Espa莽o P煤blico – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Mon, 29 Apr 2024 14:17:23 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Espa莽o P煤blico – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Espa莽o P煤blico – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2024/02/09/transborda/ //28ers.com/2024/02/09/transborda/#respond Fri, 09 Feb 2024 13:44:27 +0000 //28ers.com/?p=15497 Continue lendo ]]> Por Estúdio Chão
8 minutos

Projeto TransBorda! (texto fornecido pelos autores)

E se os lugares não tivessem muros?
E se nossa casa ficasse sempre aberta?
E se nossa cidade fosse feita apenas de espaços abertos, desimpedidos, irrestritos, interligados?
E se a gente não aceitasse a ideia de que, para convivermos, seria preciso nos prendermos atrás de muros e evitarmos o perigo que acreditamos morar lá fora, a assustadora ameaça do outro?

Fotografia: Renato Mangolin

As violências cotidianas formam a face mais dura da vida na cidade. Para se proteger, a gente demanda muros que cristalizam “nossos medos mais profundos”, como diz o arquiteto paulista Angelo Bucci. Essa construção coletiva do medo invade todos os lugares e assume as mais diversas formas, das mais etéreas às mais sólidas, das mais cristalinas às mais opacas.

Fotografia: Renato Mangolin

À criança, a imaginação permite enxergar no muro algo além da sua condição de divisão. Permite enxergá-lo como algo a ser atravessado, algo atrás do qual mora o desconhecido, a surpresa, um novo lugar a descobrir. A imaginação tem o poder de desafiar a realidade.

Fotografias: Renato Mangolin

Convidados pelo MAR (Museu de Arte do Rio) a criar uma arena para a programação pública de rodas, debates e performances durante o período da exposição “Quem não luta tá morto! Arte, Democracia e Utopia? nós nos propusemos a provocar os próprios limites do museu com o espaço público. Imaginamos um conjunto de arquibancadas e plataformas que transformasse o ato de ocupar os pilotis do MAR num gesto de atravessamento de muros e ativação do espaço público.

Fotografia: Daniela Paoliello

TransBorda age como um dispositivo poético para provocar a realidade e fazer um chamado à imaginação, pondo corpos de todas as formas e idades em movimento sobre pés e mãos para atravessar o muro de vidro do pilotis do Museu de Arte do Rio. À semelhança de coisas como escorrega, pula-pula e trepa-trepa, TransBorda é verbo conjugado na ação do presente tanto quanto no imperativo, uma convocação à ação: transborda! Levanta pontes e desfaz, mesmo que por um momento, os muros de vidro que aprendemos a aceitar.

Enquanto lutamos para derrubá-los, talvez só mesmo a leveza da imaginação das crianças nos permita suspender a gravidade dos muros que conformam nossa realidade.

Diagramas e uso e da proposta

A instalação funcionou entre setembro de 2018 e maio de 2019, e tornou-se uma atração amplamente apropriada pelas crianças do bairro e visitantes, sendo uma importante iniciativa dentro de um reposicionamento estratégico do museu na comunidade e na cidade, empreendido por sua nova direção, e que tem resultado em significativa ampliação de público. Acreditamos que projetos como esse, em que pesam a efemeridade provocativa da intervenção, a atenção ao espaço público como gesto artístico e o protagonismo dos encontros humanos sobre a forma arquitetônica per se, ajudam a ampliar o campo de pesquisa da arquitetura para além dos seus limites usuais.

Fotografias: Renato Mangolin


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Antonio Pedro Coutinho (Doca)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

Doca – A instalação funcionou entre setembro de 2018 e maio de 2019, e tornou-se uma atração amplamente apropriada pelas crianças do bairro e visitantes, sendo uma importante iniciativa dentro de reposicionamento estratégico do museu na comunidade e na cidade, empreendido pela sua nova direção, o que resultou numa expressiva ampliação de público. Acreditamos que projetos como esse, em que pesam a efemeridade provocativa da intervenção, a atenção ao espaço público como gesto artístico e o protagonismo dos encontros sobre a forma arquitetônica per se, ajudam a ampliar o campo de pesquisa da arquitetura para além dos seus limites usuais. Este campo de ação e fricção na fronteira entre a rua e o equipamento cultural passou a ser, para nós, um objeto importante de pesquisa, justamente por permitir tensionar os limites aceitos entre as esferas pública e privada. A intervenção tornou-se, assim, dentro do conjunto das obras do Estúdio, uma comprovação da capacidade de intervenções efêmeras em gerarem provocações importantes na direção da qualificação do espaço público e da importância do papel de instituições culturais na proposição deste tipo de debate.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

Doca – Tudo começou com uma provocação que fizemos ao museu sobre os limites do prédio com a cidade. O museu procurava ideias para se reposicionar e havia nos apresentado uma pesquisa com o público de bastante valor. De acordo com os questionário, a população do Rio de Janeiro, não sabia que aquele prédio era um museu, e muitos achavam inclusive que ali era a bilheteria do Museu do Amanhã, localizado do outro lado da praça. Com isso, ficou evidente pra nós a necessidade de trabalhar essa entrada, a arquitetura “agir?como um convite ao museu, mesmo que de maneira efêmera modificar a percepção desse equipamento público. Acabamos sendo contratados de forma direta para a intervenção.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

Doca – O projeto é o resultado de uma proposição provocativa que se dá a partir da convergência de inquietações inerentes ao comissionamento da obra. Primeiro, deveria servir como uma instalação efêmera com a finalidade de abrigar, como uma arena nos pilotis do museu, a programação pública de uma exposição dedicada à ideia de democracia na arte contemporânea. Este objetivo nos provocou a refletir sobre a ideia de espaço público como espaço de conflitos, isto é, a arena onde se dá o exercício da democracia. A isso somou-se uma observação crítica à arquitetura do museu que, ao requalificar um antigo edifício modernista, cercou seus pilotis com um muro de vidro, construindo uma barreira entre a rua e uma instituição que se pretende aberta. Finalmente, nossa provocação só foi possível graças a uma visão estratégica da diretoria da instituição à época, de que, para se reposicionar, o museu precisava provocar-se, renovar-se, oxigenar-se. Pela sua visibilidade e atração imediata para o público, especialmente as crianças moradoras da região, a instalação contribuiu para que o museu estreitasse os laços de pertencimento com sua comunidade e construísse novas referências institucionais para o grande público.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa do autor?

Doca – O projeto foi todo conduzido por nós, desde a concepção estrutural, desenvolvida posteriormente em conjunto com o calculista, até a execução, feita por dois serralheiros/cenotécnicos.

MDC – Houveram variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

Doca – O projeto apesar de muito simples formalmente, envolveu uma série de instâncias de aprovações governamentais que de fato interferiram no processo, principalmente a Secretaria de Cultura por se tratar de um mobiliário urbano. O projeto de fato se colocava como um objeto tensionador onde a negociação com os órgãos públicos se fez necessária.

MDC – O autor do projeto teve participação no processo de construção/implementação da obra?

Doca – Tanto o processo de construção no galpão dos serralheiros quanto a implantação foram acompanhadas exaustivamente para que tudo corresse perfeitamente.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

Doca – Lembro-me claramente de uma cena que jamais esquecerei desse projeto. Por se tratar de equipamentos muito semelhantes a brinquedos de pracinha, a instalação era frequentada exaustivamente por crianças da região. Certa vez um monitor do museu me informou que havia crianças brincando e perguntaram a elas o que era ali. Uma das crianças prontamente respondeu: “Aqui era um museu, agora é um parque?

De alguma maneira todo trabalho efêmero imprime no lugar alguma memória. Mesmo que em um curto espaço de tempo e memória, espero que tenha se tensionado a ideia de fronteira, principalmente pelo fato desse equipamento urbano que é o museu não ser considerado espaço de pertencimento para todos da cidade.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

Doca – Faria o escorrega menos inclinado. Ele de fato era uma experiência radical?rsrsrs

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

Doca – A falta de projetos dos espaços urbanos públicos no Brasil acaba abrindo um espaço para intervenções temporárias como oportunidades de se pensar a cidade.


projeto executivo


EXECUTIVO COMPLETO

2 pranchas (pdf).
3,44mb


ficha técnica

Local: MAR (Museu de Arte do Rio), Praça Mauá, Rio de Janeiro, RJ
Ano de projeto: 2018
Arquitetura: Antonio Pedro Coutinho e Adriano Carneiro de Mendonça – Estúdio Chão


Comissionamento:
Eleonora Santa Rosa (Diretora Executiva do MAR, 2018-2019) – Museu de Arte do Rio (MAR)
Cálculo estrutural:
Limonge de Almeida
Serralheria ?módulos trepa-trepa: Dorival Dantas – Serralheria Conservolkis
Cordoaria: Carlos Eduardo Ribeiro do Nascimento (Indio)
Serralheria – módulos arquibancadas: João Luiz Sarti – Serralheria São Jorge


Fotos: Renato Mangolin e Daniela Paoliello
Contato: contato@estudiochao.com


Premiações:
2021 – Menção Honrosa no 8º Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

COUTINHO, Antonio Pedro. MENDONÇA, Adriano Carneiro de. “TransBorda!”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., fev-2024. Disponível em //www.28ers.com/2024/02/09/transborda. Acesso em: [incluir data do acesso].


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//28ers.com/2024/02/09/transborda/feed/ 0 15497
Espa莽o P煤blico – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-praca-marechal-deodoro/ //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-praca-marechal-deodoro/#respond Wed, 19 Jul 2023 01:02:43 +0000 //28ers.com/?p=11642 Continue lendo ]]> Por Sotero Arquitetos
3 minutos

Praça Marechal Deodoro (texto fornecido pelo autor)

Situada no bairro do Comércio, a Praça Marechal Deodoro é delimitada pelo Mercado do Ouro, pela Avenida Jequitaia e pela falha geográfica entre os bairros do Comércio e Santo Antônio Além do Carmo. Espaço público de grande potencial, esta praça se encontrava subutilizada. Apesar da massiva área verde, a praça era carente em equipamentos, apresentando áreas degradadas ou obstruídas. A iluminância era precária e o espaço mal distribuído, sem ordenamento.

Antes (fotos de Sotero Arquitetos) e depois (fotos de Tarso Figueira)

O projeto apresentado teve por iniciativa requalificar os setores existentes na praça:

Mobilidade – foi ampliada e melhorada a área dedicada ao pedestre: um redesenho do sistema viário no entorno da praça e a retirada do estacionamento que obstruía o espaço. Os abrigos do ponto de ônibus foram substituídos visando ampliar a área abrigada, a circulação e ordenamento dos usuários. A ciclovia foi incorporada à praça por entre as fileiras de árvores.

Fotografia: Tarso Figueira

Cívica – extremamente importante na caracterização da praça, a flora existente (predominantemente composta por oitizeiros) foi preservada, mantendo assim, seus aspectos visuais e históricos. Nova iluminação e mobiliário foram agregados a fim de garantir a qualidade de um espaço livre para ser utilizados por todos usuários. O Monumento das Nações foi preservado na proposta da requalificação.

Fotografias: Tarso Figueira

Lazer – foi proposta a criação de um equipamento para o uso da população local, misturando diversão e esporte. Possibilitando um espaço tanto para crianças, que podem aproveitar os novos brinquedos, quanto para os adultos que desejam fazer atividades físicas.

Os dois elementos que mais influenciaram no desenho da praça foram os ritmos de implantação das árvores existentes e dos pilotis das edificações modernistas vizinhas. Os eixos de alinhamento das árvores sugeriram, naturalmente, a setorização dos usos da praça entre (1) mobilidade: com o novo ponto de ônibus e ciclovia; (2) cívico: com a esplanada central como grande eixo de conexão com o entorno; (3) espaço de lazer para os moradores da região, a partir da remoção de um estacionamento privado que ocupada cerca de 1/3 da área da antiga praça.

Planta geral + cortes longitudinal e transversal

Os novos abrigos para ponto de ônibus se apropriam da modulação e diâmetro dos pilotis existentes nos edifícios modernistas vizinhos, estendendo esse ritmo ao longo da borda da praça com a Avenida Jequitaia. Esses eixos ora são utilizados para pilares (vão de 12m), ora são utilizados para apoio dos bancos (vão de 4m). Possuem estrutura mista, com pilares em concreto armado (melhor desempenho na compressão e robustez antivandalismo) e madeira laminada colada na estrutura da cobertura (melhor desempenho estético e na resistência à tração).

Fotografias: Tarso Figueira


projeto executivo


EXECUTIVO COMPLETO:

15 pranchas (pdf).
31,36mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Salvador (BA)
Ano de projeto: 2018
Ano de conclusão: 2020 (julho)
Área do projeto / lote: 21.395,90 m²

Arquiteto responsável (autor): Adriano Mascarenhas
Equipe de projeto: Eric Cabussu, Helder da Rocha, Saulo Coelho

Complementares
Estrutura de concreto e fundações: Ana Cristina de Mattos Moraes Andrade
Estrutura de madeira: Guilherme Corrêa Stamato
Infraestrutura urbana: Edgard Álvares Neto
Paisagismo: Adriano Mascarenhas

Fornecedores
Madeiras: Madeireira Água de Meninos
Pedra Portuguesa: Pedras Jacobina
Granitos: Wingramar
Mobiliário: MMCité
Execução Estrutura MLC: Qualy Engenharia

Fotografia: Tarso Figueira
Contato: contato@soteroarquitetos.com.br


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

MASCARENHAS, Adriano. “Requalificação Urbanística da Praça Marechal Deodoro”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., jul-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/07/18/praca-marechal-deodoro/. Acesso em: [incluir data da consulta].


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//28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-praca-marechal-deodoro/feed/ 0 11642
Espa莽o P煤blico – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-colina-do-senhor-do-bonfim/ //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-colina-do-senhor-do-bonfim/#respond Wed, 19 Jul 2023 01:01:46 +0000 //28ers.com/?p=11700 Continue lendo ]]> Por Sotero Arquitetos
11 minutos

Colina Sagrada (texto fornecido pelo autor)

Considerada a peculiaridade do sítio tombado como Patrimônio Cultural nacional, além do histórico reconhecimento da sua dimensão material e imaterial pela memória coletiva, a Renovação Urbana da Colina do Bonfim objetiva a preservação e valorização do Bem tombado, conduzida por projeto urbanístico e arquitetônico com linguagem contemporânea, atentando-se aos valores paisagísticos do sitio, aumentando o poder de atratividade e influência do lugar, a capacidade de usufruto dos espaços públicos pelo cidadão e consequente sustentabilidade do patrimônio.

Fotografia: Leonardo Finotti

Uma questão central foi a intenção de diluir conflitos de usos no ambiente urbano que afetam paisagisticamente o sítio, a visibilidade do patrimônio construído, sua conservação e manutenção, a começar pela diminuição da presença do espaço dedicado ao automóvel e consequente valorização da escala pedonal com a promoção de acessibilidade universal e caminhabilidade. Também se buscou a criação de novos espaços infraestruturados, incentivando a permanência e a fruição do espaço público, na relação com o patrimônio edificado, além da qualificação de percursos com novos caminhos sugerindo acessos aos pontos de interesse do conjunto. Foi proposta a ordenação do tráfego, criação de novas vagas de veículos, inclusive de ônibus de turismo e bicicletários.

Planta geral de situação

Algumas atividades inadequadas desenvolvidas no interior e lateral da Basílica do Senhor do Bonfim foram deslocadas para o espaço público, descomprimindo-a de usos que contribuem negativamente para conservação do monumento e seu acervo. Por fim, houve a valorização dos elementos históricos construídos do sitio (o chafariz, os postes em estilo colonial, a vegetação nativa, etc.) e construção de novos que abriguem as práticas e festas religiosas e expressem o referencial cultural simbólico coletivo.

Fotografia: Leonardo Finotti

A Colina Sagrada do Senhor do Bonfim é de fundamental referência para cidade de Salvador da Bahia pelo seu valor religioso, histórico, cultural, social e por ser palco da convivência pacífica do sincretismo religioso (catolicismo e candomblé). Ali constam pedaços da história da vida de fiéis, no culto fundado e propagado pela Irmandade da Devoção do Senhor do Bonfim há 269 anos. Constitui memória viva, recriada pelas manifestações culturais que abarca, representada na Lavagem do Bonfim, patrimônio imaterial nacional (2013) reconhecido pleno de significados.

Planta trechos 1 e 2

Cortes

No contexto urbano antes da intervenção, o patrimônio da Basílica estava submetido a um excessivo e precoce desgaste em virtude da concentração e diversidade de funções com frequência de público em seu interior, além do conflito de usos que se estendia ao espaço urbano do entorno, desordenado e precário em sua infraestrutura. Esse quadro vinha comprometendo o estado de preservação e valorização do patrimônio do sítio tombado, carecendo de um projeto de reforma global da área. O projeto englobou uma área total de 36.000m2. Explorando o referencial de elementos vinculados ao imaginário sincrético popular, onipresente no território da Colina Sagrada, no culto cristão ao Senhor do Bonfim e aquele em correspondência ao orixá Oxalá pelos adeptos do Candomblé, a “fita do Bonfim?e o Opaxorô de Oxalá são estilizados e trabalhados no desenho do piso da Praça. A medida da fita, aproximadamente 45cm ?dimensão do braço da imagem do Senhor do Bonfim -, por sua vez se converte em modulação de grande parte do projeto, figurando nas dimensões do novo mobiliário urbano e em muitos outros elementos arquitetônicos.

Elementos de suporte e infraestrutura

Foi resgatado o domínio da Basílica no sitio, com a expansão do largo sobre parte do sistema viário antigo, garantindo a unidade espacial e hierárquica visual do conjunto histórico. A inclusão do edifício contemporâneo do Abrigo das velas e da água benta valorizou e preservou a composição formal e volumétrica do casario da Praça ao qual se alinha em perspectiva, sendo objeto de uso e alta frequência pelos fiéis católicos. Do projeto à construção, as soluções adotadas apresentam caráter de complementaridade do funcional ao simbólico. Se por um lado a unificação do piso do largo com a exclusão de vias e o tratamento em grafismos da pavimentação exaltam os aspectos da paisagem e do patrimônio construído, estes conferem clara leitura direcional, respondendo também a caminhabilidade pretendida do pedestre.

Unidade do conjunto pós intervenção.
Fotografia: Leonardo Finotti

Esse recorte constitui subjetivamente um exemplo de ganho de percepção orientativa fundamental para fruição do patrimônio, para quem nele circula. Estamos falando do indicativo da qualificação do espaço público, fundamental no pensamento contemporâneo de cidade. Operou-se uma grande apreensão do espaço pela comunidade – fator também preponderante para o sucesso dos novos usos. Comunidade de moradores, de fiéis e de turistas, que aumentaram o tempo de uso e permanência no local. Por sua vez, a Festa do Bonfim, realizada todo ano com aproximadamente um milhão de pessoas, ao mesmo tempo que confirmou o desempenho de funcionalidade da intervenção, sem prejuízos físicos ao patrimônio pós-festividades, demonstrou a potencialização de usos com as missas campais e a permanência do público.


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Sotero Arquitetos (S.A.)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

S.A. – O projeto é sem dúvida um importante marco na trajetória do escritório. Possivelmente foi nosso projeto de maior repercussão até o momento, tanto do ponto de vista de premiações conquistadas, como da própria divulgação nos meios de comunicação. Ele é o produto da maturidade do nosso trabalho ao lidar num só projeto com as dimensões de cidade, do edifício chegando até o design de mobiliário, tudo isso num contexto de alta complexidade técnica. Além disso, existe o fato de ser um sítio com uma carga simbólica e de uso extremamente importante, com alcance muito abrangente junto à população, o que nos fez entender de imediato a dimensão do encargo que havíamos assumido.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

S.A. – Trata-se de uma obra pública e o processo de contratação foi através de licitação prevista pela antiga Lei 8.666/93, na modalidade de melhor técnica e preço.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

S.A. – Não foi um processo de concepção rápido, como muitas vezes acontece no setor público. Houve primeiro uma aproximação com a Devoção do Nosso Senhor do Bonfim, que é a entidade mantenedora e também proprietária de uma série de edificações históricas naquele sítio tombado, dentre elas a Igreja do Bonfim. A partir daí tivemos que agregar demandas da comunidade do entorno, dos fiéis e turistas, bem como do nosso contratante, no caso a Prefeitura de Salvador representada pelo seu órgão de planejamento que é a Fundação Mario Leal Ferreira.

Ou seja, na verdade o processo nasce da capacidade em acomodar os pleitos desses diversos atores perante uma intervenção em área tombada pelo Iphan e diante também da nossa visão de cidade democrática, acessível e voltada prioritariamente à experiência do pedestre.
Então, foi um processo lento de lapidação dessas premissas baseado em um desenho contemporâneo e respeitoso. Como o diálogo com a sociedade civil se deu de maneira gradativa, acabamos por não sofrer grandes revezes, normais nesta escala de projeto, como, por exemplo, o atendimento às questões do patrimônio histórico.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

S.A. – A nossa contratação foi para que ficássemos à frente de todas as disciplinas de projeto, indo até a entrega do orçamento da obra. Então, fizemos toda a coordenação e compatibilização dos projetos. Houve alguns pequenos ajustes programáticos, mas nada tão significativo que mudasse a feição inicialmente imaginada.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra?

S.A. – Formalmente não fomos contratados para ter nenhum envolvimento com a obra, o que é desastroso em obras públicas. Acontece que pelo nosso entendimento da importância do projeto, acabamos registrando 43 visitas em dias diferentes à obra durante a execução, decisão tomada por nós em estabelecer este contato com a construtora independente de estarmos contratados para isso. Temos fotografias que atestam este número de idas ao canteiro, que ao final representa um prejuízo grande em horas técnicas despendidas e não pagas. Em compensação, posso assegurar que foram essas frequentes visitas que nos possibilitaram corrigir e alterar muitas distorções que estavam sendo feitas. Atribuo a esta decisão nossa o fato de termos o resultado final que lá está.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

S.A. – O fato marcante é que a população abraçou o espaço de uma maneira ainda mais numerosa. Conseguimos ao final reordenar os conflitos no espaço, onde a predominância do veículo maculava o espaço, junto com o desordenado comércio informal. Propusemos novas áreas de estar, interação social, lazer e visitação, aumentando o tempo de permanência das pessoas no lugar. A igreja ampliou suas manifestações na área pública. Os moradores locais voltaram a frequentar a área, algo abandonado há muitos anos pela insegurança anteriormente existente. Por fim, o espaço passou pela sua maior provação, suportando sem consequências negativas os festejos da Lavagem do Bonfim, que é uma manifestação da cidade com frequência estimada em um milhão de pessoas num único dia.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

S.A. – Sempre tenho um olhar crítico sobre nossos trabalhos executados. Nesse caso do Bonfim, penso que ele nos trouxe esse aprendizado ainda mais contundente da importância de estarmos dentro do canteiro. Brigaria mais hoje para termos oficialmente uma participação ativa na fiscalização da obra. Sobre o projeto em si, tenho a impressão que ele foi bem sucedido, o que diminui meu pensamento sobre uma revisão do que foi proposto. Diria que, ainda hoje, batalho para completar uma proposta que fizemos para ocupação do casario pertencente à Devoção na Praça, atribuindo ao conjunto a função de um Museu de ex-votos, além de uma loja oficial que geraria recursos para manutenção do patrimônio. Quem sabe ainda acontece.

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

S.A. – Penso que o reconhecimento deste projeto se deve muito ao fato de se tratar de uma obra pública com um viés mais forte na disciplina de desenho urbano, que alcançou um resultado positivo, algo que é muito raro no nosso país. Raro por ser público, raro também por ser desenho urbano. Penso que o maior desafio que temos no momento na nossa profissão está atrelado em trazer de volta qualidade às nossas realizações no setor público. A nossa arquitetura que já foi tão celebrada, justamente pelos seus edifícios institucionais, hoje não consegue preencher poucas páginas nos anuários e publicações eletrônicas do setor, lugar onde sobram projetos de casas para a nossa elite apenas. É urgente uma mudança neste cenário.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

S.A. – Continuando ainda um pouco do raciocínio da pergunta anterior, acredito que uma das consequências positivas de um projeto como este ter tido uma boa repercussão e visibilidade é o fato de podermos utilizar o exemplo perante os gestores públicos para que seja visto como todo este esforço vale a pena. Esforço pela valorização do trabalho intelectual, da execução rigorosa, de propostas que pensem a cidade no século XXI. Sabemos dos desafios que envolvem reformar toda a cadeia da construção civil. Mas se é pra começar alguma mudança, que comecemos pela promoção do bom projeto, que é o passo inicial para materialização do ambiente construído.


projeto executivo

EXECUTIVO COMPLETO

34 pranchas (pdf).
54,22mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Bairro do Bonfim – Salvador (BA)
Ano de projeto: 2017 – 2019
Conclusão da Obra: Etapa 01- dez/2018 | Etapa 02- out/2019
Área (bruta) Construída: 36.050,00m²
Contratante: Prefeitura Municipal de Salvador ?Fundação Mário Leal Ferreira

Arquiteto responsável (autor): Adriano Mascarenhas
Equipe de Projeto: Helder da Rocha, Eric Cabussu, Kaline Kalil, Técio Martins, George Almeida, Gabriela Otremba, Lucas Paes, Rodrigo Sena, Saulo Coelho
Construção: NM Construtora

Complementares
Infra Estrutura Urbana: Trento Engenharia
Estrutura de aço: Cereno Muniz
Estrutura de concreto: Jonilton Francisco dos Santos
Orçamento: Rosimeire Amorim Conceição
Paisagismo: Parnaso Jardim
Instalações Prediais: Doto Engenharia
Impermeabilizações: SVA
Topografia: Oeste Engenharia
Iluminação Urbana: Quality
Serralheria: Fabrimetal
Restaurador: Mário Mendonça
Artista Plástico: Bel Borba

Fotografia: Leonardo Finotti, Tarso Figueira
Contato: contato@soteroarquitetos.com.br


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

MASCARENHAS, Adriano. “Requalificação Urbanística da Colina do Senhor do Bonfim”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., jul-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-colina-do-senhor-do-bonfim/. Acesso em: [incluir data da consulta].


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//28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-colina-do-senhor-do-bonfim/feed/ 0 11700