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Luis Berríos-Negrón
Atelier Niemeyer . Rio de Janeiro
Janeiro de 2002

Entrevista Oscar Niemeyer
Entrevistador:Luis Berríos-Negrón
2 de janeiro de 2002
 Atelier Niemeyer, Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil

A MDC . revista de arquitetura e urbanismo, agradece à arquiteta Mariza Machado Coelho, que forneceu o vídeo da entrevista e ao arquiteto Luis Berríos-Negron, que autorizou a publicação e forneceu a transcrição em inglês.

Nota do autor:

Essa entrevista aconteceu enquanto eu era estudante de Belas Artes da Parsons School of Design em Nova York . Foi possibilitada por Mariza e Veveco Hardy, que colaboravam com Niemeyer à época. Foi marcada antes dos eventos de 11 de setembro acontecerem, e quando o 11 de setembro ocorreu, a perda de vidas foi aterrorizante. Eu também fiquei horrorizado com o tipo de ódio que um prédio como ícone pode gerar. Eu fiquei profundamente confuso sobre o papel da Arquitetura. Eu precisava de respostas… Nenhuma veio, apenas mais confusão. Um dos atributos da confusão foi que, já em Outubro, houve uma “exposiçãoâ€?das propostas para o Marco Zero na Max Protech Gallery no distrito da arte de Chelsea, em Nova York. Muitos starchitects enviaram propostas. Eu vi a mostra. Eu não era capaz de entender o quão rápido aquilo ocorrera. Ao ser informado pelos Hardys que eu teria a chance de conhecer e questionar o provavelmente mais experiente arquiteto vivo, eu já estaria fazendo meu melhor por não tentar fazer uma entrevista, mas apenas procurar por respostas pessoais, para ver se a sabedoria de Niemeyer me tocaria. No final não foi apenas sua sabedoria que calou fundo em mim, mas com certeza sua paciência, humildade, humor e experiência que indubitavelmente mudaram minha vida para sempre somente por explicar, como só Dr. Oscar poderia, que era muito cedo para propor qualquer coisa para o Marco Zero.

Imediatamente após meu retorno a Nova York, eu me matriculei em uma disciplina de projeto que tinha por tema o Marco Zero, lecionada por Bill Sharples da SHoP architects. E foi durante este semestre onde eu pratiquei resistência pela primeira vez, e apesar da possibilidade de falhar por não produzir “um prédio� eu atendi o conselho de Niemeyer. Meu esforço resultou não em um prédio, mas em uma análise ambiental e cultural do local, que informou uma serie de diagramas programáticos para a Geo and Bio Ethics University na Lower Manhattan. Este programa estava estritamente baseado na ideia da paciência, tempo, respeito e consideração que não estava exatamente no currículo da minha educação arquitetônica. É uma ideia, especialmente no contexto das mudanças climáticas, das bolhas imobiliárias e da gananciosa desestabilização neoliberal dos mercados e de sociedades inteiras, que até hoje ainda é o toque do tambor que dá ritmo ao meu trabalho. Por isso, e por seu imenso legado construído e social, eu serei eternamente grato a Niemeyer e a Veveco.

Entrevista Oscar Niemeyer

Em Dezembro de 2001, estava eu sentado no novo terminal 4 do aeroporto JFK em Nova York, prestes a embarcar em um avião para o Brasil. O stress das condições da viagem são graciosamente diminuídas pela grande luz do móbile de Alexander Calder�serenando-me, lembrando-me da razão para este voo: Oscar Niemeyer. Eu me concentro no móbile de Calder e sinto a gravidade zero, uma escala atemporal. Sentimentos que Niemeyer também havia me provocado enquanto eu navegava em obra, uma licença maleável para sonhar com a qual ele nos premiou décadas atrás. Então me ocorreu: o que eu iria perguntar, dizer, para Niemeyer? Como eu poderia, um inexperiente estudante-arquiteto conectar com essa lenda viva de 94 anos, comunista, associado relutante de Le Corbusier, e contemporâneo de grandezas como Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? Anos-luz de informações existem entre nós. Como poderíamos eliminar aquela distância?

Oscar Niemeyer é brasileiro, carioca para ser exato. Ele nasceu com o modernismo. Aos 33 anos ele construiu sua primeira grande comissão, diversos construções de lazer em torno da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, onde sua capela de São Francisco fica localizada. Aos 40, ele participou de um concurso de projetos contra os mais renomados arquitetos do mundo, Le Corbusier sendo um dos concorrentes, para a sede das Nações Unidas na cidade de Nova York. Ele foi premiado e, apesar do desentendimento com Le Corbusier, ele aceitou o premio e foi em frente com sua construção, feita em 1953. De 1955 até 1960, ele, junto a seu mentor, o urbanista Lucio Costa, projetaram e construíram a nova capital do Brasil, Brasília. Durante a década de 60 e 70 Niemeyer é ameaçado e perseguido pela ditadura militar. O principal engenheiro de Brasília, e bom amigo de Niemeyer, Joaquim Cardozo, foi julgado e processado por “incompetência� por seu papel na construção da nova capital. Niemeyer foi forçado a procurar asilo político na Europa por quase duas décadas. Durante esses anos, é até hoje, ele continua a construir em 5 continentes, com dezenas de trabalhos transcendentais em sua obra.

Ele é criticado por Brasília não ter funcionado. Niemeyer escreveu â€?“Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras: um gesto, uma palavra de afeto e solidariedade.â€?Talvez Niemeyer dependesse da humanidade…

Cercado pelo inebriante espírito do Rio, e com a minha vaga versão em Espanhol do Português, sou recebido com cordialidade e simpatia contagiante pelo Sr. Niemeyer (ou Dr. Niemeyer, como ele é chamado por lá).

Luis Berríos-Negrón: Em nome do departamento de arquitetura da Parsons School of Design, o nosso mais sincero agradecimento por essa oportunidade.

Luis Berríos-Negrón: Sei que o senhor estará se reunindo essa semana com membros da imprensa francesa. Porque o senhor acha que, aos 94 anos, o senhor é tão aclamado?
Oscar Niemeyer: Não vejo razão não (risos). Sou um homem comum como todos os outros.

LBN: Como escrevi em uma carta ao senhor, temos um grande desejo de escutar a sua opinião sobre esse período histórico de mudança e conflito. Especificamente, o 11 de setembro instigou mudanças dramáticas de percepção a nível local e global. Para muitos de nós que estivemos a metros da tragédia ficou um sentimento de angústia e desilusão. Muitos estudantes de Arquitetura estão preocupados com a relevância da profissão, considerando a profundidade de políticas ocultas que algumas vezes causam essas reações radicais de nossos camaradas do outro lado do mundo. Com isto em mente, o senhor visualiza uma nova função ou responsabilidade para a Arquitetura? Para o estudante, para o profissional, para as pessoas?
ON: Eu sempre digo aos estudantes que não basta sair da escola como ótimo profissional. O importante é que ele se informe dos problemas do mundo e da vida, de modo a poderem participar dignamente, igual ocorre pelo mundo afora. Por isso quando eu estive na Universidade Algiers, -e propus um programa para a escola de Arquitetura- eu propunha que, além do curso normal de Arquitetura, houvesse paralelamente conferências sobre política, sobre sociologia, sobre literatura, sobre filosofia, de modo que o estudante saísse pra vida, como eu disse, apto a viver decentemente e se manifestar. De modo que a minha opinião é essa. Eu passei a vida debruçado na mesa de desenho, mas eu acho que a vida é muito mais importante que a Arquitetura.

LBN: O senhor acha que o arranha-céu ainda tem o seu lugar no expansivo mundo do neoliberalismo, depois do que aconteceu com o World Trade Center?
ON: Eu acho que o urbanismo tem diversas opções. Ele pode ser horizontal, pode ser vertical. Qualquer solução pode ser boa. Eu acho que o arquiteto deve ter sensibilidade para procurar ser útil para a comunidade e o urbanismo deve ser uma solução, solução que vise a proteção do homem, do trabalho. Eu acho que a Arquitetura mudou muito. Eu acho que, depois do concreto armado, qualquer outro tipo de arquitetura não interessa mais. No passado, por exemplo em Roma, eles fizeram uma cúpula de 35 metros de diâmetro. Ontem nós fizemos um desenho aqui de uma cúpula com 70 metros e 20 cm de espessura. Então a técnica mudou. Depois do concreto armado, é a técnica do concreto armado que prevalece. É o espaço com que o arquiteto vai ter que lidar para entender as funções da sociedade moderna. De modo que acho que cada arquiteto deve fazer a sua arquitetura. Eu não acredito em uma arquitetura que sirva a todos, que seja uma arquitetura ideal. Seria a repetição, monotonia. Eu acho que o arquiteto, dentro das suas possibilidades, deve procurar o seu trabalho. Eu acredito na intuição. Eu faço o meu trabalho, eu procuro uma arquitetura mais leve, quando o tema permite, baseada na técnica mais apurada. Eu não critico os colegas, acho que cada um deve fazer o seu trabalho. Agora eu sigo a minha intuição com toda liberdade. Tem muito livro aí escrito sobre o meu trabalho. Eu não li nada, eu não quero influências. Eu não tive influência nenhuma. Eu trabalhei com o Corbusier, mas o meu primeiro trabalho, Pampulha, era tão diferente do que se fazia, que prova que eu não estava interessado. Eu quero fazer o meu trabalho do meu jeito. Essa é a minha posição na Arquitetura. Acho que deve haver esse entendimento e cada um aceitar o que o outro faz com simplicidade.

LBN: O senhor tem alguma sugestão para a área onde antes estava o World Trade Center?
ON: Não, não tenho. Querem fazer uma exposição em Nova York. Uma exposição de estudos sobre essas torres. E mandaram pedir para eu dar minha opinião também nos croquis. Eu não quis fazer. Eu acho que nós entramos em um momento dos piores da vida dos homens. Um momento de violência. A gente não pode dizer que as torres, por exemplo, foi um ato de terrorismo, mas invasões, bombardeiros, também são um ato de terrorismo. Quando começaram os bombardeiros contra o Saddam já era um ato de terrorismo. Acho que existe uma confusão, uma coisa toda errada. Eu acho que o mundo esta num momento em que a gente não sabe aonde vai parar.
Nós fizemos um curso de sete dias sobre Arquitetura. Então eu falei, dei a minha aula, o meu colega que é engenheiro calculista deu a dele e nós chamamos outros amigos. Um falou sobre Literatura, o outro falou sobre Filosofia e o outro falou sobre o mundo atual. Eu me lembro quando ele acabou de falar, eu perguntei a ele: “o que você acha que vai acontecer?�Ele disse: “Eu to assustado.�E a gente, a gente mesmo, o homem deve estar hoje assustado. Sem saber pra onde isso vai. Porque é uma violência como nunca houve. Está se expandido pelo mundo árabe todo, daqui a pouco pode abrir outros movimentos também de terrorismo.
De modo que é um momento negro da vida dos homens, eu acho horrível que tenha acontecido. Você veja: quando derrubaram as torres foi horrível aquilo, muito sério, as mortes que causou. Mas também estão derrubando as cidades lá do mundo árabe, matando gente que não tem nada que ver com isso. Outro dia, num bombardeio, morreram mais de cem pessoas. De modo que há um clima de coisa que parece maluquice, em a gente não sabe onde é que vai parar. Eu acho o pior momento que nós estamos vivendo.

LBN: Por isso nós, estudantes, estávamos desejosos de falar com você… Porque nós estamos deprimidos e preocupados…
ON: Eu acho que a vida é um minuto não é? Então vale a pena vivê-la melhor, de mãos dadas, fraternais. A vida não é tão importante assim, é uma coisa à toa. Então a gente tem que viver bem, botar de lado. Eu quando olho pra uma pessoa, quando eu lido com uma pessoa, eu penso sempre que ela deve ter um lado bom. E se não tem, é uma surpresa. Talvez a genética explique. Mas eu acho horrível a gente ver o mundo assim como se fôssemos inimigos uns dos outros, afinal árabes, americanos, europeus, são todos irmãos. Porque essa miséria, porque esse ódio? Eu andei no mundo árabe, num mundo atrasado. Eu fui até a Arábia Saudita, é completamente fora da civilização. Eu estive nos Estados Unidos, somando dá mais ou menos 2 anos, eu gostei. Quando cheguei nos Estados Unidos foi quando estava para estourar a guerra e eu vi o povo americano pulando na rua, os estudantes, dizendo ‘up democracy, down fascism� foi um momento de entusiasmo contra o mundo pior que eles queriam criar. Mas isso passou. Agora esta uma confusão: eu não gosto do Bin Laden, mas também não gosto do Bush.

LBN: Olhando para Brasília depois de meio século, e considerando a proliferação de elites, das comunidades fechadas, como as Alphavilles em São Paulo, o senhor acha que Arquitetura e Urbanismo tem a capacidade de facilitar mobilidade social?
ON: Eu acho que o homem é que mexe nas coisas. Por exemplo, a Argentina agora, num momento de entusiasmo, vê que o povo saiu pra rua e mudou o governo. Isso precisava acontecer no Brasil. A vida brasileira não está boa também, não. Venderam o país. Mas isso é muito complexo não é? Eu não sou um especialista político, eu sou um simples arquiteto. Mas eu me interesso, acho que o arquiteto precisa ver, e tenho a minha opinião, opinião pequena de arquiteto. Mas digo, protesto, passei a vida protestando, porque a gente quer um mundo melhor, a gente quer um mundo mais justo, todos de mãos dadas, isso que a gente quer.

LBN: Em um recente artigo de sua obra Pampulha na revista Wallpaper, nos Estados Unidos, o senhor falava que suas obras públicas são para criar espaços para todos. O Sambódromo é um projeto satisfatório no ponto de vista sociopolítico?
ON: O carnaval é a distração do povo não é? O povo é gente mais pobre que vive nas favelas. Quando vem o carnaval eles juntam dinheiro para se fantasiar, pra ir dançar lá no sambódromo. Eles são inocentes, eles não sabem que estão ali distraindo justamente a burguesia que oprimia eles o ano inteiro. E ali batem palma e no dia seguinte estão todos uns contra os outros outra vez. A vida é muito perversa.

LBN: Qual seria o seu projeto mais satisfatório para você?
ON: Eu fiz projetos tão diversos… Se você for ver o meu trabalho, você vai ver que eu não fiz apartamentos, não fiz escritórios. Eu fiz museus, teatros, projetos que pedem muito mais trabalho de imaginação. E é isso que eu gosto de fazer. Não gosto de residência. Eu sei que é importante, mas é difícil lidar com os proprietários né? Eu fiz uma casa pra um sujeito em Brasília. A casa era boa. Quando ficou pronta, ele queria mostrar a casa pra mim, eu fui, cheguei antes dele e a mulher dele que me esperou na entrada. Uma senhora simpática, e disse – “Dr. Niemeyer, essa casa mudou a vida da gente. Eu gostei tanto da casa que eu fiz a decoraçãoâ€? (risos). Eu disse: “eu to fritoâ€? E foi o que aconteceu. Quando eu entrei não tinha mais nada da arquitetura. De modo que a arquitetura não é só o prédio por fora, é também o interior, e isso é difícil a gente conseguir. A arquitetura é o espaço que envolve a arquitetura.
Agora eu acho o seguinte, eu faço uma arquitetura que me agrada. Quando o tema permite, eu especulo na técnica, eu convoco meu engenheiro, a gente pensa em utilizar… Por exemplo, eu fiz um prédio agora em Brasília, um prédio governamental. Ele é grande, e você chega embaixo dele, e só tem o apoio central, ele parece que está solto no ar. Então essa coluna sobe, com os elevadores, e as vigas de cima sustentam com tirantes todos os andares. É uma demonstração de técnica, está ajudando a Arquitetura a evoluir. E o presidente passou lá, e disse -“ah, porque esse prédio tão luxuoso?â€?Ele não compreendeu. Quando eu faço o prédio público, como esse, eu imagino que o sujeito mais pobre que vai lá, que vê o prédio, e não vai usufruir nada desse prédio (os outros é que vão ganhar dinheiro) ele pelo menos tem aquele momento de prazer, de ver uma coisa diferente, de indagar: “o que é isso?. De modo que a Arquitetura é cheia de segredos. A gente quer ver o espetáculo. Por exemplo, a Catedral de Brasília, quem olha e não conhece pensa que é muito complicado de fazer. Foi muito simples. Nós construímos as colunas no chão, pré-fabricadas, e suspendemos. Está pronta a Catedral!

LBN: O senhor provavelmente esta cansado de escutar pergunta sobre a seguinte citação de Le Corbusier que diz: “Oscar, você faz o Barroco em concreto armado, mas faz bem.�br /> ON: De Corbusier, a única influencia que eu tive, foi no dia em que ele me disse: “Arquitetura é invenção.�Quer dizer, eu procuro fazer uma arquitetura, que tenha qualquer coisa diferente, e crie surpresa, e isso é importante. Minha Arquitetura é muito diferente da dele. Ele cria uma coisa mais pesada, ele não especulava muito na técnica. Se você vir Chandigarh, tem coluna por todo lado. Ele podia diminuir aquilo e ter só a metade das colunas, muito menos da metade. Mas com certeza ele queria aquele aspecto, um pouco egípcio, das colunas. De modo que a gente não tem que criticar nada, cada um faz o que quer.

LBN: Arquitetura hoje esta em um estado de Rococó?
ON: Não sei. Cada um faz o que quer. Outro dia veio aqui me visitar, o Bofill. O Bofill é o que faz pós-moderno, e ele veio, ele é simpático. Eu faço Arquitetura diferente da dele, tudo bem, não vou criticar o que ele faz.

LBN: Qual foi a sua intervenção política mais importante?
ON: Eu entrei no partido, eu militei no partido, eu fui proibido de entrar nos Estados Unidos durante 20 anos porque eu era comunista. Eu continuei com as minhas ideias. Eu acho que o comunismo é uma ideia que está no ar. Que visa a confraternização dos homens. O que ocorreu na União Soviética um dia vai se modificar. O que os soviéticos querem é o que eles tinham antigamente. É o apoio governamental, era a casa, era a alimentação, era a medicina. Eu acho que o capitalismo está em decadência. Os Estados Unidos vão entrar em crise um dia. Pode demorar, o Império Romano levou 300 anos para acabar. Pode demorar muito tempo, esse clima do poder assim, da intervenção desmedida: até intervir nos outros países. Isso um dia vai acabar. A gente não sabe como.
Eu acho que o homem deve olhar para o céu e ver como ele é pequenino, não tem a menor importância. Então os sujeitos estão ai querendo aparecer. Outro dia um jornalista me perguntou -“Mas o seu trabalho vai ficar pros outros verem, muita gente vai ver depois que você morrer, vão gostar� Eu disse, mas vocês vão morrer também. -“Mas os outros vão ver� Mas os outros vão morrer também. Tudo vai acabar. Por isso que eu acho que o homem deve estar ligado (não é uma posição pessimista, que não tem sentido), tem que estar dentro da realidade.

LBN: “Corbu�intitula, em lngês, um de seus livros: “Towards in new architecture� (Em direção a uma nova Arquitetura). Nós ainda estamos nos movendo?
ON: O que muda a Arquitetura é a evolução social, é a evolução da técnica. Isso é que muda a Arquitetura. O dia que aparece um material diferente. Hoje é o concreto armado que domina, o sujeito queira ou não queira, é o concreto armado que permite uma Arquitetura mais livre. Quando eu termino uma estrutura, a arquitetura já está ali. Porque eu procuro fazer uma coisa muito simples, não tem nenhum apoio que depois vai desaparecer no meio das alvenarias. Mas a estrutura metálica, quando você termina uma estrutura, é uma confusão, você não sabe o que vem depois. De modo que eu prefiro trabalhar com o concreto armado, acabou uma estrutura é aquilo, o resto é acabamento. Agora, se vier um material novo, uma estrutura de vidro, outra coisa qualquer, aí a Arquitetura pode mudar. No dia em que nós estivermos no regime socialista, a Arquitetura brasileira vai mudar. Porque a nossa Arquitetura hoje só serve pra quem tem dinheiro. Os pobres estão trepados na favela. Num regime mais popular, vão mudar os temas da Arquitetura. E eles serão naturalmente mais importantes, mais generosos, e eles vão se dirigir ao povo mesmo, aos problemas populares.

LBN: O que o senhor quer dizer com “O arquiteto deve nascer como arquiteto, assim como o pintor deve nascer como pintor�/em>?
ON: Eu acho que nesse setor das Artes tem que haver intuição. O sujeito não aprende Arquitetura, o sujeito vai pra uma escola. Se ele tiver talento ele pode fazer uma arquitetura diferente. Senão, ele pode ser útil, ele faz uma arquitetura normal, indispensável para a vida, essa coisa toda. É feito com uma criança: eu acho que deve-se proteger a intuição. Uma criança com 8 anos às vezes faz um desenho fantástico. Se você ampliar sai um mural extraordinário. Depois que ela vai para a escola, que conhece os mestres, aí cai na rotina. É a coisa já cheia de regras. De modo que o ensino da Arquitetura também devia dar ao estudante mais liberdade. Eu conheci muito desenhista melhor arquiteto do que arquiteto. Corbusier nunca frequentou uma escola de Arquitetura. Ele tinha uma ideia de Arquitetura. Ele saiu do escritório que ele trabalhava, e saiu desenhando o que ele gostava e tal, e fez a sua Arquitetura. De modo que eu acho que o importante é a intuição, quando não há intuição é mediocridade. E por isso que é muito difícil ter unidade na Arquitetura. Você vai a Brasília hoje e é péssimo, aquelas ruas, a arquitetura medíocre, confusa… Que se pode fazer? Você vai ao Rio de Janeiro e se pergunta: “o que estão fazendo aquiâ€? Eu fico envergonhado. Levam você pra Barra, que é uma merda. A Barra é Miami, subúrbio de Miami. Em qualquer cidade moderna para você ver um prédio bom, você tem que saber o endereço. Porque em geral não tem unidade, é confuso… Mas é assim, o que se vai fazer?

LBN: Hoje em dia se nota um aumento no número de arquitetos emigrando para outras disciplinas…
ON: É comum. Eu tenho amigos meus, por exemplo, muito amigos, feito o Chico Buarque e o Tom Jobim. Eles cursaram Arquitetura até o terceiro ano, e depois largaram. Foi nesse sentido que eu fiz a Universidade de Constantine. A Universidade de Constantine é um dos trabalhos de que eu gosto mais. Quando eu fiz aquela universidade, o programa que eles tinham era para vinte prédios. Nós fizemos sete. Nós fizemos o edifício de classes, onde têm auditórios, essas coisas. Fiz um edifício de ciências, tem uma biblioteca, restaurante, o auditório. E qualquer faculdade nova não precisa de um edifício. Usa o prédio de ciência e o prédio de classes. (telefone toca).

LBN: Recentemente tem surgido um interesse no trabalho dos neo-vitalistas, como Kenzo Tange �que eu sei que você conhece. Isto dentro do campo do desenho sustentável ou ecológico. O seu vernáculo tropical é sustentável?
ON: Eu quando tenho um projeto pra fazer, eu penso no projeto. Às vezes a solução vem de repente, até sem pegar no lápis. Eu, por exemplo, estava em Alger e tinha que fazer a mesquita. Fiquei de noite pensando na mesquita, levantei e desenhei. Outras vezes, me obrigo a pensar… O Museu de Niterói por exemplo, era simples, tinha um braço de terra, em volta era o mar. Tinha um apoio vertical e surgiu a arquitetura. Quando eu faço o projeto, e tenho uma ideia, eu faço o texto explicativo. Então eu escrevo como é que eu vejo o projeto. Se eu não tenho argumentos, eu volto à prancheta. Se tenho, aí eu começo a trabalhar.
O projeto varia muito. Primeiro, do espaço em volta, da ideia de criar uma coisa nova. Por exemplo, o Mondadori, que era o dono da editora Mondadori de Milão, veio me procurar. Ele tinha estado em Brasília, e ele queria fazer um prédio em Milão que tivesse as colunas de Brasília, a colunata. Eu disse: “está bem, eu faço.�#8211; mas eu fiz diferente. Eu fiz as colunas sustentando as vigas do teto, que por sua vez sustentavam os andares. Então eram colunas muito mais fortes. Eu queria variar a colunata.
Num período da renascença italiana, se você examinar, você vai ver que eles se preocupavam, naquela época, eles ainda se preocupavam com as colunas gregas. Você vai ver os trabalhos daqueles arquitetos italianos, e os prédios estão cheios de coluninhas. Eles discutiam a parte de cima das colunas variando. Eles não tinha coragem de fazer coisa diferente. Na Mondadori, em que eu queria mexer nas colunatas, eu mexi no espaço. Porque o espaço faz parte da Arquitetura. Em vez de eu fazer colunas com espaços iguais eu fiz com quinze metros, três metros, cinco metros. Então eu mudei o tipo de colunata. Eu nunca vi antes uma colunata assim, com espaços diferentes. Então é uma novidade. Isso é que, a meu ver, é Arquitetura.
Agora, quando eu tenho um tema, eu procuro estudar. Tenho uma ideia, e às vezes a coisa é rápida, outras vezes é complicada. Por exemplo, eu fiz um prédio em São Paulo, uma cúpula. Ela ficou entregue aos militares a vida inteira. Agora recuperaram a cúpula, a cúpula é bonita. As grandes exposições em São Paulo agora são feitas nessa cúpula. Eu fiz essa cúpula há 40 anos atrás. Ela tem umas sobrelojas, que encostam assim na cúpula e deixam espaços vazios. Agora o Pompidou está fazendo uma exposição em São Paulo. Está fazendo nessa cúpula, que eu fiz há 40 anos atrás.
Agora eu fiz um museu, que eu tinha feito um projeto para o Paraná, que era uma escola. Era uma escola em pilotis. Ela tinha 200 metros de comprimento e 40 de largura. Mas quando eu vi a escola agora, 40 anos depois, eu fiquei surpreso. Porque é bonita. Ela é toda fechada, a iluminação é por cima, zenital. Então os espaços de colunas, tem espaço de 60 metros, feito há 40 anos atrás, entre uma coluna e outra. Então o diretor, com o prefeito, resolveu fazer um museu, e pensou que nesse prédio ele podia ter tudo que um museu precisa: cursos, auditórios, tudo que o museu mais moderno precisa chegava nesse prédio. Faltava então fazer um salão de exposições. E ele queria um salão de exposições que não escondesse o prédio, porque lá gostam muito desse prédio. Então eu fiz uma torre e fiz um salão no ar. De modo que a Arquitetura é isso, cada tema é diferente.
Agora me pediram um projeto pra São Paulo, não me lembro a cidade, e eu fiz o projeto. Então eles queriam um auditório pra 3000 pessoas e, além do auditório, uma arquibancada para 3000 pessoas também, para voleibol, basquetebol. Mas eu não queria fazer duas coisas isoladas. Eu queria fazer um prédio que tivesse o auditório, com todo o conforto que auditório deve ter –som, aquilo tudo– as salas necessárias para encontros, congressos, e, ao mesmo tempo, no mesmo prédio, a arquibancada. Duas coisas no mesmo prédio, mas independentes. E assim sobrava mais espaço. E eu fiz. Então é um prédio diferente que, eu imagino, você nunca viu. Tem um auditório moderno, pra 3000 pessoas, e uma arquibancada para voleibol e basquetebol, para jogos especiais. Então sai um prédio diferente. Porque o programa é que leva a gente a uma solução. Eu vou mostrar pra vocês uma maquete de trabalho, maquete muito simples, mas que já dá ideia do se vai fazer, e vou mostrar a outra maquete desse prédio lá do Paraná, que já começou. Porque o prefeito veio aqui e ficou tão espantado com o prédio que viu que era bom, pra ele, pra construir lá. Ele achava que o tal bloco ficava solto na cidade. Então já começou a obra. Mas o arquiteto não escolhe os assuntos. Os assuntos aparecem, e a gente faz.

LBN: Como o senhor se sente ao ser citado como o outro comunista que existe no mundo, sendo que Fidel Castro é o outro?
ON: Ah, Fidel Castro é uma figura fantástica. Está ali ao lado dos Estados Unidos desafiando o poder americano. O Bush está querendo invadir, mas não tem coragem. Seria ruim demais pra humanidade. Fidel transformou, ele vive lá de braços dados com o povo, é um país fantástico, não tem miséria, são todos amigos. Quando vem um cubano aqui eu fico espantado, não tem analfabeto lá, eles tem uma noção da vida, dos direitos. É um exemplo para a humanidade.

LBN: O que o senhor pensa que vai acontecer com a solidariedade e o comunismo?
ON: Acho que o que houve na União Soviética foi um acidente de percurso. A coisa vai mudar. Porque o comunismo é a ideia que está no ar. Pode ter outro nome, até. Mas a ideia é de que os homens possam ser iguais, vivam iguais, em meio às possibilidades, ninguém pode ser contra isso. Só tarado, não é?

LBN: Para um ateu, o senhor tem um imenso dom para condicionamento espiritual. Como o senhor se conecta com essas sensibilidades em sua obra eclesiástica?
ON: Eu era de família católica. Eu me lembro que, em casa…
Era uma família de fazendeiros. Meu avô veio para o Rio, era juiz de paz, depois foi ministro do Supremo Tribunal. Eu fui criado num ambiente assim: vinham uns políticos ficavam na casa, a casa era grande, e tinha uma sala de visitas, tinha umas seis janelas, minha avó abria, uma delas era o oratório, tinha missa em casa. Mas quando eu saí pra vida, a vida é injusta demais. De modo que o que se pode fazer é protestar. Eu tô [SIC] sempre ai protestando contra o que for preciso.

LBN: Alguns anos atrás, o senhor dividiu a sua vida em três partes: Pampulha, Brasília e a terceira, a Arquitetura mais perto da terra com vigas mais compridas. Você conseguiu nomear a terceira?
ON: Não, a arquitetura que eu faço é sempre a mesma. O que muda são os problemas, os assuntos que aparecem. Eu devia parar. Eu devia ter parado há muito tempo. Mas eu tenho gente que depende de mim, eu não posso nem morrer. Senão eu teria parado há muito mais tempo.

LBN: Qual o projeto que o senhor esta desenvolvendo atualmente?
ON: É esse projeto que eu estou dizendo. Eu tenho um projeto para a Noruega, uma casa e me interessa muito, porque é diferente de todas lá. Tem outro projeto na Itália…Aqui eu estou fazendo esse museu, em Niterói, estou fazendo o caminho Niemeyer que é lá em Niterói, e esse museu Paraná.
Tem o caminho Niemeyer que tem uma catedral, são diversos prédios. É um projeto que me interessa muito. Esses prédios são um conjunto na beira do mar, é um lugar que vai dar muito realce à arquitetura. No momento, eu tenho estudado os prédios, mas pensando que eles devem coincidir. Entre eles, deve ter um elemento plástico que liga e cria unidade do conjunto. É um trabalho que me interessa, mas que é difícil de andar porque é complicado…
Mas esses dois, esse museu e esse prédio, são os dois que estão me ocupando mais.

LBN: Há um interesse próprio de refletir ideias sociopolíticas através das liberdades plásticas e da estética gestual da sua obra?
ON: Não. A obra que eu faço é resolver o problema que vem às mãos. É convocar os artistas para trabalhar, tentar voltar àquela integridade das Artes, àquela ligação das Artes com a Arquitetura. Convoco os artistas. Esse projeto que eu estou fazendo em Niterói, por exemplo, não vai ter materiais caros, não. Eu não faço da minha Arquitetura propaganda de material, não. A parede lisa, branca. Agora, quando é possível, tem uma pintura, tem um desenho.

LBN: O autor marxista Hal Foster afirma: “A livre expressão de Gehry implica a falta de liberdade da nossa inibição. O que quer dizer que sua liberdade é na maioria uma franquia na qual ele representa a liberdade mais do que ele a concretiza. Em outros sentidos, e com grandes consequências, esta visão da expressão e liberdade é opressiva, porque Gehry projeta desde a lógica cultural do capitalismo avançado em termos da linguagem de correr riscos e efeitos espetaculares.�Durante esta época onde o capitalismo e o comunismo parecem chegar em um ponto de saturação, o senhor poderia dar algumas palavras como sugestões para interpretar essas experiências, a fim de torná-las intuições?
ON: Não entendi bem. Eu faço Arquitetura que eu gosto. Eu procuro a forma diferente, mas sempre pensando na função. Por exemplo, fiz o projeto do Mondadori, que é um palácio.
Quando ele ficou pronto, e ele teve que fazer outro projeto, em outra cidade, ele me chamou. Então o projeto era funcional.
Eu fiz a sede do Partido Comunista em Paris. Quando eles quiseram fazer o jornal, anos depois, eles me chamaram. Quer dizer, o meu trabalho funcionava bem. De modo que eu acho que a arquitetura tem que atender à finalidade, mas deve ser bonita, deve ser diferente.
Agora, cada arquiteto escolhe o tipo de arquitetura, de forma plástica, que lhe agrada mais. De modo que eu não critico ninguém, eu acho que está tudo bem, cada um faz o que quer. Eu não leio nada sobre o meu trabalho. Tem muitos livros publicados, eu nunca li. Eu quero fazer o meu trabalho, modestamente, como eu gosto. Se me perguntam do arquiteto, o arquiteto é bom, mas eu não digo quem é melhor ou quem é pior. Eu estive lá na casa do Frank Lloyd Wright. Passei uma noite na casinha de Oak Park. Uma casa bonita, ótima. O que ele gostava de fazer. O principal é que o arquiteto esteja satisfeito com o que ele faz. O resto, os outros, não deve interessar. Quando eles começam a se interessar pelo que vão dizer da sua arquitetura, aí ela não está bem, acho que deve ser uma coisa espontânea. O trabalho desse arquiteto deve ser ótimo, se ele está contente de fazer, está ótimo.

LBN: Eu tenho uma pergunta pessoal. Eu li um artigo na revista Trip, recentemente, em que você fala que a sua droga é a mulher. E eu pergunto: qual a sua religião?
ON: Acho mulher importante, é o mais importante. Mais importante que Arquitetura. Acho que deve ser. A vida é isso: a gente rir e chorar o tempo todo, a gente viver os momentos bons e os maus e aguentar. É isso. Não tem mistério.

Niemeyer em 2002


Luis Berríos-Negrón entrevista Oscar Niemeyer

English version by the author

Note by the author

This interview occurred while I was student of fine arts at the Parsons School of Design in New York City. It was made possible by way of Mariza and Veveco Hardy who were collaborating with Niemeyer at the time. It was scheduled before the events of 9.11 took place. And when 9.11 went down, the loss of life was horrific. I was also horrified about the kind of hatred a building as icon could generate. I became deeply confused about the role of architecture. I needed answersâ€?none came, only more confusion. One of the attributes to the confusion was that, already in October, there was an “exhibition” of Ground Zero proposals at the Max Protech Gallery in the art district of Chelsea in New York. Most starchitects sent a submission. I saw the show. I was not able to understand how fast this happened. As I was made aware by the Hardy’s that I will have a chance to meet and speak to arguably the most experienced living architect, I was already doing my best, not trying to make an interview, but just to look for personal answers, to see if Niemeyer’s wisdom would bleed into me. In the end, it was not his wisdom that bled into me, but surely his patience, humility, humour, and experience that undoubtedly changed my life forever by merely explaining, only as Dr. Oscar could, that it was too early to propose anything for Ground Zero.

Immediately upon my return to New York, I enrolled in a Ground Zero architectural design studio by Bill Sharples of SHoP architects. And it was during that semester where I practiced resistance for the first time, that despite the possibility of being failed for not producing “a building”, I heeded to Niemeyer’s advice. My effort resulted not in a building, but in an environmental and cultural analysis of the site, that informed a series of programmatic diagrams for a Geo and Bio Ethics University in Lower Manhattan. This program was strictly based on the idea of patience, of time, respect and consideration that was just not in the curriculum of my architectural education. It is an idea, especially in the context of climate change, of real estate bubbles, and the greed-driven neoliberal destabilization of the markets and of entire societies, that to this day still is the beating drum that gives rhythm to my work. For this, and his enormous built and social legacy, I will be forever grateful to Niemeyer, and to Veveco.

Interview Oscar Niemeyer

On December of 2001, there I sat in the new terminal 4 at the JFK airport in New York about to board a plane heading to Brazil. The stress of the current travel conditions is gracefully diminished by the enormously light Alexander Calder mobile�grounding me, reminding me of the reason for this flight: Oscar Niemeyer. I focus on Calder’s mobile and feel the zero gravity, a timeless scale. Feelings Niemeyer has also given me upon navigating his oeuvre, a malleable license to dream he awarded us decades ago. And then it hits me, what am I to ask, to say to Niemeyer? How can I, a wet-behind-the-ears student-architect, connect with this 94 year old living legend, communist, reluctant associate of Le Corbusier, and contemporary of greats such as Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? There are light years of information in between us. How shall we wormhole the sense in this one?

Oscar Niemeyer is Brazilian, “carioca�to be exact (from the state of Rio de Janeiro). He was born with modernism. At 33, he built his first mayor commission, several leisure buildings around the Pampulha Lake in Belo Horizonte, where his St. Francis of Assisi chapel is located. At 40 he submits a design competing against the most renowned architects in the world, Le Corbusier being one of the competitors, for the see of the United Nations in New York City. He is awarded with the commission, and despite disagreements with Le Corbusier, he accepts the award and goes forth with its construction, built in 1953. From 1955 through 1960, he, alongside his mentor/urbanist Lucio Costa, designs and builds the new capital city of Brazil, Brasilia. During the 60’s and 70’s Niemeyer is harassed and persecuted by the insurgent military dictatorship. The chief engineer of Brasilia and good friend of Niemeyer, Joaquim Cardozo, is judged and prosecuted for “incompetence�for his role in the building of the new capital. Niemeyer is forced to seek political asylum in Europe for almost 2 decades. During those years, and still to this day, he continues to build in 5 continents with dozens of transcendental works credited to his oeuvre.

He is criticized, alleging that Brasilia did not work. Niemeyer wrote â€?“I hope that Brasilia becomes a city of happy people, people that feel life in all its plenitude, in all its frailty; people who understand the value of the simple things â€?a gesture, an expression of affection and solidarity.â€?Perhaps Niemeyer depended on humanity…

Surrounded by the intoxicating spirit of Rio and with my vague Spanish version of Portuguese, I am welcomed with warmth and contagious sympathy by Mr. Niemeyer (or Dr. Oscar as he is referred to around these parts).

Luis Berríos-Negrón: So, you’re meeting today with Le Monde (newspaper of largest circulation in France), for the publishing of a brief biography. Why do you think you are, at 94, as requested as ever?
Oscar Niemeyer: I do not know the reason (smiles). I am a common man just as everyone else.

LBN: As described in my letter to you, I feel there’s a great desire to hear your opinions during this period of drastic change and conflict. 9.11 has instigated a vast reassessment of perceptions, from local to global standpoints. And for many of us who were meters away from the collapse, we have been left with a profound feeling of despondence. For us specifically, as new students of the profession, we are beginning to wonder what is to become of the world, little less of the profession… its seeming irrelevance due to inexplicit geopolitics causing the radical dismay of our fellow citizens across the globe. Considering this, do you envision a new role for architecture… for the student, for the professional, for the people?
ON: I have always told students that school is not enough to be a professional. I always say that one needs to be aware of the world and of life so to be able to participate with dignity in the events of actuality. When I designed the University of Algiers in Africa I also proposed a program for the school of architecture that, in addition to the traditional curriculum, it implemented parallel courses in science, philosophy, sociology, literature and politics. All so that the student can leave the academia to live in decency, able to manifest. That is my opinion. I go through life tied to my drawing table, but I find that life is much more important than architecture.

LBN: Do you feel that the skyscraper still has a place in these times of neoliberal sprawl?
ON: I believe that urbanism has options. It can be vertical, it can be horizontal. Any solution can be good. I believe that the architect must be sensitive, procuring the needs of the community. Urbanism must be a solution that provides for the well-being of humanity. I understand that architecture changed many things. For me, after reinforced concrete, I have not had any interest in other architectures. In the past, in Rome for example, they made a dome of thirty-five meters in diameter and one meter of thickness. Yesterday, we released a design for a dome of seventy meters in diameter with a twenty-centimetre thickness. So, the technique has evolved. Reinforced concrete is what prevails. The space that the architect designs must procure the function of society. Therefore, the architecture makes the architect make the architecture. I do not credit an architecture that serves all. It would be repetition, it would be monotony. I believe architects, within reason, must procure their own architecture. I believe in intuition. I do my work. I procure a lighter architecture.

LBN: Do you have any suggestions as to what should be done with the site where the World Trade Center used to be?
ON: No, I do not. I understand there will be an exhibition in New York (Max Protech Gallery) about these proposals. I was invited to participate in this exhibition, but I respectfully declined to submit any ideas. I feel that we are entering one of the darkest periods in human history, a period of violence. Many see that what happened to the Towers was an act of terrorism, but I believe that the invasions and the bombardments are also acts of terrorism. I find it horrible. The death and the horror caused by the collapse of the Towers were horrible, but the destruction of entire cities and nations in the Arab world is also horrible. Many innocent people are dying.

ON: I believe that life is a minute (smiles). I believe we should live better. We must live well. Why that misery, that hatred? I travelled the Arab world and it is an antiquated world. I was in Saudi Arabia and it is outside of civilization. I was in the United States and I liked it. During those years students were jumping on the streets saying – “up democracy, down fascism…â€?It was a time of enthusiasm trying to make a better world. But that’s in the past, now it is all confused. I don’t like Bin Laden, but I don’t like Bush either.

LBN: Looking at Brasilia after half a century, and considering “the urban proliferation of confusion�1) abetted by the Alphavilles (model of gated communities of Brazil, ironic considering Goddard), can architecture and urbanism still facilitate social mobility?
ON: I find that it is man who damages things. Look at Argentina. It is a moment of enthusiasm where the people come out to the streets. In Brazil, things are not well either. They have sold our country. It is very complex, don’t you think? I am not a political analyst, I am just a simple architect, but I am interested and I have my opinion. I lived my life protesting for a better, common life, for a more just world.

LBN: I read a recent article about you in Wall Paper magazine where you described La Casa do Baile in Pampulha, as you would describe many if not all of your public works, as a place for the people. Is the Sambadrome a satisfying project from a socio-political point of view?
ON: Carnaval is an event of the people. The people are those who are poor and live in the favela. When Carnaval comes, those who live in the favelas innocently spend the bit of money they saved during the year on their costumes to go and entertain those who have oppressed them all throughout the year. There goes the bourgeoisie to applaud, only to return the next day to the same oppression and rejection of the poor. The world is very perverse.

LBN: And the United Nations?
ON: Like I said, man damages everything.

LBN: Which project has given you the most satisfaction?
ON: I have made such diverse projects… if you look at my work, I have made few apartment and office buildings. I have made more theatres, museums… projects that require more imagination. Those are the commissions I enjoy. I like making residences but it is always a pain in the ass dealing with proprietors (smiles). I made a house in Brasilia. The house was good. When the house was ready, the owner called me to go see it. I did. When I arrived, the owners were waiting for me at the entrance, a nice couple. They say to me â€?“Dr. Niemeyer, this house has changed our lives. We liked it so much we decorated it ourselves.â€?I was frozen [laughs]. When I went in, the house had no architecture left. So, architecture is not only the outside, it is also the inside, the program. That is something that it is difficult for people to understand. The design is the space that envelops the architecture. Now, I will tell you that I do what I enjoy. When the theme allows it, I speculate a technique, I convene my engineers. I made a building in Brasilia. It is a government building, it is large. When one arrives under it one only sees one structural member, seemingly floating in the air. This building rises and all the floors are held by two beams that come down into the ground. This is a demonstration of technique. I try in helping architecture evolve. The President of Brazil passes by and says â€?“why such a luxurious building?â€?He does not comprehend. When I make a public building as such, I imagine the poor person that will never get anything out of it. That although it is the others that will benefit, that will make money from it, it is this poor person that can at least look at it and say with pleasure â€?“this is different.â€?Therefore, architecture is full of secrets. The people want to see the architectural spectacle.

LBN: You are probably tired of listening to people ask you about this quote by Le Corbusier – “Oscar, you do baroque in reinforced concrete, but you do it very well.â€?
ON: The only influence I had from Le Corbusier was when he told me “Oscar, architecture is invention.�Therefore I procure the making of an architecture that has something different, which creates surprise. But my architecture is very different from his. He made this heavy thing. He did not speculate much on the technique. When one arrives into his work there is a lot of columns. He used columns at less than a half the distance of what was needed, you know, like the Egyptians [smirks]. But, I do not criticize him. Everybody does what they please.

LBN: What are your most important interventions, politically or otherwise, as to protest a social or government action? Have you ever intervened in the misuse of one of your buildings?
ON: I joined the communist party. I was prohibited from visiting the United States for 20 years. I continued with my ideas. Communism is an idea that continues to be, in the air. It exists for the fellowship of humanity. What happened in the Soviet Union will one day be modified. What the Soviets wanted was government support for housing, food, health, science. I find that capitalism is in decadence. The United States is in a path of crisis. It took 300 years for the Roman Empire to crumble. They might remain in that climate of power and of excessive intervention in the lives of others for many years. But that will end. I believe that man should look to the sky and realize that he is a little thing, of little importance. People are living on appearances… what appearances? A journalist once asked me â€?“Doctor, after you die, people will see your buildings and then they marvel at your genius.â€?Marvel about what [laughs]?! People die too, you know. We all die. Everything ends.

LBN: What do you mean when you say �“the architect should be born an architect, just as a painter should be born a painter?�
ON: I believe that there should be intuition in the arts. The person learns architecture. The person goes to school. If the person has talent, a different architecture might emerge. If not, the person can be useful in making normal architecture, indispensable for life. Like a child, one must protect intuition. An eight year old child can make a fantastic design. The child goes to school, meets the teachers, learns the rules. I would like for schools of architecture to allow for more freedom. I know many graphic, furniture, and interior designers that are better architects than architects. Le Corbusier did not go to school. He had an idea of architecture. He worked in an architect’s studio and from there he went on to design the things that he liked. That is why I believe there should be intuition. If there is no intuition, there is mediocrity. Architects are making things that are uniform. If you go to Brasilia today, it is very sad. You see buildings on the streets that are methodical, mediocre, confusing. But what can I do? If you look here in Rio de Janeiro and you ask what is being built, you will be taken to Barra (beach-front area southwest of Rio). Barra is shit. It is another Miami. It is a suburb of Miami. In any modern city, to see good architecture, you have to have an address on hand, because there is no unity. But that’s how it is.

LBN: How does it feel to be referred as to the other communist left in the world… the other of course being Fidel?
ON: Ah… Fidel Castro is a fantastic figure. There he is, alongside the United Sates, defying American power. Fidel transformed the life of humanity, relating himself to others in a wonderful country. There is no misery, there is fraternity, they have an extraordinary public health system, there is no illiteracy. It is a great example for all humankind.

LBN: What is to become of solidarity and communism?
ON: I believe that what happened in the Soviet Union was an unforeseen accident. It will evolve, because, again, communism is something that is in the air, which will soon have another name. The idea is that we should live as equals, that we live well. Who can go against that? Only the insane [laughs].

LBN: For an atheist you have quite a gift for making space for spirituality. How do you connect with these sensibilities in your ecclesiastic work?
ON: I was from a Catholic family. My family were landowners. My father came to Rio and got involved in politics. Our house was big and they held gatherings. My mother would open the six windows in our living room, then she would open the “oratorio�(enclosed altar) and there they would hold mass. But when I left on to live life, I realized that life is very unjust. Therefore, it is important to protest. I go through life protesting that which is unjust.

LBN: What is the project you are currently working on… that you are most enthusiastic about?
ON: In addition to the projects I have already mentioned to you, I am currently making a house in Norway. I have great interest in this house. I am also making a building in Italy. Here in Rio, I am making “El Camino Niemeyer�in Niteroi that will be a complex of buildings that include a cathedral. That complex will be alongside the coast near the ocean. It is a site that interests me because it will enhance the architecture there. I need to closely analyze the conditions as I feel that the buildings must coincide, that there needs to be a soft, plastic element that connects them. But, the auditorium in Sao Paulo and the museum in Paraná are taking up most of my time.

LBN: Is there intent to project socio-political ideas through the “plastic freedoms�and “gestural aesthetics�of your work?
ON: My oeuvre is: the work that I make that comes to my hands, it is to convene my fellow artists to work, it is an attempt to return to the integrity of the arts, it is an attempt to return to the ligation between art and architecture. That project that I am making in Niteroi is not going to be done with expensive materials. I do not make my architecture propaganda of materials. My wall is smooth of white. Whenever possible I add a painting or a drawing.

LBN: American critic Hal Foster states â€?“[Frank Gehry’s] free expression implies our unfree inhibition, which is also to say that his freedom is mostly a franchise in which he represents freedom more than he enacts it. Today, this exceptional license is extended to Gehry as much as to any artist, and certainly with greater consequences. In another sense this vision of expression and freedom is oppressive because Gehry does indeed design out of “the cultural logicâ€?of advanced capitalism, in terms of its language of risk-taking and spectacle effects.â€?– So I ask you, at a time where capitalism and communism seem to be reaching points of saturation, could you give us a few more words that might help us adapt to these changes?
ON: I do the architecture that I like. I don’t criticize anyone, everyone do as they please. I don’t read anything about my work. There are a lot of books published about my work but the only thing I want is to do the work I like. If you ask me about an architect I will say the work is good. I will never tell you which architect is better, which one is worst. I visited Frank Lloyd Wright at one of his houses, a beautiful house that he liked. The principal element is that the architect is satisfied with the work. When the architect becomes preoccupied with what is being said about the work then the architecture is no good. I always feel that it should be more spontaneous. The best work is that which makes you feel well. Then it can be good.

LBN: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios�/em> (Of love and other demons). If women are “your drug� what is your religion?
ON: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios�(Of love and other demons). If women are “your drug� what is your religion?


Luis Berríos-Negrón is Bachelor of Fine Arts at the Parsons School of Design, New York,  and Master in Architecture at the Massachusetts Institute of Technology, Cambrigde.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012
See all the texts in the series Oscar Niemeyer 1907-2012

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC
See everything on Oscar Niemeyer published on MDC magazine

Degravação em Português e edição: Luciana Jobim

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Entrevistas – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2007/11/30/reflexoes-sobre-o-pos-modernismo/ //28ers.com/2007/11/30/reflexoes-sobre-o-pos-modernismo/#comments Fri, 30 Nov 2007 22:44:11 +0000 //28ers.com/?p=437 Continue lendo ]]> mdc 4Sylvia Ficher
Entrevista a propósito do artigo Anotações sobre o Pós-Modernismo, concedida a Danilo Matoso – Brasília 9/3/2007

[Ler o artigo em PDF]

Leia também:

Anotações sobre o pós-modernismo
[Sylvia Ficher, 1984]

A década de 1980 foi marcada por um movimento progressivo de reabertura cultural decorrente do processo político de democratização. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que, frente ao nacionalismo totalitário da ditadura, a cultura regionalista acabou por identificar-se com os movimentos de resistência ao regime. A arquitetura não funcionou de modo distinto. Superando a antiga polarização entre São Paulo e Rio de Janeiro, cada um dos núcleos urbanos emergentes do milagre econômico passou a alcunhar seus próprios valores e suas idiossincrasias, articulando-se em torno de pequenas hegemonias locais filhas de grupos profissionalmente dominantes. Um pragmatismo prancheteiro dos arquitetos mineiros vinha da explosão urbana de Belo Horizonte, polarizado na apologia ao design do grupo fundador da revista Pampulha. Em Brasília, a cultura arquitetônica acabou ilhada entre a sombra dos edifícios e arquitetos fundadores da cidade e a presença determinante e vigilante do Estado, que pouca vazão dava à diversidade plástica ou conceitual.
Foi nesse contexto que o denso trabalho acadêmico de Sylvia Ficher auxiliou na fundação de uma tradição regional brasiliense, ironicamente crítica em relação ao Movimento Moderno. Seus textos, acolhidos pela editoria de Hugo Segawa e Ruth Verde Zein na revista Projeto, tornaram-se referência conceitual obrigatória para os arquitetos formados pela Universidade de Brasília.
Formada na FAU-USP dos anos 60, cedo a arquiteta trabalhou no escritório de João Vilanova Artigas e de Fábio Penteado, tendo retornado à USP em seguida como pesquisadora. Em 1976, ruma a Nova Iorque, realizando seu mestrado na Columbia University – então, a base das exposições, conferências, publicações e construções da vanguarda da crítica e teoria da arquitetura mundial. Retornando ao Brasil, mudou-se para Brasília, onde trabalhou como fiscal de obras do Banco Nacional de Habitação – BNH, ingressando em 1983 como docente na Universidade de Brasília. Além sua própria produção como historiadora, crítica e teórica da arquitetura, ela esteve à frente da tradução e publicação no Brasil de diversos ensaios clássicos e contemporâneos, como A linguagem Clássica da Arquitetura, e Ensaio sobre o projeto.
A leitura do artigo Anotações sobre o Pós-Modernismo, quase vinte e cinco anos após sua publicação, demonstra não apenas a lucidez em traçar o panorama da arquitetura internacional de então, como também inclui o germe de uma crítica objetiva à hegemonia da Arquitetura Moderna na historiografia e cultura dominantes da arquitetura brasileira do século XX. A distância histórica aproxima hoje aqueles regionalismos díspares, e as palavras da teórica parecem complementar o sentido da diversidade projetual que se verificava no início dos anos 80 �em Belo Horizonte ou Porto Alegre, por exemplo.
Intrigados pelos possíveis desdobramentos daquele impulso crítico, buscamos conhecer os pontos de vista atuais de Sylvia sobre as questões ali levantadas. A professora recebeu-nos gentilmente em sua residência, em 9 de março de 2007, para a realização da entrevista que aqui publicamos. Além da prosa bem-humorada e irônica, ela brinda-nos com a lucidez iconoclástica que sempre lhe foi característica, questionando mesmo algumas de nossas perguntas �que trazíamos prontas e discutidas entre todo o conselho editorial da revista �e ampliando a contribuição muito além do esperado. Convidamos o leitor acompanhar aqui, sem distração, o pensamento atual e pulsante de Sylvia Ficher.

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Em sua opinião, existe ou existiu um período pós-moderno em arquitetura como superação dos paradigmas modernos?

No meu entender, existiu. De fato, de inícios da década de setenta a meados da década de oitenta, houve claramente uma atitude muito vigorosa de rejeição do Modernismo, ainda que permanecessem certas manifestações – dentre aquelas que chamei das várias vertentes do Pós-Modernismo – de evidente caráter modernista, como é o caso do hightech. Há vinte e tantos anos atrás, eu tinha alguma esperança de que tal posicionamento tivesse continuidade, porém as coisas não tomaram o rumo que me parecia o mais promissor.

E mais ainda, o Pós-Modernismo existe também hoje, ele não se encerra naquele período. Existe hoje um pós-moderno, no sentido que existiu um pós-classicismo. Quando nós falamos em arquitetura clássica, somos nós que falamos em arquitetura clássica, que adjetivamos o termo arquitetura. Até meados do século XVIII, quando se dizia arquitetura – obviamente estou me referindo ao contexto ocidental, europeu – não era preciso adjetivar: arquitetura queria dizer arquitetura clássica, caso não fosse clássica, não era arquitetura. E não apenas quando se tratava de edifícios de exceção. Se uma edificação não é clássica, não é arquitetura: é uma construção. É por essa razão que ainda se fala uma bobagem dessas: “mera construção“… Estas besteiras ficam, você sabe, você escuta por aí. Particularmente entre professores de projeto…

Se analisamos o pensamento arquitetônico pós-renascentista, todo o discurso arquitetônico, este não coloca em dúvida o Classicismo. Então, quando se dizia “é uma obra de arquitetura“, a referência era naturalmente a uma edificação clássica. Veja o capítulo sobre Arquitetura da Estética do Hegel, por exemplo. Você só vai entendê-lo se considerar que o que ele diz tem a ver com o Classicismo. É claro. Isso aparece até no século XIX e, lógico, isso vem até o século XX, que essas coisas se repetem.

Tomemos o período pós-Primeira Guerra Mundial até fins da década de sessenta, quando se falava Arquitetura, não precisava nem adjetivar, não era necessário explicar nada, era arquitetura moderna. O [Robert] Venturi, pra mim, foi brilhante: lá por meados da década de 1960, de repente, ele diz que Arquitetura não é só a moderna.

Todas estas questões que estou colocando fazem sentido fora do Brasil. O caso brasileiro é radicalmente diferente. Este meu artigo em que vocês estão interessados agora seria uma primeira parte. Uma segunda parte discutiria a questão do Pós-Modernismo no Brasil, e esta eu nunca conclui. O caso brasileiro é extremo. Ou seja, mais ainda do que nos Estados Unidos ou na Europa, aqui, naquele momento – no nosso caso, da década de quarenta em diante – Arquitetura é Arquitetura Moderna. Se não é Arquitetura Moderna, não é Arquitetura, tout court, não é entendida pelos arquitetos como Arquitetura: é construção, é sei-lá-o-quê.

Então, existe um momento pós-moderno, um momento que, no meu entender, é extremamente rico, com uma produção extremamente interessante. Seria de inícios da década de setenta a meados da década de oitenta, e que tem uma produção arquitetônica muito criativa, de muita imaginação, mesmo quando historicista. Porque tal historicismo pós-moderno é muito livre. O [Charles] Moore é muito engraçado – eu, ao menos, gosto; eu me divirto muito com ele.

Ou seja, houve um fenômeno arquitetônico bastante evidente, que se pode delimitar muito bem, quando a Arquitetura Moderna não estava em vigor. Por outro lado, isto não acabou, porque hoje temos um leque de tendências, de personalidades, de individualismos… Pode-se estabelecer algumas pequenas categorias: hoje em dia você vai falar em Hightech, Historicismo, Minimalismo e Desconstrutivismo. Mais ou menos aí encaixa quase tudo do que está sendo feito no star system. Neste outro sentido, sem dúvida nós estamos num Pós-Modernismo.

Havia, na época, no Brasil, um academismo moderno de cunho dogmático?

Havia, não; no caso brasileiro permanece. Há arquitetos excelentes, gosto de um montão de gente, o pessoal mais jovem lá de São Paulo, por exemplo: gosto demais do Marcelo [Ferraz], do Bruno [Padovano], do [Héctor] Vigliecca, do Isay [Weinfeld]. Não estou muito ao corrente da produção mais contemporânea. Mas no nosso caso, o moderno tem uma permanência muito mais forte.

Os Estados Unidos nunca foram modernos de cabo a rabo. Nunca. Não há esta hegemonia de uma determinada arquitetura moderna. Primeiro, lá há várias arquiteturas modernas: tem o modernismo do Mies, tem o modernismo da Califórnia, tem o Modernismo de Nova York… E isto sem contar os “desviantes”, como um Bruce Goff, um [Edward Durell] Stone. Não tem um modernismo hegemônico. Veja um livro que todo o mundo despreza, mas que pra mim é genial, Da Bauhaus ao nosso caos [2], em que o Tom Wolfe mostra o conflito gerado pela chegada dos europeus, a disputa entre Wright, Mies e Gropius etc. Nos Estados Unidos, nunca houve um único moderno hegemônico. É mais complexo o panorama arquitetônico deles.

No caso brasileiro, o Modernismo, melhor dizendo, a Escola Carioca, se difunde pelo Brasil todo. Esta é a tese de nosso livrinho, da Marlene e meu – Arquitetura Moderna Brasileira [3]. Essa Escola Carioca vai ser o padrão do que é Arquitetura Moderna. Depois, mais adiante, entra o Brutalismo, que não é só paulista: existe um brutalismo carioca, sem dúvida. Discuto esse brutalismo carioca, e até um brutalismo brasiliense, num texto que está no Guiarquitetura Brasília [4], em que faço uma comparação entre o brutalismo paulista, o brutalismo carioca, o brutalismo brasiliense e até um brutalismo gaúcho que são bem diferenciados. Dá pra separar perfeitamente e distinguir um do outro.

O que nós temos é o seguinte: o desenvolvimento da Escola Carioca rumo ao Formalismo e rumo ao Brutalismo – e estes dois estão aí até hoje, o último chamado de Minimalismo, você dê o nome que quiser. Minimalismo é o nome novo do velho Brutalismo [risos]. Me perdoe, o tal Minimalismo…, mudaram o apelido da coisa, mas é a mesma coisa.

No Brasil há esta unidade muito mais generalizada. Veja a década de cinqüenta, o que se está construindo em Recife é idêntico ao que se está construindo no Rio, que é idêntico ao que se está em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre e assim por diante. Veja o bairro de Higienópolis, em São Paulo, o Comércio em Salvador: pilares de seção circular, panos de vidro, um ocasional brise-soleil… Há um Modernismo praticamente oficial no caso do Brasil e depois vai ter mais um, o Brutalismo. Todos os modernos de antes vão migrar para o Brutalismo. Oscar Niemeyer é um brutalista de primeiro momento: o Itamaraty é de 1962, a FAU-USP é de 1961. Ele adota o Brutalismo tão cedo quanto o Artigas. Niemeyer é brutalista também.

Agora, no meu entender, e é isto que dá o diferencial brasileiro: a formação da profissão de arquiteto no Brasil se dá aliada à difusão ou, se preferir, à assimilação do Modernismo. Você veja a nação na década de trinta: em 1933 a legislação que regulamenta as profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor. Ou seja, a oficialização dessas profissões. Arquiteto não existia enquanto profissão. Existia construtor, mestre-de-obras… Arquiteto, sistematicamente, queria dizer construtor. Este é o sentido da palavra até a década de quarenta. Ai vem a legislação criando o sistema CREA em 1933, a fundação do IAB em 1935, os concursos da ABI e do MEC em 1935 – em 1936 é o projeto com o Corbusier, mas o concurso é de 1935. Ou seja, a organização da profissão de arquiteto, da corporação dos arquitetos. E um dos elementos que vai dar conteúdo, que vai dar sustança, para a corporação é o Modernismo.

A organização da corporação dos arquitetos no Brasil teve, como um dos elementos que lhe deu fundamento, a adoção do Modernismo. E quem vai estar no IAB são os modernos, e se alguém quer ser arquiteto “de verdade”, quer estar na linha do IAB. E este não é assim com os americanos. Os americanos não estavam dependendo da Arquitetura Moderna para criar uma profissão. Eles tinham uma profissão muito bem organizada e já sistematizada, com um ensino que data de meados do século XIX, com uma tradição de formação de quadros na Europa. Em outras palavras, não têm uma dependência do Modernismo como uma linha estética para dar conteúdo para a profissão. Enquanto que no nosso caso, é a linha estética que vai ser um elemento de coesão, dando prestígio inclusive. A profissão se organiza no rastro do prestígio da Arquitetura Moderna no Brasil. Isso explica o porquê desta dificuldade de se abrir mão do moderno. Que uma geração mais velha do que a minha ainda tenha este apego, dá para entender – porque eu estava lá e foram meus professores. Mas a mim me espanta que a minha geração ainda tenha o mesmo apego. Quando estou na faculdade – não estou falando nem dos meus colegas -, quando falo com os meus alunos, encontro o mesmo apego: quando começo a colocar certas questões de crítica ao Modernismo, há pânico! Há esta permanência do Modernismo como o conteúdo por excelência da profissão de arquiteto.

Em seu texto, o hermetismo do meta-discurso arquitetônico pós-moderno é associado a uma aproximação entre arquitetura e universidade. Como você vê hoje a relação entre estes dois mundos?

De novo: estou colocando uma relação entre arquitetura e universidade no contexto norte-americano, numa determinada tradição de ensino da arquitetura e, mais ainda, numa tradição de estudos e pesquisas sobre história da arquitetura. O que, de novo, não é nosso caso: vamos ter situação que se aproxima disto muito mais tardiamente. O compromisso modernista no Brasil – voltando um pouco à segunda pergunta – é tão forte que ele está presente até na produção dos historiadores brasileiros. Os historiadores olham a arquitetura, fazem a história da arquitetura, tendo como referência a Arquitetura Moderna: tudo é avaliado bom ou ruim em termos de Arquitetura Moderna, em relação à Arquitetura Moderna. Quando defendi minha tese sobre o ensino de arquitetura na Escola Politécnica, ela foi criticada porque achavam que eu estava perdendo tempo com “uns arquitetos sem importância“: “Esses arquitetos não interessam, eles não são modernos.” Da velha guarda da Poli queriam que só me referisse ao Victor Dubugras, porque ele poderia ser considerado um proto-moderno – numa daquelas classificações esdrúxulas que fazem para justificar a existência de boa arquitetura fora do Modernismo e enquadrar aqueles arquitetos que não se enquadram… Já o Ramos de Azevedo, trate de esquecer. Com tal atitude joga-se fora, por exemplo, um sujeito como Alexandre Albuquerque, que talvez seja o arquiteto com a elaboração teórica mais sofisticada que nós já tivemos neste país [5]. Formado em 1905, era um arquiteto de prancheta, de obra, de todo o leque da prática profissional. É o sujeito que construiu a Catedral de São Paulo sem usar concreto, porque catedral tem que ser pedra sobre pedra, e no entanto saiu na frente no emprego de estruturas de concreto – isso muito antes da década de vinte, estou falando da década de dez, portanto muito antes da Semana de Moderna, muito antes de Warchavchik. Um arquiteto que tem tal currículo profissional, toda esta competência, e no entanto era um historiador e um teórico avançado. Acho difícil encontrar um profissional, muito ligado à prática, digamos assim, e que tenha uma produção intelectual comparável à dele – é um homem que faleceu em 1940.

Então, quando me refiro à universidade, estou me referindo particularmente ao caso americano, e poderia considerar o inglês, também. A Inglaterra tem uma tradição de história da arquitetura sem compromisso algum com a prática da profissão. O sujeito que está fazendo História da Arquitetura, está fazendo História da Arquitetura. Ele não está lá para valorizar nem a profissão, nem as instituições profissionais, a corporação. Enquanto que, no Brasil, como a profissão se organiza bem mais tarde, nós não temos tradição de história de arquitetura – e não é que não tenhamos tradição de história da arquitetura, não temos sequer tradição de história da arte, que até hoje é miserável!! A rigor, temos um Paulo Santos, o Donato Mello, no Rio, e aí, depois, aparece em São Paulo um [Carlos] Lemos, um Benedito [Lima de Toledo], mas é nos últimos vinte ou vinte e cinco anos que se construiu o campo acadêmico de História da Arquitetura.

E observe como é privilegiado o século XX: pouca gente se arrisca pelo período colonial, a não ser talvez na Bahia e em Minas Gerais. A arquitetura do período colonial brasileiro é muito mal estudada, tem muito pouca coisa!! A melhor fonte ainda é o Bazin [6], que é da década de cinqüenta, afora algum trabalho monográfico sobre uma igreja, sobre um convento, porém não há bons manuais sobre o assunto. Século XIX, então… É muito recente: agora saiu aquele guia Arquitetura Neoclássica no Rio [7], sai algo de vez em quando… Aracy Amaral se atreveu a levantar a questão do Neocolonial [8]. No Brasil, produção historiográfica está atrelada ao Modernismo. Por aí, percebe-se a sua força.

Tal hegemonia modernista, que está na raiz da organização da profissão, se reproduz em todos os campos: no ensino institucional, nos textos de história, nos textos de crítica arquitetônica, nos parâmetros das pesquisas tecnológicas, até nos hardwares -, ela permeia a quase totalidade da produção acadêmica e o entendimento do que é arquitetura. Estou falando na perspectiva da década de oitenta para cá. Na minha ingenuidade, achei: “Agora, com o Pós-Modernismo, isto aqui vai florescer, as pessoas vão se sentir livres para ter outras opiniões, para articular uma crítica arquitetônica mais rica, mais consistente, mais útil mesmo.” Mas não: a presença da tradição moderna entre nós é tão forte que não aconteceu nada. Saiu pouquíssima coisa: um [Eduardo] Subirats, um [Sylvio de] Podestá, uma coisa muito pontual. E quando você lê os textos de crítica é aquela velha reprodução, reprodução, reprodução daquelas idéias, as mesmas valorizações de sempre…

Mais ainda, na década de quarenta, a Europa e os Estados Unidos estão em guerra. E o lugar onde está se produzindo Arquitetura Moderna é o Brasil. O resultado é uma espécie de ufanismo modernista, porque nós realmente tínhamos uma Arquitetura Moderna para mostrar no pós-guerra. No segundo pós-guerra, quando se quer fazer Arquitetura Moderna, vai se olhar para quem, para onde? Para o MEC! O Ministério da Educação é o grande modelo arquitetônico não apenas aqui, veja o Lever House (1948-1949), do Bunshaft: é o MEC; lembre-se que o Brazil Builds [9] é de 1942. Quem tinha uma produção relativamente consistente e contínua de Arquitetura Moderna naquele momento era o Brasil.

O peso desta glória arquitetônica toda acaba também influenciando e sendo mais um elemento de reforço da tradição modernista no país. O que funciona nos Estados Unidos estimulando a reflexão em direção a uma crítica ao Modernismo, a uma diversificação na produção arquitetônica, aqui tem o papel oposto: a universidade reforça uma tradição, e não uma ruptura com a tradição. A relação que dá pra fazer entre universidade e produção profissional para explicar o surgimento de uma Arquitetura Pós-Moderna nos Estados Unidos, no nosso caso serve para explicar a permanência da tradição, devido àquela situação muito particular das décadas de trinta e quarenta. Somos especialistas em Arquitetura Não-Pós-Moderna!!!

No nosso caso ainda tem um agravante que é 1964: a ditadura. Então, no Brasil – e isto é relativamente verdade também em alguns outros países – havia uma razoável relação entre orientação estética e ideologia, nem sempre muito profunda. A situação é bem mais complexa…, aquele senhor um pouco ingênuo, Anatole Kopp, ficava sofrendo por que o Modernismo não era mais de esquerda [10]. Um dos conteúdos do Modernismo é uma posição ideológica, um discurso social – social num sentido anti-democrático, muito autoritário, mas enfim… – que acabou dando uma conotação de que ela era coisa de comunista. Nós temos uma ditadura anti-comunista a partir de 1964, e os principais nomes da arquitetura brasileira são homens – pelo menos nas palavras – de esquerda. Os dois principais, membros de carteirinha do Partido Comunista. Naquele momento, a crítica ao Modernismo significava uma postura de direita, era fazer o jogo da ditadura. Ao se fazer alguma análise crítica da Arquitetura Moderna estava-se indiretamente criticando Oscar e Artigas, estava-se enfraquecendo os dois comunistas pilares da arquitetura brasileira, portanto estava-se sendo reacionário. Devemos levar em consideração também este contexto político reforçando o apego ao Modernismo entre nós e que retardaria a crítica, retardaria a tal ponto que ela não vai existir: quando ela começa a se articular, ela já está superada, os Estados Unidos e a Europa já estão noutra.

Insisto: nestes comentários sempre estou separando um contexto europeu de um contexto anglo-americano. A Inglaterra e os Estados Unidos funcionam numa outra lógica, que é muito diferente da lógica européia, e os seus mundos profissionais têm outro perfil. Ser arquiteto na Inglaterra não é exatamente ser arquiteto em Barcelona ou Paris. A construção de uma cultura arquitetônica [11] é extremamente sofisticada no caso inglês e americano. No caso europeu, vamos falar de latino-europeu como França, Itália, Espanha, já não é bem assim, ainda que a Itália surpreenda…

A Inglaterra é um outro mundo: ela foi um dos últimos países a entrar no Modernismo. Na verdade, eles nem precisavam do Modernismo. Se você aceitar a análise do Pevsner [12], o Modernismo surge no continente por influência da arquitetura residencial inglesa – continente é a Europa…, o outro lado do canal. Então os ingleses vão entrar no moderno nas décadas de quarenta, cinqüenta, quando nós já estamos exportando Arquitetura Moderna. Essas nuances são muito importantes. No caso da Espanha, não podemos considerar tudo junto: temos que separar a Catalunha de Castela, ou seja, de Madri. Na Catalunha o moderno entra tardiamente, devido a um nacionalismo forte, às tradições locais…

Essa cultura arquitetônica, entre nós, acaba ficando reduzida a conhecer bem a obra do Niemeyer, do Artigas, do Paulinho, do Lelé… Há quem goste do Joaquim Guedes – eu, inclusive -, e tem a turma de admiradores da Lina. De um arquiteto requintado, que tem uma obra maravilhosa, nunca se fala: o Eduardo de Almeida. Alguém vai falar do Eduardo de Almeida [13]? “Não tem importância…” Pior, um Pedro Paulo de Mello Saraiva, arquiteto talentosíssimo, e ninguém nunca ouviu falar dele, não há trabalhos acadêmicos sobre ele. Então até o entendimento do que deva ser incluído em nossa cultura arquitetônica é muito restrito.

Diversas correntes pós-modernas, incluindo o pensamento de Robert Venturi, estabeleciam uma ponte direta entre aquela arquitetura e outras de cunho maneirista. Você não acredita que no Brasil, e mesmo nos EUA, a apropriação do Movimento Moderno sempre foi feita como um meta-discurso amaneirado similar?

Atenção, esta é a minha leitura do Venturi, outros podem discordar… Em primeiro lugar, estamos usando o termo Maneirismo de forma anacrônica. Quando nós usamos o termo, é com o sentido dado a ele pelo Hauser [14]. O Hauser é quem colocou esta questão do Maneirismo e vai interpretar o Michelangelo, o Palladio, o Serlio segundo esta ótica. Ao cabo, a alta Renascença já como manifestação maneirista, lá no sentido dele, como uma arquitetura que se baseia no clássico e viaja, vamos dizer assim. Ela viaja em cima de uma linguagem clássica. Então nós estamos usando um termo anacrônico: eu estava falando do Maneirismo aplicado à arquitetura contemporânea. Mas aceitemos o anacronismo.

Você vai ter sempre um fenômeno maneirista, na medida em que um determinado vocabulário é aceito como correto. E se um arquiteto trabalha em cima dele, é lógico que começa a retorcer para cá e retorcer para lá. E retorcer é uma boa palavra, porque lembra aquela coluna salomônica de Bernini, em São Pedro. Pega-se uma coluna e retorce a coluna, dá uma torcida como se fosse um pano. Uma linguagem, uma vez difundida, uns estão querendo usá-la “certinho” e não entenderam muito bem como se faz, e dá um maneirismo de um jeito. Outros estão entendendo muito bem, mas vão forçando tanto aquela barra…, dá um maneirismo de outro tipo.

Artigas é claramente maneirista. Mais até que o Niemeyer, na minha interpretação. Artigas faz um blend de Brutalismo com Frank Lloyd Wright – e vou longe na minha opinião, porque não tenho a menor dúvida da presença permanente do Wright na obra do Artigas. Você vai ver o Maneirismo nas colunas do Artigas. São variações de temas wrightianos executados em concreto armado.

Em fins da década de setenta, se Marlene e eu [15] dissemos alguma coisa interessante, ou surpreendente, foi esta questão de uma certa regionalização que já era possível observar naquele momento – não sei se é bem verdade hoje, isto desembocaria em uma outra discussão, mas naquele momento dava pra sentir – uma arquitetura própria em Pernambuco, moderna porém com certas características, a de Brasília, no Sul… e assim por diante. Dava pra sentir uma regionalização em curso. Nós pelo menos achávamos e interpretamos assim.

No caso norte-americano, sempre a coisa é, em certo sentido, muito mais rica. Entender esta regionalização, voltando aos Estados Unidos, exige que olhemos muito mais para trás: temos que percorrer toda uma tradição de arquitetura americana no século XIX, e muito regionalizada. Não regionalizada simples, mas tem uma arquitetura da Costa Oeste, tem uma arquitetura da Costa Leste – quando falo Costa Leste estou pensando em New England, em Nova York, em New Jersey -, mas tem também uma arquitetura sulista na Costa Leste. E tem Filadélfia, tem o Midwest… Cada região com o seu ensino diferenciado, uma vez que não há uma regulamentação profissional unificada para todo o país, como acontece aqui. Lá, tais distinções são ainda reforçadas por questões de técnica construtiva. Nós somos muito mais homogêneos, em termos de técnica construtiva, do que os Estados Unidos, digamos, ao longo do século XIX. Para nós é alvenaria – superadas as taipas etc… Nos Estados Unidos, vamos encontrar muito mais variedade de materiais e de sistemas construtivos, e a madeira por todo lado. Mas não só a madeira: a construção deles é mais complexa.

Em seu artigo, é apontada a autonomia do desenho como objeto de arquitetura. Você acredita que o desenho é, inexoravelmente, um caminho obrigatório para a extração de mais-valia?

Isto quem disse é Sérgio Ferro [16] [risos]. Nunca afirmei o mesmo…, ainda que ache uma proposição muito fecunda e que me influenciou muito!

Sem dúvida, o desenho faz parte do processo da produção no campo da construção. Quer dizer, há uma atividade econômica da qual um projeto é parte integrante do processo produtivo. Que isso não me leva a nenhum desespero em termos de mais-valia, é outra coisa. Este era um desespero que podia bater na gente nas décadas de sessenta ou setenta. Acho que hoje, na primeira década do novo milênio, tentar reduzir o processo produtivo à extração da mais-valia é muito ingênuo. É não entender a economia contemporânea, o crescimento exponencial das atividades de serviço. É não entender, por exemplo, que, nas condições urbanas atuais, você ser operário da construção é uma excelente posição na vida. É muito pior ser flanelinha…

Então, esta birra com a mais-valia, pra mim – usando uma palavra do Sérgio – é um fetiche da esquerda na década de sessenta, que hoje teria que ser processada noutros termos. Naquele tempo, a mais-valia era uma espécie de pecado capital, melhor dizendo, capitalista. Evidentemente, a questão da exploração do trabalho está aí. Não vou discutir que o trabalho manual é explorado, as desigualdades sociais estão grotescamente aí, os privilégios de classe são acachapantes… Não estou negando nada disso, porque continuo sendo de esquerda. O que não quer dizer que hoje seja marxista e, menos ainda – o que o Sérgio também nunca foi, mas outros foram e ainda são -, stalinista.

Mas sem dúvida entendo que o desenho, o projeto arquitetônico, é parte de uma mercadoria chamada prédio, o que não me incomoda en lo más mínimo. Mesmo porque, para fazer um automóvel é preciso um desenho, para fazer uma garrafinha industrialmente é preciso um desenho. Ou seja: certas coisas – quase tudo -, para serem produzidas, têm que ser desenhadas, principalmente na produção industrial. A arquitetura tem outras características e problemas próprios. Ela não é industrial, no sentido fabuloso do termo, mas evidentemente ela é grande e vai ser difícil construir um objeto grande sem ter um mínimo de parâmetros. Catedrais eram desenhadas, só que a gente esquece porque não eram desenhadas em um pedacinho de papel, mas eram desenhadas no chão: o desenho era em escala 1:1. Não tenho a menor dúvida que o desenho fazia parte do processo naquela época.

É tão simples! O projeto arquitetônico faz parte de um processo de produção. E como o mundo é capitalista, está na produção capitalista. E também não tolero essa coisa: “Ah isso é coisa da especulação imobiliária…“. Se você tem uma fábrica de sapatos, ninguém espera de você que venda o seu sapato sem lucro. Porque é que vou esperar que alguém que construiu um prédio tenha que vender o seu prédio sem lucro? Isso é fantasia esquerdista simplória: marxismo do mais primitivo e primário – nem é marxismo. Este vínculo, para mim, entre projeto e produção de edifícios, o tempo presente é o tempo da produção e a produção é capitalista, é econômica, e a construção faz parte do sistema.

Quanto à questão da autonomia do desenho… Esse artigo, o Anotações…, ele foi escrito em cima da minha experiência, da minha vivência do Pós-Modernismo, porque morava nos Estados Unidos naquela época. Na década de setenta eu estava lá, estava estudando em Nova York. E via o que o Philip Johnson, e antes do Philip Johnson, o Michael Graves, o [Peter] Eisenman e todos os outros, o [Robert] Stern, estavam fazendo. E ia a exposições de desenhos de arquitetura.

No Modernismo a postura era: o desenho faz parte do processo de projeto, o cara faz os seus rabiscos, os seus esquisses, os seus croquis… Faz parte do seu processo de concepção, que depois vira o detalhamento de um projeto, a partir do qual um prédio vai ser construído. Havia uma espécie de puritanismo em relação ao desenho, e eram desenhos puristas também: puritanos e puristas. É só traço. Ninguém mostra a textura, não se usa cor… Há como que um desprezo pelo rendering.

Rendering hoje é uma palavra que todos vocês usam, mas que, há vinte anos, ninguém sabia o que queria dizer aqui no Brasil. Com o computador entrou o rendering, mas rendering é uma palavra inglesa que, no fundo, quer dizer a rendição: como é que você rende o desenho, como é que você expõe o projeto, a sua exposição. Rendering é uma palavra de etimologia latina, mas é um termo anglo-americano: no fundo é o desenho de apresentação. E a tradição do desenho de apresentação vem da academia francesa. Vem da Beaux-Arts, onde era exigida a habilidade na representação do prédio que ainda não existe, aquela elegância toda, os guaches, as sépias, os nanquins, as aguadas…

Tal tradição se sofistica do século XVII em diante, arrebenta no século XIX e, com o Modernismo meio que desaparece, ou melhor, é escamoteada, fica envergonhada, cheia de pudores. É lógico que hoje é valorizado um croquis do Corbu, um croquis do Mies etc., eles até têm preço no mercado de arte, mas sua qualidade artística – ao menos oficialmente – não era a preocupação central.

No bojo do Pós-Modernismo, voltou à moda um certo “renderismo“. Antes, no quadro do Modernismo, o máximo de renderismo que havia eram aquelas perspectivas de concurso. Era uma falta de talento só: uma perspectiva onde aparecem umas pessoas ali no primeiro plano, umas árvores, raramente cor, tudo no preto-e-branco – um pouco determinado também pela heliográfica, pelas técnicas de reprodução da época, não só pela estética. Entre parênteses, hoje, com a impressão a cores tão barata e acessível com uma simples impressora doméstica, tudo isto parece arcaico!

Mas voltando… Na década de setenta começa o retorno ao renderismo, ao belo desenho: pastel, lápis de cor, papéis sofisticados… O que dava para perceber em Nova York naquele momento é o retorno à valorização do desenho de arquitetura. Eu me lembro de várias exposições importantes, em lugares importantes – no MoMA, na Castelli, no Museum of Design, lugares assim -, de desenhos de arquitetura, algo que fazia muito tinha desaparecido. Você via exposições de arquitetura com fotos, com maquetes. Como a exposição do International Style [17], não tem desenho, no máximo plantas e cortes. Daí falar no desenho de arquitetura como atividade autônoma. Não estou falando aqui de arquitetura utópica, de bolar projetos na cabeça – a la Archigram -, não estou falando disso: estou falando de rendering. Arquitetura utópica é outra coisa, vem de uma tradição a la Boullé ou Piranesi, uma arquitetura da fantasia.

Mas você não acha que, talvez, essa cultura esteja no bojo de uma arquitetura que se basta só pelo rendering, sem compromisso nenhum com construtividade? Por exemplo: Daniel Libeskind…

Ah sim! Vai desembocar também em: “O desenho é bonito, vai dar boa arquitetura“, o que é falso, puro wishful thinking. O bom desenho não dá necessariamente em bom prédio. Taí a obra recente do Niemeyer para demonstrar: o desenho pode ser até bacaninha, uma vez executado é apavorante.

O que quero dizer é o seguinte: na década de setenta há um retorno ao valor do desenho arquitetônico. Posso lhe mostrar alguns desenhos da Beaux-arts, os desenhos do Grand Prix, o top do rendering francês e você vai entender do que estou falando. Quando o desenho é bom na aparência!! O Griffin ganhou o concurso do plano urbanístico pra Canberra [1911] no berro: ganhou o concurso do plano de uma cidade toda graças a um desenho bonito. Ele nunca tinha projetado uma cidade, não entendia nada de cidade, mas desenhava… O plano é ruim, está lá, vá olhar a cidade que resultou. O Plano Piloto está ótimo perto daquilo, é muito mais realista como cidade. Agora, eu vi o desenho, é imenso o desenho. É deslumbrante o desenho! É uma obra de arte, você quer botar na tua sala e ficar olhando! E não é por acaso, o Griffin foi um dos melhores renderistas do Wright. E renderista o Wright sabia escolher, nossa, cada desenho, um mais lindo do que o outro!

Esta autonomia do desenho de arquitetura sempre existiu. Não é novidade, particularmente no contexto da academia onde se exige habilidade no desenho. O Carlos Lemos descreve como, no Mackenzie, ele foi aluno do Christiano Stockler das Neves – que era um arquiteto acadêmico -, e que era desenho, desenho e desenho: desenho de manhã, desenho à tarde e desenho à noite. Este pessoal do Mackenzie tem uma habilidade no desenho. Isso explica a qualidade compositiva do Paulo Mendes da Rocha. Nunca esqueça a formação acadêmica que ele teve como mackenzista. O Pedro Paulo [de Mello Saraiva] desenhava coluna grega, ele que me contou. Eles tinham aulas de composição – e exercícios daquilo que se chamava “arquitetura analítica”, ou seja, o estudo dos elementos compositivos – que os seus contemporâneos na FAU/USP não tinham. Em função da pedagogia acadêmica do Stockler das Neves: desenho, desenho e desenho. É aquarela, nanquim, guache…  E tudo no canson, que é um papel chato pra se desenhar…

E a valorização do desenho arquitetônico reapareceu a partir de então. O sujeito não só está fazendo um desenho para ganhar um concurso, ou não só fazendo um desenho para convencer um cliente, mas está produzindo algo que lá na frente, inclusive, vai ter valor no mercado de arte, se for um belo desenho.

O Anotações… é de 1982, 1983, foi escrito em cima do que acontecia no milieu entre 1970 e 1980. E que, de lá pra cá, só se reforçou. E hoje temos um novo meio de representação, que é o computador. Tem quem faz um desenho mais bonito do que outros no mesmo computador, assim como tinha um sujeito que era bom na aguada, outro que era bom no guache, hoje tem o sujeito que é o bom no Paint, no Corel etc. – não conheço bem esses programas porque não é a minha praia. Você pode mudar o quanto quiser o instrumento: tem uns que dominam o novo instrumento melhor que outros. E não dá para pensar em projeto arquitetônico sem considerar os meios de representação. Como afirma o Corona [18], projeto tem mais a ver com a representação do que com a construção… Fechando a tua questão: pros arquitetos, rendering é bem mais importante do que construtividade na hora em que estão projetando, ainda que esta seja uma constatação dolorida de se fazer…

Sob este aspecto, o Modernismo é muito enganador, o desenho modernista dá a impressão que a solução arquitetônica é fruto de necessidades construtivas, da tal construtividade a que você se refere. Ele é feito a lápis ou a nanquim em um papel branco; os modernistas adoram uma perspectiva axonométrica, um desenho esquemático, um desenho de máquina – a axonométrica é um desenho de máquina por excelência. Tudo isto dá um sabor técnico ao desenho, e nos convence que a solução arquitetônica também foi alcançada por razões técnicas!

E assim, fica fácil fazer o link entre o campo artístico e arquitetura, ainda que não se esgotem aqui outras dimensões de análise possíveis no caso da arquitetura, inclusive a dimensão técnica, construtiva propriamente. As diferentes formas de representação arquitetônica assimilam técnicas advindas das artes gráficas, particularmente do pessoal das artes gráficas. Veja um Archigram, mesmo o Koolhaas que começa desenhando, ele tem desenhos famosos na década de sessenta, antes de ter se metido a projetar prédios. Os mundos não são estanques. Uma estética que se difunde no campo das artes gráficas, que aparece nas publicações, nos impressos etc., contamina o desenho de arquitetura. Contamina não no sentido negativo do termo. Igual estas brincadeiras que se faz no computador, com recursos de efeitos especiais do cinema – é lógico que estão influenciando toda a produção das artes gráficas, da pintura e do desenho. E vice-versa, porque esta contaminação é permanente e de mão dupla. E obviamente certas modalidades, ou certas liberdades de linguagem, que aparecem num campo, vão correr pra outros, vão influenciar outros. O Corbusier não fazia desenhos com letras de chapinha? Agora chama stencil, mas na época era um meio muito prático, muito expedito na hora de se fazer um cartaz, um aviso, escrever algo no capricho. Depois veio o normógrafo, e depois a Letraset. Hoje vamos pro computador e escolhemos as letras. Tem milhares de tipos à disposição – o que aliás explica muito do mau gosto em comunicação visual, porque há um universo imenso de tipos e as pessoas escolhem de qualquer jeito. E tudo isto tem a ver com o que está ocorrendo na estética arquitetônica, gostemos ou não…

Algumas correntes pós-modernas apoiaram-se na codificação e uso sistemático de valores formais históricos que se acreditavam serem atemporais. Você acredita que é possível ainda hoje a crença nesse tipo de valor? Qual a validade da teoria tipológica de Aldo Rossi hoje?

No caso do Rossi, a situação é irônica – o Pós-Modernismo valoriza a ironia e eu gosto da ironia. O Aldo Rossi estava bebendo na tradição italiana, ele ao fazer uma arquitetura de sabor clássico, ele está sendo nativista. Igualzinho o Lúcio Costa está sendo nativista ao botar uma cobertura com telha canal e um muxarabi estilizado. Ele não é nativista? O Rossi também: ele está inserido na tradição lá dele. Acho a arquitetura do Rossi uma forçação de barra. Ele faz aquele cemitério lá em Modena [19] e diz que se inspirou na arquitetura vernácula da região -, porém não tem nada a ver com a arquitetura de lá. Esta mais para o Classicismo simplificado de um [Marcello] Piacentini. Aliás, o Mario Botta é outro que diz se inspirar no vernáculo, mas nunca consegui encontrar o vernáculo no qual ele se inspirou. Seria o Corbusier que teria aberto esta picada na década de trinta, que na obra dele alcança o apogeu com Ronchamp, segundo o Frampton [20].

No caso de Ronchamp dá até para perceber certas ligações, mas na obra do Botta com o vernáculo da Suíça italiana, tenho grandes dificuldades. E no caso do Rossi, ele faz muito mais uma espécie de neo-racionalismo, ou neo-neo-racionalismo italiano, ou, para cunhar uma outra expressão mais estrambótica, um hiper-neo-racionalismo. Aquele cemitério é racionalista, mais do que neo-clássico. O fato é que não tenho muita simpatia pela arquitetura dele… Excepcionalmente eu gosto do Rossi, gosto daquele teatrinho que não sobreviveu lá em Veneza [21]. É light, é delicado, é alegre, tem algo de desenho animado… É simpático, a arquitetura pop é sempre simpática. Mas tem um prédio dele em Paris que é detestável, e aquele cemitério então, a gente fica até com medo de morrer.

A questão do historicismo, no Brasil, ficava muito difícil para os arquitetos entenderem, e a reação dos arquitetos foi: “Oh! que barbaridade! Ecletismo!” Lembro de quando publiquei o Anotações…, fui convidada para dar uma palestra sobre Pós-Modernismo na FAU/USP. E estavam lá todos os professores, os meus ex-professores. Um deles, muito querido, falou assim: “Isso é arquitetura? Isso parece aqueles túmulos do cemitério da Consolação.” É tão arraigado o gosto modernista, a estética modernista, nesta geração – estou falando da geração que tem quinze ou vinte anos mais do que eu -, que qualquer coisa que fugisse dele era detestável. Me lembro de uma reação semelhante de um amigo meu, quando lhe mostrei um livro sobre o Norman Rockwell: “Mas isto? Isto é uma porcaria!” Tudo porque era figurativo, naturalista… Se o maior ilustrador americano é uma porcaria, sei lá o que é que é bom, amo o Rockwell!

Aliás, das bobagens que são ditas sobre o Pós-Modernismo, a que mais me irrita é: “Ah! É um Ecletismo…“, isto dito em tom de desprezo. O Ecletismo é uma arquitetura riquíssima, um dos momentos mais fecundos em toda a história da arquitetura: é fascinante quando se começa a entender a sutileza das diversas tendências neo-góticas inglesas ou a variedade dos classicismos! É um mundo complexo e sutil: tem várias tendências, correntes, e além do mais o produto final é maravilhoso; os melhores exemplos de qualidade construtiva, de inventividade construtiva, vamos encontrar justamente na arquitetura eclética.

Voltando ao historicismo pós-moderno, em primeiro lugar, ele tem seus contextos próprios. Se você considerar, por exemplo, um [Carlo] Scarpa. Ele é chiquetésimo e sabe como fazer a sua interpretação historicista. Ele está num contexto italiano, e ser historicista na Itália é absolutamente óbvio: por onde você olhar, você está com a história no seu nariz. O nosso caso, de país de passado colonial, de rejeição das raízes portuguesas – não no século XX, mas no século XIX -, tudo em nossa interpretação de nosso passado faz com que uma vertente historicista fique muito difícil de digerir. Mas para um inglês, que nunca teve que brigar com seu passado, para um americano que tem um futuro imperial, para um italiano que nunca saiu dessa tradição, não é tão esdrúxulo quanto ela pode parecer para nós.

Todo o mundo achou normal que, para fazer arquitetura brasileira, tenhamos importado um modelo corbusiano, fazendo simultaneamente um discurso nacionalista, como se não houvesse contradição alguma. O nacionalismo conseguiu ser blended, se misturar de um modo completamente esdrúxulo com a importação de um estilo internacional, que de fato era europeu. Tal nonchalance ideológica não seria aceita na Catalunha: lá o discurso nacionalista vai dar um Gaudí, um Berenguer. Vai dar não só Gaudí, um ou outro arquiteto, vai dar toda uma escola preocupada em recuperar tradições construtivas catalãs. Tradições tão efetivas que foram exportadas até para Nova York. Dê uma olhada no primeiro subsolo da Grand Station, lá onde fica o Oyster Bar, ou na cúpula de St. John the Divine, e você verá abóbadas de ladrilho típicas da Catalunha.

Para nós não vai dar – a não ser nos melhores momentos do Lucio Costa, quando temos um certo gênero de nativismo. Por sinal, tem uma vertente nativista na arquitetura brasileira muito mal-estudada – e quando estudada é torta porque os estudos são ruins. Você percebe esta tensão na década de quarenta: “Eu sou nacionalista e como é que estou importando modelito?” Veja o próprio Oswald de Andrade; veja o texto brilhante do Mário de Andrade, de 1944 [22], onde ele arrebenta fazendo a crítica da Semana de 22: resumidamente, estávamos nós ignorando o Brasil e querendo ser europeus!

Eu, pessoalmente, acho muito esdrúxulo o historicismo que já não é historicismo. Michael Graves vai lá e faz um historicismo em cima da tradição arquitetônica americana. Aí aquilo vira um cacoete, e aí tout le monde – inclusive os pós-modernos brasileiros – repetem o cacoete do Michael Graves. Ele usou aqueles elementos históricos, absolutamente amarrados naquela situação. De repente passa a ser uma solução tipo templo grego – o que chamo o “efeito templo grego“. No Brasil, particularmente em Belo Horizonte, encontra-se Graves pra lá e pra cá. Mas aí já não é mais historicismo, é o pastiche de um arquiteto que fez uma obra historicista. Então tem nuances aí das mais variadas. Acho triste que aqui não tenhamos partido para uma certa tradição historicista em termos de arquitetura brasileira, que seria bastante fecunda. O Neocolonial brasileiro tem momentos maravilhosos, tem uma arquitetura incrível. Tanto aquele mais chão, mas basicamente construtivo a la Lúcio Costa, quanto um Ernesto Becker, um Ferrucio Pinotti. Enfim: estes caras dominavam a linguagem que estavam usando, lá na década de vinte iam a Ouro Preto para ver arquitetura – e olha que não era uma viagenzinha fácil, até a esquina. Conheciam arquitetura colonial muito bem, e faziam aquela arquitetura meio pastiche, bem mais legítima. Ou então, num extremo mais sofisticado, o  [Victor] Dubugras, cujo Neocolonial é uma reinterpretação, uma reinvenção do colonial. Ainda que não devamos esquecer que livros eram publicados com motivos coloniais, do Ranzini, do Amadeu de Barros Saraiva, do Watsh Rodrigues, pra quem quisesse fazer colonial sem ter que ir atrás do original…

E pra nós o Pós-Modernismo poderia ter trazido este gênero de liberação, que é uma das questões que coloco no meu texto e que é central, sem dúvida, na década de setenta. A opção pós-modernista foi um “Ufa! Que bom, chega dessa chatice de Modernismo!“, o que é mais ou menos a mesma coisa que o “Less is a bore“, do Venturi. Saiu-se daquelas cadeias, daquelas amarras do Modernismo, e se deu espaço para, por exemplo, uma brincadeira como a Praça Itália, do [Charles] Moore. E deu lugar para uma coisa horrorosa como o prédio da AT&T, do Philip Johnson – era horroroso no desenho e ao vivo e a cores é pior; é um desastre, Nova York não merece aquilo, Nova York tem arranha-céus belíssimos. Então um espaço para um historicismo criativo, no Brasil isto definitivamente não aconteceu. Tem um exemplo aqui e acolá, como o Elvin Dubugras em Brasília, o Éolo Maia, o Podestá, o Gustavo [Penna] em Belô, mas não seriam os únicos, tem outros.

Outra coisa, no caso também do historicismo. Quando falo em historicismo, não estou pensando só necessariamente em Classicismo. Por exemplo: toda a tradição Art-Déco. É uma arquitetura maravilhosa, é uma arquitetura – para usar o termo elegante – tectônica. Se, como eu, você é chegado numa construção, numa qualidade construtiva, numa qualidade de detalhamento, nada bate o Art-Déco. O Art-Déco é deslumbrante: vá para Paris, vá para Nova York, para Londres ou Los Angeles, mesmo o Rio de Janeiro, é granito, é mármore, é bronze, é todo tipo de esmaltes, de ladrilhos, só materiais preciosos – não Miami, lá tudo é feito no estuque. Um Chrysler arrasa: sabe lá o que é um prédio revestido de aço inox na década de vinte? Toda esta qualidade construtiva do Art-Déco foi esquecida. E, no entanto, poderia inspirar uma produção arquitetônica contemporânea muito rica. Quando aparece entre nós, é o pastiche do pastiche. O Michael Graves faz um arco assim, assim, você vai a São Paulo e encontra a mesma coisa. Aí é o amaneirado. Assim como há um moderno amaneirado, há também um pós-moderno amaneirado…

E as características que não necessariamente se aplicam a historicismo, as características atemporais presentes na arquitetura de Pei, ou mesmo de Oscar Niemeyer em Brasília? Questões de simetria, ritmo, axialidade, características psicofísicas… Estas coisas começaram a ser recodificadas, depois da Arquitetura Moderna, a partir desse pessoal dos anos setenta, oitenta, Charles Moore [23] etc. A pergunta é: você acha que tal arquitetura realmente é atemporal?

Não. Como historiadora, não posso achar nada atemporal. Acho muito difícil conceituar esta categoria, apesar de usá-la no artigo – mas uso ironicamente, aliás aquele artigo tá cheio de ironia, de gozação mesmo… Mas o “atemporal“, “o homem“, “o ser humano e sua alma imaterial e eterna“… Tal atemporalidade é difícil de entender. É uma metafísica que não faz a minha cabeça. O que ocorreu é que com o Pós-Modernismo determinados recursos de composição arquitetônica voltaram. Recursos de composição arquitetônica que não tinham sido abandonados, mas tinham sido disfarçados. O Sr. Le Corbusier fala em traçados reguladores [24], mas não se dá ao trabalho de informar seus leitores de que se trata de um recurso acadêmico par excellence, como diria um francês…

O emprego dos traçados reguladores é uma disciplina acadêmica por excelência – a expressão tracé regulateur faz parte do jargão acadêmico. Com o Pós-Modernismo, todos aqueles esquecidos exercícios de composição are out-of-the-closet. Os arquitetos modernos usavam aqueles truques todos de composição, os tais traçados reguladores, mas não assumiam. Com o Pós-Modernismo, it´s out-of-the-closet. Se você olhar, por exemplo, para a arquitetura do Paulo Mendes da Rocha com este viés, vai ver a permanência da formação acadêmica que ele recebeu. Na década de cinqüenta o Mackenzie é acadêmico. Mais acadêmico que o Mackenzie então só Paris, onde o academismo só é definitivamente revogado em maio de 1968. Um dos motores do movimento estudantil francês foi a Escola de Arquitetura que estava pelas tampas de ensino acadêmico. Os estudantes queriam Arquitetura Moderna – igualzinho ao que aconteceu no Rio na década de vinte, imagine só! -, porém o ensino era acadêmico. Eles faziam Arquitetura Moderna porém dentro das regras de composição acadêmica. E no Mackenzie, tal situação perdura até 1956, 1957; lá esse ensino continuava em vigor.

Mas de repente está todo o mundo out-of-the-closet, assumidamente compondo na regra acadêmica. Sobre isto eu escrevi bastante, mas faz mais de vinte anos… Tem o Ensino, documentação e pesquisa [25]. Tem O ensino da construção no domínio da arquitetura [26], onde inverto a questão. Todo o mundo pensa que a engenharia manda e os arquitetos correm atrás. Não: existe uma situação oposta em que as regras da arquitetura ditam a direção das decisões construtivas. Está aí o uso do concreto, estas bobagens todas que se faz de concreto. É a arquitetura mandando, porque o bom senso não faria aquilo de concreto. Tanta coisa em que uma alvenaria cairia tão melhor…

Bom, mas não entendo de crença ou descrença, de temporalidades e atemporalidades, porque isso é muito subjetivo. O que sei, claramente, é que os truques de composição são imbatíveis. Vale a pena ler o livro do [Alfonso] Corona – Ensaio sobre o projeto [27]. A discussão do Corona serve bem para responder à questão tipológica. Segundo ele, teríamos dois caminhos para o projeto arquitetônico: ou a composição – acadêmica – ou a tipologia – também acadêmica. Não adianta: ensino de projeto é sempre a mesma coisa. Muda o vocabulário, muda se é no nanquim ou se é no computador etc., mas ou se projeta com base na composição de elementos ou com motivos do uso – que seria o caminho tipológico. Não tem muito mais do que isso: muda o estilo, muda a linguagem, muda a função, muda o uso, mas os procedimentos para projetar não têm muita variação, não dá pra ir muito além disso. E, hoje, com o computador, talvez o projeto não seja mais feito nem tipologicamente, nem compositivamente.

Para além das discussões baseadas no significado e no entendimento da arquitetura como linguagem, você vê algum indício de complexidade e contradição na arquitetura contemporânea? Quais são os exemplos?

Entender a arquitetura como linguagem é um instrumento didático extremamente útil, que uso muito em sala de aula, o que não quer dizer que devamos reduzir a arquitetura a ela. Uma leiturinha tipo Linguagem clássica da arquitetura, do Summerson [28], é excelente. Pelo menos quando li pela primeira vez, foi emocionante, ele fez a minha cabeça. Foi ótimo, foi útil, foi maravilhoso, agora nem o Summerson se reduz àquele livro, nem a arquitetura se reduz à linguagem. Aliás, o Summerson é o primeiro a saber disso, porque se tem um ensaísta de arquitetura brilhante é ele – todo o mundo lê o Linguagem clássica e não lê o resto.

Então é um dos instrumentos de análise, de compreensão. Não resolve tudo, assim como não se resolve tudo com matemática, não se resolve tudo recorrendo à linguagem. Agora, é bom para um crítico de arquitetura, para um arquiteto, ter domínio sobre este vocabulário, trabalhar com esta ferramenta. Se a gente espera que um poeta tenha domínio das palavras, nós temos que ter um certo domínio de nossos elementos de arquitetura e de composição.

Quanto a este negócio de complexidade e contradição, é uma expressão do Venturi, não é uma preocupação minha. Vejo complexidade e contradição em qualquer coisa. O mundo está cheio de complexidades e contradições, as pessoas são complexas e contraditórias… Um microorganismo é complexo pra caramba!! Esta pergunta eu não sei responder, não. Os exemplos seriam infinitos, estão em toda parte!

É possível falar de uma revalidação crítica atual dos princípios modernos ou o que vemos hoje é apenas mais uma vertente estetizante esotérica pós-moderna? É possível ainda hoje se falar em proposta de uma nova ordem social através de arquitetura?

Não e não.

Consideremos o período áureo do movimento moderno – o europeu é a década de vinte, ou melhor a longa década de vinte, de 1918 a 1933. Maravilha, aquela arquitetura é tão interessante. Vou ao cinema e vejo um filme da década de vinte, é fantástico, de tanta qualidade quanto a arquitetura daquele período. So what? Acho que os arquitetos têm o hábito de isolar a arquitetura do resto. Eles pensam que, quando estão produzindo arquitetura, a estética arquitetônica é autônoma do que está acontecendo no cinema, nas artes plásticas, nas artes gráficas, no teatro, na cenografia, até na música, onde você quiser. Fica parecendo que a arquitetura tem uma lógica própria e o resto do mundo desaparece.

A moda, por exemplo, a moda é criativa. A coleção de inverno que sai de Paris… É belíssima. Hoje, tudo na moda é precioso, bordados, brilhos, dourados, tecidos metalizados… Porque é que a arquitetura não pode acompanhar isto? Se há certas tendências que estão pegando no gosto, a arquitetura é igual. A atemporalidade da arquitetura é de outra ordem. A atemporalidade da arquitetura – e aí ela se difere do resto e o termo atemporal é interessante – é que um prédio fica, o objeto arquitetônico tem uma permanência muito grande. Comprei um objeto de uso e não gostei, compro outro. Vi um mais bonito, compro o mais bonito e deixo de escanteio o outro. Quando falamos de arquitetura, não estamos falando de um objeto tão facilmente descartável, porque o custo do descarte é muito alto. Ninguém sai descartando arquitetura por moda. Você descarta uma roupa por moda, você descarta um sapato, uma bolsa, até um eletrodoméstico, mas não um prédio.

Estou pensando na questão do vínculo da arquitetura com o momento da sua concepção. Esse vínculo com o momento da sua concepção, no caso da arquitetura é diferente do que acontece em outros campos. Por que no caso de uma roupa, é muito amarrado. Vejo um vestido da década de vinte e vejo um retrô década de vinte, sei qual é o da década de vinte, sei qual é o da década de noventa. Vejo um móvel dos anos cinqüenta e vejo um fake estilo Memphis, sei qual é o dos anos cinqüenta e qual é o fake. No caso da arquitetura, ela tem uma permanência muito grande, você não sai demolindo as coisas… Então, toda a lógica, em termos estéticos, estilísticos, que presidiu a concepção daquele prédio pode estar totalmente superada, e o prédio continua em excelente estado de conservação e sendo muito bem utilizado.

Costumo colocar um paradoxo para os meus alunos: qual a cidade mais moderna – moderna no sentido amplo, contemporânea, equipada de forma atualizada – Paris ou Brasília? Paris tem formação romana, Brasília comemora o seu aniversariozinho de nascimento de quarenta e tantos anos.  Mas qual é mais moderna? Paris. Sistema viário, transporte de massa, redes de fibra ótica… Você entra num prédio antigo: o Louvre. Ele é antigo por fora, mas está equipadíssimo com o que há de mais moderno em termos de prevenção de incêndio, de controle ambiental, de luz, de temperatura, de umidade, ele é avançadíssimo, é sofisticadíssimo tecnologicamente. Não é preciso demolir o Louvre e substituí-lo por um prédio contemporâneo para se ter o que há de mais avançado.

Está aí uma coisa que acho que os arquitetos não aproveitam como poderiam: tem o retrofit, tem o refacing… Não é preciso demolir um prédio: pode-se dar um upgrade em um prédio antiquérrimo, e ele continua sendo ótimo para ser museu. E, talvez, se você construir um prédio novinho em folha para ser museu, ele não seja nem tão bom espacialmente para museu, como não vai ser tão bom dar um upgrade nele no futuro. É muito difícil dar upgrade numa arquitetura moderna. Numa arquitetura antiga, convencional, é muito fácil. Pegue novamente Paris, ou qualquer cidade européia: não tinha encanamento e não tinha luz elétrica. Estão lá prédios velhíssimos de antes da água encanada, de antes da luz elétrica, que têm luz elétrica, água encanada, banheiro, elevador… Então não é uma boa demolir um prédio. Neste ponto, eu sou xiita como é a turma da ecologia quando se bole com as suas árvores e gralhas azuis…

As grandes demolições urbanas – o chamado urban renewal – tinham uma outra motivação. Acaba que você tem um prédio que vai permanecer, enquanto que o vestido não, porque não vou usar um vestido fora de moda ou porque o tecido puiu, lavou demais, desbotou, então será deixado de lado. O vínculo é diferente: esta é uma especificidade, no meu entender, da arquitetura, que faz com que tais questões do atemporal possam ser pensadas por aí.

Os princípios modernos estão aí. Você introduz coisas no mundo e elas ficam. Vai ter sempre alguém fazendo Modernismo. Alguém pode fazer Historicismo, Art-Déco ou não-sei-o-quê. Porque alguém não pode continuar fazendo Modernismo? Tem que entender que, no caso brasileiro, é mais simples, mais barato e mais eficiente fazer moderno. Os projetistas, os construtores e a mão-de-obra estão absolutamente treinados para fazer moderno, estão familiarizados com ele, então é muito eficiente. Estruturinha de concreto, laje de concreto e vedações de alvenaria: este é o sistema construtivo vernacular hoje no Brasil. A arquitetura vernácula brasileira é concreto e alvenaria. Pega uma foto de favela do Rio de Janeiro que você vai ver estrutura de concreto e alvenaria. Como ninguém na favela gasta dinheiro rebocando o exterior, você vê direitinho como foi feita a construção. É o sistema vernáculo. Qualquer mestre-de-obras sabe fazer uma laje, um pilar. Qualquer peão sabe levantar uma parede de alvenaria. Então, no caso brasileiro, tudo indica que esse moderno vai continuar por muito tempo. Não tem porquê ele ir embora. Nós temos que pensar arquitetura como uma coisa um pouquinho além desses projetinhos dos arquitetinhos.  Eu penso arquitetura como todo este universo construído, estes objetos grandes, imensos, que dá pra entrar dentro. A arquitetura é um objeto grande em que dá pra entrar dentro – uma definição simples e eficiente; não é a única, mas é útil de vez em quando.

Então não precisa nem de revalidação, no caso brasileiro. No meu entender a permanência está garantida, por um lado pelo prestígio permanente dos arquitetos de orientação moderna e, por outro, porque é o que se faz em toda esquina. A não ser que você seja muito rico e faça toda a sua casa de madeira, ou comece a meter umas estruturas metálicas. Mas o cotidiano funciona fora disso.

Isso qualificou o primeiro não. O segundo não, agora: nunca foi possível criar uma nova ordem pela arquitetura. Os arquitetos falavam, mas não quer dizer que era possível. É um discurso self-congratulating. É uma coisa que faz bem para o ego do indivíduo que fala: “Oh, a minha arquitetura é uma contribuição para a melhoria social…” Faz um bem pra consciência culpada… Mas realmente acho que nunca foi possível fazer isto. Aí é fundamental ler o Arquitetura nova, do Sérgio Ferro [29]. Então, para mim é uma bobagem:  por que um nova ordem social através da arquitetura, e não uma nova ordem social através da ginástica, ou uma nova ordem social através da agricultura, ou uma nova ordem social através da odontologia?

Eu faço esta pergunta porque existe uma corrente muito forte atualmente que procura trazer à tona, no Brasil, o pensamento situacionista. E uma das coisas que eles apregoam é que faz sentido voltar à idéia de objeto menos impositivo do ponto de vista do desenho, e aí eles se apropriam do pensamento de Sérgio Ferro também.

Gosto muito desta idéia: se você está fazendo uma arquitetura cívica em que o cara está gastando dinheiro para mostrar que é poderoso, ele não está querendo uma nova ordem social. Se eu quiser trabalhar com a Maria do Barro fazendo tijolo de solo-cimento e acho que estou contribuindo para o avanço social, tudo bem: isso existe. Mas fazer um discurso da arquitetura como motor de uma mudança social é jogo duro.

Se você quer contribuir para uma sociedade mais justa e cria uma instituição que dê abrigo a crianças abandonadas, isto é algo laudatório e que de fato contribui para a melhoria da vida de um montão de gente e tem todo o meu apoio. Agora, achar que fazer arquitetura cria uma nova ordem social é megalômano. O comunismo acabou e ficou todo o mundo órfão? Está órfão? Vai ser ambientalista então. Acho que isso é de uma megalomania…, é stalinista.

Por outro lado, se compreendi bem a questão, o teu situacionismo tem a ver com o local? Neste caso, é a tal questão do ajuste ao entorno? Bem, nisto os pós-modernos são imbatíveis. Ainda que a preocupação com o entorno, a qual não é uma má idéia, nem todo arquiteto tem que seguir. Um pouco naquela linha: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Alguns arquitetos podem, o exemplo óbvio é o Niemeyer, que pode construir o que quiser até em área tombada. Já outros, obedecem, ou seja, se não respeitarem o entorno vão ser duramente criticados…

Ou ainda, o teu situacionismo se refere a uma arquitetura mais friendly em relação a quem constrói ou a quem vai usar? Novamente, é uma idéia que me agrada. Afinal, na hora de projetar um pouco de atenção aos recursos técnicos locais – ao chamado substrato técnico, para usarmos uma expressão mais precisa – é no mínimo de bom senso, além de ser respeitoso. Já os usuários, então, coitados deles. Apesar do lip service que os arquitetos costumam prestar aos anseios dos clientes ou usuários, na vida real isto não costuma se revelar no produto final. Tanto prédio mal dimensionado, tão pouca atenção à acessibilidade. Em Brasília, a situação é calamitosa!! Escadinha por todo lado, dê uma voltinha de cadeira de rodas e você verá como o tal “usuário” sofre!

Em que medida uma arquitetura de inspiração moderna está sendo capaz de incorporar as experiências e superar os desacertos do período crítico pós-moderno?

Não acho que há desacerto no período crítico pós-moderno. Acho que o período crítico pós-moderno foi um show. Nossa, foi uma festa de arquitetura!

Vamos pegar o pequeno período que eu compacto aí: dez, quinze anos de Pós-Modernismo. É como o Art-Nouveau: o Art-Nouveau durou dez, quinze anos, não mais. Tem coisa mais bonita que a arquitetura Art-nouveau? Durou isto: de 1890 a 1905, estourando. Deu show de bola. E o Pós-Modernismo stricto sensu, de que eu estava tratando aqui, deu um show também! Era uma alegria ver aquela arquitetura depois de termos passado cinqüenta anos na mamadeira modernista, engolindo concreto… Concreto aparente, ainda por cima, que arranha, esfola. Blindex e concreto aparente. De repente vem aquela alegria: cor, massa, ornamento, uma festa para os olhos!

Quer ver um exemplo? Todos nós, arquitetos, vamos concordar que o Brasília Shopping é horroroso. As pessoas de Brasília adoram; pergunte na rua e elas respondem: “É um prédio que você reconhece, que é diferente…” Então é uma qualidade para elas. Não é para o meu olhar de arquiteto, acho ele muito feio, mas posso entender a curtição delas. E para mim o Pós-Moderno foi uma curtição. Veja aquela arquitetura pop do Site, aquele historicismo do [Thomas Gordon] Smith, o próprio Michael Graves…  Depois daquela chatice minimalista…

Sabe o que é sentar numa cadeira Wassily, ter que se agüentar numa Barcelona? Eu não dou conta… E o pior é que os arquitetos insistem nelas. A última coisa que quero é sentar numa cadeira Wassily. De repente vem aquela festa, e agora podemos sentar em uma cadeira Luís XV, Chippendale…, sem cometer nenhum crime estético. Uma delícia! No que você prefere se sentar? Numa fauteuil de estilo, ou numa cadeira Wassily, do Breuer? Onde você quer assistir seu DVD: numa fauteuil confortável ou naquela coisa de couro frio em que você fica com dor nas costas? O less is more é um desconforto! Como tenho um lado vitoriano e gosto de um excesso, aquilo me entedia.

Tem mais um motivo porque eu gosto muito dos pós-modernos. Têm uns arquitetos, digamos assim, de linha modernista, extremamente requintados. Por exemplo o Isay [Weinfeld], que faz um Modernismo chic. E que depois é completado com tapetes persas, móveis maravilhosos, pinturas maravilhosas, é lógico que fica um ambiente belíssimo. São coisas extremamente requintadas. Agora, esse Modernismo rampeiro, cansado, fatigado, de concretinho e blindex, não agüenta nada. Ele já me irritava na década de sessenta, eu estava no escritório onde se projetava isto fácil. E olhava para aquelas casas do Artigas e pensava, “Aqui eu não moro!” Imagine hoje… Pelo contrário: o Pós-Modernismo foi uma liberação!

Como você vê, na arquitetura contemporânea, a autonomia da imagem e dos processos formais em relação ao conteúdo programático. É possível pensar na forma pura sem ser excludente?

Chega a cansar. Autonomia hasta cierto punto, please. Esta coisa da imagem, tipo Bilbao, em que a imagem do prédio é que interessa, e que todo o mundo sabe que está em Bilbao…

Arquitetura para mim é um prédio legal, bem construído, que funciona direitinho, em que os banheiros têm o tamanho certo, as escadas tem seus degraus com a altura certa, que tenha uma qualidade construtiva que não me obrigue a ficar o resto da vida em cima da manutenção, que não fique descascando, ou pulando os azulejos… E, evidentemente, o critério primeiro é que não caia. Meus padrões de qualidade arquitetônica são simples, primários e primitivos.

A autonomia da imagem é um pouco aquele discurso do Oscar Niemeyer: “Minha arquitetura quer causar surpresa“. Isso aí desgasta rápido. No seu caso, você trabalha no Congresso e entra diariamente no Congresso. Você fica surpreso toda a vez que olha o Congresso? Não, né? Sem dúvida que, quando a gente gosta de alguma coisa é sempre um prazer revê-la, mas ela não está te causando surpresa.

Aquilo que estava falando sobre moda e arquitetura, aquele problema do atemporal em arquitetura, pega justamente na raiz desta questão da surpresa, em que discordo do Niemeyer. Porque a arquitetura tem uma tendência à permanência, a ficar, ao contrário de outras coisas. Posso mudar de carro, mas não mudo a garagem, nem pinto a garagem porque troquei de carro. Você pensar a arquitetura como surpresa é muito pobre, muito pouco, porque ela vai te surpreender uma vez, duas vezes. Toda vez em que passo em frente ao Itamaraty, eu penso: “Que belo prédio, que belas proporções.” Mas não estou surpresa. Assim como toda vez em que passo em frente à Notre-Dame, fico encantada, ou quando vejo outras obras de arquitetura que me agradam. E eu as conheço depois de décadas, e o mundo conhece algumas delas depois de séculos ou milênios. Entre parentes, as pirâmides não me emocionaram, nada mais dejà vu, já os templos de Luxor são impressionantes, a tectônica…, um luxo, para fazer uma aliteração.

Quer dizer: usar o surpreendente como valor arquitetônico, para mim é tiro no pé. Por quanto tempo ainda Bilbao vai surpreender? Então essa autonomia, eu não sei a que ela vem. Sempre há uma certa autonomia da imagem em relação ao uso. Mas o que você quer dizer com forma pura sem ser excludente?

O Venturi fala de algumas casas de um Philip Johnson que, talvez por serem muito simplistas, não estimulam as pessoas ao serem excludentes. Elas excluem a possibilidade do imponderável, do imprevisto, de coisas que fazem parte da vida humana. Ele justifica a preferência dele pela complexidade porque a complexidade é do isto e aquilo, é da inclusão…

…no sentido dele, ela é mais democrática. Tem um outro aspecto. O Venturi não estava fazendo uma crítica política, mas nós podemos fazer por nossa conta, né? O Modernismo, na verdade, requer uma apreciação modernista. Uma apreciação less is more é extremamente sofisticada: less is more, quanto menos ornamento melhor…. Se sou emergente, quero muito ornamento para mostrar que tenho grana! Só para quem tem muita grana, e não precisa mostrar que tem toda essa grana, que uma estética less is more é aceitável.

Mas você acha que a fachada toda de vidro de Lake Shore Drive, por exemplo, não é uma forma de ostentação também? E é moderno… É tudo de aço inox…

Isso eu aprendi com o Artigas, foi uma lição que o Artigas me deu uma vez e eu interiorizei. O metro quadrado do vidro é muito caro. Na década de quarenta então, um pano-de-vidro indicava riqueza. Você conhece as duas casas do Artigas iguais: a Bittencourt e a dele, as duas casinhas com cobertura em V. Perguntei: “Poxa, Artigas, porque a sua casa você fez toda de vidro e a outra você fez em alvenaria?” E ele: “Porque o proprietário não quis, era muito caro.” Uma resposta simples, evidente, corretíssima. Ele estava fazendo a casa dele, era arquiteto, e provavelmente se endividou todo para botar bastante vidro, pagou um preço alto por sua opção estética. Então é lógico, você tem razão, naquele momento era uma demonstração de poderio até: aço e vidro.

Por outro lado, há um componente low profile que é esnobe. É um pouco como o lorde inglês que não usa sapato novo. Compra um sapato e dá para o mordomo usar; e depois que o mordomo envelheceu um pouco o sapato, aí ele usa, por que usar sapato novo é coisa de novo-rico. Então o less is more tem um tal componente esnobe, ele é excludente no gosto. Se você pegar um prato com desenhinhos e o mesmo prato sem desenhinho nenhum, o arquiteto provavelmente escolhe o sem desenhinho, mas 99% das donas-de-casa vai escolher aquele com desenhinho. Este ornamento é agradável, é pleasing, ele agrada aos olhos, é simpático para qualquer um. A estética modernista tem um componente elitista muito grande.

E isso é inexorável? Não é possível tentar a forma pura sem ser excludente?

Não… Nada é inexorável… A la Venturi: não é isto ou aquilo, é isto e aquilo e mais quinhentas outras coisas que você quiser gostar. Neste ponto concordo com o Venturi: não é sim ou não, branco ou preto. É branco, preto, amarelo, colorido, com o tanto de cor nova que hoje existe com a tecnologia. Você não precisa ficar no inexorável.

notas

1.  Sylvia FICHER, Anotações sobre o Pós-Modernismo, Projeto, n. 74, pp. 35-42, abr. 1985. Publicamos novamente o texto na versão eletrônica deste número de nossa revista, que pode ser lido em //www.28ers.com.
2.  Tom  WOLFE, From Bauhaus to our house (New York: Farrar Straus Giroux, 1981).
3.  Sylvia FICHER e Marlene Milan ACAYABA, Arquitetura moderna brasileira  (São Paulo: Projeto, 1982).
4.  Sylvia FICHER e Geraldo Nogueira BATISTA, Guiarquitetura Brasília (São Paulo: Empresa das Artes, 2000).
5.  Cf. Sylvia FICHER, Os arquitetos da Poli (São Paulo: EDUSP, 2005). Trabalhos recentes sobre o arquiteto: Maria Beatriz Portugal ALBUQUERQUE, Luz, ar e sol na São Paulo moderna: Alexandre Albuquerque e a insolação em São Paulo (São Paulo: Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2006), e João Carlos GRAZIOSI, A trajetória profissional do engenheiro arquiteto Alexandre Albuquerque, 1905-1910 (São Paulo: Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2001).
6.  Germain BAZIN. A arquitetura religiosa barroca no Brasil (Rio de Janeiro: Record, 1983. 2 v). Edição original: 1958.
7.  Jorge CZAJKOWSKI (org.), Guia da arquitetura colonial, neoclássica e romântica no Rio de Janeiro. (Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2000).
8.  AMARAL, Aracy Abreu (org.). Arquitetura neocolonial: America Latina, Caribe, Estados Unidos (São Paulo: Memorial, 1994).
9.  A exposição Brazil Builds, com a curadoria de Philip Goodwin, foi realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1943. Seu catálogo foi um importante meio de difusão da arquitetura brasileira no exterior. Cf.  Philip L. GOODWIN, Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942 (New York: Museum of Modern Art, 1943).
10.  Anatole KOPP, Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa (São Paulo: Nobel e Edusp, 1990). Edição original: 1988.
11.  Sylvia FICHER, Ensino, documentação e pesquisa, Projeto, n. 114, pp. 135-40, set. 1988.
12.  Cf. Nikolaus PEVSNER, Pioneiros do desenho moderno (Lisboa: Ulisseia, 1962). Edição original: 1936.
13.  Cf. Abílio GUERRA (org.), Eduardo de Almeida: arquiteto brasileiro contemporâneo (São Paulo: Romano Guerra, 2006).
14.  Arnold HAUSER, Mannerism: the crisis of the Renaissance and the origin of modern art  (London: Routledge & Paul, 1965, 2 v.).
15.  FICHER e ACAYABA, op. cit.
16.  Os textos de Sérgio Ferro foram recentemente republicados na coletânea Arquitetura e trabalho livre  (São Paulo: CosacNaify, 2006).
17.  Cf. Henry Russell HITCHCOCK e Philip JOHNSON, The International Style  (New York: Museum of Modern Art, 1932).
18.  Alfonso Corona MARTINEZ, Ensaio sobre o projeto  (Brasília: EDUnB, 2000). Edição original: 1990.
19.  O Cemitério de San Cataldo, em Modena, Itália, de 1972.
20.  Cf. Le Corbusier and the monumentalization of the vernacular 1930-60. In Kenneth FRAMPTON, Modern Architecture: a critical history (New York and Toronto: Oxford University Press, 1981), pp. 224-230.
21.  O Teatro del Mondo, em Veneza, de 1979, projeto temporário para a Bienal de Veneza.
22.  Cf. O movimento modernista. [1943] In Mario de ANDRADE, Aspectos da literatura brasileira  (São Paulo: Livraria Martins, s/d), pp. 231-55.
23.  Cf. Kent BLOOMER e Charles MOORE, Body, memory and architecture  (New Haven: Yale, 1978).
24.  Cf. LE CORBUSIER, Vers une architecture (Paris: Crès, 1923).
25.  Sylvia FICHER, Ensino, documentação e pesquisa, Projeto, n. 114, pp. 135-40, set. 1988.
26.  Sylvia FICHER, O ensino da construção no domínio da arquitetura, Projeto, n. 112, pp. 129-30, jul. 1988.
27. MARTINEZ, op. cit.
28.  John SUMMERSON, A linguagem clássica da arquitetura  (São Paulo: Martins Fontes, 1982). Edição original: 1963.
29.  Cf. FERRO, op.cit., pp. 47-58.

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