação e síntese de idéias, que está um dos fatores indicativos de um bom projeto de arquitetura ?e frequentemente de uma boa obra executada. Se a construção, por suas avantajadas dimensões, forçosamente é composta por vários elementos e componentes, é no modo como ordenamos esta composição e conciliamos as partes e materiais que está o cerne de nosso labor. É no desenvolvimento de cada parede, de cada janela, onde os valores fundadores do projeto são testados e reavaliados, e as partes questionam de volta o autor sobre a pertinência do todo. É nessa retórica do jogo construtivo que se determina a medida de coesão e integridade de uma obra, e consequentemente sua durabilidade ?preocupação premente em tempos de escassez de recursos não-renováveis.

Para ser levado à execução, um projeto passa por uma ampliação de escala, pela divisão do todo em partes sucessivamente menores, representadas em elevações, seções e perspectivas devidamente especificadas. Se este conjunto de desenhos é coeso em sua ordenação e homogêneo em sua representação, sua compreensão é enormemente facilitada. Ao representar plantas, cortes e fachadas do conjunto da edificação, o arquiteto escolhe os elementos e componentes cujo custo, complexidade ou importância para o conjunto requerem desenho ampliado. A partir dessa escolha inicial, o detalhamento é agrupado normalmente em sua ordem de execução e importância, em pequenos conjuntos autônomos que podem ser enviados a sub-empreiteiros. Esta aparente autonomia do detalhe exige um estrito controle do autor de modo a harmonizar os próprios elementos entre si, mantendo a unidade do conjunto e a coesão dos conceitos desenvolvidos.

Quando se desenvolve um projeto plenamente e se acompanha sua execução, cai por terra o mito do projeto ideal surgido platonicamente na cabeça do arquiteto a priori, do qual a matéria seria apenas um pálido reflexo. É ali, na lida com as coisas concretas, suas vontades, suas afinidades e limitações, que surgem as invenções duradouras.  Dentro desta visão, o conceito original do edifício, normalmente entendido como uma declaração inicial de intenções por seu autor, converte-se em objeto de diálogo com a realidade mediado pelo desenho, conforme nos explica Carlos A. Leite Brandão, para quem

nem o conceito é da pura ordem da subjetividade e da teoria, nem o projeto e a obra são da pura ordem da objetividade e da prática empírica. O conceito se faz na própria representação e na própria construção. E para o crítico interessa compreender os conceitos nessa fala do projeto, e não na idéia original do autor, a qual creio sempre permanecer inacessível, inclusive ao próprio autor. O conceito está na obra e no projeto, e não na subjetividade do arquiteto. Ele mora no desenho, na maquete ou na imagem virtual – e não no pensamento do autor ou no contexto sócio econômico – e é lá, em primeiro lugar, que ele deve ser perseguido pelo crítico ou intérprete. Essa representação, portanto, não é a mera perseguição de uma idéia que sempre insiste em fugir, mas um dos momentos em que o próprio conceito se formula[15]

O desenho de execução, portanto, vai além da apresentação de uma idéia. Ele é sua representação, e como tal estabelece uma relação dialética e dinâmica com ela.

A tecnologia digital rompeu a barreira imposta originalmente pelo meio do livro impresso. Hoje, pode-se publicar arquivos de pranchas inteiras de desenho no mesmo espaço em que antes se apresentava um texto e alguns diagramas. Com essa nova possibilidade, um novo campo de valoração da obra publicada vem à tona. É possível testemunhar o modo pelo qual o arquiteto comunicou-se com os executores, é possível aferir o grau de realização das intenções originais, é possível aprender com os erros e triunfos dos colegas, trazendo à tona um campo de conhecimento tão vital e tão esquecido pela cultura de nosso campo. Num momento futuro, talvez alguma tecnologia de CAD/CAM substitua o velho desenho técnico, mas esta é uma outra discussão…


notas

[1] Renaissance treatises define architectural “orders?(columns, capitals, lintels, etc.) that are singularly lacking in material weight. What are they made out of? Wood, marble, stone, brick, stucco? How are they made? By whom? With what instruments? At what price? The books don’t tell us. Carpo, Architecture in the Age of Printing, 7.

[2] Martínez, Ensaio sobre o projeto, 15.

[3] Macedo, “Deixar de pensar no estilo.?/p>

[4] A passagem de Sylvia Ficher explica a conotação desta expressão, tão recorrente na teoria da arquitetura: “Quando nós falamos em arquitetura clássica, somos nós que falamos em arquitetura clássica, que adjetivamos o termo arquitetura. Até meados do século XVIII, quando se dizia arquitetura ?obviamente estou me referindo ao contexto ocidental, europeu ?não era preciso adjetivar: arquitetura queria dizer arquitetura clássica, caso não fosse clássica, não era arquitetura. E não apenas quando se tratava de edifícios de exceção. Se uma edificação não é clássica, não é arquitetura: é uma construção. É por essa razão que ainda se fala uma bobagem dessas: ?strong>mera construção?#8230; […] O caso brasileiro é extremo. Ou seja, mais ainda do que nos Estados Unidos ou na Europa, aqui, naquele momento ?no nosso caso, da década de quarenta em diante ?Arquitetura é Arquitetura Moderna. Se não é Arquitetura Moderna, não é Arquitetura, tout court, não é entendida pelos arquitetos como Arquitetura: é construção […]?/em> in Ficher, “Reflexões sobre o pós-modernismo,?5.

[5] Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 13532/1995, 3.

[6] Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 13531/1995, 2.

[7] Instituto de Arquitetos do Brasil, Tabela de Honorários.

[8] Atualmente, a única norma da ABNT específica de desenho arquitetônico é a NBR 6492/1994 ?Representação de projetos de arquitetura.

[9] He has, for some reason or another, stepped out of his ‘rôle? taken a look at the scene around him and then become obsessed with the importance not of architectures, but of the relation of architecture to other things. This is exactly what happened. The architect has walked out of himself, rather like a second personality is seen to walk out of the first in a psycological film. He has (to pursue this metaphor for a moment), left the first personality at the drawing board and taken the second (the ‘live?personality) on a world-tour of contemporary life ?scientific research, sociology, psychology, engineering, the arts and a great manu other things. Returning to the drawing-board he finds the fist personality embarrassing and profoundly unattractive. There he stubbornly sits, smelling slightly of ‘the styles? So the second personality sits down beside him and painfully guides his hand. In Summerson, “The mischievous analogy,?197.

[10] A seguinte anedota ilustra bem o lamentável quadro de confusão mental de alguns de nossos colegas nesse sentido. Certa vez, participando de uma banca de um Trabalho Final de Graduação em arquitetura, advertimos que o aluno não havia dotado um edifício de seis pavimentos de escadas protegidas contra incêndio, em desacordo com as normas vigentes. Seu orientador saiu em sua defesa, afirmando: ?em>as regras estão aí para serem quebradas?

[11] Convém lembrar que, ao contrário dos engenheiros, a maioria ?senão a totalidade ?dos operários da construção civil carece de instrução formal no que concerne à elaboração e interpretação de desenhos técnicos, suas convenções e suas técnicas.

[12] Cf. Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura – AsBEA. Diretrizes gerais para intercambialidade de projetos em CAD: integração entre projetistas, construtoras e clientes. Organizado por Henrique Cambiaghi, São Paulo: Pini, 2002.  199p.

[13] Ferro, “Arquitetura nova,?55.

[14] (…) in certain kinds of panelized or otherwise prefabricated buildings, the joint between parts ?that endlessly troublesome and endlessly multiplied joint, the source of leaks, of buckling, of corrosion, of discoloration, of much fuss and bother and expense ?this miserable joint was not merely not covered up and done away with as best as possible; it was intricately articulated, interminably expressed, volubly discussed by the critics, and masochistically celebrated. In Blake, Form Follows Fiasco, 61.

[15] Brandão, “Linguagem e arquitetura: o problema do conceito.?/p>


referências bibliográficas

Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13531 : Elaboração de projetos de edificações – atividades técnicas. Rio de Janeiro, 1995.

——? NBR 13532 : Elaboração de projetos de edificações – Arquitetura. Rio de Janeiro, 1995.

Blake, Peter. Form follows fiasco: why Modern Architecture hasn’t worked. Boston / Toronto: Little, Brown, 1977.

Brandão, Carlos Antônio Leite. “Linguagem e arquitetura: o problema do conceito.?Interpretar Arquitetura, Novembro 2000. //www.arquitetura.ufmg.br/ia/.

Carpo, Mario. Architecture in the age of printing: orality, writing, typography, and printed images in the history of architectural theory. Traduzido por Sarah Benson. Cambridge, Mass: MIT Press, 2001.

Ferro, Sérgio. “Arquitetura nova.?In Arquitetura e trabalho livre, 47-58. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

Ficher, Sylvia. “Reflexões sobre o pós-modernismo.?MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Março 9, 2007.

Instituto de Arquitetos do Brasil. Tabela de Honorários : condições de contratação e remuneração do Projeto de Arquitetura da edificação. //www.iab.org.br.

Macedo, Danilo Matoso. “Deixar de pensar no estilo.?MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Janeiro 19, 2009. //28ers.com/2009/01/19/deixar-de-pensar-no-estilo/.

Martínez, Alfonso Corona. Ensaio sobre o projeto. Traduzido por Ane Lise Spaltemberg. Arquitetura e Urbanismo. Brasília: Unb, 2000.

Summerson, John. “The mischievous analogy.?In Heavenly mansions and other essays on architecture, 195-218. New York/London: W. W. Norton, 1963.


danilo matoso macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

]]> //28ers.com/2009/06/11/sobre-projetos-executivos-e-detalhes/feed/ 4 2897 Editoriais MDC – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2007/11/30/mdc-4-editorial/ //28ers.com/2007/11/30/mdc-4-editorial/#comments Fri, 30 Nov 2007 22:56:49 +0000 //28ers.com/?p=445 Continue lendo ]]> mdc 4

COMPLEXIDADE E CONTRADIÇÃO
NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA


Ano II . N.4 . nov.2007 . ISSN – 1809-4643

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Editorial

Há quarenta anos, Robert Venturi publicava o influente livro Complexidade e contradição em arquitetura. Nele, o arquiteto clamava por uma arquitetura de inclusão, do isto e aquilo, por uma arquitetura que tivesse por balizamento conceitual as mais cotidianas necessidades humanas, norteadas por valores plásticos provenientes de obras historicamente consagradas. Esta atitude inclusiva e formalista tinha seus precedentes na Arquitetura Moderna mais próxima. O próprio Venturi, em seu texto, assumia sua filiação a figuras como Alvar Aalto e Le Corbusier. E não é por acaso que a técnica baseada no lirismo deste último tenha encontrado seus ecos no Brasil. De fato a Arquitetura Moderna Brasileira caracterizou-se justo pelo abrandamento e pela livre manipulação amaneirada dos princípios da Arquitetura Moderna européia. O tema desta edição foi escolhido de modo a resgatar no cenário atual os valores daquelas reflexões.
Se a revista mineira Pampulha constituiu um marco na reverberação do pensamento de Venturi no Brasil, ela a uma vez também sinalizava uma ruptura e uma clara filiação à Arquitetura Moderna Brasileira. Ainda na década de 1980, aquele cenário diversificado foi delineado por teóricos como Sylvia Ficher e Hugo Segawa, cujas reflexões atuais sobre aquele período buscamos trazer neste número da revista. Contrapondo de modo contemporâneo o caráter inevitavelmente apologético que este tipo de resgate conota, trouxemos também a reflexão contemporânea de Rogério Andrade, ampliando o conceito de ecletismo para além do decor a que ele é usualmente associado.
Do mesmo modo, buscamos trazer à tona a produção recente de alguns protagonistas emergidos do discurso dito pósmoderno de vinte anos atrás, como José Eduardo Ferolla, Jô Vasconcellos, Éolo Maia e Sylvio de Podestá. Enquanto o programa e o local do Grand Ægyptian Museum praticamente induziam à adoção de valores historicistas banidos do vocabulário moderno ?como simetria e centralidade ?a manipulação de materiais e a relação com o entorno imediato somam a apropriação de um gosto formal intencionalmente desarmônico próprio da década de 1990. Esta desarmonia é a tônica do Restaurante Allegro, em Ouro Preto, cujo tom da argumentação prescinde dos grandes discursos estruturalistas para agenciar valores prosaicos envolvidos na obra.
O prosaísmo, o atendimento a demandas específicas da obra por meio de materiais e técnicas simples e quase vernáculas, parece ser um fio condutor entre as tradições modernas e as arquiteturas que representaram superação de sua hegemonia. É esta atitude que buscamos ressaltar com a publicação do Espaço Lúdico brasiliense e da casa Abu&Font, em Assunção.
Deparamo-nos hoje em nosso país com a recuperação do léxico moderno no que este tinha de mais redutor, excludente e simplista. Grande parte do chamado minimalismo dos anos noventa trouxe consigo a redução afetada de elementos, a solene desconsideração dos contextos sociais e locais, a pureza visual conseguida a altos custos construtivos. Um aparente abandono completo do pensamento inclusivo da década anterior.
Acreditamos que é possível, com o panorama aqui apresentado, o planteamento consistente de alternativas à hegemonia fundamentalista que ronda o nosso meio. Se a diversidade de visões e aportes culturais é uma condição de nosso tempo, é através do diálogo que será possível a construção de uma cultura arquitetônica efetiva.

Danilo Matoso

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MONUMENTALIDADE X COTIDIANO:
A FUNÇÃO PÚBLICA DA ARQUITETURA


Ano I . N.3 . mar.2006 . ISSN – 1809-4643

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Editorial

Trazemos aqui o planteamento da relação entre diversas escalas e níveis de envolvimento do profissional arquiteto com a produção do ambiente. Do cotidiano ao monumental, do privado ao público, da regra à exceção, indagamo-nos acerca da existência de princípios fundamentais que ordenem a construção do espaço.
Toda construção implica em comunicação: constitui um cenário de vida para a sociedade presente e uma história para com as sociedades futuras. Ao construir, o homem produz o registro de uma vivência, cuja importância tanto mais transcende sua individualidade quanto mais universais forem seus princípios constituintes. Do mesmo modo que um grupo de pessoas que não se comunicam não constitui uma sociedade, um grupo de construções ensimesmadas não constitui uma cidade. Pergunta-se então o que vem sendo dito, e que legados de cidadania osarquitetos estão construindo.
Se a prática da construção brasileira diz respeito, em sua maioria, à construção informal e ao inchaço das grandes cidades, pergunta-se em que medida o pensamento e a cultura arquitetônicos têm tomado parte nesse processo.
Se a geração de arquitetos modernos da primeira metade do século passado colocou à arquitetura o trabalho de cumprir uma “função social? pergunta-se em que medida dedicam-se os arquitetos à construção do espaço cotidiano.
Se o monumento é a síntese pública de uma cultura, pergunta-se pelos princípios que deve este monumento representar.
Das questões colocadas, depreende-se que a arquitetura, obrigatoriamente e em qualquer caso, cumpre uma função pública. Tem o ofício do arquiteto, portanto, uma responsabilidade social inescapável, e da qual é necessária plena consciência. Mapeando aqui alguns aspectos deste tema, esperamos contribuir para sua visibilidade e seu resgate.

Danilo Matoso Macedo

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DESDOBRAMENTOS RECENTES DA ARQUITETURA MODERNA: ESTAMOS CONDENADOS À MODERNIDADE?


Ano I . N.2 . fev.2006 . ISSN – 1809-4643

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Editorial

Verificado o esgotamento da arquitetura pós-moderna, devido à abordagem excessivamente ornamental de grande parte de sua produção, desvinculada do compromisso com a qualificação do ambiente construído para a vida cotidiana, a arquitetura tem voltado as atenções para os procedimentos e conceitos oriundos da Modernidade.
Já em 1985, Kenneth Frampton apresentou o conceito de Regionalismo Crítico como uma postura de conciliação entre a universalização proposta pela modernidade e as especificidades locais, visto já naquela época como uma alternativa aos desdobramentos do pós-modernismo.
No Brasil, nos anos 90, observa-se uma grande onda de publicações que registram as obras dos nossos arquitetos modernos. No panorama internacional, desde o Desconstrutivismo, o reconhecimento e a interpretação crítica de conceitos da modernidade tem sido o fundamento da ação dos arquitetos. Como apontaram Montaner e Savi, nas obras ditas minimalistas a abstração formal, a autoreferência anti-historicista, a repetição de elementos, a simplificação geométrica, a forma estrutural, a exploração da materialidade e a regularidade reeditam procedimentos
compositivos decorrentes da arquitetura moderna em edificações de forte impacto visual, nem sempre contextualizadas aos lugares em que se implantam. Essa reedição de conceitos da arquitetura moderna vem culminar em uma reedição nostálgica do repertório formal dos anos 30 a 60, que, simplificado, esvaziado de seu conteúdo ético e apoderado pelo mercado imobiliário, vem produzindo no Brasil as inexpressivas “casas brancas de vidros verdes”, em uma progressiva banalização que é mais uma reedição pós-moderna do repertório abstrato do que propriamente uma posição crítica quanto às possibilidades de edição da técnica contemporânea na construção de espaços mais qualificados e como maior ênfase no âmbito público, como fizeram nossos melhores arquitetos.
Posto que as possibilidades técnicas e materiais hoje disponíveis no campo de ação dos arquitetos não diferem significativamente daquelas decorrentes da revolução industrial, que geraram a Arquitetura Moderna, pergunta-se: é possível produzir sobre outras bases que não aquelas que fundaram a modernidade? Em que o paradigma ambiental, a sensibilidade com o lugar e a relativização do valor do progresso vêm modificar os desígnios da produção do espaço habitável na contemporaneidade? Como país jovem, cuja cultura foi moldada fundamentalmente pela modernidade, estamos condenados ao futuro? Ou há continuidades desejáveis que nos permitam contribuir para o estabelecimento de outro patamar de desenvolvimento para o país e outro estágio de civilização para o nosso povo?

Carlos Alberto Maciel

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A PERTINÊNCIA DA FORMA
E A POÉTICA DA CONSTRUÇÃO


Ano I . N.1 . jan.2006 . ISSN – 1809-4643

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Editorial

Mdc tem por objetivo refletir sobre a produção contemporânea brasileira de arquitetura, buscando identificar tanto traços comuns e pontos de contato, diferenças e contradições. É através do mapeamento de convergências e divergências que se discute o que poderiam ser chamados “denominadores comuns” nessas arquiteturas. A partir da generosa contribuição do arquiteto Álvaro Puntoni, chegamos ao depoimento de Affonso Eduardo Reidy dado a Alfredo Brito e Ferreira Gullar para o Inquérito Nacional de Arquitetura, no qual sugeria a existência de um denominador comum à produção arquitetônica moderna brasileira. Em sua argumentação, Reidy foi capaz de enumerar com precisão um conjunto de fatores que constituiriam esse denominador.

A busca por pontos em comum em obras e projetos da produção brasileira recente não tem por objetivo a eleição de modelos a serem seguidos, mas estabelecer uma discussão a partir de alguns exemplos que conseguem furar o cerco da massificação cultural e das imposições mercadológicas e econômicas, operando no sentido de estabelecer ideais e objetivos compartilhados.

Uma das características que fundam a arquitetura moderna é a intrínseca relação entre a forma final do edifício e as suas determinações construtivas, regidas por um princípio de economia que remete ao conceito vitruviano do decoro. A busca de uma pertinência da forma, como argumenta Edson Mahfuz, é um fundamento que pode orientar a produção arquitetônica para respostas mais efetivas aos problemas contemporâneos, evitando a frivolidade, a superficialidade e o supérfluo, tão presentes nas produções recentes, em especial naquelas regidas pelas demandas consumistas do mercado. Para além da excessiva subjetividade que tem caracterizado os aportes teóricos recentes, raramente voltados para as questões da construção, procura-se aqui restituir ao conhecimento da técnica sua importância como premissa e fundamento da ação do arquiteto. Interessa-nos, aqui, não a criação formal gratuita baseada na subjetividade do arquiteto criador, mas a busca por padrões construídos que ampliem a qualidade dos espaços edificados para a vida cotidiana, elaboradas criticamente pelo arquiteto-construtor.

André Luiz Prado de Oliveira
Bruno Luiz Coutinho Santa Cecília
Carlos Alberto Maciel

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