Habita莽茫o – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Fri, 08 Apr 2011 15:42:38 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Habita莽茫o – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Habita莽茫o – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/07/03/concurso-nacional-%e2%80%93-premio-caixa-iab-20082009-resultado/ //28ers.com/2009/07/03/concurso-nacional-%e2%80%93-premio-caixa-iab-20082009-resultado/#respond Fri, 03 Jul 2009 03:08:51 +0000 //28ers.com/?p=3085 Continue lendo ]]>

premiocaixaDiversos premiados em todo o Brasil

Foi anunciado o resultado do PRÊMIO CAIXA ?IAB 2008/2009, um evento técnico e cultural patrocinado pela Caixa Econômica Federal ?CAIXA e organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil ?IAB, com o apoio do IAB-DF. Em sua 4ª edição, o Prêmio tem como finalidade, entre outras: selecionar, premiar e divulgar soluções inovadoras e sustentáveis para urbanização e habitação de interesse social no Brasil. A premiação é dividida em diversas modalidades, nas categorias profissional e estudantil.

A comissão julgadora da categoria profissional foi composta por: Haroldo Pinheiro Villar de Queiroz (Arquiteto/DF ?IAB/DN), Ivelise Maria Longhi Pereira da Silva (Arquiteta/DF ?IAB/DF), Márcio Luiz Vale (Arquiteto/SP ?PM Diadema ?CAIXA), Olanise Ferreira dos Santos (Engenheira/PB ?SEPPIR ?CAIXA), Roberto Martins Castello (Arquiteto/CE ?IAB/DN), Silmar Samir Fattori (Arquiteto/SP ?CAIXA).

Os trabalhos da categoria estudantil foram julgados pela comissão composta pelos arquitetos Gustavo Abraão Costa, José Roberto Bassul Campos e Leonardo Tossiaki Oba, indicados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil; arquitetos Cristiano Viégas Centeno e Nina Farnese de Assis, representando a Caixa Econômica Federal, e pelo arquiteto Renato Sanchez, indicado pela FUNAI.

Veja abaixo a lista dos premiados e menções: (clique nas imagens para mais informações sobre os respectivos projetos)

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CATEGORIA PROFISSIONAL

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MODALIDADE 1 ?PROFISSIONAL:

SOLUÇOES INTEGRADAS PARA INTERVENÇOES EM COMUNIDADES INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

Não houve a inscrição de trabalhos

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MODALIDADE 2 ?PROFISSIONAL:

HABITAÇAO SUSTENTÁVEL MULTIFAMILIAR EM ÁREAS DE FAVELAS

caixa-iab-09-prof-m2-p5Premiado:

REQUALIFICAÇÃO DA COMUNIDADE VERDES MARES, FORTALEZA, CE
Bruno Melo Braga ?CE

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caixa-iab-09-prof-m2-m4rMenção Honrosa

MALHAS ESTRUTURAIS INTERTRAVADAS MODULARES PARA CONJUNTOS HABITACIONAIS
Marcelo Yukio Nagahi ?SP

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MODALIDADE 3 ?PROFISSIONAL:

REABILITAÇAO E EDIFÍCIOS EM ÁREAS CENTRAIS

caixa-iab-09-prof-m3-p6Premiado:

REVITALIZAÇÃO E ADEQUAÇÃO DO ENTORNO DO EDIFÍCIO NAIR ?CAMPOS ELÍSIOS, SP
Cristiana Casellato ?SP

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MODALIDADE 4 ?PROFISSIONAL:

INTERVENÇÕES EM ÁREAS URBANAS DEGRADADAS

caixa-iab-09-prof-m4-p1Premiado:

INTERVENÇÃO URBANA EM ZEIS ?SANTA CECÍLIA, SP
Fabrícia Zulin ?SP

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caixa-iab-09-prof-m4-m1-1Menção Honrosa

CENTRO DO RIO ?GAMBOA, RJ
Thaís Galvão Meirelles ?RJ

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caixa-iab-09-prof-m4-m2-6Menção Honrosa

URBANIZAÇÃO DO PARQUE D. PEDRO II, SP
Sheila Naomi Goto ?SP

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CATEGORIA ESTUDANTIL

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MODALIDADE 1 ?ESTUDANTIL:

SOLUÇOES INTEGRADAS PARA INTERVENÇOES EM COMUNIDADES INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

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caixa-iab-09-est-m1-p1Premiado:

Ana Carolina Bertassoni ?PR

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caixa-iab-09-est-m1-m1Menção Honrosa:

Gabriel de Lima Gonçalves ?MS

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MODALIDADE 2 ?ESTUDANTIL:

HABITAÇAO SUSTENTÁVEL MULTIFAMILIAR EM ÁREAS DE FAVELAS

caixa-iab-09-est-m2-p2Premiado:

Anderson Mourão Mota ?PI

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caixa-iab-09-est-m2-m5Menção Honrosa:

Flávia Pontes de Andrade ?MG

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MODALIDADE 3 ?ESTUDANTIL:

REABILITAÇAO E EDIFÍCIOS EM ÁREAS CENTRAIS

caixa-iab-09-est-m3-p1Premiado:

Luiza Moreira Bogossian ?RJ

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caixa-iab-09-est-m3-m1Menção Honrosa:

João Rafael Severo Nogueira ?RS

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MODALIDADE 4 ?ESTUDANTIL:

INTERVENÇÕES EM ÁREAS URBANAS DEGRADADAS

caixa-iab-09-est-m4-p1Premiado:

Tália Lorena Gomes Gutierrez ?RJ

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caixa-iab-09-est-m4-m2Menção Honrosa:

Cauê Costa Capilé -RJ

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[Esta notícia é uma parceria com o portal concursosdeprojeto.org]

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Brasília 194Carlos Henrique Magalhães

introdução

Passados os primeiros anos da primeira revolução industrial, diversos modelos urbanos foram realizados a partir da drástica transformação entre campo e cidade. Os expoentes da vanguarda moderna, comprometidos com os ideais de emancipação e convívio comum almejado pelo Iluminismo, lançaram-se em experiências de habitação coletiva que passaram a ganhar terreno a partir da década de 1920 em duas escalas: os edifícios coletivos passam a renovar as possibilidades de convívio por meio de equipamentos públicos que permitissem a socialização de diversas atividades; a destituição da malha urbana tradicional em favor da paisagem de objetos isolados passa a ser mais presente em diversos planos urbanísticos.

No Brasil, estas experiências espaciais de habitação coletiva estiveram presentes dentro perspectivas distintas, no que se refere à natureza do empreendimento e escala de realização, dentre as quais podemos destacar O Conjunto Habitacional do Pedregulho (1947 em diante) projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909 – 1964); Os edifícios do Parque Guinle (1948 – 1954), projetados por Lucio Costa (1902 – 1998), ambos no Rio de Janeiro.

Em Brasília, esta concepção alcança um nível de realização inédito. Ao agenciamento dos espaços públicos do setor residencial, alia-se a clara concepção projetiva das unidades habitacionais. A proposta dos blocos de superquadras remete anto às concepções de seu autor, Lucio Costa, como deixam expor diversas características da nova arquitetura moderna quanto aos preceitos que resultaram em sua forma. Nesse sentido, os blocos podem ser compreendidos dentro de um princípio operativo para a concepção de cada projeto, onde determinadas restrições e direcionamentos buscavam orientar a caracterização do conjunto, marcado pela lógica das projeções, do edifício isolado no terreno, do térreo livre e desimpedido.

Além das questões enunciadas acima, outras tantas se referem à ordenação do partido plástico. Esta pode ser evidenciada pela concepção das fachadas ?faixas contínuas de esquadrias, peitoris em concreto, elementos de proteção solar fixos ? pela relação entre cheios e vazios, pelo aspecto estrutural, pela diversidade na combinação de cores e materiais. O recente inventário dessas edificações[1] resultado de uma extensa pesquisa dos professores Matheus Gorovitz e Marcílio M. Ferreira, mostra que as diversas aproximações ao tema feitas por arquitetos de diferentes gerações e formações distintas, renderam grande diversidade aos blocos de superquadra de Brasília, permitindo que sejam identificadas diversas influências, adaptadas e ordenadas por esses criadores com sensibilidades distintas. A maneira pela qual estes arquitetos dialogam com diversos fatores construtivos e plásticos, oferece rico apanhado sobre o período da arquitetura moderna em Brasília, nas décadas que sucedem sua inauguração. Observando estes edifícios, podemos entender como esse tipo de habitação coletiva pôde ser interpretado, deixando entrever a disposição dos arquitetos envolvidos em sua execução, para a realização de características importantes do Plano proposto por Lucio Costa em 1957.

antecedentes notórios

Um dos primeiros exemplares deste novo tipo[2] de edificação foi o projeto dos Apartamentos Narkonfin (1928-29), de Ginzburg y Miljutin. O edifício é uma barra longitudinal de seis pavimentos sobre pilotis e expõe diversos princípios da nova arquitetura que emergia naquele momento: térreo desimpedido, janelas horizontais corridas e cobertura plana. A este tipo associa-se um conjunto de características de contexto urbano, da destituição dos lotes e da liberação do térreo, em favor de outra relação do edifício na paisagem. Dentre os exemplos mais significativos e influentes desta idéia têm-se os Siedlungen alemães, conjuntos habitacionais coletivos pensados como estruturas auto-suficientes.O conjunto da exposição Weissenhof, realizada no ano de 1927 em Stuttgart é significativo para compreensão dessa concepção vanguardista. Tendo Mies van der Rohe como arquiteto-chefe, contou com a participação de Peteter Behrens, Hans Poelzig, Walter Gropius, Victor Bourgeois, Ludwig Hilberseimer, Le Corbusier, J.J. Pieter Oud, dentre outros.[3]

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

O conjunto destas concepções foi reiteradamente lido e sintetizado por diversos arquitetos proeminentes da vanguarda moderna, dentre eles Le Corbusier que em sua Ville contemporaine pour trois millions d’habitants (1922) demonstra a vontade em se conceber ?…) um edifício teórico rigoroso, formular princípios fundamentais de urbanismo moderno.?[4] Uma “cidade de negócios?em oposição a uma “cidade de residências?é a proposta de Corbusier na tentativa de criar espaços arejados na confluente desordem que se instalava no coração de Paris quando propõe o plan Voisin em 1925. Em consonância a estes projetos, a Ville Radieuse será elaborada com a mesma pretensão de encarar essa nova civilização. Este empreendimento conciliatório será levado a cabo por Corbusier primeiro nos meios da cultura européia, em seguida, com a oportunidade de empreender uma viagem à América do Sul. Corbusier fez em 1929 uma série de conferências na Argentina, Uruguai e Brasil, importantes para ampliar seu conhecimento por parte das autoridades locais e fundamentais nas sementes que o mestre suíço lançou em solo nacional anos seguintes.

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Na década de 1950 foi realizada na Alemanha a Interbau (Internationale Bauausstellung) – primeira Exposição Internacional de Arquitetura ocorrida após a II Guerra Mundial. Esta consistiu na requalificação do bairro oitocentista Hansaviertel, bairro oitocentista em grande parte destruído por bombardeiros durante a Segunda Guerra. Em 1953, é instituído para a escolha do novo plano urbanístico do bairro, vencido por Gerhard Jobst e Willy Kreuer. A Interbau inaugurada em 1957 com espaços públicos desenhados de acordo com princípios modernos, edifícios isolados, predominância de espaços verdes e vazios. Dentre as tipologias encontradas nos bairros, temos: “torres de até 17 pavimentos, barras de 8 a 10 pavimentos, barras de 3 a 4 pavimentos e casas unifamiliares de 1 a2 pavimentos.?a href="#_ftn5">[5]

Dentre as unidades edificadas no bairro há uma barra de apartamentos projetada por Oscar Niemeyer. O edifício pode ser caracterizado pela concisão volumétrica, pela robustez dos pilotis e pelo delicado jogo de níveis que se desenha no pavimento térreo. Esta experiência é de fundamental importância para que possamos compreender a maneira pela qual se desenvolveu a linguagem dos blocos de apartamentos nas superquadras de Brasília: fundamentada em princípios operativos que fundamental sua feição essencial, mas relacionada a diferentes maneiras de manipular elementos plásticos semelhantes dentro de determinadas filiações.

lucio costa

Se na cisão entre as contingências materiais e da dimensão coletiva da arquitetura e do urbanismo desta fase de Corbusier pode-se perceber “a tentativa de uma conciliação entre a expressão do espírito do tempo e a busca da perenidade, condição essencial da arte.?[6] O tema para Lucio Costa irá comparecer de maneira semelhante, figurado na “possibilidade de reaproximação entre arte e técnica ?divorciadas na arquitetura do ecletismo e no ‘arremedo neocolonial??o descortinar de um novo campo expressivo para a arquitetura: o espaço contínuo moderno, flexível porque liberto da estrutura.?[7]

Como dito anteriormente, Lucio Costa ocupou destacada posição diante de um grupo de arquitetos afeitos à doutrina de Corbusier, converte-se ao modernismo arquitetônico e dá passos decisivos à reorientação propositiva que se desenvolveu a partir de então. Também na realização que significou Brasília percebem-se convergências e diferenças entre épocas distintas. Em sua proposta para o Plano Piloto há a capacidade de conciliar uma série de problemas complexos por meio de soluções sintéticas, tanto quanto em realizar ?por meio da conjugação entre diferentes escalas ?uma cidade capaz de ser expressão palpável da vida cotidiana e da monumentalidade simbólica.

A forma acabada desta realização brasileira tem suas raízes em diversas referências, sejam elas afetivas ou históricas, onde a sociabilidade deveria ser transformada em favor de uma cidade nova, inteiramente pública que, na concepção de Brasília, Lucio emprega com as devidas propriedades: eixos e perspectivas da lembrança de Paris; imensos gramados verdes ingleses; a pureza de Diamantina ?ou seja, da memória colonial, as fabulosas fotografias de terraplenos e arrimos chineses do começo do século XX. Estes elementos característicos comparecem em igual medida ao lado de referências modernas: setorização de atividades; ênfase dimensional das circulações de veículos; idéias de cidade parque e cidade jardim; habitações coletivas em blocos sob pilotis. Em essência, esta proposta de conjugação entre lógicas construtivas históricas e coloniais a tipos e procedimentos da modernidade será uma constante no trabalho de Lucio Costa.

 

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1950) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1943) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

No conjunto de edifícios que projetou no Parque Guinle (1943-54) este procedimento encontra uma possibilidade, pois, à tipologia fracamente moderna das lâminas de apartamentos sob pilotis, Lucio Costa associa características de forma a espaço da habitação tradicional brasileira, por um lado o partido é eminentemente racionalista, por outro a implantação e tratamento de superfícies em cada edifício denota uma “espantosa trama de cheios e vazios, que se integra na ortogonalidade rigorosa dos prismas e dilui a função de vedo atribuída à fachada. Sua aparição figura a possibilidade ideal de uma edificação inteiramente vazada, desmaterializada, pois tem o ar como matéria constituinte.?[8] Os Edifícios do Parque Guinle representam a ascendência mais imediata à concepção dos blocos de superquadra, sendo esta a conseqüência do conjunto das características de agenciamento e espacialidade, marcados por um princípio, mas de muitos resultados formais.

um tipo de moradia

O setor residencial de Brasília logrou grande êxito no Plano Piloto para a cidade. As chamadas superquadras podem ser caracterizadas objetivamente como grandes quarteirões de lados iguais da ordem de 280 metros[9]. O desenho das vias proposto por Lucio Costa obedece à hierarquia que as separa em diferentes demandas e dimensões e “no caso das superquadras adotou o acesso viário feito através de uma única rua sem saída, em ‘cul-de-sac? de realização bem mais simples do ponto de vista técnico e bem mais barato do ponto de vista econômico. De tal modo que as superquadras são servidas por trevos rodoviários apenas pelo lado do eixo residencial, garantindo-lhes uma relação bem mais articulada com seu entorno imediato em comparação com aquela das áreas centrais da cidade.?[10]

Em seu relatório, Lucio Costa dispõe as edificações apenas com relação às características que lhe seriam mais essenciais: na esplanada ministerial a disposição cadenciada dos edifícios do poder executivo cujo eixo termina com o congresso, ?um edifício em altura, e o triângulo da Praça dos Três Poderes; no comércio local a abertura das lojas para o interior das quadras e a conjugação das unidades, duas a duas. No caso dos blocos residenciais, Lucio definiu a natureza volumétrica desse tipo, tais como: os gabaritos e o térreo livre, sobre pilotis garantido o solo público, implantando a lógica das projeções, princípio fundamental para a compreensão da cidade. Como dito, antes dos blocos residenciais houve o Parque Guinle (1948-54), e antes deles uma aproximação de Lucio à proposta de Corbusier para uma Unité d’habitation de grandeur conforme, realizada em Marselha (1947-52).

Lucio chama de intuição precursora o empenho de Corbusier em propor este modelo residencial de edificação em altura.[11] Para Frampton, em função das escalas e da transformação de propriedades compositivas propostas, há em certas obras de Corbusier uma monumentalização do vernáculo. Se nas Maisons Jaoul o desenho é reinterpretação monumental de um vernáculo mediterrâneo, dada sua escala a solenidade introspectiva, nos 18 pisos de Marselha este princípio se efetuaria do ponto de vista da condensação social e na proximidade que teria com o modelo do Falanstério de Fourier, proposto no século XIX.[12] A unidade de Corbusier já trazia em si conjunto notável de características espaciais, constituindo espécie de protótipo à espera de outras realizações que se irmanassem com este edifício isolado. Realizações estas constituídas pelas características do chão na qual estas unidades estariam implantadas.

Tal quais outros princípios modernos o edifício isolado não representa um advento do séc. XX. Razão fundamental de representações e contextos de excepcionalidade, o destacamento em relação ao entorno é característica presente na cultura de diversos povos encarnando o desejo de exprimir representatividade, caso de palácios e catedrais. A arquitetura moderna brasileira encontra na realização do MESP razão pioneira para a dissolução do quarteirão em favor de uma continuidade aberta que, nesse caso, fugia às determinações do Plano urbanístico de Alfred Agache. Esta monumentalidade a efetuar a emancipação de pequenas extensões urbanas, termina por torna banal o que antes deveria ser lido sob o viés da exceção.[13] Para James Holston tal acontecimento tem um além que pode ser evidenciado por uma reversão moderna entre fundo e figura, de tal forma que se existia ao longo de séculos uma oposição entre cheio (solido = fundo = privado) e vazios (vazio = figura = público), ocorre no movimento moderno ruptura definitiva desse tradicional sistema de significação da arquitetura.[14]

A difusão de técnicas construtivas, especialmente representadas pelo amplo uso do concreto armado em conjugação ao aço, possibilitou o surgimento de diversas estruturas e a realização de algumas propostas corbusianas como o esqueleto independente das vedações. Esta por sua vez termina por permitir a realização do térreo potencialmente livre de barreiras físicas e no lugar de pilares e pilastras, os pilotis. Do esquema Dom-ino a Brasília há um percurso representativo de experiências culturais que permitem a observação deste tipo construtivo em diversos programas e em atendimento a grande conjunto de necessidades.

reflexões críticas

 

Levantamentos de tipos de projeção (MACHADO, Marília, 2008).

Levantamentos de tipos de projeção (Machado, 2008).

Frederico Holanda em longos estudos sobre os lugares e da desvinculação entre discurso a prática urbanística, identifica dois tipos fundamentais de espaços que se alternam ao longo da história: a paisagem de objetos e dos lugares. Seus estudos com base em dimensões morfológicas de desempenho[15] mostraram que há uma excessiva permeabilidade no interior das superquadras residenciais e que estas são responsáveis por diversas relações que, tomando por base determinados parâmetros, ocasionam perda de orientabilidade e identidade nesses tecidos.

Há a afirmação corrente de que em Brasília tudo é igual e são muitos os que ao visitar a cidade se questionam sobre a lógica que separa os lugares. Ainda que haja a presença de grandes extensões não conectadas, os espaços livres em Brasília não se constituem precisamente por vazios; essas ausências são antes de mais imersas em quantidades e cuja prática projetiva deve ser orientada, dentre outros, ao planejamento setorial da cidade. “Aqui tudo é indiferente e, no entanto, tudo importa.?[16] Desse modo, ainda que a repetição seja propriedade marcante ao longo das superquadras, veremos que muitos exemplares guardam características distintivas no manejo de contingências semelhantes.

Nesse sentido o bloco de superquadras representa um tipo moderno dos mais importantes na historiografia da arquitetura, ainda que discussões mais criteriosas a esse respeito tenham vindo a ser publicadas em tempos mais recentes.[17]]

os blocos de superquadra, caracterização objetiva

Num primeiro momento pode ser efetuada uma divisão entre os blocos residenciais com base em suas dimensões. Na já célebre frase de Lucio, os pavimentos para esse tipo de edifício estariam limitados em seis, de modo que as crianças estariam nas quadras ao alcance da voz de suas mães. São de seis pavimentos e térreo, os blocos das quadras 100, 200 e 300.[18] Seguindo a cota decrescente em direção ao Lago Paranoá, os edifícios das quadras 400 possuem térreo e mais três pavimentos. A intenção inicial com relação ao perfil sócio-econômico dos moradores do plano era a de que houvesse uma estratificação deste entre famílias, uma vez que “neles não são obrigatórios elevadores e garagens, são de construção mais barata, contribuindo para a diversificação?[19]

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Os blocos de superquadras respondem a uma demanda sócio-espacial específica e incorreríamos em erro ao imaginar que a plena realização de suas potencialidades poderia ser repetida na solução de questões sem o mesmo aparato e substrato material. Dizendo de outra forma, ainda que em pontos isolados do território do Distrito Federal a solução de uma lâmina de apartamentos sobre pilotis tenha sido empregada, não configura a mesma ambiência urbana que se tem no Plano Piloto. O conjunto habitacional localizado na Região Administrativa do Guará, denominado Lucio Costa é exemplo dessa questão.[20] Lucio Costa não possui nenhum projeto de edificação residencial no Plano.  Embora em Brasília houvesse a intenção de diminuir a iniqüidade social, estes prédios ?localizados a certa distância do centro, segundo um modelo de pulverização de núcleos ?foram pensados para resolver o problema de moradia de camadas sociais menos favorecidas. Daí a designação de cada uma das unidades: operário (52 m²) e favelado (29 m²), cada qual pensado com um tamanho específico, mas agrupados nas mesmas unidades habitacionais. O arruamento se distingue das superquadras pela rigidez geométrica e pelas possibilidades de trajeto; desenham losangos no chão de tal forma que o ângulo formado com o paralelismo dos blocos permite a constituição de permanências e trajetos de pedestres. Em trechos no interior destas quadras estão dispostos equipamentos públicos e instalações comerciais.

Os blocos em si são constituídos por pilotis baixos de 2.20 m de pé direito e três pavimentos, podendo cada unidade ter até oito apartamentos por andar. Apresentam características plásticas de adaptação ao modo de vida que seu autor imaginou. Segundo Jaime Almeida “os tamanhos reduzidos dos espaços e da área a ser construída (superfície do piso) dos apartamentos seriam compensados pela mobilidade familiar que se refletiria na utilização do espaço disponível. Assim, os filhos pequenos ao dormirem mais cedo, liberariam, aos adultos, os demais aposentos, que iriam para cama mais tarde. As crianças, ao crescerem, inverteriam com os mais idosos o uso do apartamento.?[21]

Em contraste com essa intimidade regrada de espaços mínimos, Lucio propõe a diversidade e generosidade da ocupação pública do solo, dado o dimensionamento das áreas abertas configuráveis por atividades de convívio comunal. Mas, se o urbanista viesse a visitar o conjunto anos após sua inauguração, certamente não se encantaria com “a realidade maior que o sonho?encontrado na posse que os moradores deram às áreas verdes. Ao contrário do que acontece no Plano, os térreos foram cercados, na maioria das vezes, extrapolando o perímetro da projeção de cada edifício. Soma-se a isso, o pouco cuidado na manutenção de equipamentos comunitários, resultado de uma introspecção que nem de longe lembra a almeja subtração da vida privada em favor da exterioridade pública proposta por pelo urbanista de Brasília.

Tanto no conjunto de Lucio Costa quanto nas superquadras, permanecem indagações quanto à propriedade de aglutinação desses espaços, marcados por uma relação de mão dupla entre oposições, sejam elas do campo e da cidade, do passado e futuro; de tal forma que “a recusa de uma urbanidade opulenta opera uma total redefinição das funções urbanas tradicionais, bem como das relações entre comércio, residência, transporte e pedestre, na medida em que retira da rua a qualidade de espaço que tem definido, historicamente, a sociabilidade pública em contraste com a esfera privada.?[22]

códigos de edificação

As características apresentadas dependem não só de conceitos urbanos, mas também de detalhamentos e execuções regulamentadas pelos códigos de edificação[23]. E por meio da leitura dos diferentes textos presentes nesses códigos é possível verificar a transformação de fisionomia tanto do bloco de superquadras quanto em outras edificações. No caso das superquadras presencia-se:

a)       Gradativa ampliação da largura das projeções, em função do incremento nos índices de ocupação;

b)      Modificação significativa da volumetria ?que num momento pioneiro se caracterizava pela depuração e concisão volumétrica ?em função das alterações resultantes quanto às possibilidades de avanços e compensações de área.

c)       Redução das áreas livres no pavimento térreo, que passam a serem ocupadas por salões de festas, residências funcionais, áreas de guarita etc.

d)      Acréscimo de coberturas de uso individual ou coletivo, que modificam a cota de coroamento e feição edilícia das quadras. Em algumas delas, coexistem tipos mais recentes em contrastes com outros de épocas passadas, noutras, há a presença exclusiva daqueles exemplares;

Sendo assim, coexistem ao longo das Asas Sul e Norte linguagens as mais distintas e características plurais de projeto, que ocorrem tanto em função da localização quanto do tempo de construção de cada unidade, sendo estas representativas de períodos distintos da ocupação de projeções ao longo das quadras. Se as quadras da Asa Sul apresentam maior homogeneidade entre edifícios e as quadras da Asa Norte, em oposição, apresentam exemplares mais distintos entre si; a estatística não é suficiente para que possamos asseverar que existe uma linha sobre a qual possamos perfazer itinerário de linguagens ou de sua transformação. Mesmo entre blocos coetâneos, não é possível que se faça classificação de filiação a uma ou outra tendência, o que se vê são diversas vocações materializadas dentro de determinações de ordem legislativa.

O grande número de projetos dentro desse tipo permite que façamos a leitura acerca de algumas coincidências de sensibilidades que em muito favorecem a diferenciação entre uma e outra quadra. De modo geral, prevalecem nas quadras empreendidas pelo poder público e Institutos de Aposentadoria e Pensão uma notável preocupação de conjunto, na forma e diálogo que esses projetos estabeleceriam entre si. Preocupação que se esmaece à medida que cresce o poder de influência e realização da iniciativa privada, onde passa a importar sobremaneira a melhor relação de área como meio de obter maiores lucros na venda de unidades.[24]

Segundo Marília Machado algumas fases distintas podem ser identificadas na história das superquadras cada qual com características próprias. A primeira delas tem início em 1956 e se estende até 1961 ?quando da elaboração dos primeiros projetos da superquadra de Brasília, com destaque para o projeto de Hélio Uchoa para as quadras SQS 105 e SQS 305. A segunda fase vai do início do governo de Jânio Quadros em 1961 e vai até a deposição do presidente João Goulart pelo golpe militar de 1964. O terceiro momento decorre todo durante a ditadura, entre 1965 e 1970, particularmente pela retomadadas construções da capital pelo governo militar, principalmente após a criação da Codebrás, no governo Costa e Silva, que assegurou um grande movimento de funcionários para Brasília. Na última fase que se estende até o final da década de 1980, um conjunto de 120 quadras já se encontra consolidado.

nuances propositivas

No ano do lançamento para o concurso da nova capital Oscar Niemeyer publica na revista Módulo o texto Considerações sobre a Arquitetura Brasileira, no qual engrandece o atual estágio de reconhecimento e difusão alcançado pelos autores da modernidade arquitetônica no Brasil, a ponto de “em pouco tempo ela se tornar nossa arquitetura corrente e popular.?[25]No entanto, propõe a ressalva de que a racionalização e simplicidade encontrada em algumas soluções pioneiras não foram bem apreendidas por número considerável de profissionais. Os exemplos são todos feitos por comparação: primeiro uma obra do próprio arquiteto, em seguida um exemplo de má aplicação dessas possibilidades. A primeira delas se refere ao térreo livre sobre pilotis que, se numa idéia geral se apresenta como denso renque de pilares com pouca distância entre si pode bem ser transformado num amplo vão, de melhor ambiência e que aperfeiçoaria a técnica estrutural empreendida anos a fio em pesquisas por nossos melhores calculistas.

No que se refere à comunicação urbana de interação entre pares e o caminho do pedestre no tecido dessa cidade moderna, os pilotis ocupam lugar privilegiado, somado ao tratamento do piso térreo e das áreas ajardinadas adjacentes. Do ponto de vista estrutural podem descarregar os esforços, principalmente, de duas maneiras: estruturas cadenciadas e de pouca ou nenhuma variação dimensional, ou apresentarem desenho para as colunas do térreo diferentes dos demais pisos por meio do emprego de vigas ou lajes de transição.

 

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

Quanto às fachadas apresentam uma variação de combinação essencialmente moderna entre aparência e funcionamento.  Se, em alguns expoentes da vertente corbusiana da modernidade brasileira o modelo do pano de vidro sobreposto pelo brise-soleil[26] é corrente, esta solução se tornará menos difundida no desenho de fachadas das superquadras. Em edifícios das primeiras décadas ocorrem, na maior parte dos casos, duas elevações principais bem distintas, uma conforma os ambientes sociais do apartamento, outra, encobre setores de serviço ou circulação. Tal solução é feita de méritos e lacunas, pois, por questões outras de projeto, alguns prédios podem ter fachadas pouco protegidas direcionadas para orientações de maior incidência solar dada a rigidez com a qual os blocos são implantados.[27] No que se refere ao alinhamento dos prédios com relação ás vias que delimitam as quadras a relação na maioria absoluta é de ortogonalidade, tanto quanto no eu se refere às projeções em que poucas são as quadradas, predominando as barras lineares.

 

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

No que se refere à quantidade de produção, Oscar Niemeyer não está no patamar de demais arquitetos que projetaram blocos de apartamentos para as superquadras. No entanto, o impacto de seu pensamento naquilo que se refere à permanência e consecução das características do plano, aliado às propostas do racionalismo carioca se fazem sentir em alguns aspectos. As superquadras 107 e 108 Sul foram integralmente projetadas pelo arquiteto, e deveriam servir como referência para das demais. Sobre isso, Nauro Esteves afirma que dada a urgência na elaboração de projetos, foram definidos seis tipos de quadra que deveriam ser distribuídas ao longo das asas.[28]

 

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959).  Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Embora possuam, em seu conjunto, grandes nuances, alguns projetos são sempre lembrados pela generosidade do desenho de seus espaços públicos e pela qualidade de concepção de seus edifícios. A superquadra 308 sul (1959) apresenta edifícios que variam pouco entre si. O projeto de Marcelo Campello e Sérgio Rocha com paisagismo de Burle Marx, feito para o Banco do Brasil, cria disposições espaciais no interior da quadra de rara propriedade, sendo constantemente referenciada como quadra modelo. Diferentemente dos projetos que vinham sendo desenvolvidos até então, este possui nove projeções no lugar das onze, aplicadas na maioria das quadras até então.[29] O projeto para a quadra SQS 114 foi executado pela mesma equipe e guarda muitas semelhanças: a disposição dos blocos com os panos de vidro orientados todos de frente para o trajeto de circulação de veículos no interior da quadra; a presença de um edifício no centro da implantação com apenas quatro pavimentos, provavelmente, como meio de se manter uma linha de coroamento mais próxima entre cada bloco.

Outros arquitetos contribuíram enormemente para a configuração das quadras e uma merecida posição de destaque deve ser dada a Eduardo Negri que, atuando pela Caixa Econômica Federal, foi responsável por quase uma centena de blocos de apartamentos, principalmente nas quadras SQS 102, 202, 303, 111, 314. Helio Uchoa, responsável pelas quadras SQS 105 e 305; Luiz Henrique Pessina, Manoel Hermano e Marcílio Mendes Ferreira também são dignos de distinção.

 

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Ao nos atermos aos elementos de linguagem presentes em alguns exemplos dentre os blocos de superquadra, percebemos diversas proposições. Ainda que tenhamos parâmetros gerais para a concepção destes edifícios, há espaço para a aproximação criativa de cada autor, que irá dar diferentes tratamentos para as diversas partes que o compõe. Dentre as quais podemos citar: o dimensionamento e desenho dos pilotis (cilíndricos, prismáticos, em “V?; a opção pela transição de esforços entre os pilares que se elevam ao longo dos pavimentos e aqueles que se situam a rés do chão; tratamento de fachadas das ares sociais; tratamento de fachadas das áreas de serviço e assim por diante.

Os Blocos da SQS 107 e 108 (1958-1959) de Oscar Niemeyer apresentam uma clara definição plástica encarnada na economia de meios, na qual prevalece a alternância do tratamento que se dá às fachadas, ora elementos de proteção solar, ora planos envidraçados. Os pilotis apresentam robustez realçada pelo contraste entre as superfícies do piso e aquelas que revestem as colunas.  Os Blocos apresentam pouco contraste de cores entre superfícies, sendo esta variação alcançada por meio do jogo volumétrico entre as partes. Os blocos foram projetados para os funcionários públicos que foram transferidos para Brasília com a mudança da capital. O desenho dos arruamentos compõe de maneira equilibrada e consistente a delimitação entre áreas de circulação e demais trechos, onde se situam parques, jardins e gramados.

Os já referidos edifícios da SQS 308 (1959) de Marcelo Campelo e Sérgio Rocha possuem uma fisionomia caracterizada pela duplicidade entre as fachadas principais. O desenho das esquadrias que revestem a fachada das atividades sociais obedece à rígida modulação, percorrem o pé direito do piso ao teto. São pintadas na porção inferior obstruindo parcialmente a permeabilidade visual, garantido a devida privacidade ao interior dos apartamentos. O desenho dos pilotis é prismático e nos acabamentos das superfícies no térreo, há uma combinação que confere austeridade ao mesmo: pisos em cerâmica preta, paredes revestidas em mármore e peças cerâmicas pintadas com elementos geométricos. Os intervalos entre cheios e vazios valorizam seus interiores, tanto quanto o cuidado com o qual são concebidos os arruamentos, as peças de mobiliário urbano e a disposição do paisagismo, de Roberto Burle Marx.

 

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

Os blocos das SQS 305 e 105 (1959) de Hélio Uchôa apresentam a aplicação de elementos da linguagem racionalista carioca, na ordenação espacial e elementos de vedação. A imagem que transmite a fachada destes edifícios é quase membrana, uma tessitura na superfície que permite estes elementos serem lidos de perto e à distância. De igual maneira se dão os revestimentos da superfície nos edifícios de Marcílio Mendes Ferreira para a SQN 206 (1977-78). Sobre os pilotis de desenho expressivo e robusto, a barra dos apartamentos possui as delimitações externas caracterizadas pela cadência de elementos pré-moldados em concreto, que sombreiam as fachadas da incidência solar mais acentuada. Também por elementos em concreto é constituída a fachada do Edifício R3 (1972) de Milton Ramos localizado na SQS 203. Sobre um arranjo de pilares moldados em loco que configuram os pilotis estão dispostos, em cada piso, elementos de concreto que servem simultaneamente como sustentação e vedação. Estes elementos retangulares apresentam uma elevação como um troco de pirâmide em negativo e ora são opacos, ora possuem esquadrias com aberturas do tipo máximo ar.

 

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Estes exemplos se somam a outros de igual importância e são fundamentais para que se possa historiar a arquitetura que se desenvolve em Brasília nos primeiros anos a partir de sua inauguração. O tipo moderno representado pelo edifício de superquadra oferece a possibilidade de desvendarmos caminhos propositivos, identificando as nuanças presentes em cada uma dessas materializações. A concepção geral dos projetos lançada por Lucio Costa define parâmetros gerais para a proposição destes criadores empenhados em conferir à cidade, os aspectos essenciais à sua perenidade histórica, tanto quanto em propor soluções que demonstrem certas filiações, escolhas e a maneira de assimilar influências e transformá-las.

conclusão

O patamar significativo que se atinge em Brasília da conjugação entre características de ordem urbana e edilícia, permite que possamos compreender os blocos de superquadra com um tipo representativo da modernidade arquitetônica. A realização do Plano Piloto de Brasília permite que sejam levantadas, analisadas e discutidas diversas características físicas e espaciais que embasaram o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira. Dentre os diversos setores da cidade, a solução dos blocos residenciais de superquadra, guarda elementos fundamentais presentes na definição dos espaços urbanos propalada pelo movimento moderno no panorama internacional. Ao mesmo tempo, este tipo geral de edificação dá claras mostras de maneiras pelas quais os arquitetos envolvidos em sua construção lançaram mão de um determinado repertório de elementos plásticos, para a construção de determinada fisionomia.

O resultado do intervalo de possibilidades presentes nos parâmetros legislativos possibilitou riquezas nos resultados formais e arranjos espaciais presentes ao longo das quadras residenciais do Plano Piloto, não sendo possível definir uma filiação de linguagem restrita para estes edifícios. A leitura de seus elementos constituintes aponta para referências dissimiles e complexo sendo resultado da conjugação de características plásticas que manifestam nuances propositivas. Montar e compreender este repertório pode auxiliar na realização de estudo mais abrangente, direcionado para o entendimento da pluralidade e diversidade de nossa arquitetura moderna a brasileira.


notas e referências bibliográficas

[1] Estudos mais detidos e criteriosos sobre o tema podem ser encontrados em alguns volumes. Ver: Farès El-Dahdah. (Org.). Brasilia’s Superquadra. Cambridge e Munique: School of Design, Harvard, e Prestel, 2005. O livro citado acerca das superquadras é um apanhado organizado e bem estruturado sobre os dados históricos e as características de cada edifício em suas perticularidades, ver: GOROVITZ, Matheus; FERREIRA, Marcílio Mendes. A invenção da superquadra. Brasília: IPHAN, 2009.

[2] Em definição mais imediata o tipo, do grego typos (cunho, molde, sinal), é aquilo que inspira fé como modelo; coisa que reúne em si os caracteres distintivos de uma classe. O Termo foi objeto de estudo de diversos teóricos em diferentes campos do conhecimento, na filosofia, na sociologia, na arte. Na arquitetura uma das definições pioneiras pode ser encontrada na obra de Quatremère de Quincy. Seu estudo serviu como fonte e inspiração para discussão de diversos teóricos, críticos e historiadores, em reflexões críticas elaboradas principalmente a partir da década de 1960. A esse respeito ver: QUATREMÈRE DE QUINCY, Antoine Chysostome. Diccionario de arquitectura: voces teóricas. 1ª Ed. Buenos Aires: Nobuko, 2007. Neste trabalho o tipo será entendido como a idéia da arquitetura por meio da redução de particularidades de forma, como meio de observar em cada concepção suas características essenciais. Ver: ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ARGAN, Giulio Carlo. Sobre a tipologia em arquitetura. In: NESBITT, Kate. Uma Nova Agenda para a arquitetura, pp. 268.

[3] MACHADO, Marília Pacheco. Superquadra: pensamento e prática urbanística. Dissertação de mestrado, Brasília. UnB. 2007.

[4] LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p ?156.

[5] ESKINAZI, Mara Oliveira. A Interbau e a Requalificação Moderna do Oitocentista Hansaviertel em Berlim ?1957. 7° Seminário DOCOMOMO Brasil, 2007.p ?2 .

[6] MARTINS, Carlos A. Ferreira. Leitura Crítica. In: CORBUSIER, Le. Precisões: sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004 .p ?273.

[7] WINIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001. p ?8.

[8] Idem, p ?33

[9] As unidades residenciais em Brasília se constituem de superquadras, com 240×240 metros definidos por uma faixa de vegetação de 20 metros de largura e dispostas ao longo de uma estrada parque. COSTA, Lucio. Habitação Coletiva em Brasília. Módulo n° 12, fev. 1959, pp. 12 ?16.

[10] FICHER, Sylvia et. al. Uma Análise dos Blocos Residenciais das Superquadras do Plano Piloto de Brasília.2003

[11] COSTA, Lucio. O arquiteto e a sociedade contemporânea. In: Registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

[12] FRAMPTON, Keneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997

[13] ZEIN, Ruth Verde. O Lugar da Crítica: ensaios oportunos de arquitetura. Porto Alegra: Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001.

[14] [Modernism breaks decisively with this traditional system of architectural signification. Whereas the preindustrial baroque city provides another of public and private values by juxtaposing architectural conventions of repetition and exception, the modernist city is conceived of as the antithesis both of this made of representation and of its represented political order.] HOLSTON, James. The modernist city and the Death of The Street. In: LOW, Setha M. [Org.] Theorizing the City: The New Urban Anthology Reader. Rutgers University Press. 1999,

p ?265.

[15] HOLANDA. Frederico. O Espaço de Exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

[16] VALÈRY, PAUL. Eupalinos, ou o Arquiteto. São Paulo: Editora 34, 1996.

[17] Além dos citados textos de Marília Machado e Sylvia Fischer, o conjunto de obras dos edifícios de superquadra foi objeto de pesquisa coordenado por Matheus Gorovitz e Marcílio Mendes Ferreira em:

[19] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[20] Pensado inicialmente para a cidade de Alagados na Bahia.

[21] ALMEIDA, Jaime. Avaliação de Plantas de Apartamentos Econômicos em Torres Residenciais no Contexto das Construtoras. Paranoá Cadernos Eletrônicos, Brasília DF, 2003.

[22] WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001, p. 28 ?29.

[23] Antes do código de edificações de 1998(Lei no 2.105/98, regulamentada pelo Decreto no 19.915, de 17 de dezembro de 1998: Código de Edificações do Distrito Federal.), vigoraram outros três códigos de regulamentação em Brasília, aprovados nos anos de 1960 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal no 7, de 13 de junho de 1960: “Aprova a Consolidação das Normas em vigor para as construções em Brasília.?, 1967 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal ‘N?no 596, de 8 de março de 1967: Código de Edificações de Brasília (R.A.1) e Normas Complementares) e 1989. Sobre o último código é importante ressaltar que ?em>dada a importância atribuída à listagem da Unesco e a aprovação das sugestões de Costa, o Código de 1989 incorporou na íntegra os textos do Decreto no 10.829/87[23] e do Brasília revisitada, não apresentando o formato legislativo de praxe. Por seu lado, a nova Câmara aprovou em 1993 uma Constituição própria do Distrito Federal[23], a qual tornou obrigatória a elaboração periódica de planos diretores. Assim, Brasília passava a ser objeto do controle urbanístico tanto de órgãos federais como distritais, em uma coabitação nem sempre das mais harmoniosas.?ver: Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[24] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Op. Cit.

[25] NIEMEYER, Oscar. Considerações sobre a Arquitetura Brasileira. Módulo, Ano 03, n° 7, fev. 1957, pp. 5 ?10

[26] [É a partir da aliança entre função, materiais e procedimentos construtivos que Le Corbusier havia estabelecido os seus cinco pontos de uma arquitetura nova, defendendo o pano de vidro e inventando o brise-soleil.] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões Brasileiras. Sobre um Estado Passado da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Tese de Doutorado, Universidade de Paris VIII- Vincennes- Saint Denis, 2002.

[27] BRAGA, Darja Kos. Arquitetura residencial das superquadras do Plano Piloto de Brasília: aspectos de conforto térmico. Brasília: Universidade de Brasília, 2005.

[28] MACHADO, Marília Pacheco. Op. Cit, p ?89.

[29] Idem, p ?74.


Carlos Henrique Magalhães
Arquiteto e Urbanista (UnB, 2006), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB,2009).

Contato
grao.ds@gmail.com

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Idéias e Soluções Sustentáveis para Urbanização e Habitação Social no Brasil

Inscrições até: 15.05.2009
Entrega dos trabalhos: 12.06.2009

Em sua quarta edição, o Prêmio Caixa-IAB pela primeira vez operará com a vigência da lei nº 11.888, sancionada em 24/12/2008. Segundo a nova lei, as famílias de baixa renda terão oportunidade assegurada quanto à assistência técnica pública e gratuita, para o projeto e construção de habitação de interesse social.

Dentro deste novo contexto, o Prêmio Caixa-IAB constitui não apenas uma premiação a soluções projetuais e construtivas inteligentes com cada vez mais reais possibilidades construção, mas também um forum nacional para discussão de meios de participação ativa dos arquitetos no atendimento das demandas habitacionais da maioria da população brasileira.

Divulgação dos resultados: 23.jun.2009
Cerimônia de Premiação: 01.07.2009

Promoção: Instituto de Arquitetos do Brasil
Patrocínio: CAIXA
Apoio: IAB – Distrito Federal

[Esta notícia é uma parceria com o Portal Concursos de Projeto. Mais informações sobre este concurso em concursosdeprojeto.org]

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Habita莽茫o – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/01/02/assistencia-tecnica-gratuita-agora-e-lei/ //28ers.com/2009/01/02/assistencia-tecnica-gratuita-agora-e-lei/#comments Fri, 02 Jan 2009 18:42:16 +0000 //28ers.com/?p=700 Continue lendo ]]> Foi promulgada em dezembro a lei 11.888/2008, que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Na prática, a lei significa a criação de um sistema de financiamento público para a remuneração do trabalho de arquitetos, urbanistas e engenheiros envolvidos no projeto e administração de habitação de baixa renda.

Google Maps
Vila Estrutural – Distrito Federal. Fonte: Google Maps

A lei é fruto de uma iniciativa do arquiteto e então Deputado Federal Clóvis Ilgenfritz juntamente com o IAB-DN em 2001. O presidente do IAB à época – arquiteto Haroldo Pinheiro – explica a mdc que a idéia surgiu na década de 1970, quando um grupo de arquitetos gaúchos – dentre os quais Ilgenfritz e Carlos Maximiliano Fayet – organizou-se em busca de patrocínio para levar a cabo o que então foi batizado de ATME – Assistência Técnica à Moradia Econômica, tendo realizados diversas obras. Em 2006, o também arquiteto e Deputado Federal Zezéu Ribeiro – com o apoio de diversas associações de classe –  iniciou o projeto de lei agora aprovado e promulgado.

A lei prevê diversas maneiras de se realizar a assistência técnica. O serviço poderá ser prestada tanto diretamente por profissionais servidores públicos, como também por integrantes de equipes de ONGs,   profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com atuação na área, e até mesmo por profissionais autônomos ou integrantes de equipes de pessoas jurídicas, previamente credenciados, selecionados e contratados pelos órgãos públicos.

Segundo Haroldo Pinheiro, os recursos federais para a assistência técnica pública deverão ser canalizados através da Caixa Econômica Federal. Os profissionais locais deverão procurar os governos estaduais e prefeituras, que realizarão os convênios e termos de parceria para viabilizar a prestação de serviços.

Trata-se de importante iniciativa que pode alterar radicalmente o perfil profissional da arquitetura e engenharia no país. Cabe agora aos arquitetos e urbanistas agir em organizações e grupos para construir esta nova realidade.

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Alexandre Brasil Garcia

[Ler o artigo em PDF]

Este trabalho tem origem na dissertação de mestrado em curso, a ser apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Escola de Minas da Universidade Fede­ral de Ouro Preto (UFOP) na área de concentração: Construções Metálicas. O tema do trabalho surgiu da decisão de integrar o programa de pós graduação da UFOP à pesquisa Habitar Belo Horizonte: Ocupando o Centro (HBH), Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP) e a Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EAUFMG-PRJ). O HBH tem como objetivos gerais ?em>o desenvolvimento de instrumentos de planejamento, gestão urbana e de política habitacional, capazes de viabilizar a ocupação dos centros das cidades de médio e grande porte com assentamentos habitacionais populares, reaproveitando edificações desocupadas em processo de deterioração, requalificando áreas degradadas, e substituindo edificações horizontais sem indicação para a preservação?[1].

A presente pesquisa trata de modo específico da exposição de um sistema para realização de assentamentos habitacionais populares capazes de viabilizar a ocupação de regiões degradadas do centro de Belo Horizonte a partir do emprego integral de tecnologias construtivas industrializadas.

As áreas centrais das grandes cidades brasileiras vivem hoje um processo de desvalorização e degradação contínuas. Parte deste problema está relacionada às sucessivas recessões ou baixos índices de crescimento econômico, parte se deve aos constantes deslocamentos das atividades que antes ali se realizavam para outras partes do município.

Com o esvaziamento dos centros, as atividades comerciais e de serviços se enfraquecem e o número de moradores decresce.  A mancha urbana se expande em direção à periferia na tentativa de assentar a população de baixa renda, ou ainda cresce com a finalidade de abrigar novas áreas de expansão imobiliária, geralmente destinadas às classes dominantes. Este crescimento, quando desordenado, incentiva a periferização e até a favelização, incrementando aos gastos públicos do município os custos de implantação de infra-estrutura urbana e transporte público para estas novas ocupações.

Enquanto isso, grande parte dos imóveis das regiões centrais se torna subutilizada e vazia. As atividades comerciais formais que antes ali se realizavam são rapidamente substituídas pelas informais acarretando uma mudança no perfil sócio-econômico dos moradores e usuários. Acelera-se o processo de deterioração do patrimônio histórico [2].

Se por um lado estas áreas centrais se tornam vazias e desvalorizadas, apresentando baixo valor comercial, por outro, conformam um generoso estoque imobiliário a ser aproveitado, com alto valor de uso. Poderiam ser ocupadas por uma parcela da população de baixa renda que atualmente não possui outra opção a não ser a de se instalar na periferia e ou em favelas, otimizando o aproveitamento da infra-estrutura urbana consolidada do centro. A reocupação incluindo habitação permitiria que estas áreas fossem repovoadas, revitalizadas através do uso, utilizadas em horários não comerciais, noturnos, finais de semana e feriados; aumentando a segurança pública a partir da presença constante de transeuntes.

Jane Jacobs em Morte e Vida de Grandes Cidades nos diz de um princípio que fala de ?em>é a necessidade que as cidades têm de uma diversidade de usos mais complexa e densa, que propicie entre eles uma sustentação mútua e constante, tanto econômica quanto social (…)? E acrescenta, ?em>zonas urbanas malsucedidas são as que carecem desse tipo de sustentação mútua complexa e que a ciência do planejamento urbano e a arte do desenho urbano, na vida real, devem tornar-se a ciência e arte de catalizar e nutrir essas relações funcionais densas?[3]. A vitalidade de outrora poderia ser recuperada através da presença de habitação de interesse social no centro de Belo Horizonte.

No entanto, é preciso estudar meios para se aplicar parâmetros urbanísticos e arquitetônicos peculiares à população que se pretende atrair: ações que possam promover a diversidade social e funcional destas áreas com a finalidade de induzir desenvolvimento urbano; incentivos cuidadosos que garantam que tais regiões não se tornarão alvos fáceis para o ataque dos especuladores imobiliários.

No caso específico de Belo Horizonte, a pesquisa HBH tem como objeto de estudo a região contígua à avenida Santos Dumont, onde existem duas situações que são particularmente críticas na região. A primeira trata das edificações verticais desocupadas (hotéis, edifícios comerciais e residenciais) que podem ser adaptados para moradias. A segunda, de terrenos e edificações horizontais desocupados, sem indicação para preservação, e em mau estado de conservação. A avenida Santos Dumont pertence ao plano urbanístico original da cidade e constituí importante eixo de ligação entre a estação ferroviária, onde hoje funciona uma estação do metrô, e a rodoviária municipal.

Uma das premissas é propor a substituição destas edificações por outras, mais novas, visando o esgotamento de um potencial construtivo que nunca se consolidou, previsto na Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte.

Trazendo a discussão para o meio técnico e concentrando nesta segunda situação (terrenos e edificações horizontais desocupados, sem indicação para preservação, e em mau estado de conservação), como proceder à ocupação destes vazios, destes lotes, que surgiriam a partir da demolição das construções existentes?

Em se tratando do centro, a opção pelos sistemas industrializados de construção pode garantir soluções que contemplem rapidez na produção de unidades habitacionais e ainda garantir melhorias técnico-construtivas, procurando atender aos programas de controle da qualidade da construção habitacional [4]. Em virtude da carência de espaços para a implantação de grandes canteiros de obra no centro, uma racionalização de todo o processo evitaria transtornos nas importantes vias de trânsito intenso que constituem sua malha. Estes e outros fatores somados ao fato de termos no Brasil de hoje um déficit habitacional que gira em torno de 6,6 milhões de unidades habitacionais [5], a inclusão da industrialização nos processos relacionados à construção civil para realização de habitação de interesse social se revela uma solução adequada.

Justifica-se então pensar um sistema e não um projeto específico, que em princípio, parta da racionalização: que permita a realização de assentamentos habitacionais populares capazes de viabilizar a ocupação de regiões degradadas do centro de Belo Horizonte a partir do emprego de tecnologias construtivas industrializadas; uma coordenação modular que compatibilize as diferentes escalas envolvidas no problema: a urbana, habitacional e relativa à técnica e a construção.

A escala urbana, aqui tratada, está relacionada à sua malha, a suas dimensões, e compreende o desenho das quadras e as subdivisões em lotes. Belo Horizonte traz em sua origem, uma ordenação geométrica do território, que teve como ponto de partida o traçado das vias. Aarão Reis, o autor do plano original, no final do século XIX, propôs a área urbana dividida em quarteirões de 120×120 metros, definidos por uma malha de ruas com 20 metros de largura e sobre esta, uma outra, girada 45 graus em relação à primeira, destinada às avenidas com 35 metros de largura, confirmando sua maior importância. Apenas a uma das avenidas, a Avenida Afonso Pena, foi dada a largura de 50 metros para constituí-la em centro obrigatório da cidade, que corta a zona urbana de norte a sul. Algumas variações nestas quadras existem devido às intercessões à 45º das ruas com as avenidas ou em decorrência de alguma adaptação do desenho urbano à presença do rio. Estas quadras foram subdivididas em módulos menores conformando lotes que variam de 15×30, 15×60, 20×30, 20×60 e ainda em outros submúltiplos derivados do processo de sua ocupação. O objeto deste estudo é o conjunto das quadras de traçado homogêneo quadrangular de lados 120 x 60 metros e 120 x 75 metros existentes ao longo da avenida Santos Dumont.

A escala habitacional esta relacionada às dimensões essenciais dos espaços que constituem um apartamento básico. Tomando como parâmetro outros empreendimentos habitacionais existentes e baseando-se no que vem sendo praticado pela Cohab, CDHU, e construtoras particulares, em média podemos verificar uma caracterização de tipos de apartamento através de suas dimensões mínimas em metros quadrados. As mais usuais são: o apartamento quitinete com 27m2, o apartamento de um quarto com 36 m2 e o apartamento de 2 quartos com 45 m2.

Estas dimensões dos ambientes podem ser pensadas em múltiplos de módulos de 3×3 metros, que por sua vez constituem múltiplos das dimensões das quadras e dos lotes. Um quadrado de 3 metros de lado pode abrigar um quarto compatível com as dimensões mínimas exigidas pelo código de obras do município de Belo Horizonte [6]. Estas mesmas dimensões podem resolver um módulo hidráulico onde se concentrariam as áreas molhadas, cozinha, lavanderia e banheiro, da unidade habitacional. Este módulo de 3×3 metros se somado a outro de mesmas dimensões pode conformar um ambiente de uso múltiplo com 18 metros quadrados. O agrupamento destes módulos de 3×3 metros gera opções múltiplas de configurações de unidades habitacionais. A inexistência de afastamentos laterais e frontais na região permite este raciocínio [7]. A associação e a disposição destas unidades no espaço das quadras desenham a ocupação.

A escala relativa à técnica e à construção se baseia nas dimensões dos componentes construtivos industrializados. Em quase todos os países que adotam o sistema métrico encontramos produtos com frações exatas do valor de 1.200 milímetros. Medida que compreende em um módulo de 3.000 milímetros, 2,5 vezes a dimensão de 1.200 milímetros (em metros: 2,5×1,2=3). Em 6.000 milímetros a correspondência a 5 módulos de 1.200 milímetros (em metros: 5×1,2=6). Portanto esta proporcionalidade que existe entre grande parte dos produtos existentes no mercado e o módulo proposto de 3×3 metros se faz econômica e racional. Prova disso são, por exemplo, as vedações mais comuns: tijolos (200 ou 300 milíme­tros), as placas acartonadas (1.200 milímetros) com sustentação baseada em perfis espaçados de 600 em 600 milímetros. Nos revestimentos temos as cerâmicas com 150×150, 200×200, 300×300, 400×400 milímetros. Nos elementos da estrutura principal em aço, pilares e vigas, também encontramos dimensões padrões reguladas a partir de múltiplos de 1.200 milímetros. A modulação de componentes construtivos fabricados a partir de aços planos é baseada no comprimento padrão da chapa fabricada, 3.000 e 6.000 milímetros.

A opção em utilizar um módulo de 3×3 metros se torna pertinente, pois permite a coordenação das escalas urbana ?o dimensionamento das quadras e lotes, a escala habitacional – as dimensões dos ambientes essenciais em uma unidade habitacional de interesse social e a escala relativa à técnica e a construção ?o módulo estrutural básico.

Por fim, a coordenação modular empregada neste estudo garante a racionalização e a conseqüente padronização dos elementos construtivos gerando economia e melhorias na qualidade final da construção. Transforma a modulação arquitetônica em ferramenta que integra estrutura principal aos espaços arquitetônicos desejados e ainda aos demais componentes da construção. Contribui para o enriquecimento do debate relativo à recuperação de zonas centrais degradadas de Belo Horizonte, envolvendo as escalas sociais, urbanísticas e tipológicas.

referências bibliograficas

BELO HORIZONTE, Prefeitura Municipal. Decreto Lei 84 de 21 de Dezembro de 1940. Aprova o regulamento de construções da prefeitura de Belo Horizonte (Código de Obras).
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Lei No 7165 de 27 de Agosto de 1996. Plano Diretor do Município de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Lei No 7166 de 27 de Agosto de 1996. Estabelece normas e condições para parcelamento, ocupação e uso do solo urbano no Município.
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Lei No 8137 de 21 de Dezembro de 2000. Altera as leis Nos 7.165 e 7.166, ambas de 27 de Agosto de 1996, e dá outras providências.
JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 516 p.
 MALARD, Maria Lúcia (coordenadora) e outros. Habitar Belo Horizonte ?Ocupando o Centro. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 2003 (Projeto de Pesquisa).

notas

1.  (MALARD, 2003:1)
2.  Em 2003 o Ministério das Cidades através da Secretaria Nacional de Programas Urbanos lançou o Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais que tem como principais objetivos reverter o processo de esvaziamento e degradação das áreas centrais a partir do estímulo à utilização de imóveis ociosos.
Ministério das Cidades. Disponível em: <//www.cidades.gov.br//index.php?option=content&task=section&id=204. Acesso em 20 fev. 2006.
3.  (JACOBS, 2000:12).
4.  Importante ação contemplada pela Política Nacional de Habitação: implementação de medidas voltadas à moder-nização da produção habitacional, a cargo da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, por meio do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat – PBQP-H.
Ministério das Cidades. Apresenta informações sobre o Ministério das Cidades. Disponível em: <//www.cidades.gov.br/index.php?option=content&task=section&id=16&menupid=213&menutp= habitacao>.  Acesso em 28 jun. 2005.
5.  O déficit habitacional brasileiro foi estimado em 6.656.526 novas moradias em 2000, com incidência notadamente urbana, que abrange 81,3% do montante brasileiro. A Região Nordeste lidera a demanda habitacional, com necessidades estimadas em 2 631 790 unidades (39,5% do total) e com parcela expressiva do problema a ser equacionado na área rural: há demanda habitacional por 902 733 novas moradia rurais, o que corresponde a  72,7% do déficit habitacional rural brasileiro. Junto com a região Sudeste, representam 75,8% do déficit habitacional brasileiro. A maior parcela da estimativa do déficit é composta pela coabitação familiar (56,1%) seguida pelo ônus excessivo com aluguel (18,2%), sendo que nas regiões metropolitanas esses percentuais são, respectivamente, 65,4% e 22%. Instituto Polis. Apresenta informações sobre o instituto. Disponível em: <//www.polis.org.br/tematicas.asp?cd_camada1=16&cd_camada2=117&gt;. Acesso em 10 fev. 2006.
6.  BELO HORIZONTE, Prefeitura Municipal. Decreto Lei 84 de 21 de Dezembro de 1940. Aprova o regulamento de construções da prefeitura de Belo Horizonte (Código de Obras). Art. 65 a Art. 71. Os compartimentos de permanência prolongada, como os dormitórios e os ambientes de estar, deverão ter a área mínima de oito metros quadrados (8 m2).
 7.  BELO HORIZONTE, Prefeitura Municipal. Lei No. 7166 de 27 de Agosto de 1996. Estabelece normas e condições para parcelamento, ocupação e uso do solo urbano no Município.

alexandre brasil garcia (1973)
Arquiteto e Urbanista (EA-UFMG – 1997) e Mestrando em Construções Metálicas – (UFOP – 2004-2006), foi professor na UFMG (2002-2004), autor de diversos projetos e obras destacados em premiações como o 6º e 7º Prêmios Jovens Arquitetos (2004-2005), a 4a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (1999), O Eixo das Três Praças em Formiga-MG, 1997, 1o lugar;  Concurso Público Praça Milton Campos em Betim-MG, 1999, 1o. lugar; Concurso Nacional Attílio Correa Lima, Requalificação da Praça Cívica, Requalificação da Avenida Goiás, Requalificação da Praça dos Trabalhadores, Goiânia-GO, 2000, 1o. lugar nas três áreas; 4o Prêmio Nacional Usiminas de Arquitetura em Aço, Centro de Arte Corpo, Nova Lima-MG, 2001; Prêmio Idéias para o Parque Tecnológico de Belo Horizonte-MG, 2003;  Possui escritório próprio desde 1996.

contato: alexandrebrasil@arquitetosassociados.28ers.com |  www@arquitetosassociados.28ers.com

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