Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Fri, 08 Apr 2011 15:42:38 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2011/02/17/da-insustentabilidade-do-plano-piloto/ //28ers.com/2011/02/17/da-insustentabilidade-do-plano-piloto/#comments Thu, 17 Feb 2011 20:16:27 +0000 //28ers.com/?p=4662 Continue lendo ]]>

Jorge Guilherme Francisconi

Introdução

É muito provável que a grande maioria das pessoas pense que o Plano Piloto de Brasília conta com aquela sólida fundamentação urbanística que as leis de Planos Diretores oferecem e que a legislação federal exige. Mas nada disso acontece. Vencido o ano do cinquentenário da inauguração da Nova Capital, o Plano Piloto permanece desprovido da fundamentação urbanística exigida pela civitas civitatis do Brasil, núcleo urbano tombado pelo IPHAN, Patrimônio da Humanidade pela UNESCO e também núcleo [core] de metrópole com mais de três milhões de habitantes. Ao contrário do restante do território do Distrito Federal, que segue o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal [PDOT/DF], a urbanização do Plano Piloto não dispõe de fundamentos jurídicos sólidos visto ser inaplicável e insustentável o marco institucional estabelecido pelo GDF, mediante o Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987, e ratificado pela Portaria 314 do IPHAN, de 08 de outubro de 1992, que são as normas que sustentam a preservação do plano-piloto de 1957.

A insustentabilidade urbanística que se estabelece a partir do fato de que há duas questões que o Decreto não responde: [i] qual é o plano-piloto a ser adotado? [ii] quais são as características essenciais de cada escala urbana? Isso porque o Decreto é um instrumento legal que aprova dois planos urbanos diferentes [plano-piloto original e plano-piloto construído], como se iguais fossem, para definir o plano diretor da mesma área urbana [Plano Piloto]. Além disso, estabelece que a concepção urbana da cidade adotará as características essenciais de conceito urbanístico criado por Lucio Costa [escalas urbanas], mas as características das escalas nunca foram definidas. Ou seja: o Plano Piloto de Brasília não dispõe dos fundamentos jurídico-normativos exigidos para promover uma urbanização sustentada.

Pode-se imaginar que algumas pessoas dirão que os argumentos não procedem visto que o Decreto caducou porque não atende ao Estatuto da Cidade1. Vale lembrar que a Lei Orgânica do DF valida o Decreto e a Portaria quando, em 1996, acrescentou um inciso no Art. 3o da Lei Orgânica [Emenda à Lei Orgânica nº 12], segundo o qual cabe ao Governo do Distrito Federal:

XI ?zelar pelo conjunto urbanístico de Brasília, tombado sob a inscrição nº 532 do Livro do Tombo Histórico, respeitadas as definições e critérios constantes do Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987, e da Portaria nº 314, de 8 de outubro de 1992, do então Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural ?IBPC, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ?IPHAN. [grifo nosso]

O Plano Piloto recebe tratamento diferenciado, no PDOT, devido a este inciso da Lei Orgânica. Para esta área cabe aprovar o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília [PPCUB], cuja minuta está sendo elaborada por empresa consultora contratada pela SEDUMA/GDF.

Aqui o objetivo maior é analisar, com cuidado e profundidade, o impacto do Decreto no. 10.829/87, elaborado a partir do texto Brasília Revisitada, como marco urbanístico definido pelo Governo Federal para preservar os valores urbanos e atender exigência da UNESCO quando do pleito para que o Plano Piloto de Brasília fosse qualificado como Patrimônio Cultural da Humanidade. Para atender a estes objetivos caberia elaborar um Decreto conceitualmente sólido para fins de valorizar, preservar e consolidar os valores urbanos do plano-piloto, segundo as características essenciais de cada escala. Mas, como se verá, o Decreto não oferece a fundamentação exigida e por isso torna-se necessário refazê-lo para fins de planejamento e gestão do Plano Piloto. Esta constatação poderá, por certo, colidir com textos pouco técnicos e muito literários, surgidos ao longo das últimas décadas, mas que não analisam os equívocos e a precisão conceitual do Decreto Brasília Revisitada. E sobre estas diferenças de pontos de vista caberá a cada um formular seu juízo.2

Os dois planos-piloto de 1957

No transcorrer do ano de 1957, dois planos-piloto foram criados para a Nova Capital do Brasil, ambos sob a égide de Lucio Costa. O primeiro foi o plano-piloto original selecionado por júri internacional como vencedor do concurso para a Nova Capital. O segundo foi o plano-piloto que orientou a construção do Plano Piloto. Os dois projetos são mencionados por Lucio Costa em Brasília 57 ?85: do plano-piloto ao Plano Piloto, documento cuja redação coordenou, faz trinta anos, para atender o convite de Luis Cordeiro e Tânia Battella, membros do Governo do Cel. José Ornellas, para que fizesse o “check-up?urbanístico e apoiasse em ações de gestão e planejamento do Plano Piloto.

Fig.1 ?Plano-Piloto original ?vencedor segundo júri internacional [1957] Fonte: Brasília 57-85. p. 29

Fig.1 ?Plano-Piloto original ?vencedor segundo júri internacional (1957). Fonte: Brasília 57-85 p.29

Em Brasília 57?5 constam os dois projetos do plano-piloto e Lucio Costa trata desta reformulação do projeto original ao lembrar que ?em>no inicio do desenvolvimento do projeto houve sempre a intenção de fidelidade ao risco original, tanto por parte da Divisão de Urbanismo como das autoridades ?respeitar o plano-piloto era ponto pacífico…? E destaca: ?em>a Brasília que hoje existe é muito parecida com a Brasília inventada por seu autor.?sup>3. Esta observação caracteriza o fato de o projeto original não corresponder ao projeto adotado na construção do Plano Piloto porque, ainda em 1957, houve a decisão de refazer o plano-piloto original e projetar o plano-piloto construído.

Em 1985, Lucio Costa participa da elaboração do Decreto Brasília Revisitada, em cujo texto consta o plano-piloto original no Art.1o e nos anexos [Fig.1], assim como consta o plano-piloto usado na construção da Nova Capital, que não é mencionado nos artigos do Decreto, mas cujo mapa [Fig.2] consta nos anexos e é utilizado para definir os perímetros de cada escala urbana na área do Plano Piloto [Fig.4].

O decreto foi elaborado para atender exigência de parecer do ICOMOS para UNESCO que era “favorável a inscrição de Brasília na lista do Patrimônio Mundial?desde que adotadas “medidas mínimas de proteção (que) garantam a salvaguarda da criação urbana de Costa e Niemeyer.?Face a aprovação do parecer pelo Conselho da UNESCO, em maio de 1987, foi promulgado o Decreto 10.829/87 para evitar o longo procedimento que envolve a aprovação de leis federais e locais. A base jurídica do Decreto é a Lei Federal no. 3.751/60, aprovada em 13 de abril para estabelecer “a organização administrativa do Distrito Federal?e cujo art. 38 foi inserido para atender preocupações quanto à preservação dos valores urbanísticos, arquitetônicos e culturais do Plano Piloto. Para tanto este artigo estabelece que: ?em>Qualquer alteração no Plano Piloto, a que obedece a urbanização de Brasília, depende de autorização de lei federal?/em>. Este texto sustenta o Decreto no10.829/87, publicado em 14/Out/1987 no Diário Oficial do Distrito Federal, cujo Artigo 1o trata da concepção urbana do plano-piloto e estabelece que:

Art. 1o. ?Para efeito da aplicação da Lei no. 3.751 […] entende-se por Plano Piloto de Brasília a concepção urbana da cidade, conforme definida na planta em escala 1/20.000 e no Memorial Descritivo e respectivas ilustrações que constituem o projeto de autoria do Arquiteto Lucio Costa, escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso para a construção da nova Capital do Brasil.?/em> [grifo nosso]

Com isso o Decreto incorre em equívoco quando estabelece que o Plano Urbano adotado na construção do Plano Piloto é aquele escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso. Afirmação que não corresponde a verdade visto que não foi o que aconteceu. Há significativas diferenças entre a concepção urbana do projeto aprovado pelo júri internacional [Fig.1] e o projeto da Divisão de Urbanismo da NOVACAP [Fig.2] e que foi adotado na construção cidade. Ainda que os dois projetos sejam parecidos do ponto de vista urbanístico, é impossível tratar dois projetos urbanos parecidos numa mesma norma legal, como se iguais fossem, dado que não adotam fundamentos jurídicos e administrativos iguais para fins de planejamento e gestão. Desta forma, Brasília Revisitada sanciona o plano-piloto original [Art.1o] e consolida, no restante do texto e nos Anexos, o plano-piloto construído.

Fig.2 ?Plano piloto construído ?produto da NOVACAP (1957). Fonte: Brasília 57-85. p.29

As alterações no projeto original constam em recente artigo de Maria Elisa Costa4 e podem ser identificados mediante comparação da Figura 1 [planta em escala 1/20.000 – Art. 1o] com a Fig.2 [adotada na construção do Plano Piloto]. As alterações do plano-piloto original envolveram a nova inserção da cidade no território e mudanças em projetos específicos, como a Plataforma Rodoviária e o entorno. Também foi alterada a localização de atividades e funções urbanas, como o jardim zoológico e o jardim botânico, de inicio localizados no Eixo Monumental do plano-piloto, assim como houve a supressão, criação e realocação de setores, como as Quadras 01.

As alterações do plano-piloto original ao plano-piloto construído foram feitas por equipe da NOVACAP coordenada por Augusto Guimarães Filho, profissional que sempre trabalhara com Lucio Costa e que foi por ele indicado para coordenar o desenvolvimento do projeto, a partir de escritório no Rio de Janeiro. As alterações feitas no projeto inicial da civitas não alteraram a essência urbanística e simbólica, mas alteraram a condição urbana, o assentamento no território, a infraestrutura, a disposição funcional ao longo dos eixos viários estruturadores [Fig.3] e criaram uma bolha urbana ao distanciar a Estação Ferroviária da Plataforma Rodoviária.

A sucinta comparação do plano-piloto original com o plano-piloto construído permite dimensionar o conflito criado pelo Decreto no.10.829/87 quando, 27 anos após a inauguração de Brasília, este oficializa o plano-piloto original e não aquele adotado na construção de Brasília. Um dúbio paradoxo reforçado pela inclusão dos dois Planos Urbanísticos como anexos do Decreto no.10.829/87, ao lado de textos de Lucio Costa que tratam das escalas e de conceitos de natureza geral e de natureza específica.

Por outro lado, é importante lembrar que a proposta original de Lucio Costa correspondeu ao conceito de Plano Piloto exposto por Le Corbusier em correspondência ao Mal. Jose Pessoa, ainda em 1955.5 Segundo Le Corbusier, “Plano Piloto significa a expressão pelo desenho e pelos textos das idéias de ordem geral e particular que a minha experiência permite submeter …? Quanto ao desenvolvimento deste Plano Piloto, a tarefa caberia aos brasileiros. Ou seja, o conceito de Plano Piloto adotado no Edital de Licitação para o Projeto da Nova Capital era aquele de Le Corbusier e não correspondia àqueles de Plano Diretor Urbano adotados nos anos cinquenta.

Fig.3 ?Alterações no plano piloto

Fig.3 ?Alterações no plano piloto. Fonte: Brasília 1960 2010 passado, presente e futuro. p.53

As alterações feitas no plano-original por autoridades e pela Novacap resultaram em projeto “parecido? visto que mantém os fundamentos básicos, mas onde constam fortes alterações funcionais. A Fig.3 sintetiza as mudanças mais vigorosas, visto que apenas a área tracejada corresponde às funções urbanas originais. Todas as demais áreas urbanas constituem alterações para (i) suprimir a função granjas e implantar áreas habitacionais unifamiliares, (ii) ocupar áreas sem destinação com atividades funcionais múltiplas; ou (iii) suprimir área habitacional de superquadras para implantar atividades próprias da área central.

A relocação de atividades urbanas e redefinição de padrões urbanísticos levou a criação de dois planos-pilotos “parecidos? como diz Lucio Costa, mas diferentes quanto a concepção urbana e totalmente diferentes quanto a exigências administrativas, jurídicas, de planejamento e de gestão. Este fato caracteriza a fragilidade do marco normativo visto que, juridicamente, todo e qualquer plano urbanístico constitui um todo único e diferenciado.

Face estas observações seria necessário promover uma fundamentada e urgente revisão do Artigo 1o do Decreto no 10. 829/87, quanto à concepção urbanística de Brasília, para que o plano-piloto seja único, dotado de fundamentos conceituais sólidos e corresponda às exigências de marco urbanístico do Plano Piloto do Distrito Federal.

Características Essenciais de cada Escala Urbana

O Decreto Distrital de no 10.829/87, que regulamenta a Lei Federal de no 3751/60, também exige a definição das características essenciais de cada escala urbana, para que estas possam ser aplicadas no planejamento e gestão do Plano Diretor, visto que seu Art. 2o estabelece que:

Art. 2º – A manutenção do Plano Piloto será assegurada pela preservação das características essenciais de quatro escalas distintas em que se traduz a concepção urbana da cidade: a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica. [grifo nosso]

Mas estas características essenciais ainda não foram definidas e são poucos os que sabem que Lucio Costa só criou seu conceito de escalas urbanas e de jogo de escalas no final de 19616. Quase dois anos depois de sancionado o mencionado artigo 38 da Lei federal no 3.751/60 e inaugurada a Nova Capital7. A teoria das escalas urbanas foi criada para explicar a concepção original do plano-piloto e a menção feita no Artigo 2O. implica em que estas características essenciais devam ser definidas. Mas decorridos mais de trinta anos de vigência do Decreto, as escalas urbanas permanecem sem definição e nesta condição não há como aplicá-las. Com isso se estabelece a segunda insustentabilidade do Decreto Brasília Revisitada, visto que até hoje não foram definidas as funções e atividades urbanas que correspondem a cada escala urbana, o que impede sua aplicação na práxis da gestão urbana, em especial quanto a promover zoneamento que defina os territórios onde cada escala urbana é dominante e qual o jogo de escalas que deverá ser promovido.

A inocuidade do Art. 2o. quanto as escalas urbanas reforça a confusão criada pelo Decreto no 10.829/87 no planejamento e gestão do Plano Piloto, uma constatação que talvez colida com apressadas conclusões de especialistas pouco familiarizados com a teoria da escala urbana criada como fundamento teórico para justificar projetos de 1957. Para Lucio Costa, a prática é o plano-piloto, a teoria é a escala urbana8, mas por ora, a teoria das escalas urbanas permanece inócua porquanto incompleta. E assim permanecerá enquanto não forem definidas as características essenciais da cada escala, quais sejam a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica.

Fig.4 ?Concepção Urbanística de Brasília

Fig.4 ?Concepção Urbanística de Brasília. Fonte: Brasília : preservando o patrimônio da humanidade Porto Alegre: RS Projetos, 2010. p.15

As definições disponíveis, como aquelas feitas por Lucio Costa para o anexo do Decreto Brasília Revisitada, oferecem adjetivos e exemplos que não atendem às exigências mínimas da ciência urbanística porque não indicam funções e usos, nem os padrões de urbanização que correspondem a cada escala no território do Plano Piloto. A exigência quanto a conceituação das escalas consta no art. 2o. do Decreto, mas como o conceito não foi definido, não há como saber do que se trata e como será delimitado o território para sua aplicação. A Fig.4 apresenta o território de cada escala como definido faz um quarto de século. Desde então os perímetros permanecem congelados e tornou-se impossível estabelecer um jogo de escalas destinado, segundo Lucio Costa em 1961, a “caracterizar e dar sentido a Brasília [para] a cidade tomar verdadeiramente pé.?sup>9

Fig.5 ?Proposta de atualização da escala monumental

Fig.5 ?Proposta de atualização da escala monumental. Apresentada ao CONPLAN/DF em Novembro / 2010

O fato de que, ao longo quase meio século, a teoria tenha sido muito citada e nunca aplicada se deve, também, ao próprio Lucio Costa na medida em que não detalhou e desenvolveu a teoria que criara para sustentar os planos-piloto. Embora cite e descreva os valores de cada escala, ele não ofereceu fundamentação urbanística sólida e substantiva. Mesmo no Anexo I do Decreto Brasília Revisitada, não trata a questão de forma urbanisticamente adequada. Observe-se que neste Anexo irá indicar a escala monumental como igual ao caráter monumental, uma definição que contraria o Relatório de 1957, onde não consta a palavra escala e onde é dito que caráter monumental abrange todo Plano Piloto – “não no sentido da ostentação, mas no sentido da expressão palpável […] consciente daquilo que vale e significa? Em contrapartida, a escala monumental é indicada para uma parcela menor do Plano Piloto.

Esta ambigüidade conceitual talvez tenha motivado Maria Elisa Costa10 a rever o conceito e sua territorialidade, e elaborar proposta para ampliação da área da escala monumental de forma a abrigar três categorias de monumental: de elementos determinantes, de elementos incorporados e de elementos complementares. Seguindo esta linha de pensamento, no final de 2010 incorporei e ampliei sua proposta territorial para escala monumental [Fig.4] e apresentei a sugestão de novo perímetro [Fig.5] aos membros do CONPLAN/DF.

Questões conceituais e dúvidas semelhantes envolvem o entendimento e as funções que caracterizam o território da escala gregária e da bucólica. No Anexo de Brasília Revisitada, Lucio Costa conceitua a escala bucólica como território de “extensas áreas livres, para serem arborizadas ou guardando a cobertura vegetal nativa, diretamente contígua a áreas edificadas.?Bem mais tarde define a escala bucólica como sendo aquela destinada ”ao lazer?sup>11, mas não é isto que consta no Decreto Brasília Revisitada.

Como ocorre em toda e qualquer cidade viva, as normas rígidas e desatualizadas deste Decreto não impediram as expansões e mudanças funcionais no Plano Piloto, como a que se observa na expansão do território destinado à escala monumental sobre o território da escala bucólica [Fig.6], que ocorre sob a égide da excepcionalidade concedida a Oscar Niemeyer12, cujo escritório está legalmente capacitado para ignorar o Decreto Brasília Revisitada.

Conclusão

Fig.5 ?[Foto: Joana França. www.joanafranca.com]

Fig.6 ?(Foto: Joana França. //www.joanafranca.com)

Como conclusão pode-se dizer que os fundamentos do Decreto Brasília Revisitada, marco jurídico que rege a urbanização do Plano Piloto, não são sólidos, consistentes ou adequados. Por um lado, porque adota dois planos urbanos parecidos, mas diferentes, como Plano Piloto de Brasília. Por outro lado, porque não estabelece as características essenciais das escalas urbanas, conceitos urbanísticos fundamentais para sustentação do planejamento e da gestão do Plano Piloto. Como resultado, há uma fragilidade normativa e urbanística, que é reforçada por não estarem sendo cumpridas as exigências da legislação federal, em especial o Estatuto da Cidade.

Nestas condições é fundamental, para que o Plano Piloto seja preservado, fortalecido e que tenha suas funções consolidadas, que se defina o plano urbano [plano-piloto] que rege sua urbanização e quais as características essenciais e as funções de cada escala urbana, para após definir o perímetro em que cada escala será dominante no respectivo território e qual o jogo das escalas que será fomentado e permitido no tecido urbano do Plano Piloto. Este é o desafio que planejadores urbanos, juristas, arquitetos, urbanistas e ambientalistas, entre outros, devem enfrentar para preservar os valores da civitas civitatis nacional.

Brasília, 10 de fevereiro de 2011


notas

1 Agradeço Danilo Matoso Macedo por haver corrigido o entendimento, exposto em textos anteriores, de que o Decreto seria Federal e não Distrital, como de fato é, bem como pelo apoio editorial.

2 A verificação de que o Plano Piloto não tem sustentabilidade urbanística legal é fruto da conjuntura pessoal de estar redigindo livro sobre conceitos, comportamento e impacto de Lucio Costa, ao tempo em que participava do CONPLAN/GDF e do Conselho do IPHAN/DF, após ter prestado consultoria para equipes técnicas que elaboraram o projeto do PDOT/DF.

3 COSTA, Lucio. in Brasília 57-85: do plano-piloto ao Plano Piloto, Brasília : GDF/SVO/DAU ; TERRACAP/DITEC, 1985. p.27. Coordenador: Lucio Costa; Executores: Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas de Lima; Supervisão: Luiz Alberto Cordeiro e Tânia Battella de Siqueira. 145 p.

4 ver COSTA, Maria Elisa e LIMA, Adeildo Viegas em resumo de “Brasília 57-85: do plano-piloto ao Plano Piloto? in LEITÃO. Francisco. (org.). Brasília 1960 2010 Passado Presente e Futuro, Brasilia, SEDUMA/GDF, 2009.

5 LE CORBUSIER, carta enviada ao Marechal Jose Pessoa, apud VIDAL, Laurent, De Nova Lisboa a Brasília ?A invenção de uma Capital (seculos XIX ?XX), Brasilia: UnB, 2009. p.181.

6 O conceito de “escala urbana?foi tornado público por Lucio Costa em entrevista concedida ao jornalista Cláudio Ceccon e publicado na seçao de Arquitetura do Jornal do Brasil em 18 de novembro de 1961. Antes Lucio Costa havia formulado outras teorias explanatórias sobre seu projeto para o plano-piloto.

7 O artigo 2o. do Decreto regulamenta conceito que não existia quando a lei foi sancionada.

8 O fato da teoria para o plano-piloto de 1957 ter sido criada em 1961 nao invalida sua enorme importância. Como lembra Fernando Pessoa, : ?em>Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria.?/em> [OPP, III, 1172, apud BRECHóN, Robert, Estranho Estrangeiro: Uma Biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzál, 1996.].

9 Jornal do Brasil, nov., 1961

10 Costa, Maria Elisa , Notas Relativas ao tombamento de Brasília, escritas e remetidas ao IPDF/GDF em novembro de 1997.

11 Costa, Lucio, ”Brasilia Revisitada? in COSTA, Lucio. Lucio Costa : Registro de uma Vivência. São Paulo: Empresa das Artes, Brasília: UnB 1995. p. 331.

12 IPHAN, Portaria no. 314, de 08 de outubro de 1992.


Jorge Guilherme Francisconi

Arquiteto [FAU/UFRGS], PhD em Ciências Sociais [Maxwell School of Public Administration and Citizenship, Syracuse University], Secretário Executivo da CNPU/SEPLAN/PR, Presidente da EBTU/MT e Diretor Geral do DENATRAN/MJ, foi Criador e Coordenador do PROPUR/FAU/ UFRGS, Coordenador do Mestrado da FAU/UNB e também docente da FGV/RJ, da Universidade de Paris XII e do CNAM, em Paris e em Montpellier.


Colaboração editorial: Débora Andrade

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Danilo Matoso Macedo

[1]

soberania-perspectivaEm 9 de janeiro de 2009, em seu escritório de Copacabana, Oscar Niemeyer apresentou o estudo preliminar do projeto para a Praça da Soberania, em Brasília, ao governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e a seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho. À semelhança de outros projetos recentes de Niemeyer, o projeto era marcado pela simplicidade de formas, materializadas em grandes superfícies brancas e aberturas fechadas por vidro preto. Próximo à Plataforma Rodoviária, uma praça cimentada no canteiro central da Esplanada dos Ministérios correspondia ao estacionamento subterrâneo abaixo, destinado a abrigar três mil veículos. Sobre o concreto, um edifício curvo elevado em pilotis ?o Memorial dos Presidentes, encomenda do presidente Lula ?contraposto por um obelisco inclinado ?o Monumento ao Cinqüentenário ?de altura comparável aos noventa e dois metros das torres do Congresso Nacional mais adiante.

Antes mesmo de qualquer consulta aos arquitetos que trabalham no GDF, ou de qualquer estimativa de preço da obra, o governador declarou aos presentes: Vamos fazer! No dia seguinte, a reunião foi relatada na capa do Correio Braziliense, [2] com a manchete: Para se espantar e curtir. Imediatamente, os arquitetos brasilienses se espantaram e voltaram a curtir a dor de feridas antigas e novas, todas ainda abertas. O espanto ficou por conta do obelisco de mais de cem metros de altura e do edifício curvo, numa área originalmente destinada ao vazio ?disposição presente desde o Plano Piloto, e expressamente assim mantida quando do tombamento da cidade pela Unesco em 1987. Já as penas curtidas tinham um duplo viés.

soberania-perspectiva-2De um lado, a iconoclastia tradicional de arquitetos inconformados com as feições recentes das obras de Niemeyer. Para estes colegas ?e também para alguns apreciadores das obras complexas, multicoloridas e multiformes das obras anteriores a Brasília, como a Pampulha ?a simplicidade recente parece simplismo apenas. E o que os admiradores da nova produção de Niemeyer ainda consideram síntese, os críticos já consideram descuido.

De outro lado, o descontentamento geral da comunidade de arquitetos projetistas brasilienses devido à realização de mais uma grande obra pública, com contratação de projetos por escritórios privados, sem a realização de concurso de arquitetura. A lista recente não é pequena, e o privilégio da contratação sem concurso não é exclusivo de Oscar Niemeyer: desde a encomenda do projeto urbanístico para o bairro Setor Noroeste,[3] bem como para o Parque Burle-Marx[4] e a via interbairros, passando pela nova Estação Rodoviária,[5] pela sede do Governo do Distrito Federal na Cidade Satélite de Taguatinga,[6] pela reforma do Estádio Bezerrão, no Gama,[7] e culminando no projeto para o Estádio Mané Garrincha,[8] em Brasília, com vistas à Copa do Mundo de Futebol. O monopólio de Niemeyer, de fato, se restringe à Esplanada dos Ministérios e adjacências. É sabido que, eticamente, o arquiteto evitou a contratação particular para a elaboração dos projetos arquitetônicos iniciais quando da construção da capital. Num gesto nobre, Oscar preferiu ser contratado como funcionário da Novacap, recebendo apenas seu salário à época.[9]

soberania-plantaO mesmo não ocorreu quando do retorno do arquiteto do exílio na década de 1970. Sobretudo após o tombamento da cidade, o escritório de Niemeyer passou a ser diretamente contratado para toda e qualquer grande obra pública do Governo Federal, pelo sistema de notória especialização. É um tipo de prática que ocorre em maior ou menor escala em diversas cidades brasileiras, com notórios especialistas locais, nacionais e, mais recentemente, internacionais. No caso do escritório de Niemeyer, o privilégio foi reforçado e garantido por uma portaria do IPHAN, estabelecendo que excepcionalmente, e como disposição naturalmente temporária, serão permitidas, quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília ?arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer ?com complementações necessárias ao Plano Piloto original.[10]

Para se espantar e curtirO projeto da Praça da Soberania, entretanto, parece ter dado impulso a algum tipo de questionamento destes processos. O Governo do Distrito Federal contratou Oscar Niemeyer para realizar o projeto sem licitação e sem concurso público. O governador aprovou a proposta publicamente, levando a imprensa a uma reunião de trabalho com o arquiteto, em lugar de cercar-se de seus técnicos, e antes mesmo de submeter o projeto ao IPHAN. E a proposta era no coração da cidade, num local importante para a população e sabidamente non-aedificandi. E causou a todos espanto, como queria seu autor.

A partir da matéria no Correio Braziliense, manifestações de repúdio começaram a circular por telefonemas e e-mails exaltados entre arquitetos ainda durante o final-de-semana. Na segunda-feira, dia 12 de janeiro, foi publicado na revista mdc um texto de Sylvia Ficher ?Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.[11] Tratava-se de um pequeno desabafo passional da historiadora e professora da UnB, que tocava em diversos pontos nevrálgicos do debate em torno às obras recentes de Niemeyer desde o Panteão da Pátria (1985), passando por um sumário juízo negativo de valor sobre a praça para concentrar seu fogo no ataque ao monopólio de Oscar Niemeyer em Brasília. O texto circulou em diversas rodas por e-mail na internet, tendo sido novamente publicado na Revista da Semana da Editora Abril, no Portal Vitruvius[12] ?o mais popular site de arquitetura do país ? no portal da Universidade de Brasília e em diversos blogs. Em que pese o extenso passado de rigorosas pesquisas de Sylvia Ficher, tratava-se aqui de um artigo de opinião, e não um arrazoado científico. O tom pessoal do artigo causou indignação aos admiradores e colaboradores mais próximos de Oscar Niemeyer. Por outro lado, fosse o texto uma extensa e embasada argumentação técnica, não teria tido o alcance e a popularidade que teve.

No domingo seguinte, dia 18 de janeiro, o jornalista Elio Gaspari dedicou sua coluna na Folha de S.Paulo[13] a uma associação entre a condenação de Sylvia Ficher à Praça da Soberania e a sua própria condenação a um texto que Niemeyer publicara naquele mesmo jornal reabilitando historicamente a figura de Joseph Stálin.[14] Com a repercussão do ataque de Sylvia à obra de Niemeyer, o desabafo local da pesquisadora começou a ganhar contornos de polêmica nacional.

No dia 20 de janeiro, o pesquisador e professor da UnB Frederico Holanda enviou à revista mdc um curto artigo também pessoal ?A praça do espanto,[15] condenando diretamente o projeto para a Praça da Soberania e associando sua aridez à já existente no adjacente Complexo Cultural da República ?última grande obra de Niemeyer inaugurada na Capital. A publicação do texto de Holanda na revista mdc foi acompanhada por outro texto do jovem arquiteto e pesquisador Carlos Henrique Magalhães[16] intitulado Pela soberania do vazio.[17] Argumentação mais arrazoada que as anteriores, o texto de Carlos evocava a obra pregressa de Oscar Niemeyer e os princípios norteadores do Plano Piloto de Brasília como base para defender a preservação do vazio acima do gramado da Esplanada ?onde Niemeyer pretendia implantar o obelisco e o Memorial dos Presidentes. Ao mesmo tempo, Conceição Freitas publicava em sua coluna no Correio Braziliense o texto Niemeyer versus Niemeyer.[18] A jornalista reforçava os argumentos de Sylvia e recuperava ?a partir de um comentário na revista mdc[19] ?um texto de Nicolai Ouroussoff,[20] escrito em 2007, em que do crítico de arquitetura do New York Times questionava a pertinência da contratação de Niemeyer para reforma e ampliação de suas próprias obras construídas há mais de cinquenta anos.

No dia seguinte, Sylvia Ficher voltava a se manifestar no texto Verso e reverso em Niemeyer,[21] agora acompanhada do arquiteto Jorge Guilherme Francisconi, ambos membros do Conselho de Planejamento Territorial do DF ?Conplan. O artigo, publicado no Correio Braziliense, manifestava que aquele órgão colegiado vinha sendo obrigado a aprovar a execução de projetos de Niemeyer em áreas de impacto, por força dos precedentes estabelecidos e do já mencionado artigo personalista da Portaria 314 do IPHAN. E o Conplan, unanimemente constrangido, enviara ao IPHAN um questionamento sobre a legitimidade do dispositivo legal. Era uma denúncia explícita de uma espécie de venda do direito de construir, que seria operada pelo escritório do arquiteto em Brasília.

A nova praça para BrasíliaSurpreendentemente, foi o próprio Oscar Niemeyer que se encarregou de elaborar sua primeira defesa, com artigo de sua lavra publicado na quinta-feira, dia 22 de janeiro, no Correio Braziliense. No texto, intitulado simplesmente A nova praça para Brasília,[22] Oscar Niemeyer justificava sua proposta com base nas grandes reformas urbanas de Paris e Barcelona ocorridas no século XIX, argumentando que mesmo os centros históricos precisam ser alterados. E se Brasília precisava ser modificada, ele possuía o direito e a obrigação de conceber e propor a praça. O texto ainda revelava oposição ao projeto de ninguém menos que a filha de Lucio Costa ?a também urbanista Maria Elisa Costa ? por ocupar o vazio da Esplanada dos Ministérios. Por fim, o arquiteto desqualificava seus críticos, ao tratá-los por pessoas até então desconhecidas que se permitiam falar sobre o assunto.

O tom confrontativo ?ainda que contraditório ?do texto de Niemeyer visava a anular os argumentos seus novos críticos arquitetos, mas acabou por reavivar antigos questionamentos da corporação às suas obras, despertando ainda o antagonismo em especialistas e pesquisadores de outras áreas. A pecha de desconhecidos gerou reações raivosas de moradores da cidade, que passaram a reivindicar em blogs e cartas aos jornais ?muitas vezes de modo deselegante ?o direito dos desconhecidos a opinar sobre o local em que habitam. Com efeito, no dia seguinte, o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil ?IAB-DF ?enviava uma Mensagem ao arquiteto Oscar Niemeyer[23] cujo tom reverente e introdução elogiosa não impediram a conclusão solicitando o estudo de nova localização para o monumento.

Em 24 de janeiro, o Correio Braziliense estampou, na mesma página, a carta do IAB e a segunda defesa do projeto da praça,[24] desta vez feita pelo arquiteto Glauco Campello ?antigo colaborador de Niemeyer, pioneiro da construção de Brasília e ex-presidente do IPHAN. Prudente, Glauco se limitava a uma apologia dos valores plásticos e simbólicos da Praça da Soberania e suas edificações em si, sem mencionar a relação com o entorno urbano ou o processo de contratação do arquiteto. Até então, o Correio Braziliense vinha dando voz ao debate de maneira esparsa. No dia seguinte o jornal iniciaria uma verdadeira campanha em torno do tema, envolvendo definitivamente no debate a população da Capital Federal.

Praça na Esplanada inflama BrasíliaCom a manchete Praça na esplanada inflama Brasília,[25] a polêmica em torno ao projeto foi capa do Correio em sua edição de domingo. Três páginas de matérias, conduzidas por Conceição Freitas, deixavam de lado definitivamente as questões envolvidas em torno à contratação de Oscar Niemeyer e colocavam foco na relação entre a praça e a cidade Patrimônio da Humanidade. As reportagens faziam um apanhado da polêmica,[26] um histórico das obras de Niemeyer em Brasília (sessenta e seis ao todo)[27] e colhiam declarações de outros dois professores da UnB: Cláudio Queiroz e Frederico Flósculo.[28] Enquanto um ?ex-colaborador de Oscar Niemeyer na Argélia ?assumia a defesa do projeto em todos os sentidos, o outro limitava-se a expressar certa perplexidade em relação ao gesto que ele classifica de contraditório em relação à propostas originais da cidade.

Também era publicada na íntegra a carta de Maria Elisa Costa mencionada por Niemeyer, manifestando, antes de ser apresentado o projeto,[29] sua opinião contrária à localização da praça na Esplanada. Tratava-se de um documento pessoal, em que ela expunha suas preocupações quanto às edificações: o obelisco poderia competir com as torres do Congresso Nacional, e o Memorial dos Presidentes poderia obstruir a visão da rodoviária. A urbanista sugeria ainda ao amigo a alteração da proposta, com o atendimento ao programa do Memorial subsolo e a localização do obelisco no trecho oeste do Eixo Monumental, fora da Esplanada dos Ministérios.

A guinada do debate para o campo exclusivo do patrimônio histórico e artístico parecia, em princípio, favorecer Oscar Niemeyer. Afinal, o tema da contratação por notória especialização e o monopólio de projetos monumentais caia para segundo plano, e era a própria portaria do IPHAN de regulamentação do tombamento que garantia a exclusividade do arquiteto. Sintomaticamente, dentro no campo do patrimônio, a discussão ganhava contornos personalistas. Tratava-se agora de um projeto de Niemeyer oposto ao projeto de Lucio Costa ?como a filha deste encaminha apreensiva. E neste ponto fica exposto o tombamento de Brasília como a preservação de uma idéia[30] exclusiva dos dois arquitetos, e não de um construto social concreto ?obra coletiva. Aqui, entretanto, a relação entre a produção de Oscar Niemeyer em Brasília e os órgãos de preservação do patrimônio ganharia contornos diferentes. De fato, na reportagem de Conceição Freitas, o superintendente do IPHAN em Brasília, Alfredo Gastal, e a representante da Unesco, Jurema Machado, manifestavam-se contrários ao projeto de Niemeyer argumentando conflito deste com os valores tombados.

A declaração dos representantes dos órgãos máximos de preservação do patrimônio no Brasil e no mundo alavanca, no dia seguinte, o início de uma investigação do Ministério Público sobre a legalidade do projeto da praça ?sob o ponto de vista do tombamento, e não da contratação do projeto sem licitação ou concurso.[31] O caráter aparentemente oficial da oposição desses órgãos ao projeto leva à repercussão do caso na imprensa nacional como um problema administrativo. Quando, em 27 de janeiro, a Folha de São Paulo publica sua primeira matéria jornalística sobre o tema, o faz opondo exclusivamente Oscar Niemeyer a Alfredo Gastal.[32] Mais uma vez uma discussão que se iniciara como um levante público a um ato do governo local ganha contornos personalistas. A posição de Gastal, em todo caso, apoia-se na mesma portaria 314 do IPHAN, que estabelece: nos terrenos do canteiro central verde são vedadas quaisquer edificações acima do nível do solo existente, garantindo a plena visibilidade ao conjunto monumental.[33]

O enfoque incompleto da Folha foi reproduzido em diversos jornais no país inteiro, incluindo O Globo ?fenômeno passível de aferição pela grafia errada (Gaspal) que a matéria do jornal paulista trazia, e que foi reproduzida nas reportagens em outros veículos. Cabe lembrar, em todo caso, que não se tratava de uma disputa administrativa, mas política. Todas as autoridades em questão haviam se manifestado exclusivamente à imprensa, e não oficialmente. Não havia sido iniciado qualquer projeto de aprovação e nenhuma equipe de técnicos havia sido convocada para emitir parecer arrazoado. E como não existia processo de aprovação do projeto ou ato administrativo motivador, não poderia haver ilegalidade. A discussão entre as autoridades e arquitetos era pautada pelos jornalistas, e não pelos fatos.

Gastal e LeléSe para o restante do Brasil a imprensa pintava o retrato de um querela burocrática, em Brasília, a campanha do Correio ganhava cada vez mais apelo político e popular. O jornal passou a cobrir diariamente o debate, abrindo uma enquete online sobre o projeto, que se manteve sempre com cerca de 75% de reprovação pelos internautas ?chegando a mais de quatro mil votos. Pode-se dizer, inclusive, que foi a fome de matérias do Correio ?em pleno marasmo de janeiro ?que deu novo impulso à discussão. O jornal passou a contatar sistematicamente Oscar Niemeyer, bem como todos os especialistas e autoridades relacionadas ao patrimônio histórico em Brasília, cobrando manifestações e respostas de todos. Pressionado, o arquiteto recorreria ao auxílio de seus ex-colaboradores e amigos, como foi o caso de Cláudio Queiroz e Glauco Campello, e como seria o caso, em seguida, de João Filgueiras Lima ?o Lelé ?e de Ítalo Campofiorito.

Lelé publicaria sua defesa na terça-feira seguinte. Seu texto se chamava Mais uma obra prima,[34] e também refletia cautela por parte do autor ao evitar uma análise da praça e sua relação com a cidade. Lelé se limitava a resumir o currículo profissional de Oscar Niemeyer e as características reconhecidas de sua arquitetura. Ao cerne da questão o arquiteto dedica poucas palavras: ?em>Vemos no projeto dessa praça uma composição ousada e singela de beleza indiscutível, em que predomina seu monumento central triangular ancorado no solo e com sua aresta superior levemente curva, que lhe confere uma surpreendente elegância e leveza.?/p>

A reação de Lelé dava voz a um grupo numeroso de arquitetos próximos a Niemeyer a quem o caráter passional e pouco argumentativo de textos como o de Sylvia Ficher e Frederico Holanda havia soado simplesmente como falta de respeito ao mestre, que tanto já fizera pela arquitetura brasileira. Agravavam esta impressão negativa os inúmeros comentários de leitores – a maioria desqualificações sumárias ?feitos abaixo dos textos em sites de notícias. Não fosse o histórico cinquentenario[35] de Oscar Niemeyer de desqualificação sistemática de qualquer crítico de sua obra, poder-se ia imaginar que também era esta a impressão causada a ele mesmo, e que motivara o adjetivo de desconhecidos aos opositores do projeto.

Os defensores de Oscar aparentemente não haviam tomado conhecimento de artigos como os de Carlos Henrique Magalhães e de Andrey Schlee. Este último, arquiteto, historiador e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília ?FAU-UnB, publicaria seu primeiro texto sobre o tema ?De obeliscos e espetos ?na revista mdc no dia 28 de janeiro.[36] Talvez pressentindo que poderia ser enquadrado como desconhecido, o experiente pesquisador e admirador confesso de Oscar Niemeyer precedia sua argumentação propriamente dita por um breve histórico e uma genealogia dos obeliscos na arquitetura universal e na obra do arquiteto. O arrazoado, como o de Magalhães, relembrava os princípios fundamentais do urbanismo da cidade, que nortearam sua construção e motivaram seu tombamento. Para Schlee, definitivamente não poderia ser adotado o argumento de complementação para áreas expressamente non-aedificandi do Plano Piloto tombado.

Coincidentemente, o também diretor da UnB ?do Instituto de Ciências Sociais, Gustavo Lins Ribeiro, se manifestou por escrito no Correio Braziliense no mesmo dia, no ponderado e imparcial texto Cavalos de Tróia,[37] em que igualmente reforçava os valores originais do Plano Piloto e da Esplanada, a serem preservados.

Niemeyer na trincheiraEsta edição do Correio, por outro lado, parecia dar a entender que Niemeyer não apenas se sentia pessoalmente agredido, como também protegido pelas muralhas de sua história, de sua competência e sobretudo de seus amigos, mas não necessariamente com as armas da razão: Niemeyer na trincheira: “não abro mão?/em>,[38] estampava a capa do jornal em letras garrafais. O arquiteto afirmava: Eu me sinto muito apoiado pelos meus amigos, de modo que vou continuar. Estou numa trincheira e não abro mão. Sou um arquiteto, com um trabalho feito.[39] Realmente, na mesma reportagem, assinada pelo jornalista Raphael Veleda, Cláudio Queiroz vinha mais uma vez em defesa do projeto, agora articulando um discurso sobre a obra propriamente dita. Para Queiroz, a inclinação do obelisco seria suficiente para torná-lo menor que o Congresso Nacional quando visto a partir da Plataforma Rodoviária. Seria um truque arquitetônico, um toque só alcançado por gênios como o Oscar.

Ironicamente, é nesta matéria que um dos amigos de Niemeyer se manifesta contra o projeto da praça. A crítica vinha do arquiteto Carlos Magalhães,[40] representante oficial de Niemeyer em Brasília e, juntamente com Fernando Andrade, um dos responsáveis pelo seu escritório local. Magalhães, talvez justificadamente desejoso de que a polêmica tivesse fim, disparava: O Oscar é muito grande para se submeter a essa bobagem. Ele tem que compreender que Brasília não é mais dele e está se defendendo sozinha. O desenrolar dos fatos nos dias seguintes demonstraria que a apreensão de Magalhães procedia.

A esta altura do debate, os diversos envolvidos já davam entrevistas a emissoras de rádio e televisão, reforçando seus pontos de vista. Enquanto a professora Sylvia Ficher insistia no telenoticiário local que as obras públicas deveriam ser realizadas por meio de concurso público, Cláudio Queiroz seguia tentando explicar o truque arquitetônico de Oscar. Entretanto, o foco do debate havia sido definitivamente deslocado para a questão do patrimônio histórico e artístico, e a próxima rodada se concentraria no detalhamento deste tema. Os tradicionais defensores e detratores do projeto de Brasília eram unânimes em concordar que a praça não estava de acordo com os princípios fundadores da cidade, conforme tombada pela Unesco em 1987, a divergência passaria a ser agora acerca da propriedade ou não da alteração por um de seus supostos autores.

A campanha do Correio prosseguia, e no dia seguinte o assunto novamente seria manchete: Debate sobre praça chega ao Planalto.[41] Segundo o jornal, o governador levaria o assunto ao presidente Luís Inácio Lula da Silva, em reunião entre os dois agendada para o dia 6 de fevereiro ?duas semanas em seguida. A discussão político-ideológica esteve sempre margeando o debate sobre a Praça da Soberania. Não apenas o fato político em si de uma obra de vulto como esta junto ao centro de decisões do país, mas também o engajamento político do comunista Niemeyer e sua relação pessoal com dirigentes de ideologia diversa. De fato, conhecedor do capital simbólico de seu afeto, Niemeyer sempre retribuiu com amizade a generosidade dos gestores em convidá-lo a projetar ?pelo menos em entrevistas a jornais. Assim, não apenas Juscelino Kubitschek foi seu amigo, mas também o foram o governador de São Paulo, Orestes Quércia ?que lhe encomendou o Memorial da América Latina ? e o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz ?responsável pela encomenda do Setor Cultural Sul. Agora o governador José Roberto Arruda e o Secretário de Cultura Silvestre Gorgulho eram tratados por amigos nas entrevistas ao Correio. O amigo Arruda entretanto parecia não retribuir a confiança do arquiteto, deixando-o sozinho no debate sobre a Praça.

Questionado sobre a aprovação instantânea do projeto de Niemeyer no escritório de Copacabana, José Roberto Arruda já declarara em entrevista à Secretaria de Comunicação da UnB, na segunda-feira,[42] que o GDF não dispunha de previsão orçamentária para a execução do projeto da Praça da Soberania. Agora desejava compartilhar o ônus político pela obra grandiosa com o presidente Lula ?que, segundo Niemeyer, havia encomendado o Memorial dos Presidentes. No dia seguinte, entretanto, o Palácio do Planalto negaria a presença do assunto na pauta da reunião.

Outro aspecto de fundo político dizia respeito à ideologia do próprio arquiteto, considerado figura histórica do PCB. Niemeyer é de uma geração antiga do Partidão de defesa do comunismo do sentido lato, cujos valores hoje talvez soem ingênuos. Para alguns dessa geração, a construção de monumentos públicos de acesso livre à população é um ato de socialização da construção civil, é a construção de edifícios para o povo.[43]

Talvez esta lente seja a única pela qual seja possível compreender não apenas os argumentos vindouros de Niemeyer para justificar a Praça da Soberania, mas também a posição de outros defensores de mesma estirpe, como Frank Svensson, que assim comentou o texto de Sylvia Ficher na revista mdc: Para mim a preocupação de fundo de Oscar Niemeyer, arquiteto engajado politicamente, é de como afirmar arquitetonicamente a atualíssima questão da soberania nacional! Para quem não desposa desse engajamento é compreensivel que os valores e critérios de julgamento sejam outros.[44] Esta afirmação de Soberania, entretanto, manifestada logo após a já mencionada publicação de um texto indulgente a Joseph Stálin, não foi vista com bons olhos não apenas por arquitetos, mas pela população em geral e por jornalistas como Elio Gaspari.

Para estas pessoas, especialmente sensibilizadas pela força do chavismo na América Latina, a Praça da Soberania era mais uma expressão de totalitarismo ?acusação frequentemente feita à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes ?que um espaço para o povo. Com esse cenário político de fundo compreendem-se os motivos da grande abrangência de uma polêmica, em princípio, arquitetônica: tratava-se tanto de um ato de revolta contra as arbitrariedades do governo populista local, quanto um ato de repúdio político à recente defesa de Stálin feita pelo arquiteto.

Se nesse dia o viés político da reportagem do Correio parecia desviar o debate para este campo, na mesma página constava um artigo de outro ex-colaborador de Oscar Niemeyer que também frequentara as esferas do patrimônio brasiliense. Nada menos que o redator do decreto de tombamento do Plano Piloto: Ítalo Campofiorito.

Num breve texto intitulado Quando o novo não desfigura o moderno,[45] Ítalo fazia uma repreensão às autoridades do patrimônio que haviam se manifestado a respeito do assunto, argumentando que somente a decisão do Conselho Consultivo do IPHAN ?órgão máximo do Instituto ?poderia constituir parecer definitivo do mesmo sobre o assunto. Ítalo, entretanto, não se furtava a apresentar um argumento de autoridade no texto ?sintonizando-se assim com as demais argumentações em favor da Praça. O arquiteto explicava que na legislação de preservação de Brasília se vedam construções no “canteiro central verde? na intenção óbvia de evitar futuras edificações espúrias que prejudicassem a integridade visual e artística da Sede do Congresso. Posso testemunhar da intenção, já que a redação em pauta copia a do decreto, que é de minha lavra.

Houvesse sido concluída neste ponto, a polêmica em torno à Praça da Soberania talvez não houvesse afetado a visão que os brasilienses e arquitetos guardavam de Oscar Niemeyer e de seus projetos. O arquiteto se notabiliza há tempos tanto pelo hábito de interferir em espaços cívicos com ousadia quanto pelo absoluto descaso pela preservação de sua própria obra. Ele ainda é Oscar Niemeyer: o mais fecundo inventor de formas de nossa arquitetura, o inesgotável improvisador de soluções, o ‘playboy?endiabrado[46] com uma experiência profissional inigualável no mundo. Levar o tema da Praça para a discussão nas altas esferas de órgãos de preservação possivelmente implicaria em sua aprovação ?se nela se empenhasse o arquiteto tão influente no IPHAN. E com o tempo a população certamente se acostumaria à nova leitura que a Praça da Soberania ofereceria da Esplanada.

A campanha do Correio Braziliense, entretanto, demandava novas manchetes e mais combustível para a polêmica. No dia seguinte, a manchete do jornal estampava uma frase de Niemeyer: “A briga está boa?/em>.[47] O texto publicado nesta edição de 30 de janeiro seria o primeiro de uma série de declarações do arquiteto que refletiam ou uma profunda desarticulação de idéias ou uma intenção clara de alteração no modo de se pensar o patrimônio arquitetônico e urbanístico de Brasília.

A briga está boaO título ?Uma explicação necessária[48]– dá a entender que se trata do tradicional texto arrazoado homônimo que acompanhava os projetos de arquitetos da geração de Niemeyer. O arquiteto pouco explica de seu projeto, no entanto. Primeiramente, deixa claro que se trata de uma encomenda do Correio, que insiste para que ele escreva alguma coisa sobre essa celeuma que está ocupando este jornal. Logo, Niemeyer evoca as defesas que solicitara a Ítalo Campofiorito, Lelé e Glauco Campello, e estabelece um diálogo socrático ?recurso caro ao arquiteto desde a década de 1970 ?como se um amigo lhe pedisse para comentar o Plano Piloto, dividido entre pobres e ricos. Os primeiros em seus apartamentos confortáveis ligados às escolas, ao comércio local, como convém; os outros, mais de três milhões de brasileiros, esquecidos pelas cidades-satélites sem escolas, postos de saúdes e as áreas de recreio indispensáveis.

Era o discurso do comunista que voltava à tona. À primeira vista, a colocação parecia fora de lugar ?afinal, Oscar não deixara claro em que a Praça da Soberania contribuiria para a redução das desigualdades. A já mencionada visão popular que Niemeyer tem da construção de monumentos, entretanto, torna coerente o discurso. Em seguida, Oscar se lançava ao auto-elogio ao falar da importância e visibilidade que suas obras têm no exterior. Por fim, Niemeyer afirma ter sugerido ao amigo Silvestre Gorgulho a criação de uma comissão de arquitetos da melhor categoria que se incumbisse dos problemas da arquitetura e do urbanismo desta cidade, encaminhando as soluções que lhes pareçam mais justas e necessárias.

Neste momento, o arquiteto parecia não tomar conhecimento da existência do já mencionado Conplan, órgão encarregado de tratar das questões urbanísticas do Distrito Federal. Embora Sylvia Ficher e Jorge Guilherme Fancisconi dele fizessem parte, era público e notório que se tratava de um colegiado formado majoritariamente de membros do governo, e por representantes da sociedade civil indicados pelo próprio governador, que submetiam suas decisões ao Secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio-Ambiente, a quem cabia acatá-las ou não. Niemeyer parecia ignorar também a sugestão de seu amigo Ítalo Campofiorito, de tratar da querela no Conselho Consultivo do IPHAN. A sugestão de Niemeyer desqualificava não apenas a competência de seus críticos, mas também os órgãos que poderiam jogar a seu favor.

A mesma página do jornal trazia uma reportagem introduzindo o tema e mencionando cautelosas declarações do ex-presidente do IAB-DF Otto Ribas, para quem o problema não seria a construção da praça, mas do obelisco. Trazia ainda um curto texto do Instituto Histórico e Geográfico do DF ?assinado por ninguém menos que o ex-diretor da Novacap, Ernesto Silva. Juntamente a Affonso Heliodoro Santos, o pioneiro ressaltava a contrariedade da proposta de Niemeyer ao Plano Piloto original tombado, motivo pelo qual o IHG-DF era contrário a sua execução.[49]

No dia seguinte, sábado, o ritmo frenético do Correio parecia haver esgotado a produção recente de novas manifestações qualificadas sobre a questão da Praça da Soberania. Mas isso não significava o abandono do tema. Ao contrário, a jornalista Graça Ramos oportunamente usou-o para trazer à tona uma antiga proposta do paisagista Roberto Burle-Marx para a Esplanada.[50] No projeto, em lugar do gramado constava uma espécie de parque, com lagos, pontes e árvores. Embora se tratasse de proposta evidentemente descabida no contexto atual, Graça Ramos aproveitava o ensejo para relembrar que no ano de 2009 seria celebrado o centenário do paisagista, e que diversos eventos e publicações marcariam a efeméride. A edição do jornal trazia ainda trechos de uma entrevista com Maria Elisa Costa,[51] que reforçava os pontos de vista expressados na carta a Oscar, anteriormente publicada. Para a urbanista, o monumento poderia ser implantado em outro lugar, e não na Esplanada. A partir do diagnóstico social de Niemeyer no artigo anterior, ela sugeria Taguatinga ?centro demográfico do Distrito Federal ?como local apropriado.

No dia seguinte, Niemeyer publicaria seu terceiro texto sobre a Praça, intitulado pelo jornal de Contraste incômodo.[52] Nele, o arquiteto refutava a possibilidade de realizar o monumento ou a praça em outros lugares e insistia, evocando até mesmo a memória de Juscelino Kubitschek, que a demanda e a decisão de construir eram do governador. Com esta manobra, Niemeyer transferia para Arruda o ônus político e o bônus popular da realização do projeto e da obra. Reforçava ainda o pedido de criação de uma comissão de notáveis para avaliação do desenvolvimento urbano da cidade, com a qual ele daria por bem-sucedida esta luta. Mas Arruda já se havia entrincheirado ele mesmo na evasiva da questão orçamentária, deixando o arquiteto sozinho.[53]

O Correio começaria então a dar mostras de incapacidade de gerar matérias sobre o tema no mesmo ritmo que antes. Numa pequena reportagem,[54] a jornalista Nahima Maciel extraia de Cláudio Queiroz a declaração talvez mais jocosa de todo o debate, ao sugerir que fosse, de fato, criada a comissão sugerida por Niemeyer, e que seus integrantes fossem Glauco Campello, Ítalo Campofiorito e Lelé. Na mesma página, o advogado Reginaldo de Castro apresentava argumentos jurídicos para demonstrar,[55] citando como norma um texto de Glauco Campello, a viabilidade legal da execução da Praça da Soberania, conforme proposta por Niemeyer.

Tombamento de Brasília é uma besteiraO elemento de choque desta segunda-feira, 2 de fevereiro, entretanto, não estaria no Correio, mas novamente na Folha de S.Paulo. O jornal paulista trazia uma entrevista exclusiva com Oscar Niemeyer, realizada no domingo por Denise Menchen.[56] O título atribuía a Niemeyer uma frase não encontrada na entrevista:?em>Tombamento de Brasília é uma besteira.?O arquiteto colocaria em desfile vários dos temas e máximas recorrentes em seus textos ao longo de mais de setenta anos de carreira, mas sem conseguir concatená-los com a coerência de costume. E iniciaria seu discurso ?antes de qualquer pergunta do jornalista ?criticando a desigualdade social de Brasília, segundo seu entendimento refletida na exclusão dos pobres do Plano Piloto. Entretanto, quando perguntado sobre a relação da Praça da Soberania com a solução do problema da desigualdade, o arquiteto diria que a ela era indispensável, por faltar a Brasília uma praça importante, como em todas as cidades do mundo existe. Ao ser questionado sobre a alteração no Plano Piloto representada pela obra, o arquiteto afirmava que ali é o lugar certo, não está perturbando nada. Em dois momentos, Niemeyer se justifica pela sua própria importância e pela importância de seus defensores (Italo, Glauco, Lelé, Jayme Zettel). Se a defesa com evasivas e argumentos de autoridade decepcionava, os ataques do arquiteto na entrevista surpreenderiam. Inicialmente, Niemeyer atacava o tombamento da cidade (o mesmo tombamento que lhe garantia a contratação por notória especialização): uma cidade não pode ser tombada porque sempre aparecem modificações. Em seguida, atacaria a Plataforma Rodoviária, projeto de Lucio Costa constante já Plano Piloto original, que articula o cruzamento entre os Eixos Monumental e Rodoviário: a rodoviária não é um prédio importante. O que caracteriza Brasília são os palácios. É desnecessário assinalar que o ataque de Niemeyer à cidade e ao seu tombamento não contariam a seu favor perante a opinião pública. Mais que isso, afirmar que a cidade mais monumental do país carece de uma praça monumental soava no mínimo curioso. Afinal, apenas no Eixo Monumental, há a Praça do Buriti, a praça da Torre de Televisão, as praças elevadas da própria Plataforma Rodoviárias e, evidentemente, a Praça dos Três Poderes. Além disso, Brasília possui praças gigantescas projetadas por Burle-Marx praticamente em desuso, como a Praça de Portugal ?junto ao Setor de Embaixadas ?e a Praça Duque de Caxias ?no Setor Militar Urbano. A entrevista havia, ao fim e ao cabo, encurralado o arquiteto contra seus próprios argumentos.

Enquanto isso, no mesmo dia, o arquiteto e ex-professor da FAU-UnB, Ricardo Farret, publicava na revista mdc o pequeno texto Espaço público e imaginário social,[57] em que comentava o surpreendente desenrolar público do debate, relembrava polêmicas análogas que ele mesmo tivera a oportunidade de travar com Oscar Niemeyer (quando da reforma da Catedral Metropolitana de Brasília), e sobretudo apontava para o fato de que o Governo do Distrito Federal está se especializando em apresentar propostas urbanísticas por meio da imprensa, sem que se saiba as suas razões e grau de prioridades. Estão aí o Plano Lerner, a retomada do Projeto Orla, para citar só dois exemplos. A oportuna lembrança de Farret trazia à tona um dos problemas mais prementes na preservação do Plano Piloto de Brasília: a ausência de um Plano Diretor ou de um Plano de Preservação claro.[58]

As respostas à entrevista de Niemeyer começaram a vir à tona no dia 4 de fevereiro. A revista mdc publicou em sua seção Ensaio e Pesquisa o texto de Andrey Schlee A praça do ‘maquis?/a>.[59] Tratava-se de um trabalho escrito um ano e meio antes para apresentação em um seminário em que o pesquisador apresentava a Praça dos Três Poderes em seu desenho original de Lucio Costa ?como platô construído frente à paisagem natural do cerrado ? bem como as origens deste desenho em fortificações e praças coloniais implantadas à beira do mar. Em seguida, demonstrava como as sucessivas adições de edifícios como o Panteão da Pátria, o anexo do STF e a Procuradoria-Geral da República vinham liquidando com o cerrado e descaracterizando a praça. A publicação do texto pela revista era claramente uma resposta à afirmativa de que a cidade necessitava de uma nova praça. Schlee publicou simultaneamente um novo texto de opinião, intitulado Não se preocupe em entender,[60] retornando a uma interpretação da Praça da Soberania e do Complexo Cultural da República como expressões de uma arquitetura concebida com nada de detalhes, nada de filigranas por razões puramente plásticas, artísticas. O pesquisador partia de um paralelo com as imagens dos quadros de De Chirico para evidenciar a aridez das plataformas de concreto carentes de paisagismo em Brasília, onde as coisas estão dispensadas de lógica funcional e situadas no mágico sossego de seu isolamento.

Niemeyer desiste da praça na EsplanadaAs refinadas críticas de Andrey Schlee infelizmente ficariam apenas como registro histórico. O debate propriamente dito havia sido concluído na edição do Correio Braziliense daquele mesmo dia, com a manchete ?sobre uma foto do arquiteto ?ocupando toda a primeira página do jornal: Niemeyer desiste da praça na esplanada.[61] A capitulação foi publicada dentro de uma reportagem de Nahima Maciel,[62] com o pequeno texto de Niemeyer intitulado Decisão.[63] Nele, o arquiteto reafirmava seus argumentos em favor do projeto e relembrava a solidariedade de seus amigos, como Lelé. Em que pesasse a segurança em suas propostas Niemeyer lera nos jornais que o governador José Roberto Arruda, por falta de verba e de tempo, reconhecia ser agora impossível realizar a construção da praça que tanto desejava. Daí a desistência do debate. Em todo caso, o projeto continuaria a ser desenvolvido normalmente, na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a ser cogitada. Entretanto, as declarações do governador não eram fato novo. Tudo leva a crer que a desistência certamente ocorrera em função da repercussão negativa da entrevista na Folha. Além disso, era um alívio para Niemeyer poder voltar a seus afazeres cotidianos.

Nos dias que se seguiram, muitos dos que vinham debatendo compartilharam do alívio com o fim do debate, elogiando no Correio a decisão do arquiteto. No dia 5 o jornal fez um apanhado de declarações dos envolvidos na querela.[64] No dia seguinte, Maria Elisa Costa ainda reforçaria uma defesa talvez preparada na segunda-feira, afirmando que a Esplanada já tem sua praça: a plataforma Rodoviária.[65] Um toque final de humor ainda foi acrescentado com a divulgação,[66] no sábado 7 de fevereiro, de que o carnavalesco Joãosinho Trinta havia proposto a Niemeyer a realização de um carro alegórico da Praça da Soberania, a ser colocado em evolução da Escola de Samba Beija-Flor em 2010. No carro, todos os ex-presidentes ainda vivos seriam convidados a desfilar como destaques.

No domingo, dia 8 de fevereiro, foram ainda publicados no caderno de cultura do jornal Estado de São Paulo um texto de Hugo Segawa ?provavelmente escrito antes do fim da polêmica ?intitulado Por um olhar desimpedido,[67] acompanhado por uma entrevista do diplomata André Corrêa do Lago. O historiador Segawa fazia uma retrospectiva histórica da Esplanada e da Plataforma Rodoviária, retomando seus valores fundamentais, expressados na legislação vigente do patrimônio, concluindo que se a Praça da Soberania viesse a soerguer-se no local originalmente planejado, o viajante não mais vislumbraria o eixo monumental. Veria a fachada envidraçada do Memorial dos Presidentes. A entrevista do diplomata Corrêa do Lago,[68] permeada pelo mesmo espírito encomiástico que vinha dominando as matérias realizadas após a decisão de Niemeyer, continha uma sentença premonitória: os gênios jamais jogam a toalha.

Salvo manifestações esporádicas já fora do calor da disputa, pouco se falaria da Praça da Soberania nos meses seguintes. A pedido dos editores da revista mdc, Cláudio Queiroz escreveria um arrazoado sobre a praça, intitulado Praça da Soberania – assertivas,[69] explicando suas declarações feitas em entrevistas durante o debate. Para Queiroz, o projeto era um gesto finalístico destinado a promover a restauração da própria Esplanada e de suas principais visuais, em que a própria verticalidade das torres do Congresso estariam intimidadas, em presença das principais edificações dos setores bancários e hoteleiros. O obelisco cumpriria ainda a função de restaurar, por contraste arquitetônico a volumetria do centro cívico face a linearidade elegante da Rodoviária restabelecendo a totalidade urbana, anteriormente marcante, pela ligação virtual com a Torre de TV, cuja expressão, valor e significado diluíram-se, após a evolução conclusiva dos setores hoteleiros e bancário.

Mas Niemeyer voltara a seus afazeres: realizava novos projetos, acompanhava as obras em andamento ?sobretudo as de Niterói ?e organizara mais um livro com uma coletânea de seus trabalhos recentes, a ser lançado na galeria de sua filha, Ana Maria, no final de maio. Um pouco antes do lançamento, o arquiteto gentilmente convidou os professores e estudantes da UnB para realizar uma visita às obras de Niterói, onde ele daria uma palestra sobre seu trabalho. O convite, feito por João Filgueiras Lima, foi aceito pelos acadêmicos, que no dia 29 de maio eram recebidos por Niemeyer no Caminho que leva o seu nome na cidade fluminense.

Soberania-Perspectiva-1No final da palestra, Niemeyer apresentou seu projeto para a Praça da Soberania, na verdade nada menos que uma nova proposta, também era publicada na edição do Correio Braziliense daquele dia com a manchete Niemeyer muda Praça da Soberania.[70] No projeto, o obelisco, com a mesma forma mas com cinquenta metros a menos, ficava deslocado do eixo da Esplanada. O Memorial do Cinquentenário e o Memorial dos Presidentes eram deslocados para as laterais do canteiro central dois blocos longitudinais ?um curvo, com uma marquise, e outro reto, elevado sobre pilotis. Na mesma semana ainda havia sido lançado o quarto número da revista Nosso Caminho, que Niemeyer e sua esposa vinham editando desde 2008, em que o arquiteto publicava a nova versão do projeto.

Soberania-Perspectiva-2

No dia seguinte, o Correio Braziliense publicava uma matéria de uma página sobre a visita do grupo da UnB ao Rio no dia da apresentação do projeto.[71] Uma foto, de autoria do Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, mostrava os estudantes e professores em volta do arquiteto, e o texto jornalístico de Diego Amorim e Gizella Rodrigues ?com títulos como A praça não interfere no Plano Piloto e Espaço a ser completado ?dava a entender que havia consenso sobre o a nova proposta. Aos olhos da opinião pública, o projeto teria obtido a aprovação de alguns de seus maiores críticos: os professores da UnB. Era uma verdadeira ação coordenada de Niemeyer para apresentar e aprovar publicamente seu projeto quatro meses após o fim da polêmica inicial.

A praça não interfere no Plano PilotoO texto explicativo que acompanhava o projeto não foi publicado no jornal, embora estivesse exposto na galeria de Ana Maria Niemeyer no Rio de Janeiro. Seu título, não menos afirmativo, era: Uma modificação irrecusável. Nele, o arquiteto explicava como havia alterado o projeto em função das críticas recebidas, conforme ele mesmo dava a entender em sua entrevista no Correio: Encontrei uma forma de conduzir melhor o trabalho. Coincidentemente, alguns pontos correspondem à questão de visibilidade que eles (arquitetos que criticaram o projeto) tanto defenderam.Tudo indicava que o debate seria reacendido, caso o próprio governador José Roberto Arruda não houvesse colocado uma pá de cal no assunto. No dia 31 de maio, domingo, na capa do Correio constava a nota: governador diz que, por falta de recursos, obra não será construída na sua gestão.[72]

Não obstante, dez dias depois o presidente do IAB-BA, Paulo Ormindo Azevedo ?referência nacional na área de patrimônio histórico ?publicaria na revista mdc o texto intitulado Niemeyer não dorme nos louros…[73] Para Azevedo, a reação crítica à proposta de Niemeyer fora movida em grande parte por uma dissimulada “oscar-jeriza?/em>. O arquiteto fazia coro com Cláudio Queiroz, classificando a obra de um complemento e uma correção, e traçando um paralelo entre o obelisco do cinqüentenário e o monumento a George Washington, no mall da capital norte-americana. Azevedo desloca ainda o problema da área do patrimônio histórico, afirmando que, se nas décadas de 1940 a 1960 tivéssemos a burocracia preservacionista que temos hoje no plano federal e estadual, não seria construída a Pampulha.

Na semana seguinte, também na revista mdc, o arquiteto e pesquisador da FAU-UnB, Eduardo Rossetti, publicaria na revista mdc o último texto especializado de que temos notícia sobre o assunto, intitulado Oscar Niemeyer além da crônica de uma praça anunciada.[74] Rossetti parte de um breve histórico sobre a polêmica da praça, para concluir que, ao fazer uma nova proposta, o arquiteto simplesmente fizera questão de dar a última palavra sobre o assunto. A partir da praça, era feita então uma avaliação panorâmica da produção recente de Niemeyer, com programas cada vez maiores e mais complexos e soluções mais simples, em que Niemeyer assinala a permanência de suas estratégias projetuais, especulando, depurando, reforçando e ampliando o seu reconhecido repertório formal. Para Rossetti, entretanto, a ênfase na questão formal era um reducionismo em si mesma, concluindo que em meio às decisões excludentes e às subordinações que regem o ato de projetar ?ou seja, elaborar a invenção arquitetônica ?a forma continua a ser a questão fundamental que Oscar Niemeyer propõe e deixa a todo o campo, para além da crônica de uma praça anunciada, efetivamente.

Os demais polemistas entretanto pareciam ter acompanhado a declaração de Sylvia Ficher sobre o assunto: Não faz mais sentido eu ficar dando opinião, dizendo se o projeto é bom ou ruim, se melhorou ou piorou. Quem tem que decidir se vai ou não fazer é o Iphan e o GDF.[75] De fato, o debate aparentemente retornou para as esferas da arquitetura e da Administração Pública. Até o presente momento, em todo caso, não se tem notícia de qualquer encaminhamento do projeto para avaliação pelos órgãos de patrimônio.

A rigor, o debate sobre a Praça da Soberania evidenciou o longo caminho a ser percorrido pelo campo arquitetônico brasileiro até que se possa realizar um debate público efetivo sobre seus valores. O primeiro problema foi a dificuldade em definir o que deveria ser discutido. A questão das contratações de projetos de obras públicas sem licitação ou concurso ?o cerne da crítica inicial de Sylvia Ficher ?parece continuar sendo um tabu no campo da arquitetura.

Um segundo problema aparente é a incompreensão generalizada em nosso meio sobre os processos de contratação da Administração Pública, e frequentemente em debates sobre o tema os argumentos passam pelo viés do juízo de valor pessoal sobre a qualidade da obra do arquiteto ou dos arquitetos em questão. O personalismo, os privilégios e idolatrias herdados dos oligopólios coloniais parecem persistir entre nós mesmo no trato da coisa pública. E mesmo ao discutir valores que, até por uma questão de autonomia de campo, deveriam ser tratados de maneira sistemática, arrazoada e demorada, os arquitetos e gestores públicos preferem arriscar-se a declarar publicamente suas opiniões particulares imediatas sobre temas em que deveriam se manifestar como técnicos e como administradores do espaço público ?mais que como políticos.

Em todo caso, é através da prática saudável do debate público, como o que teve início na Praça da Soberania ?e não das negociatas a portas fechadas ?que se pavimenta o caminho necessário para a construção de um campo arquitetônico mais republicano e de arquitetos mais envolvidos com sua própria cidadania que com questões endógenas. Esperamos todos que este tenha sido apenas o início de uma série de discussões que podem passar a ter lugar a cada grande obra pública. Os meios de comunicação estão abertos para isso e a população está desejosa de discutir a construção de suas cidades. Resta saber da disposição dos arquitetos para o debate.


notas

[1] Texto apresentado em setembro de 2009 no 8º Seminário Docomomo Brasil, na mesa Brasília: cidade real, cidade tombada, objetivando realizar uma síntese da polêmica, dando a conhecer ao público nacional o seu desenrolar local.

[2] Miranda, “Novo marco na esplanada.?e Macedo, “Brasília: Oscar Niemeyer projeta nova praça na Esplanada dos Ministérios.?/p>

[3] Mader, “Novo bairro aproveita lições do laboratório – Entrevista: Paulo Zimbres.?/p>

[4] Mader, “Presente verde.?/p>

[5] Toscano, “Começa em 15 dias obra da nova rodoviária.?e Reis, “Terminal Rodoviário de Brasília.?/p>

[6] Campos, “Complexo substituirá o Buritinga em 2009.?/p>

[7] Naves, “Sinal Verde.?/p>

[8] Correio Braziliense, “A capital do futebol.?/p>

[9] Niemeyer, As curvas do tempo, 111.

[10] IPHAN, Portaria n.314, de 08 de outubro de 1992 (Art.8º, §3º)

[11] Ficher, “Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.?/p>

[12] Ficher, “Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.?/p>

[13] Gaspari, “A praça da soberania de Niemeyer.?/p>

[14] Niemeyer, “Quando a verdade se impõe.?/p>

[15] Holanda, “A praça do espanto.?/p>

[16] Magalhães acabara de concluir um mestrado sobre a obra de um dos colaboradores de Niemeyer: o arquiteto Milton Ramos.

[17] Magalhães, “Pela soberania do vazio.?/p>

[18] Freitas, “Niemeyer versus Niemeyer.?/p>

[19] Cf. //28ers.com/2009/01/12/oscar-niemeyer-e-brasilia-criador-versus-criatura/#comment-56

[20] Ouroussoff, “Even if his own work isn’t broken, a brazilian architect fixes it.?/p>

[21] Francisconi e Ficher, “Verso e reverso em Niemeyer.?/p>

[22] Niemeyer, “A nova praça para Brasília.?/p>

[23] Campos, “Mensagem ao arquiteto Oscar Niemeyer.?/p>

[24] Campello, “Praça da Soberania.?e Campello, “A Praça de Niemeyer em Brasília.?/p>

[25] Correio Braziliense, “Praça na Esplanada inflama Brasília.?/p>

[26] Freitas, “Soberana Brasília.?/p>

[27] Freitas, “Niemeyer, 101 anos, 66 obras.?/p>

[28] Freitas, “Concepções divergentes.?/p>

[29] Costa, “Carta de Maria Elisa Costa a Oscar Niemeyer.?/p>

[30] Para desenvolvimento deste tema, Cf. Pessoa, “Brasília e o tombamento de uma idéia.?/p>

[31] Macedo, “Projeto da Praça da Soberania será investigado pelo Ministério Público.?/p>

[32] Carvalho, “Projeto de praça de Niemeyer para Brasília é ilegal, diz Iphan.?/p>

[33] IPHAN, Portaria n.314, de 08 de outubro de 1992 (art.3º, V)

[34] Lima, “Mais uma obra-prima.?/p>

[35] Cf. Niemeyer, “Criticada a arquitetura brasileira : fala Oscar.?/p>

[36] Schlee, “De obeliscos e espetos ou ‘Para se espantar e curtir’.?/p>

[37] Ribeiro, “Cavalos de Tróia.?/p>

[38] Correio Braziliense, “Niemeyer na trincheira.?/p>

[39] Veleda, “Niemeyer assume a defesa do seu projeto.?/p>

[40] Não se confunda Carlos Magalhães, colaborador de Niemeyer desde a década de 1950 com Carlos Henrique Magalhães, o jovem pesquisador a escrever Pela soberania do vazio.

[41] Correio Braziliense, “Debate sobre praça chega ao Planalto.?e Veleda, “Arruda quer opinião de Lula sobre a praça.?/p>

[42] Notícia apagada dos arquivos do website.

[43] Para um desenvolvimento desse tema, veja-se a seção Teoria em: Pereira, Arquitetura, texto e contexto, 148-153

[44] Cf. //28ers.com/2009/01/12/oscar-niemeyer-e-brasilia-criador-versus-criatura/#comment-158

[45] Campofiorito, “Quando o novo não desfigura o moderno.?/p>

[46] Expressão do crítico de arte Mario Pedrosa em: Pedrosa, “O depoimento de Oscar Niemeyer – II,?294

[47] Correio Braziliense, “A briga está boa.?/p>

[48] Niemeyer, “Uma explicação necessária.?/p>

[49] Tecles, “Niemeyer contra-ataca.?/p>

[50] Ramos, “Um parque na Esplanada.?/p>

[51] Tecles, “Obelisco em Taguatinga.?/p>

[52] Niemeyer, “Contraste incômodo.?/p>

[53] Arruda, “A boa polêmica.?/p>

[54] Maciel, “Proposta de comissão divide os arquitetos.?/p>

[55] Castro, “Breves notas sobre a Praça da Soberania.?/p>

[56] Menchen e Niemeyer, “Oscar Niemeyer: tombamento de Brasília é uma besteira.?/p>

[57] Farret, “Espaço público e imaginário social « mdc . revista de arquitetura e urbanismo.?/p>

[58] Produto atualmente em elaboração por um escritório gaúcho de planejamento contratado por licitação de técnica e preço pelo GDF.

[59] Schlee, “A praça do maquis.?/p>

[60] Schlee, “Não se preocupe em entender.?/p>

[61] Correio Braziliense, “Niemeyer desiste da praça na Esplanada.?/p>

[62] Maciel, “Niemeyer abre mão da polêmica praça.?/p>

[63] Niemeyer, “Decisão.?/p>

[64] Sallum, “Elogios à decisão de Niemeyer.?/p>

[65] Freitas e Rebello, “A Esplanada já tem sua praça.?/p>

[66] Correio Braziliense, “E a praça de Niemeyer pode parar na Sapucaí….?e Macedo, “Esplanada em transe : Praça da Soberania será carro alegórico no carnaval de 2010.?/p>

[67] Segawa, “Por um olhar desimpedido.?/p>

[68] Greenhalg, Gama, e Lago, “Os gênios jamais jogam a toalha – Estadao.com.br.?/p>

[69] Queiroz, “A Praça da Soberania : assertivas.?/p>

[70] Correio Braziliense, “Niemeyer muda Praça da Soberania.?e Dubeux e Niemeyer, “Uma nova praça – entrevista.?e Macedo, “Oscar Niemeyer propõe segundo projeto para a Praça da Soberania.?/p>

[71] Rodrigues, “Praça muda, polêmica não.?e Amorim e Rodrigues, “A praça não interfere no Plano Piloto.?/p>

[72] Mader e Borges, “Praça de Niemeyer sai dos planos.?/p>

[73] Azevedo, “Niemeyer não dorme nos louros?« mdc . revista de arquitetura e urbanismo.?/p>

[74] Rossetti, “Oscar Niemeyer além da crônica de uma praça anunciada.?/p>

[75] Rodrigues, “Praça muda, polêmica não.?/p>


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——? “Niemeyer assume a defesa do seu projeto.?Correio Braziliense, Janeiro 28, 2009, seç. Cidades.

Agradeço a Sylvia Ficher por haver gentilmente cedido seu levantamento bibliográfico sobre o debate sobre a Praça da Soberania: mais amplo que o aqui apresentado e para o qual serviu de base.


danilo matoso macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

]]> //28ers.com/2009/10/24/praca-da-soberania-cronica-de-uma-polemica/feed/ 8 3607 Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/09/24/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus/ //28ers.com/2009/09/24/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus/#respond Thu, 24 Sep 2009 03:28:37 +0000 //28ers.com/?p=3245 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Marcelo Montiel

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Não vejo a Praça da Soberania como uma tragédia para Brasília. Pelo contrário, é um belo presente para a cidade, talvez o último de Niemeyer. Acredito que o princípio da espacialidade infinita do canteiro central da esplanada cantada por Vinicius e pintada por Wagner Hermuche vai continuar.

Todas as grandes cidades vêm sofrendo mudanças significativas. São Paulo foi implodida e reconstruída 2 vezes! Em Brasília, não só o tipo de rodoviária, toda a área central idealizada por Lucio Costa mudou. A distância no projeto original entre os ministérios não passava dos 150m, na esplanada construída tem 300 metros. O próprio Lucio Costa, com toda sua modéstia, afirma ter se enganado ao imaginar um centro requintado para Brasília: Quem tomou conta do centro foram os “brasileiros verdadeiros que construíram a cidade… Eles estão com razão, eu é que estava errado…o sonho foi menor do que a realidade…”.

O Congresso Nacional voltado para a Esplanada dos Ministérios sinaliza para o regime parlamentarista. Do contrário, lá deveria estar o Palácio do Planalto. Essa área da esplanada tem as características de uma “praça monumental? Lá, “naturalmente? acontecem as maiores manifestações. Niemeyer apenas seguiu o senso comum ao propor uma “praça?no início do canteiro central. A proximidade da praça com a rodoviária é significativa, é lá que os “verdadeiros brasileiros?estão. Sua proposta valoriza a imagem universal da Esplanada, ao fundo. A pregnância dessa imagem será reforçada justamente pela localização da praça. A vista da praça é mais privilegiada do que da rodoviária, de onde não se vê mais nada, apenas ônibus. A melhor vista, da rodoviária, é na plataforma onde todos passam às pressas, de automóvel. A vista mais emblemática (da Torre de TV) ainda não foi explorada com o “obelisco?

Niemeyer pode interferir no canteiro central, a um 1 km da Esplanada Monumental? Até hoje não sabemos se Oscar e Lucio se encontraram antes da entrega do projeto vencedor para a nova capital. O esboço de Lucio Costa para o Congresso já era o congresso projetado por Niemeyer! Sabemos que Oscar recusou o convite de JK para projetar a cidade inteira, preferiu um concurso, os projetos principais e o poder de decisão. O brilhante projeto do Plano Piloto da Nova capital não foi escolhido transparentemente, tanto é que o representante do IAB pediu demissão da comissão.

A Praça da Soberania nasce da necessidade soberana de um estacionamento para as áreas centrais. Niemeyer não projeta uma praça funcional, mas conceitual. A crítica às “formas gratuitas?parece patrulha funcionalista. Se arquitetura é arte, a discussão final é estética e a forma (soberana) estará à frente da função. A obra quando esteticamente qualificada sobrevive ao tempo, mesmo com tropeços funcionais (é o caso da belíssima Catedral de Brasília, e seu desconforto térmico). Cabe à crítica contextualizar a obra, sabendo que não se trata de uma praça tradicional, definidas pelas edificações que a cercam. É uma praça seca, não é irrigada de sangue e pedra. É mais uma praça formal “cimentada?(anêmica), típica da criação modernista (que repele a natureza), e, sobretudo, de Brasília, voltada mais para a introspecção do que para a socialização (urbanidade) do dia-a-dia, para a dimensão simbólica nacional do que local.

A Praça da Soberania (influência cubana?) abriga o Memorial da República e o Museu do Progresso, de base triangular. O elemento escultórico inclinado causará espanto pela dimensão, pelo caráter fálico e pelo irracionalismo (do qual sou favorável); enfim, pela força de expressão. Vai eletrizar a Esplanada Monumental. Vale lembrar que essas formas dialogam com o lema de Brasília “Venturis Ventis?

Nos anos 1990 Moacyr Góes montou a eletrizante peça “Escola de Bufões? do belga Michel de Ghelderode. Destacava-se no cenário o enorme mastro inclinado da proa de uma embarcação (gurupés), que ameaçadoramente avançava sobre a platéia. Esteticamente Niemeyer, com seu “unicórnio? está mais para esse desconcertante cenário (de Hélio Eichbauer) do que para a tradição histórica e solene, de um obelisco. Esse elemento, o “unicórnio? não bloqueia a vista da esplanada, só pontualmente. O novo projeto não adultera o conjunto da Esplanada e do Congresso Nacional (locado assimetricamente a 1,6 Km). Interfere positivamente. O equilíbrio entre os aspectos universais e particulares do “projeto original?serão valorizados. Niemeyer não está ocupando todo o gramado da esplanada, como afirmaram. A rigor ele não está na Esplanada dos Ministérios, está no canteiro central junto à Rodoviária.

As formas da natureza nos projetos de Niemeyer revelam a forte presença do mundo antigo (normativo). Daí a sempiterna proximidade de Niemeyer com o poder, como diria o professor Theobaldo da nossa pequena escola de arquitetura e urbanismo. Como um ateu amigo de Deus, Niemeyer transita entre a cópia deliberada das “formas naturais?(com objetividade), e a invenção sutil da modernidade (mais subjetiva e particular).

Quanto ao Memorial dos Presidentes, que presidentes? Um, dois, dois e meio; prefiro Oito e Meio de Fellini. Melhor fundir o Memorial com o Museu do Progresso, afinal nossa república é pretensamente positivista. Caberia até considerar o Memorial Auguste Glaziou, nosso profeta desconhecido que em 1895 indicou com precisão o local da futura capital, além de “inventar?o Lago.

Schiller, o filósofo alemão da educação artística, nos diz que é a vontade, e não a razão, que define o ser humano. Niemeyer tem a vontade de propor novos projetos para a área tombada. Ele é o cara! Ele não é VIP, é um monstro sagrado. Esse poder, já que não é meu, é preferível com ele. Para Fela Kuti, um músico genial da Nigéria, VIP é “Vagabond in Power? e Brasília já tem muitos VIPs. O conceito estético em Niemeyer, com referência em Schiller, pressupõe um estado de liberdade para toda a sociedade, onde o homem simples e o melhor preparado são cidadãos com os mesmos direitos.

Enfim, a grande discussão que interessa: Determinados espaços de Brasília merecem melhor atenção e providências imediatas. Será que os arquitetos urbanistas e a sociedade estão preparados para esse debate? Ou é melhor chamar o Ministério Público? O espaço brasiliense pode ser revisto, sobretudo, se o tombamento não vestir a cidade com uma camisa-de-força.

O arquiteto Gladson da Rocha, de viva lembrança, sempre dizia que Brasília era uma nova acrópole, dado o número de obras primas arquitetônicas, além da beleza da cidade. Pela genialidade de sua obra, Niemeyer tem o direito de propor, mesmo agora quando sua criatividade é questionada. Hoje Niemeyer é criticado quando simplifica ou quando complexifica; ou até, como disse o Briquet que lemos, de autoplágio.

Nos últimos anos a grande Brasília tem a cara da especulação imobiliária formal com o Sudoeste e, sobretudo, com Águas “Turvas?(“o paliteiro? segundo Paviani). A especulação informal (cancerígena) nos condomínios ainda sobrevive. Graças à vontade de Oscar Niemeyer e de alguns poucos arquitetos temos minimizado esse quadro, sobretudo no Plano Piloto. A propósito, porque não fechamos um acordo (idôneo) com a UnB para tornar a futura SQN 207 um projeto de arquitetos, desígnio de Brasília, e não da especulação imobiliária? Brasília não está engessada, mesmo sendo merecidamente Patrimônio Moderno/Pós-Moderno Cultural da Humanidade.


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Marcelo Montiel
Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo FACIPLAC / UNIPLAC
Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

]]> //28ers.com/2009/09/24/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus/feed/ 0 3245 Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/ //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/#comments Wed, 17 Jun 2009 17:01:55 +0000 //28ers.com/?p=2932 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Eduardo Pierrotti Rossetti

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Plataforma Rodoviária e Esplanada dos Ministérios . foto - Eduardo Rossetti

?#8230;provisoriamente? Assim, com a indicação desta possibilidade latente é que o Arquiteto Oscar Niemeyer encerrou sua participação direta nos embates acerca de seu projeto para a ?em>Praça da Soberania?na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Somente os mais incautos poderiam supor que o maior arquiteto atuante no campo brasileiro fosse deixar a última palavra sobre seu projeto com a imprensa, com ?em>a população? com outros arquitetos ou mesmo com pesquisadores e estudiosos da arquitetura —os ?em>especialistas? Enquanto acatava ?em>provisoriamente?o veredicto sobre sua proposição para uma intervenção no vazio soberano da Esplanada dos Ministérios, Oscar Niemeyer retomava o problema para redefinir uma nova solução para a ?em>Praça da Soberania? A nova versão para esta Praça tornou-se pública em 27 de maio, quando da abertura da exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?e do lançamento do quarto número da revista Nosso Caminho, que traz em sua capa a primeira versão da Praça da Soberania. Essa nova versão foi divulgada dois dias depois pelo jornal Correio Braziliense, justamente no dia em que o Arquiteto proferiu uma aula aos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

Neste novo projeto para a Praça da Soberania, Oscar Niemeyer apresenta uma solução que claramente indica a consideração de alguns aspectos que foram bastante criticados naquele primeiro projeto, para além da questão do tombamento e da possibilidade legal de construir a Praça —questão para a qual o IPHAN tem toda competência e legitimidade para decidir. O novo projeto de Oscar Niemeyer, descrito como sendo ?em>Uma modificação irrecusável?a href="#_ftn1">[1] propõe uma alteração significativa na dimensão e na implantação do obelisco (ou monumento), deslocando-o do eixo da Esplanada onde se situava originalmente, reduzindo sua altura pela metade, passando a ter 50m.[2] Além disso, o Memorial dos Presidentes passou a ser implantado paralelamente às vias do Eixo Monumental, aproximando-se da Via S1. Este Memorial tornou-se um bloco retilíneo, dialogando formalmente com um novo edifício de implantação equivalente com uso indicado de ?em>museu/exposições? Tudo agenciado sobre uma superfície graficamente homogênea, provavelmente seca, sem fatores indicativos sobre o caráter construtivo e matérico, sem maiores informações sobre a implantação e suas conexões com os setores culturais Norte e Sul, ou suas conexões com a Plataforma Rodoviária. Sem essas e outras precisões, pretender abordar a nova versão do projeto da Praça, torna-se apenas uma oportunidade especulativa.

Nesta versão atual do projeto, o arquiteto reconhece a importância fundamental da visibilidade do conjunto arquitetônico monumental projetado por ele mesmo a partir do risco de Lucio Costa e apreendido desde a Plataforma Rodoviária —cuja autoria é de Lucio Costa. Assim, muito mais do que um mero ajuste entre os edifícios da nova versão da Praça, é sintomática a manutenção deste diálogo atemporal com Lucio Costa evidenciado na argumentação de Niemeyer sobre a nova solução: ?#8230;senti que, sem querer, tinha atendido ao desejo de se manter uma visibilidade total da Rodoviária até a Praça dos Três Poderes.?a href="#_ftn3">[3] Trata-se de uma alteração projetual muito significativa, que evidencia também que Oscar Niemeyer reviu seu entendimento de que a Plataforma da Rodoviária seria apenas um mero cruzamento de viadutos, conquanto se configura de fato como lugar articulador da vida urbana.[4]

A segunda versão da Praça da Soberania deve ser compreendida mais como uma resposta de Oscar Niemeyer ao campo da arquitetura —incluindo aí também os ?em>especialistas”?do que uma indicação de sua efetiva vontade de construí-la. A edição dominical do Correio Braziliense já revelou a posição oficial do Governo do Distrito Federal de que o ?em>projeto não sairá do papel?[5] Assim, a nova versão da Praça parece ter uma existência com inicio, meio e fim já anunciados, sem pretender causar maiores debates ou sem pretender suscitar efetivas polêmicas. Ao que parece, ao mesmo tempo em que Oscar Niemeyer entende que não poderia deixar a terceiros a última palavra sobre o seu projeto, ele quer demonstrar que ainda está apto para assimilar críticas e re-estabelecer um diálogo profícuo com seu próprio campo, como uma de suas respostas à entrevista do Correio Braziliense indica. Indagado se foi um gesto de humildade modificar o projeto, ele responde: ?em>Lógico. Fiz o que é justo, correto…?a href="#_ftn6">[6] Menos do que um recuo, trata-se de um indício da capacidade do longevo arquiteto de rever suas próprias posições perante as diversas circunstâncias, como historicamente já fizera antes, no final dos anos 50, quando da publicação de ?em>Depoimento?[7]

Trata-se também de uma reação muito diferente do polêmico enfrentamento que ele travou com o projeto do novo auditório para o Parque do Ibirapuera em São Paulo, quando tentou efetuar uma alteração em sua marquise. Em meados dos anos 90, quando proferiu uma aula magna na FAU-USP, Oscar Niemeyer encerrou seu discurso com a última obra que pautava o debate corrente no campo, demarcando sua vivaz presença. Naquela ocasião, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói foi a obra que arrematava sua trajetória, fato equivalente com o que ocorreu no dia 29 de maio, quando ele encerrou mais uma exposição sobre sua própria trajetória perante alunos, familiares, imprensa e autoridades, mostrando a segunda versão para a Praça da Soberania. Qual será a próxima obra ou o próximo grande projeto a integrar essa trajetória? Isto é impossível saber, mas ao que tudo indica, enquanto ele, Oscar Niemeyer, estiver projetando e vislumbrando suas novas arquiteturas, fato seguro é que permanecerá distante da unanimidade.

A produção  recente do arquiteto nos últimos dez, quinze anos demonstra que Oscar Niemeyer permanece envolvido com demandas e programas complexos, tais como: universidades, centros administrativos ou complexos culturais de múltiplo uso, museus… São em grande parte projetos que correspondem a um ?em>tema mais forte?segundo ele, exigindo arquiteturas de caráter representativo, cívico ou com uma abrangência urbana de caráter e escala monumental. Para resolver tais edifícios, Niemeyer assinala a permanência de suas estratégias projetuais, especulando, depurando, reforçando e ampliando o seu reconhecido repertório formal. Além das superfícies preponderantemente secas que idealmente embasam as obras, muitas cúpulas, blocos ou edifícios pavilhonares, marquises e rampas predominam nesta produção, sendo articulados e agenciados para resolver mais a plasticidade do conjunto que a diversa gama de programas que devem abrigar. Os croquis de Niemeyer, que antes enunciavam estrutura e forma a um só tempo, agora cederam lugar às imagens produzidas pela computação gráfica, que direta e figurativamente constroem a própria imagem do fato arquitetônico. Contudo, o concreto se mantém como o material inerente ao seu projetar. Sendo hoje  preponderantemente branco, o concreto possibilita a Oscar Niemeyer definir as soluções formais, os vãos, os balanços e as dimensões que lhe são rotineiras: 50m, 200m, 300x300m, 150m de altura, etc.

Reiteradamente, a forma emerge como índice mais evidente e assumido de seu discurso, constituindo-se como uma chave de acesso específica para compreender a formulação de seu raciocínio construtivo, formal e simbólico. Oscar Niemeyer reforça a questão da forma como sendo a questão praticamente única e exclusiva da arquitetura. Sua fala de praxe defende que ?em>arquitetura é invenção?[8] e enfatiza que o controle sobre a forma é o problema projetual a ser enfrentado. Indiretamente, Niemeyer parece considerar secundárias as prementes circunstâncias do projetar para as quais concorrem as novas tecnologias construtivas, as legislações, os novos materiais, as demandas sos programas arquitetônicos contemporâneos, os suportes e linguagens de produção e representação do projeto, as questões urbanas, as questões ambientais, as especificidades sociais e as oportunidades políticas. Deste modo, seu discurso lança indagações sobre como produzir tecnologicamente, como explorar simbólica e plasticamente, como conceber as formas —novas e outras formas. Em meio às decisões excludentes e às subordinações que regem o ato de projetar —ou seja, elaborar a invenção arquitetônica?a forma continua a ser a questão fundamental que Oscar Niemeyer propõe e deixa a todo o campo, para além da crônica de uma praça anunciada, efetivamente.


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notas

[1] Trata-se do título do texto de apresentação que acompanha o projeto que está na  exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta no dia 28 de maio na Galeria Anna Maria Niemeyer, com visitação até 31 de julho. Note-se que este novo desenho e o texto não constam do livro homônimo, lançado nesta mesma ocasião.

[2] Deve ser notado que na proposição apresentada na exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta no dia 27 de maio na Galeria Anna Maria Niemeyer, a última frase do texto que acompanha o projeto indica uma altura de 30m: ?em>O monumento terá trinta metros de altura?(sic).

[3] Trata-se de uma frase que acompanha o desenho integrante da exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta em 27/maio de 2009 na Galeria Anna Maria Niemeyer. Grifos adicionais.

[4] Sobre a Plataforma Rodoviária, adianto que há um artigo em elaboração sobre ela.

[5] Vide ?em>Praça de Niemeyer sai dos planos? Correio Braziliense, 31/maio/2009, p.31.

[6] Vide Correio Braziliense, 29/maio/2009, p.25.

[7] Vide Módulo nº.09, fev/1958. pp.03-06.

[8] Frase proferida por Niemeyer novamente em sua aula, no dia 29/maio/2009.


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Eduardo Pierrotti Rossetti

Arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador-pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

]]> //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/feed/ 2 2932 Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/10/niemeyer-nao-dorme-nos-louros/ //28ers.com/2009/06/10/niemeyer-nao-dorme-nos-louros/#comments Wed, 10 Jun 2009 14:35:57 +0000 //28ers.com/?p=2879 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Paulo Ormindo de Azevedo

Desde a construção de Brasília não se discutia tanto na mídia arquitetura e urbanismo como agora. O responsável por este fato é um rebelde de 101 anos. Independente do que possa ocorrer, a discussão já valeu à pena. Esta polêmica remete a outra travada em 1985, quando o governador José Aparecido convidou os principais arquitetos que projetaram Brasília – Lucio, Niemeyer e Burle Marx – para reverem o Plano Piloto depois de 20 anos de regime militar. Lucio respondeu com o documento “Brasília Revisitada? onde aconselhava a ocupação de áreas anteriormente consideradas non aedificandi e outras modificações.

A polêmica foi muito semelhante à atual. Pode o autor de um projeto alterá-lo? Sim, especialmente no caso de uma cidade, que é um organismo vivo e reflete os embates sociais ao longo da historia. Tem razão Niemeyer ao dizer que todas as cidades sofreram modificações e que “Brasília ainda vai passar por muitas delas? Depois de muita discussão as propostas de Lucio foram transformadas em lei e Brasília, sem perder seu valor, foi inscrita, em 1987, na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.

soberania-perspectiva-2A bola da vez é a proposta de Niemeyer, do inicio de 2009, de construção da Praça da Soberania com um obelisco de 100 m. A reação foi imediata, movida em grande parte por uma dissimulada “oscar-jeriza?que tem varias origens. Uma delas muito antiga de caráter ideológico, o monumentalismo de sua obra remanescente do autoritarismo da Era Vargas, teorizado por Joaquim Guedes[1], e que reflete o embate entre as escolas arquitetônicas carioca e paulistana. Outra simplesmente de disputa de mercado de trabalho, como fica evidente na carta de Sylvio de Podestá[2], de 2003, e na irônica nota de Julio Daio Borges na revista Piauí de junho de 2009.

Mas vamos convir que a arquitetura não-oficial de Brasília é o que existe de mais provinciano em todo o país e se não fosse o gênio de Niemeyer, a nossa capital não passaria de uma Palmas, salvo o plano. O fato é que se organizou uma espécie de cruzada digital de defesa da terra santa, como se Niemeyer quisesse destruir o Plano Piloto. Não se discutiu em nenhum momento o mérito da proposta, senão o fato de Brasília ser tombada.

O projeto de Niemeyer é de fato, a nosso ver, um complemento e uma correção. Ele procura criar um contra-ponto ao Congresso na outra extremidade da Esplanada dos Ministérios, a meio caminho da torre de televisão, reforçando a escala monumental da cidade, e integrando os dois núcleos de equipamentos culturais separados pela esplanada. Este esquema vem remotamente de Luxor e é o mesmo utilizado por L’Enfant no Mall de Washington, com a seqüência Capitólio, o grande obelisco e o Lincoln Memorial. Ainda em 1987 a Prefeitura de Paris realizou um concurso para criar um marco e integrar a nova zona corporativa de La Defense á cidade, reforçando a visual Louvre, obelisco da Concórdia, Champs Élysées e Arco do Triunfo. Ganhou o dinamarquês Otto von Spreckelsen com um monumental arco de 110 m, que em nada descaracterizou Paris, só a valorizou.

A questão não é o fato de Brasília ser ou não tombada, senão a implementação do tombar, oposto ao de “classificar? ou promover, usado em todo mundo, arcaísmo que tem sua origem no Decreto 25 de 1937, elaborado na urgência de proteger imagens, igrejas e palácios barrocos do ciclo do ouro. Mas os inspiradores dessa legislação, Mario de Andrade, Rodrigo Melo Franco e Lucio Costa, eram intelectuais que tinham um olho no passado e outro no futuro e consolidariam o Modernismo no Brasil. Se nas décadas de 1940 a 1960 tivéssemos a burocracia preservacionista que temos hoje no plano federal e estadual, não seria construída a Pampulha, o conjunto Pedregulho, o Parque do Flamengo, nem os calçadões da Av. Atlântica de Burle Marx, obras primas do século XX.

Neste sentido, Niemeyer tem todo o direito de protestar e xingar contra um instrumento que foi usado a pretexto de preservar sua obra e de Lucio e acabou o censurando. O que desqualifica Brasília não é o obelisco proposto, são os favelões satélites, como ele disse, e os 180 loteamentos fechados em áreas publicas verdes da cidade. Segregação de excluídos e auto-segregação elitista, que os Amigos de Brasília tentam ignorar. Diante dos protestos ruidosos da militância, o Governador José Roberto Arruda recuou alegando falta de recursos. Niemeyer elegantemente publicou, em 04/02/09, uma carta em que expressa a esperança de que no futuro sua obra seja construída.

Soberania-Perspectiva-1Mas tinha razão o embaixador André Correia Lago, “os gênios jamais jogam a toalha? titulo de uma entrevista dada ao Estado de São Paulo, em 07/02/09, em que traça um perfil muito lúcido da crise em que se debatem os arquitetos brasileiros, hoje. No final do mês de maio, Niemeyer voltou a fustigar com uma segunda versão do projeto, reaquecendo uma polemica que já deu um fruto, a criação de uma comissão de alto nível para cuidar do Plano Piloto, que deve ser preservado, mas não pode ser mitificado nem virar um museu dos anos 50.


notas

1 Monumentalidade x cotidiano: a função publica da Arquitetura, in Arquitextos n. 071.01, Portal Vitruvius, em 09/06/09.

2 Carta aberta ao arquiteto Oscar Niemeyer, in Arquitextos n. 40, Portal Vitruvius, em 09/06/09.

Paulo Ormindo de Azevedo

Professor titular da UFBa, consultor da UNESCO, membro do Conselho Consultivo do IPHAN e do Conselho Nacional de Política Cultural, Presidente do IAB-Ba.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Brasília 194Carlos Henrique Magalhães

introdução

Passados os primeiros anos da primeira revolução industrial, diversos modelos urbanos foram realizados a partir da drástica transformação entre campo e cidade. Os expoentes da vanguarda moderna, comprometidos com os ideais de emancipação e convívio comum almejado pelo Iluminismo, lançaram-se em experiências de habitação coletiva que passaram a ganhar terreno a partir da década de 1920 em duas escalas: os edifícios coletivos passam a renovar as possibilidades de convívio por meio de equipamentos públicos que permitissem a socialização de diversas atividades; a destituição da malha urbana tradicional em favor da paisagem de objetos isolados passa a ser mais presente em diversos planos urbanísticos.

No Brasil, estas experiências espaciais de habitação coletiva estiveram presentes dentro perspectivas distintas, no que se refere à natureza do empreendimento e escala de realização, dentre as quais podemos destacar O Conjunto Habitacional do Pedregulho (1947 em diante) projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909 – 1964); Os edifícios do Parque Guinle (1948 – 1954), projetados por Lucio Costa (1902 – 1998), ambos no Rio de Janeiro.

Em Brasília, esta concepção alcança um nível de realização inédito. Ao agenciamento dos espaços públicos do setor residencial, alia-se a clara concepção projetiva das unidades habitacionais. A proposta dos blocos de superquadras remete anto às concepções de seu autor, Lucio Costa, como deixam expor diversas características da nova arquitetura moderna quanto aos preceitos que resultaram em sua forma. Nesse sentido, os blocos podem ser compreendidos dentro de um princípio operativo para a concepção de cada projeto, onde determinadas restrições e direcionamentos buscavam orientar a caracterização do conjunto, marcado pela lógica das projeções, do edifício isolado no terreno, do térreo livre e desimpedido.

Além das questões enunciadas acima, outras tantas se referem à ordenação do partido plástico. Esta pode ser evidenciada pela concepção das fachadas ?faixas contínuas de esquadrias, peitoris em concreto, elementos de proteção solar fixos ? pela relação entre cheios e vazios, pelo aspecto estrutural, pela diversidade na combinação de cores e materiais. O recente inventário dessas edificações[1] resultado de uma extensa pesquisa dos professores Matheus Gorovitz e Marcílio M. Ferreira, mostra que as diversas aproximações ao tema feitas por arquitetos de diferentes gerações e formações distintas, renderam grande diversidade aos blocos de superquadra de Brasília, permitindo que sejam identificadas diversas influências, adaptadas e ordenadas por esses criadores com sensibilidades distintas. A maneira pela qual estes arquitetos dialogam com diversos fatores construtivos e plásticos, oferece rico apanhado sobre o período da arquitetura moderna em Brasília, nas décadas que sucedem sua inauguração. Observando estes edifícios, podemos entender como esse tipo de habitação coletiva pôde ser interpretado, deixando entrever a disposição dos arquitetos envolvidos em sua execução, para a realização de características importantes do Plano proposto por Lucio Costa em 1957.

antecedentes notórios

Um dos primeiros exemplares deste novo tipo[2] de edificação foi o projeto dos Apartamentos Narkonfin (1928-29), de Ginzburg y Miljutin. O edifício é uma barra longitudinal de seis pavimentos sobre pilotis e expõe diversos princípios da nova arquitetura que emergia naquele momento: térreo desimpedido, janelas horizontais corridas e cobertura plana. A este tipo associa-se um conjunto de características de contexto urbano, da destituição dos lotes e da liberação do térreo, em favor de outra relação do edifício na paisagem. Dentre os exemplos mais significativos e influentes desta idéia têm-se os Siedlungen alemães, conjuntos habitacionais coletivos pensados como estruturas auto-suficientes.O conjunto da exposição Weissenhof, realizada no ano de 1927 em Stuttgart é significativo para compreensão dessa concepção vanguardista. Tendo Mies van der Rohe como arquiteto-chefe, contou com a participação de Peteter Behrens, Hans Poelzig, Walter Gropius, Victor Bourgeois, Ludwig Hilberseimer, Le Corbusier, J.J. Pieter Oud, dentre outros.[3]

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

O conjunto destas concepções foi reiteradamente lido e sintetizado por diversos arquitetos proeminentes da vanguarda moderna, dentre eles Le Corbusier que em sua Ville contemporaine pour trois millions d’habitants (1922) demonstra a vontade em se conceber ?…) um edifício teórico rigoroso, formular princípios fundamentais de urbanismo moderno.?[4] Uma “cidade de negócios?em oposição a uma “cidade de residências?é a proposta de Corbusier na tentativa de criar espaços arejados na confluente desordem que se instalava no coração de Paris quando propõe o plan Voisin em 1925. Em consonância a estes projetos, a Ville Radieuse será elaborada com a mesma pretensão de encarar essa nova civilização. Este empreendimento conciliatório será levado a cabo por Corbusier primeiro nos meios da cultura européia, em seguida, com a oportunidade de empreender uma viagem à América do Sul. Corbusier fez em 1929 uma série de conferências na Argentina, Uruguai e Brasil, importantes para ampliar seu conhecimento por parte das autoridades locais e fundamentais nas sementes que o mestre suíço lançou em solo nacional anos seguintes.

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Na década de 1950 foi realizada na Alemanha a Interbau (Internationale Bauausstellung) – primeira Exposição Internacional de Arquitetura ocorrida após a II Guerra Mundial. Esta consistiu na requalificação do bairro oitocentista Hansaviertel, bairro oitocentista em grande parte destruído por bombardeiros durante a Segunda Guerra. Em 1953, é instituído para a escolha do novo plano urbanístico do bairro, vencido por Gerhard Jobst e Willy Kreuer. A Interbau inaugurada em 1957 com espaços públicos desenhados de acordo com princípios modernos, edifícios isolados, predominância de espaços verdes e vazios. Dentre as tipologias encontradas nos bairros, temos: “torres de até 17 pavimentos, barras de 8 a 10 pavimentos, barras de 3 a 4 pavimentos e casas unifamiliares de 1 a2 pavimentos.?a href="#_ftn5">[5]

Dentre as unidades edificadas no bairro há uma barra de apartamentos projetada por Oscar Niemeyer. O edifício pode ser caracterizado pela concisão volumétrica, pela robustez dos pilotis e pelo delicado jogo de níveis que se desenha no pavimento térreo. Esta experiência é de fundamental importância para que possamos compreender a maneira pela qual se desenvolveu a linguagem dos blocos de apartamentos nas superquadras de Brasília: fundamentada em princípios operativos que fundamental sua feição essencial, mas relacionada a diferentes maneiras de manipular elementos plásticos semelhantes dentro de determinadas filiações.

lucio costa

Se na cisão entre as contingências materiais e da dimensão coletiva da arquitetura e do urbanismo desta fase de Corbusier pode-se perceber “a tentativa de uma conciliação entre a expressão do espírito do tempo e a busca da perenidade, condição essencial da arte.?[6] O tema para Lucio Costa irá comparecer de maneira semelhante, figurado na “possibilidade de reaproximação entre arte e técnica ?divorciadas na arquitetura do ecletismo e no ‘arremedo neocolonial??o descortinar de um novo campo expressivo para a arquitetura: o espaço contínuo moderno, flexível porque liberto da estrutura.?[7]

Como dito anteriormente, Lucio Costa ocupou destacada posição diante de um grupo de arquitetos afeitos à doutrina de Corbusier, converte-se ao modernismo arquitetônico e dá passos decisivos à reorientação propositiva que se desenvolveu a partir de então. Também na realização que significou Brasília percebem-se convergências e diferenças entre épocas distintas. Em sua proposta para o Plano Piloto há a capacidade de conciliar uma série de problemas complexos por meio de soluções sintéticas, tanto quanto em realizar ?por meio da conjugação entre diferentes escalas ?uma cidade capaz de ser expressão palpável da vida cotidiana e da monumentalidade simbólica.

A forma acabada desta realização brasileira tem suas raízes em diversas referências, sejam elas afetivas ou históricas, onde a sociabilidade deveria ser transformada em favor de uma cidade nova, inteiramente pública que, na concepção de Brasília, Lucio emprega com as devidas propriedades: eixos e perspectivas da lembrança de Paris; imensos gramados verdes ingleses; a pureza de Diamantina ?ou seja, da memória colonial, as fabulosas fotografias de terraplenos e arrimos chineses do começo do século XX. Estes elementos característicos comparecem em igual medida ao lado de referências modernas: setorização de atividades; ênfase dimensional das circulações de veículos; idéias de cidade parque e cidade jardim; habitações coletivas em blocos sob pilotis. Em essência, esta proposta de conjugação entre lógicas construtivas históricas e coloniais a tipos e procedimentos da modernidade será uma constante no trabalho de Lucio Costa.

 

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1950) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1943) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

No conjunto de edifícios que projetou no Parque Guinle (1943-54) este procedimento encontra uma possibilidade, pois, à tipologia fracamente moderna das lâminas de apartamentos sob pilotis, Lucio Costa associa características de forma a espaço da habitação tradicional brasileira, por um lado o partido é eminentemente racionalista, por outro a implantação e tratamento de superfícies em cada edifício denota uma “espantosa trama de cheios e vazios, que se integra na ortogonalidade rigorosa dos prismas e dilui a função de vedo atribuída à fachada. Sua aparição figura a possibilidade ideal de uma edificação inteiramente vazada, desmaterializada, pois tem o ar como matéria constituinte.?[8] Os Edifícios do Parque Guinle representam a ascendência mais imediata à concepção dos blocos de superquadra, sendo esta a conseqüência do conjunto das características de agenciamento e espacialidade, marcados por um princípio, mas de muitos resultados formais.

um tipo de moradia

O setor residencial de Brasília logrou grande êxito no Plano Piloto para a cidade. As chamadas superquadras podem ser caracterizadas objetivamente como grandes quarteirões de lados iguais da ordem de 280 metros[9]. O desenho das vias proposto por Lucio Costa obedece à hierarquia que as separa em diferentes demandas e dimensões e “no caso das superquadras adotou o acesso viário feito através de uma única rua sem saída, em ‘cul-de-sac? de realização bem mais simples do ponto de vista técnico e bem mais barato do ponto de vista econômico. De tal modo que as superquadras são servidas por trevos rodoviários apenas pelo lado do eixo residencial, garantindo-lhes uma relação bem mais articulada com seu entorno imediato em comparação com aquela das áreas centrais da cidade.?[10]

Em seu relatório, Lucio Costa dispõe as edificações apenas com relação às características que lhe seriam mais essenciais: na esplanada ministerial a disposição cadenciada dos edifícios do poder executivo cujo eixo termina com o congresso, ?um edifício em altura, e o triângulo da Praça dos Três Poderes; no comércio local a abertura das lojas para o interior das quadras e a conjugação das unidades, duas a duas. No caso dos blocos residenciais, Lucio definiu a natureza volumétrica desse tipo, tais como: os gabaritos e o térreo livre, sobre pilotis garantido o solo público, implantando a lógica das projeções, princípio fundamental para a compreensão da cidade. Como dito, antes dos blocos residenciais houve o Parque Guinle (1948-54), e antes deles uma aproximação de Lucio à proposta de Corbusier para uma Unité d’habitation de grandeur conforme, realizada em Marselha (1947-52).

Lucio chama de intuição precursora o empenho de Corbusier em propor este modelo residencial de edificação em altura.[11] Para Frampton, em função das escalas e da transformação de propriedades compositivas propostas, há em certas obras de Corbusier uma monumentalização do vernáculo. Se nas Maisons Jaoul o desenho é reinterpretação monumental de um vernáculo mediterrâneo, dada sua escala a solenidade introspectiva, nos 18 pisos de Marselha este princípio se efetuaria do ponto de vista da condensação social e na proximidade que teria com o modelo do Falanstério de Fourier, proposto no século XIX.[12] A unidade de Corbusier já trazia em si conjunto notável de características espaciais, constituindo espécie de protótipo à espera de outras realizações que se irmanassem com este edifício isolado. Realizações estas constituídas pelas características do chão na qual estas unidades estariam implantadas.

Tal quais outros princípios modernos o edifício isolado não representa um advento do séc. XX. Razão fundamental de representações e contextos de excepcionalidade, o destacamento em relação ao entorno é característica presente na cultura de diversos povos encarnando o desejo de exprimir representatividade, caso de palácios e catedrais. A arquitetura moderna brasileira encontra na realização do MESP razão pioneira para a dissolução do quarteirão em favor de uma continuidade aberta que, nesse caso, fugia às determinações do Plano urbanístico de Alfred Agache. Esta monumentalidade a efetuar a emancipação de pequenas extensões urbanas, termina por torna banal o que antes deveria ser lido sob o viés da exceção.[13] Para James Holston tal acontecimento tem um além que pode ser evidenciado por uma reversão moderna entre fundo e figura, de tal forma que se existia ao longo de séculos uma oposição entre cheio (solido = fundo = privado) e vazios (vazio = figura = público), ocorre no movimento moderno ruptura definitiva desse tradicional sistema de significação da arquitetura.[14]

A difusão de técnicas construtivas, especialmente representadas pelo amplo uso do concreto armado em conjugação ao aço, possibilitou o surgimento de diversas estruturas e a realização de algumas propostas corbusianas como o esqueleto independente das vedações. Esta por sua vez termina por permitir a realização do térreo potencialmente livre de barreiras físicas e no lugar de pilares e pilastras, os pilotis. Do esquema Dom-ino a Brasília há um percurso representativo de experiências culturais que permitem a observação deste tipo construtivo em diversos programas e em atendimento a grande conjunto de necessidades.

reflexões críticas

 

Levantamentos de tipos de projeção (MACHADO, Marília, 2008).

Levantamentos de tipos de projeção (Machado, 2008).

Frederico Holanda em longos estudos sobre os lugares e da desvinculação entre discurso a prática urbanística, identifica dois tipos fundamentais de espaços que se alternam ao longo da história: a paisagem de objetos e dos lugares. Seus estudos com base em dimensões morfológicas de desempenho[15] mostraram que há uma excessiva permeabilidade no interior das superquadras residenciais e que estas são responsáveis por diversas relações que, tomando por base determinados parâmetros, ocasionam perda de orientabilidade e identidade nesses tecidos.

Há a afirmação corrente de que em Brasília tudo é igual e são muitos os que ao visitar a cidade se questionam sobre a lógica que separa os lugares. Ainda que haja a presença de grandes extensões não conectadas, os espaços livres em Brasília não se constituem precisamente por vazios; essas ausências são antes de mais imersas em quantidades e cuja prática projetiva deve ser orientada, dentre outros, ao planejamento setorial da cidade. “Aqui tudo é indiferente e, no entanto, tudo importa.?[16] Desse modo, ainda que a repetição seja propriedade marcante ao longo das superquadras, veremos que muitos exemplares guardam características distintivas no manejo de contingências semelhantes.

Nesse sentido o bloco de superquadras representa um tipo moderno dos mais importantes na historiografia da arquitetura, ainda que discussões mais criteriosas a esse respeito tenham vindo a ser publicadas em tempos mais recentes.[17]]

os blocos de superquadra, caracterização objetiva

Num primeiro momento pode ser efetuada uma divisão entre os blocos residenciais com base em suas dimensões. Na já célebre frase de Lucio, os pavimentos para esse tipo de edifício estariam limitados em seis, de modo que as crianças estariam nas quadras ao alcance da voz de suas mães. São de seis pavimentos e térreo, os blocos das quadras 100, 200 e 300.[18] Seguindo a cota decrescente em direção ao Lago Paranoá, os edifícios das quadras 400 possuem térreo e mais três pavimentos. A intenção inicial com relação ao perfil sócio-econômico dos moradores do plano era a de que houvesse uma estratificação deste entre famílias, uma vez que “neles não são obrigatórios elevadores e garagens, são de construção mais barata, contribuindo para a diversificação?[19]

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Os blocos de superquadras respondem a uma demanda sócio-espacial específica e incorreríamos em erro ao imaginar que a plena realização de suas potencialidades poderia ser repetida na solução de questões sem o mesmo aparato e substrato material. Dizendo de outra forma, ainda que em pontos isolados do território do Distrito Federal a solução de uma lâmina de apartamentos sobre pilotis tenha sido empregada, não configura a mesma ambiência urbana que se tem no Plano Piloto. O conjunto habitacional localizado na Região Administrativa do Guará, denominado Lucio Costa é exemplo dessa questão.[20] Lucio Costa não possui nenhum projeto de edificação residencial no Plano.  Embora em Brasília houvesse a intenção de diminuir a iniqüidade social, estes prédios ?localizados a certa distância do centro, segundo um modelo de pulverização de núcleos ?foram pensados para resolver o problema de moradia de camadas sociais menos favorecidas. Daí a designação de cada uma das unidades: operário (52 m²) e favelado (29 m²), cada qual pensado com um tamanho específico, mas agrupados nas mesmas unidades habitacionais. O arruamento se distingue das superquadras pela rigidez geométrica e pelas possibilidades de trajeto; desenham losangos no chão de tal forma que o ângulo formado com o paralelismo dos blocos permite a constituição de permanências e trajetos de pedestres. Em trechos no interior destas quadras estão dispostos equipamentos públicos e instalações comerciais.

Os blocos em si são constituídos por pilotis baixos de 2.20 m de pé direito e três pavimentos, podendo cada unidade ter até oito apartamentos por andar. Apresentam características plásticas de adaptação ao modo de vida que seu autor imaginou. Segundo Jaime Almeida “os tamanhos reduzidos dos espaços e da área a ser construída (superfície do piso) dos apartamentos seriam compensados pela mobilidade familiar que se refletiria na utilização do espaço disponível. Assim, os filhos pequenos ao dormirem mais cedo, liberariam, aos adultos, os demais aposentos, que iriam para cama mais tarde. As crianças, ao crescerem, inverteriam com os mais idosos o uso do apartamento.?[21]

Em contraste com essa intimidade regrada de espaços mínimos, Lucio propõe a diversidade e generosidade da ocupação pública do solo, dado o dimensionamento das áreas abertas configuráveis por atividades de convívio comunal. Mas, se o urbanista viesse a visitar o conjunto anos após sua inauguração, certamente não se encantaria com “a realidade maior que o sonho?encontrado na posse que os moradores deram às áreas verdes. Ao contrário do que acontece no Plano, os térreos foram cercados, na maioria das vezes, extrapolando o perímetro da projeção de cada edifício. Soma-se a isso, o pouco cuidado na manutenção de equipamentos comunitários, resultado de uma introspecção que nem de longe lembra a almeja subtração da vida privada em favor da exterioridade pública proposta por pelo urbanista de Brasília.

Tanto no conjunto de Lucio Costa quanto nas superquadras, permanecem indagações quanto à propriedade de aglutinação desses espaços, marcados por uma relação de mão dupla entre oposições, sejam elas do campo e da cidade, do passado e futuro; de tal forma que “a recusa de uma urbanidade opulenta opera uma total redefinição das funções urbanas tradicionais, bem como das relações entre comércio, residência, transporte e pedestre, na medida em que retira da rua a qualidade de espaço que tem definido, historicamente, a sociabilidade pública em contraste com a esfera privada.?[22]

códigos de edificação

As características apresentadas dependem não só de conceitos urbanos, mas também de detalhamentos e execuções regulamentadas pelos códigos de edificação[23]. E por meio da leitura dos diferentes textos presentes nesses códigos é possível verificar a transformação de fisionomia tanto do bloco de superquadras quanto em outras edificações. No caso das superquadras presencia-se:

a)       Gradativa ampliação da largura das projeções, em função do incremento nos índices de ocupação;

b)      Modificação significativa da volumetria ?que num momento pioneiro se caracterizava pela depuração e concisão volumétrica ?em função das alterações resultantes quanto às possibilidades de avanços e compensações de área.

c)       Redução das áreas livres no pavimento térreo, que passam a serem ocupadas por salões de festas, residências funcionais, áreas de guarita etc.

d)      Acréscimo de coberturas de uso individual ou coletivo, que modificam a cota de coroamento e feição edilícia das quadras. Em algumas delas, coexistem tipos mais recentes em contrastes com outros de épocas passadas, noutras, há a presença exclusiva daqueles exemplares;

Sendo assim, coexistem ao longo das Asas Sul e Norte linguagens as mais distintas e características plurais de projeto, que ocorrem tanto em função da localização quanto do tempo de construção de cada unidade, sendo estas representativas de períodos distintos da ocupação de projeções ao longo das quadras. Se as quadras da Asa Sul apresentam maior homogeneidade entre edifícios e as quadras da Asa Norte, em oposição, apresentam exemplares mais distintos entre si; a estatística não é suficiente para que possamos asseverar que existe uma linha sobre a qual possamos perfazer itinerário de linguagens ou de sua transformação. Mesmo entre blocos coetâneos, não é possível que se faça classificação de filiação a uma ou outra tendência, o que se vê são diversas vocações materializadas dentro de determinações de ordem legislativa.

O grande número de projetos dentro desse tipo permite que façamos a leitura acerca de algumas coincidências de sensibilidades que em muito favorecem a diferenciação entre uma e outra quadra. De modo geral, prevalecem nas quadras empreendidas pelo poder público e Institutos de Aposentadoria e Pensão uma notável preocupação de conjunto, na forma e diálogo que esses projetos estabeleceriam entre si. Preocupação que se esmaece à medida que cresce o poder de influência e realização da iniciativa privada, onde passa a importar sobremaneira a melhor relação de área como meio de obter maiores lucros na venda de unidades.[24]

Segundo Marília Machado algumas fases distintas podem ser identificadas na história das superquadras cada qual com características próprias. A primeira delas tem início em 1956 e se estende até 1961 ?quando da elaboração dos primeiros projetos da superquadra de Brasília, com destaque para o projeto de Hélio Uchoa para as quadras SQS 105 e SQS 305. A segunda fase vai do início do governo de Jânio Quadros em 1961 e vai até a deposição do presidente João Goulart pelo golpe militar de 1964. O terceiro momento decorre todo durante a ditadura, entre 1965 e 1970, particularmente pela retomadadas construções da capital pelo governo militar, principalmente após a criação da Codebrás, no governo Costa e Silva, que assegurou um grande movimento de funcionários para Brasília. Na última fase que se estende até o final da década de 1980, um conjunto de 120 quadras já se encontra consolidado.

nuances propositivas

No ano do lançamento para o concurso da nova capital Oscar Niemeyer publica na revista Módulo o texto Considerações sobre a Arquitetura Brasileira, no qual engrandece o atual estágio de reconhecimento e difusão alcançado pelos autores da modernidade arquitetônica no Brasil, a ponto de “em pouco tempo ela se tornar nossa arquitetura corrente e popular.?[25]No entanto, propõe a ressalva de que a racionalização e simplicidade encontrada em algumas soluções pioneiras não foram bem apreendidas por número considerável de profissionais. Os exemplos são todos feitos por comparação: primeiro uma obra do próprio arquiteto, em seguida um exemplo de má aplicação dessas possibilidades. A primeira delas se refere ao térreo livre sobre pilotis que, se numa idéia geral se apresenta como denso renque de pilares com pouca distância entre si pode bem ser transformado num amplo vão, de melhor ambiência e que aperfeiçoaria a técnica estrutural empreendida anos a fio em pesquisas por nossos melhores calculistas.

No que se refere à comunicação urbana de interação entre pares e o caminho do pedestre no tecido dessa cidade moderna, os pilotis ocupam lugar privilegiado, somado ao tratamento do piso térreo e das áreas ajardinadas adjacentes. Do ponto de vista estrutural podem descarregar os esforços, principalmente, de duas maneiras: estruturas cadenciadas e de pouca ou nenhuma variação dimensional, ou apresentarem desenho para as colunas do térreo diferentes dos demais pisos por meio do emprego de vigas ou lajes de transição.

 

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

Quanto às fachadas apresentam uma variação de combinação essencialmente moderna entre aparência e funcionamento.  Se, em alguns expoentes da vertente corbusiana da modernidade brasileira o modelo do pano de vidro sobreposto pelo brise-soleil[26] é corrente, esta solução se tornará menos difundida no desenho de fachadas das superquadras. Em edifícios das primeiras décadas ocorrem, na maior parte dos casos, duas elevações principais bem distintas, uma conforma os ambientes sociais do apartamento, outra, encobre setores de serviço ou circulação. Tal solução é feita de méritos e lacunas, pois, por questões outras de projeto, alguns prédios podem ter fachadas pouco protegidas direcionadas para orientações de maior incidência solar dada a rigidez com a qual os blocos são implantados.[27] No que se refere ao alinhamento dos prédios com relação ás vias que delimitam as quadras a relação na maioria absoluta é de ortogonalidade, tanto quanto no eu se refere às projeções em que poucas são as quadradas, predominando as barras lineares.

 

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

No que se refere à quantidade de produção, Oscar Niemeyer não está no patamar de demais arquitetos que projetaram blocos de apartamentos para as superquadras. No entanto, o impacto de seu pensamento naquilo que se refere à permanência e consecução das características do plano, aliado às propostas do racionalismo carioca se fazem sentir em alguns aspectos. As superquadras 107 e 108 Sul foram integralmente projetadas pelo arquiteto, e deveriam servir como referência para das demais. Sobre isso, Nauro Esteves afirma que dada a urgência na elaboração de projetos, foram definidos seis tipos de quadra que deveriam ser distribuídas ao longo das asas.[28]

 

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959).  Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Embora possuam, em seu conjunto, grandes nuances, alguns projetos são sempre lembrados pela generosidade do desenho de seus espaços públicos e pela qualidade de concepção de seus edifícios. A superquadra 308 sul (1959) apresenta edifícios que variam pouco entre si. O projeto de Marcelo Campello e Sérgio Rocha com paisagismo de Burle Marx, feito para o Banco do Brasil, cria disposições espaciais no interior da quadra de rara propriedade, sendo constantemente referenciada como quadra modelo. Diferentemente dos projetos que vinham sendo desenvolvidos até então, este possui nove projeções no lugar das onze, aplicadas na maioria das quadras até então.[29] O projeto para a quadra SQS 114 foi executado pela mesma equipe e guarda muitas semelhanças: a disposição dos blocos com os panos de vidro orientados todos de frente para o trajeto de circulação de veículos no interior da quadra; a presença de um edifício no centro da implantação com apenas quatro pavimentos, provavelmente, como meio de se manter uma linha de coroamento mais próxima entre cada bloco.

Outros arquitetos contribuíram enormemente para a configuração das quadras e uma merecida posição de destaque deve ser dada a Eduardo Negri que, atuando pela Caixa Econômica Federal, foi responsável por quase uma centena de blocos de apartamentos, principalmente nas quadras SQS 102, 202, 303, 111, 314. Helio Uchoa, responsável pelas quadras SQS 105 e 305; Luiz Henrique Pessina, Manoel Hermano e Marcílio Mendes Ferreira também são dignos de distinção.

 

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Ao nos atermos aos elementos de linguagem presentes em alguns exemplos dentre os blocos de superquadra, percebemos diversas proposições. Ainda que tenhamos parâmetros gerais para a concepção destes edifícios, há espaço para a aproximação criativa de cada autor, que irá dar diferentes tratamentos para as diversas partes que o compõe. Dentre as quais podemos citar: o dimensionamento e desenho dos pilotis (cilíndricos, prismáticos, em “V?; a opção pela transição de esforços entre os pilares que se elevam ao longo dos pavimentos e aqueles que se situam a rés do chão; tratamento de fachadas das ares sociais; tratamento de fachadas das áreas de serviço e assim por diante.

Os Blocos da SQS 107 e 108 (1958-1959) de Oscar Niemeyer apresentam uma clara definição plástica encarnada na economia de meios, na qual prevalece a alternância do tratamento que se dá às fachadas, ora elementos de proteção solar, ora planos envidraçados. Os pilotis apresentam robustez realçada pelo contraste entre as superfícies do piso e aquelas que revestem as colunas.  Os Blocos apresentam pouco contraste de cores entre superfícies, sendo esta variação alcançada por meio do jogo volumétrico entre as partes. Os blocos foram projetados para os funcionários públicos que foram transferidos para Brasília com a mudança da capital. O desenho dos arruamentos compõe de maneira equilibrada e consistente a delimitação entre áreas de circulação e demais trechos, onde se situam parques, jardins e gramados.

Os já referidos edifícios da SQS 308 (1959) de Marcelo Campelo e Sérgio Rocha possuem uma fisionomia caracterizada pela duplicidade entre as fachadas principais. O desenho das esquadrias que revestem a fachada das atividades sociais obedece à rígida modulação, percorrem o pé direito do piso ao teto. São pintadas na porção inferior obstruindo parcialmente a permeabilidade visual, garantido a devida privacidade ao interior dos apartamentos. O desenho dos pilotis é prismático e nos acabamentos das superfícies no térreo, há uma combinação que confere austeridade ao mesmo: pisos em cerâmica preta, paredes revestidas em mármore e peças cerâmicas pintadas com elementos geométricos. Os intervalos entre cheios e vazios valorizam seus interiores, tanto quanto o cuidado com o qual são concebidos os arruamentos, as peças de mobiliário urbano e a disposição do paisagismo, de Roberto Burle Marx.

 

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

Os blocos das SQS 305 e 105 (1959) de Hélio Uchôa apresentam a aplicação de elementos da linguagem racionalista carioca, na ordenação espacial e elementos de vedação. A imagem que transmite a fachada destes edifícios é quase membrana, uma tessitura na superfície que permite estes elementos serem lidos de perto e à distância. De igual maneira se dão os revestimentos da superfície nos edifícios de Marcílio Mendes Ferreira para a SQN 206 (1977-78). Sobre os pilotis de desenho expressivo e robusto, a barra dos apartamentos possui as delimitações externas caracterizadas pela cadência de elementos pré-moldados em concreto, que sombreiam as fachadas da incidência solar mais acentuada. Também por elementos em concreto é constituída a fachada do Edifício R3 (1972) de Milton Ramos localizado na SQS 203. Sobre um arranjo de pilares moldados em loco que configuram os pilotis estão dispostos, em cada piso, elementos de concreto que servem simultaneamente como sustentação e vedação. Estes elementos retangulares apresentam uma elevação como um troco de pirâmide em negativo e ora são opacos, ora possuem esquadrias com aberturas do tipo máximo ar.

 

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Estes exemplos se somam a outros de igual importância e são fundamentais para que se possa historiar a arquitetura que se desenvolve em Brasília nos primeiros anos a partir de sua inauguração. O tipo moderno representado pelo edifício de superquadra oferece a possibilidade de desvendarmos caminhos propositivos, identificando as nuanças presentes em cada uma dessas materializações. A concepção geral dos projetos lançada por Lucio Costa define parâmetros gerais para a proposição destes criadores empenhados em conferir à cidade, os aspectos essenciais à sua perenidade histórica, tanto quanto em propor soluções que demonstrem certas filiações, escolhas e a maneira de assimilar influências e transformá-las.

conclusão

O patamar significativo que se atinge em Brasília da conjugação entre características de ordem urbana e edilícia, permite que possamos compreender os blocos de superquadra com um tipo representativo da modernidade arquitetônica. A realização do Plano Piloto de Brasília permite que sejam levantadas, analisadas e discutidas diversas características físicas e espaciais que embasaram o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira. Dentre os diversos setores da cidade, a solução dos blocos residenciais de superquadra, guarda elementos fundamentais presentes na definição dos espaços urbanos propalada pelo movimento moderno no panorama internacional. Ao mesmo tempo, este tipo geral de edificação dá claras mostras de maneiras pelas quais os arquitetos envolvidos em sua construção lançaram mão de um determinado repertório de elementos plásticos, para a construção de determinada fisionomia.

O resultado do intervalo de possibilidades presentes nos parâmetros legislativos possibilitou riquezas nos resultados formais e arranjos espaciais presentes ao longo das quadras residenciais do Plano Piloto, não sendo possível definir uma filiação de linguagem restrita para estes edifícios. A leitura de seus elementos constituintes aponta para referências dissimiles e complexo sendo resultado da conjugação de características plásticas que manifestam nuances propositivas. Montar e compreender este repertório pode auxiliar na realização de estudo mais abrangente, direcionado para o entendimento da pluralidade e diversidade de nossa arquitetura moderna a brasileira.


notas e referências bibliográficas

[1] Estudos mais detidos e criteriosos sobre o tema podem ser encontrados em alguns volumes. Ver: Farès El-Dahdah. (Org.). Brasilia’s Superquadra. Cambridge e Munique: School of Design, Harvard, e Prestel, 2005. O livro citado acerca das superquadras é um apanhado organizado e bem estruturado sobre os dados históricos e as características de cada edifício em suas perticularidades, ver: GOROVITZ, Matheus; FERREIRA, Marcílio Mendes. A invenção da superquadra. Brasília: IPHAN, 2009.

[2] Em definição mais imediata o tipo, do grego typos (cunho, molde, sinal), é aquilo que inspira fé como modelo; coisa que reúne em si os caracteres distintivos de uma classe. O Termo foi objeto de estudo de diversos teóricos em diferentes campos do conhecimento, na filosofia, na sociologia, na arte. Na arquitetura uma das definições pioneiras pode ser encontrada na obra de Quatremère de Quincy. Seu estudo serviu como fonte e inspiração para discussão de diversos teóricos, críticos e historiadores, em reflexões críticas elaboradas principalmente a partir da década de 1960. A esse respeito ver: QUATREMÈRE DE QUINCY, Antoine Chysostome. Diccionario de arquitectura: voces teóricas. 1ª Ed. Buenos Aires: Nobuko, 2007. Neste trabalho o tipo será entendido como a idéia da arquitetura por meio da redução de particularidades de forma, como meio de observar em cada concepção suas características essenciais. Ver: ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ARGAN, Giulio Carlo. Sobre a tipologia em arquitetura. In: NESBITT, Kate. Uma Nova Agenda para a arquitetura, pp. 268.

[3] MACHADO, Marília Pacheco. Superquadra: pensamento e prática urbanística. Dissertação de mestrado, Brasília. UnB. 2007.

[4] LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p ?156.

[5] ESKINAZI, Mara Oliveira. A Interbau e a Requalificação Moderna do Oitocentista Hansaviertel em Berlim ?1957. 7° Seminário DOCOMOMO Brasil, 2007.p ?2 .

[6] MARTINS, Carlos A. Ferreira. Leitura Crítica. In: CORBUSIER, Le. Precisões: sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004 .p ?273.

[7] WINIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001. p ?8.

[8] Idem, p ?33

[9] As unidades residenciais em Brasília se constituem de superquadras, com 240×240 metros definidos por uma faixa de vegetação de 20 metros de largura e dispostas ao longo de uma estrada parque. COSTA, Lucio. Habitação Coletiva em Brasília. Módulo n° 12, fev. 1959, pp. 12 ?16.

[10] FICHER, Sylvia et. al. Uma Análise dos Blocos Residenciais das Superquadras do Plano Piloto de Brasília.2003

[11] COSTA, Lucio. O arquiteto e a sociedade contemporânea. In: Registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

[12] FRAMPTON, Keneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997

[13] ZEIN, Ruth Verde. O Lugar da Crítica: ensaios oportunos de arquitetura. Porto Alegra: Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001.

[14] [Modernism breaks decisively with this traditional system of architectural signification. Whereas the preindustrial baroque city provides another of public and private values by juxtaposing architectural conventions of repetition and exception, the modernist city is conceived of as the antithesis both of this made of representation and of its represented political order.] HOLSTON, James. The modernist city and the Death of The Street. In: LOW, Setha M. [Org.] Theorizing the City: The New Urban Anthology Reader. Rutgers University Press. 1999,

p ?265.

[15] HOLANDA. Frederico. O Espaço de Exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

[16] VALÈRY, PAUL. Eupalinos, ou o Arquiteto. São Paulo: Editora 34, 1996.

[17] Além dos citados textos de Marília Machado e Sylvia Fischer, o conjunto de obras dos edifícios de superquadra foi objeto de pesquisa coordenado por Matheus Gorovitz e Marcílio Mendes Ferreira em:

[19] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[20] Pensado inicialmente para a cidade de Alagados na Bahia.

[21] ALMEIDA, Jaime. Avaliação de Plantas de Apartamentos Econômicos em Torres Residenciais no Contexto das Construtoras. Paranoá Cadernos Eletrônicos, Brasília DF, 2003.

[22] WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001, p. 28 ?29.

[23] Antes do código de edificações de 1998(Lei no 2.105/98, regulamentada pelo Decreto no 19.915, de 17 de dezembro de 1998: Código de Edificações do Distrito Federal.), vigoraram outros três códigos de regulamentação em Brasília, aprovados nos anos de 1960 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal no 7, de 13 de junho de 1960: “Aprova a Consolidação das Normas em vigor para as construções em Brasília.?, 1967 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal ‘N?no 596, de 8 de março de 1967: Código de Edificações de Brasília (R.A.1) e Normas Complementares) e 1989. Sobre o último código é importante ressaltar que ?em>dada a importância atribuída à listagem da Unesco e a aprovação das sugestões de Costa, o Código de 1989 incorporou na íntegra os textos do Decreto no 10.829/87[23] e do Brasília revisitada, não apresentando o formato legislativo de praxe. Por seu lado, a nova Câmara aprovou em 1993 uma Constituição própria do Distrito Federal[23], a qual tornou obrigatória a elaboração periódica de planos diretores. Assim, Brasília passava a ser objeto do controle urbanístico tanto de órgãos federais como distritais, em uma coabitação nem sempre das mais harmoniosas.?ver: Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[24] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Op. Cit.

[25] NIEMEYER, Oscar. Considerações sobre a Arquitetura Brasileira. Módulo, Ano 03, n° 7, fev. 1957, pp. 5 ?10

[26] [É a partir da aliança entre função, materiais e procedimentos construtivos que Le Corbusier havia estabelecido os seus cinco pontos de uma arquitetura nova, defendendo o pano de vidro e inventando o brise-soleil.] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões Brasileiras. Sobre um Estado Passado da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Tese de Doutorado, Universidade de Paris VIII- Vincennes- Saint Denis, 2002.

[27] BRAGA, Darja Kos. Arquitetura residencial das superquadras do Plano Piloto de Brasília: aspectos de conforto térmico. Brasília: Universidade de Brasília, 2005.

[28] MACHADO, Marília Pacheco. Op. Cit, p ?89.

[29] Idem, p ?74.


Carlos Henrique Magalhães
Arquiteto e Urbanista (UnB, 2006), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB,2009).

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Cláudio Queiroz

[veja os desenhos do projeto de Niemeyer aqui]

Os aspectos aparentemente secundários, defendidos no presente escrito, tratam de entendimento arquitetural sobre os elementos contidos na proposta apresentada, que a justificaram, classificando-a.

São relativos às escalas envolvidas, proporções e perspectivas, demonstrando não haver inadvertência, em relação à Brasília e à Esplanada dos Ministérios. E contrariamente, são complementações necessárias.

Esses aspectos, a partir do projeto de Oscar Niemeyer para aquela implantação definida, consideram o entorno imediato da Esplanada dos Ministérios e de Brasília, em face da praxis de crescimento urbano e estimando o caráter universal desta obra prima incomparável da era moderna, a ser preservada.

Em suas realizações, o urbanista e o arquiteto vivem no projeto de Brasília complementaridades jamais vistas na História da Arquitetura, como pode ser observada na totalidade da concepção e, particularmente, em relação ao edifício do Poder Legislativo – o Congresso Nacional – expressão simbólica significante.

Ponto focal da civitas, sua arquitetura é uma das preferidas do autor, estando entre as que bem evidenciam a reflexiva intencionalidade do urbanista e a aludida complementaridade.

Não houve, tampouco, descuido, no que concerne à Rodoviária do Plano Piloto, limite oeste da Esplanada dos Ministérios, ambas, projetadas por Lucio Costa, o urbanista de Brasília, venerável mestre da Arquitetura brasileira.

a razão

A proposta de Oscar Niemeyer restaura a escala monumental da Esplanada. Atualizando-a, o faz, levando em conta as perspectivas da totalidade urbana e da proximidade envolvente, reparando, inclusive, a proporção do edifício do Congresso Nacional em sua dimensão urbana significante.

A Esplanada é limitada a leste pelo Congresso Nacional, circunstanciado pela perspectiva do canteiro central. Nos dois canteiros laterais ela é ultimada, pelos mais antigos ministérios da República: o da Justiça e o das Relações Exteriores. No extremo oeste, a elegância longilínea da Rodoviária encerra no espaço da Esplanada a parte do civismo formal do Estado brasileiro. Entala os três canteiros: o central e os dois laterais. Abriga no canteiro sul a “Casa de Chá”, e o Teatro Nacional no norte. Estes primeiros equipamentos culturais acessíveis da plataforma rodoviária, já ofereciam importantes mirantes para a Esplanada nacional, malfadadamente inexplorados, nem para vivência sócio-cultural e nem turisticamente.

Niemeyer concebeu a Praça da Soberania, implantado-a entre as vias N e S, que delimitam o canteiro central da Esplanada, a quatrocentos metros da Rodoviária de Brasília, e a um quilômetro do edifício do Poder Legislativo.

Sua concepção é comprometida, também, com duas visualizações importantes, a partir das chegadas das L2, norte e sul.

Toda a área da Esplanada dos Ministérios está à cavaleiro na campina – entre cinco e oito metros sobrelevada pelo terrapleno, a partir do nível térreo da Rodoviária e delimitado pelas vias laterais N1 e S1, descaindo paulatinamente até a Praça dos Três Poderes.

Assim, a Esplanada é dividida longitudinalmente em três áreas chamadas, como citado anteriormente, “canteiros”, notadamente pelo grande canteiro central gramado, continuo até a Ferroviária (na EPIA), a extremo oeste de Brasília/capital, se distanciado do grande cruzamento dos eixos Rodoviário e Monumental.

Os dois canteiros laterais norte e sul abrigam, notadamente, os ministérios, na maior parte da Esplanada, mais próxima do Congresso.

Mais perto da Rodoviária estão as instituições culturais da capital: no canteiro sul está implantada entre os ministérios e o Museu da República, a Catedral, e entre estes, acontece a chegada da Avenida L2 Sul, que desemboca na Via S (sentido oeste-leste), paralela a sua congênere Via N (leste-oeste) que também recebe a L2 Norte.

a promenade cultural

Entre estas duas únicas artérias que chegam a Esplanada e a Rodoviária, a escala do centro cívico foi bastante atingida em sua expressão simbólica, dada a proporção assaz vigorosa dos quarteirões, onde predominam bancos e hotéis avizinhados.

As duas vias N e S percorrem todo o Eixo Monumental, mas na Esplanada definem os canteiros no sentido leste-oeste. O terrapleno é delimitado pelas vias N1 e S1, paralelas às N e S. As três grandes áreas são cortadas longitudinalmente pelas vias S e N, de seis pistas cada uma que, desde o extremo oeste do Eixo Monumental. Ao atravessarem a Rodoviária, penetram a Esplanada até à Praça dos Três Poderes.

A nova obra, portanto, integra transversalmente toda a área cultural, desde o limite externo da N1, até o limite análogo, a S1, que delimitam o terrapleno da Esplanada. A Praça da Soberania, portanto, entre os dois canteiros laterais, idealiza a integração transversal da Esplanada em alternativa a sua ocupação efêmera, provisória e transitória. Os primeiros equipamentos culturais realizados em lados opostos, o Teatro Nacional no canteiro norte, e no sul a Casa de Chá, ainda não requerem tal integração, inclusive pelo acesso a partir da plataforma da Rodoviária; tampouco, os últimos construídos, o Museu da República com a Biblioteca Nacional ao sul, não têm correspondência do lado norte, pois a Praça do Povo, prevista com o propósito alternativo referido acima, existe somente em projeto.

A nova obra concebida por Niemeyer propondo área pavimentada no canteiro central, no seu limite sul, situa-se defronte ao largo, entre o Museu da República e a Biblioteca Nacional – atravessando a Via S. No seu limite norte, situa-se diante de quintão análogo, no canteiro lateral norte; neste caso entre o Teatro Nacional e a já projetada Praça do Povo, também chamada Praça de Eventos. Isto significa a travessia da Esplanada a partir das vias N1 e S1. Hoje o Museu da República e a Biblioteca Nacional são acedidos a partir da S1, tal como poderá ocorrer da N1, chegando à Praça do Povo ou àquele quintão. Segue-se facilitada a travessia da Esplanada por intermédio da nova área concebida, com os novos equipamentos culturais da Praça da Soberania, que se estendem àquelas áreas previstas em cada canteiro lateral; ao norte, já projetado e ao sul em funcionamento. Todas, com forte apelo popular e turístico, além do grande prestamento social e histórico.

Desta maneira os dois setores culturais dos canteiros laterais, norte e sul, originalmente separados, passam a constituir uma grande área transversal de setecentos metros – cortadas em três praças pelas Vias N e S – o que torna possível, com a proposta de pavimentação adequada, o uso intenso de pedestres, em toda a largura da Esplanada.

O dimensionamento da nova Praça do Povo, ou de Eventos, para usos variegados, permite adequar transversalmente, de forma sustentável, as comemorações populares das datas cívico-nacionais.

A área “pedestrianizável” dessa apropriação transversal é próxima à que vem sendo inadequada e irracionalmente utilizada nos gramados do canteiro central, na altura dos ministérios, interpondo-se ao edifício do Congresso: além dessa poluição visual do centro cívico, restam as partes do canteiro central, frequentemente estragadas e, posteriormente, lenta e custosamente recuperadas. Por exemplo: desde os festejos do final de 2008, passados dois meses da ocupação inconveniente, as grandes áreas danificadas ainda não estão normalizadas.

A referida pavimentação da área central é realizada sobre a garagem no subsolo, abrigando três mil vagas para veículos, além de circulação de pedestres, locais de comércio e de conveniências, ligando as duas outras praças culturais norte e sul. Os ambientes em nível enterrado podem ser iluminados e ventilados naturalmente, pela suspensão do memorial dos presidentes, solto do nível do chão acima.

A solução pode promover integração indispensável à vivência, e trânsito aprazível entre os equipamentos destas últimas partes culturais da Esplanada dos Ministérios, a serem devidamente discutidas, projetadas e concluídas. Esta condição poderá garantir aos visitantes dominar o continuum espacial em toda a extensão norte-sul do terrapleno aperfeiçoada em promenade cultural.

Sendo esta, a visualização mais ampla da dimensão transversal do da Esplanada, surgem renovadas visuais, como à cavaleiro, sobre a plataforma da Rodoviária. As chegadas na Esplanada pelas L2 norte e sul, ampliam a impressão da importância de refletir o novo espaço, tal é o entendimento do arquiteto.

A volumetria da vizinhança financeira superou as expectativas em volume e em altura, os setores regidos pela escala gregária.

O fato de acentuar a visualização para aqueles pontos de vista que contemplam os novos objetos arquitetônicos refinadamente concebidos, concorre no sentido de reconsiderar a proporção da escala do centro cívico, em relação ao entorno gregário. Este, assoberbado pela cultura da permissividade e seduzido pela argumentação dúbia dos agentes econômicos e de seus representantes, “flexibilizou” em momento crucial os limites da escala gregária.

A atualização da escala monumental, ao tempo de concluí-la, visa preservar valores e significados originais, influindo, inclusive, na proporção de elementos estético-simbólicos que impõem:

  • a restauração da própria Esplanada e de suas principais visuais, a partir do Congresso, da Rodoviária e das L2 Norte e Sul, dos percursos intermediários em relação ao centro administrativo;

  • a altura das torres do Congresso, particularmente intimidadas, em presença das principais edificações dos setores bancários e hoteleiros;

  • a volumetria do centro cívico face a linearidade elegante da Rodoviária a ser restaurada, por contraste de arquitetônico;

  • a revisão da relação com a totalidade urbana, anteriormente marcante, pela ligação virtual com a Torre de TV, cuja expressão, valor e significado diluíram-se, após a evolução conclusiva dos setores hoteleiros e bancário.

elementos do projeto

O edifício baixo, pousado, semicircular, em trecho de curvatura costada para a Rodoviária, é arrematado pelas extremidades retas. Trata-se do memorial dos mandatários nacionais – posto turístico próprio a Brasília, naquele lugar – com fluxo objetivo de público, oposto aos flâneurs em torno, ou em visita especializada à obra de arte.

O Obelisco, cuja expressão formal é tão original quanto à das cariátides libertárias – as colunas da brasilidade identitária -, sem precedências dos gregos para cá, talvez, por tanto, perturbe oriundis de vários matizes: strictu sensu, é obra de arte. Como na engenharia são denominadas as congêneres pontes e torres. E como tal, não existe outro. Simples, este é o de Brasília.

Este Obelisco encerra o continente apropriado às exibições científicas e tecnológicas do País. A base alargada acomoda os níveis sobrepostos para exposições, enrijecendo a estrutura do constructo no talo.

O terraço é uma reservada área de cobertura aberta para a visual. Em verdade, é um mirante próprio à contemplação, privilegiadamente mais próximo do classicismo latente, mais avançado e em balanço, ecoando a atemporal Esplanada da modernidade brasileira, para o mundo; uma atração turística.

Sobre a cabeça dos pensantes, ao fruírem a beleza da obra humana, pesa o intrigante vazio inclinado! Diuturnamente sombrio como uma advertência, apontando o universo: materializa o simbolismo dos então utopistas Lequeu, Ledoux e Boullée, aos quais não permitiram o topos.

Deste mirante, de cuja forma estrutural originada no “V” de sua base, se dimensiona o referido terraço, “coberto do mistério”, obturado em cima e lateralmente, é escancarado em cinemascope para a Esplanada dos Ministérios. Não há ofuscamento que perturbe voyeurs e viciados nesta fruição: o cartão postal mais iluminado pelo poente finalístico, estendendo-se ao lago.

Da plataforma da Rodoviária ou do Memorial dos Presidentes, como das vias que atravessam paralelas a Esplanada, até a transversalidade definitiva do Congresso, se contemplará na paisagem a altiva Torre de TV; das L2, à contraluz, apesar de iluminado pelo próximo nascente, contrasta a face inferior, inclinada do opacificado obelisco, nesta visualização destacam-se: o desenho da torre, atrás, e a luminosa linearidade basal da Rodoviária.

O Obelisco, implantado em alinhamento de rigorosa axialidade na Esplanada, é visto inclinado e – o bojo – a partir das vias N, S e L2, para o observador, deslocando-se na plataforma, ou no Eixo Monumental, acentuará a verticalidade da Torre de TV e das duas do Congresso. Isto se concretiza em perspectiva, pela inclinação do objeto, participando do quadro.

A diferenciação importante está na inusitada implantação das torres do Congresso, o que parece sem importância, ou imperceptível. Entretanto, em relação à visualização do conjunto e do canteiro central, sendo assimétricas, conforme a evolução do conceito de simetria na Arquitetura moderna, para o de equilíbrio, isto vem a causar repercussões variadas nas perspectivas. Algumas mesmo inesperadas.

Deslocadas, cerca de cinquenta metros para a direção norte, as torres do Congresso estão, portanto, fora do alinhamento da Torre de TV e do obelisco, ambos implantados no eixo do gramado central. Esta condição, podendo ser de estranhamento, é mesmo de sensibilidade incomum, de coragem e liberdade, ao equilibrar – ou a simetrizar – o espaço e a totalidade monumental. Para alguns seria classicismo, embora se trate em verdade de algo repetido nesta análise, como a expressão delicada e insólita, de certa simetria latente. (Luigi, 108, 1987) permeando toda esta concepção urbana.

Passando pelo alto da Torre de TV até o pico do atlante libertário, o achincalhado obelisco, ambos alinhados no espaço de Brasília, como se fosse uma referência virtual. É uma nova linha invisível mais alta. Mas sensível. Sobre o eixo do gramado central, – como se fosse um novo pé-direito sobrelevado -, é a nova cumeeira do centro cívico, ascendendo a monumentalidade restaurada da Esplanada dos Ministérios, face às volumetrias dos centros de negócios vizinhos e da cidade vulgarizada.

Será também esta a impressão a partir dos pontos distantes, como do Colorado, da descida do Paranoá, do retorno da Escola Fazendária, visualizando Brasília e seu centro cívico, restaurado em seu valor e significado, sem que se trate de pretensa ostentação para enfrentar a soberba vizinha.

E do chão esta restaurada semiologia marcada pelo Obelisco, uma obra de arte que, com sua altura e inclinação, também acentuará a linearidade arquitetônica da Rodoviária. Por contraste, como o embasamento do edifício baixo – o Memorial dos Presidentes da República – curvo e pousado sobre o chão, contrasta com os volumes cravados no plano do solo, como são o Museu da República e os ministérios.

Estes – como partes da totalidade – participam assim, da dominante leveza do novo memorial; por sua vez, de contraste direto com o próprio Obelisco, jogando com aqueles que, como ele, são irrompidos da terra. A nova composição é rigorosamente implantada no meio da monumentalidade original, sobre o eixo do Eixo, realçando a mágica Catedral, em eterno estado de suspensão, como seus anjos. A totalidade estético-simbólica dessa dialética austera em sua autenticidade, recupera independência em relação ao acachapante entorno imediato, garantia da articulação do centro cívico com as demais escalas que harmonizam a constituição da cidade-capital.

Assim concluída a intervenção do Mestre, ela potencializa a articulação local, notadamente pelos edifícios diferenciados – os paradoxais – em especial, a Rodoviária e o Congresso Nacional. Este, respaldado pela relação direta; e aquela pela perfeita “retangularidade” da Esplanada; e ambos, pela relação com a implantação dos dois ministérios subjacentes – que se não fosse pela história seriam por suas distintas arquiteturas – em respeitosas distâncias do Congresso e do canteiro central, para se alinharem com os contrafortes estruturais da Rodoviária, no Teatro Nacional e na “Casa de Chá”, acentuando, nos extremos opostos, os limiares das passagens para e pela Praça dos Três Poderes.

Essa ultimação, definitiva obra desta composição, inequivocamente incomparável na modernidade, é de derradeira maestria, irradiando o climax emocionante de fruição em todo o percurso do tour cívico, do centro cultural à Esplanada e desta à Praça dos Três Poderes.

proporção, escala e perspectiva: arquitetura

O Obelisco, além de sutil e sofisticado em seu formato estrutural, é o mais que delicado trompe-l’oeil desenhado por Oscar, mestre incomparável de muitas dessas jóias da Arquitetura. Notadamente quando visto da plataforma rodoviária.

O conjunto projetado é visto de lá, de onde a implantação e a arquitetura se expressam delicadamente. O Obelisco é como uma firme linha ascendente, nascendo do chão, do largo da base, e levantando para desaparecer na direção do céu pelo encanto de crescente esbeltez.

Mas, a partir das chegadas das Vias L 2 Norte e Sul, ao irromper inclinado do solo, é contemplado em seu bojo de grandeza e significância. Grandeza, na elegância de suas três arestas descobertas daí; e significância, pela forma estrutural, surpreendentemente bela e simultaneamente funcional: restaura a monumentalidade da Esplanada para a observação de quem acessa, inclusive, pelas L 2, ou parte, despertando o visitante para a cidade-capital. A obra sublima os grandes edifícios das instituições financeiras e comerciais, por meio de autêntica, completa e apropriada harmonia. E por extensão virtual, remete seu equilíbrio para toda a cidade-capital.

Apesar das proporções pungentes da vizinha escala gregária, elas são inconvenientes, por demais. Mas, quando contrapostas à inclinação do Obelisco, em primeiro plano e em verdadeira grandeza, são atenuadas à medida. E o novo objeto acentua por contraste, a leveza da Rodoviária. Como sob o efeito piramidal do Teatro Nacional se contrapondo às palafitas da “Casa de Chá”. Este Obelisco restaura a escala do centro cívico, inspirado na grandiloquência dos quadrantes do céu e do horizonte, a nordeste e a sudeste.

A Esplanada via-se condescendentemente apática em vista das ocupações efêmeras, provisórias e transitórias, além desses setores bancários e hoteleiros intumescidos e perenes.

A presença do Obelisco sublima a proporção gregária nos limites da condição central urbana, pela escala monumental. Não por ostentação diz seu inventor, mas pelo valor histórico que lhe concedeu significado, através da arquitetura brasileira expressa na sua plenitude simbólica, de rara simplicidade e, em Brasília, obstinada elegância.

Voltada para leste, a fachada do Memorial dos Presidentes, pousado no solo, contempla o eixo da Esplanada, de onde o Obelisco arremete sua incompreendida e escultural esbeltez, rigorosamente do eixo do canteiro central.

Visto da plataforma da Rodoviária, a inclinação do Obelisco para leste e para o alto, causa efeitos positivos, restaurando antigas e criando novas perspectivas; como acentuar a verticalidade das torres do Congresso e da Torre de TV, estabelecendo virtual ascensão da escala do centro cívico:

a

  1. o Obelisco está, portanto, alinhado com a Torre de TV, que é mais alta; um e outro estão situados equidistantes das vias N e S; a Torre de TV está topograficamente acima, facilitando a razão precípua do obelisco:
  2. visualizada a partir da Esplanada, está sob efeito do desnível topográfico ascendente;
  3. sobretudo, tendo o Obelisco inclinado e (em primeiro plano) pendendo para o observador, nesta perspectiva mostrará a Torre de TV destacada contra o céu, e aparentemente mais longa do que é hoje, em face da imponência dos hotéis mais próximos, densos e elevados; visto das L2, o Obelisco inclinado acentuará, por contraste, a longilínea plataforma da Rodoviária, deixando subjacentes os edifícios bancários mais altos;

b

  1. em relação às duas torres do Congresso, o Obelisco no eixo da Esplanada, acentuará a peculiaridade de serem deslocadas para a esquerda, para o nordeste, em relação ao classicismo latente do centro cívico;
  2. o Obelisco e as torres do Congresso estão aparentemente assentadas no mesmo plano do chão;
  3. mas, um ao lado do outro, o Obelisco sendo oito metros mais alto que as torres do parlamento, deve ser considerado também, que os níveis das cotas de soleira das duas torres do legislativo são inferiores à do novo objeto; contudo, inclinado como é, ainda assim aparenta ter a ponta mais baixa que as torres do Parlamento , independente das cotas de coroamento e, principalmente, quando visto da plataforma da Rodoviária, cuja perspectiva e ponto de fuga forçam a impressão;
  4. todavia, a Torre de TV e o Obelisco estão implantados alinhados em relação ao eixo do Eixo Monumental; diferentemente, em relação às torres do Congresso estão deslocadas do eixo e mais próximas do obelisco;
  5. o Obelisco aponta para o céu, mas na direção leste, estando no eixo, mas deslocado do alinhamento das torres do Congresso, e
  6. assim, a perspectiva é influenciada pelo jogo entre essas condições e pontos de fuga; mas sobretudo pelo solo em declive para o Congresso, no mesmo sentido da pendência do Obelisco, fugidio para o observador da Rodoviária: daí as torres do Parlamento também parecerem, ao olho humano, com maior verticalidade. E o Obelisco parece de menor altura em relação a elas, vistas da plataforma rodoviária.

Essas condições espaciais sobre os demais objetos, beneficiam-se da refletida inclinação do Obelisco; condições diferenciadas em relação à topografia ou aos níveis de soleira, ou em função das influências da luz solar: assim, o Obelisco pode tornar-se fugidio e iluminado do poente; confrontante e logo opacificado, do nascente. Portanto, em relação ao observador, outros objetos refletem tais efeitos, como os das torres do Congresso que parecem, visualmente, maiores que o Obelisco; e daquelas que, como a torre de TV, aparentam mais esbeltez, dada a impressão de suas acentuadas verticalidades, provocadas pela inclinação do Obelisco.

As analogias podem proceder se tais efeitos incidem nos objetos que estiverem próximas das mesmas condições de orientação solar e inclinação topográfica, por exemplo, como as implantadas no Eixo Monumental.

O Obelisco, por sua vez é menor, mais leve e mais esbelto do que parece nas fotos dos jornais, mostradas sempre em vol d’oiseau, aumentando brutalmente a obra em foco, em relação a todos os elementos de comparação abaixo: o obelisco tem cem metros de altura e a largura do canteiro central é de trezentos! Isto é fundamental.

Olhando para o Congresso do “meio” da plataforma da Rodoviária, afastado quatrocentos e cinqüenta metros, o Obelisco de cem, levanta sua perspectiva fugidia; do solo da Praça, paulatinamente, para o alto e para mais longe, distancia mais a sua altura, que visualizada como uma linha e, finalmente, parece mais baixo que o Parlamento.

É a aresta do “V”, do vinco estrutural superior, ascendente desde a base, lá onde aparece sua lateral esquerda expandida no solo; vai estreitando, à medida que sobe, desde a primeira parte até as duas acima, mais e mais esbeltas; fina, e finalmente desaparece ao apontar o infinito. Como uma linha, apenas vista.

Fugidio, para o observador do “meio” da Rodoviária a contemplar o conjunto do Poder Legislativo – base, cúpulas e torres – o Obelisco estará à direita; e em sua fuga, as torres na paisagem e na distância, são aparentemente mais esbeltas e maiores que o Obelisco no eixo.

Quer dizer, entre os dois setores culturais religados pela Praça da Soberania, exatamente no meio do eixo – longitudinal leste/oeste – do gramado central, de lá se alçam os cem metros, como um “concorde”, se não fosse um pássaro de concreto, de onde a Esplanada é percebida em seus setecentos metros de largura em terrapleno.

O conjunto da nova obra, em rigorosa simetria, e reforçada pela ascensão do Obelisco, refletindo assim:

  1. voltado para o declive topográfico, lago e nascente, estando inclinado na direção do sol, ao confrontar contraluz resulta paulatinamente opacificado; visto da Via N; do Ministério da Justiça mostra seu bojo aparentemente pouco inclinado, se impondo sobre os setores gregários.
  2. já para o aclive, subindo para o Cruzeiro, a inclinação para o nascente é costada para o poente, tornando-se fugidio, recebendo o sol na face norte, está assegurada sua esbeltez; visto da Rodoviária e inclinado para leste é fugidio naquela direção, parecendo mais baixo que o Congresso.

O Obelisco situado exatamente no meio, longitudinal no sentido do canteiro central, está distanciado do alinhamento das empenas dos ministérios, aproximadamente cento e setenta e cinco metros, de um lado e de outro.

Assim, entre as empenas dos ministérios, do lado norte e do lado sul, são aproximadamente trezentos e setenta e cinco metros de largura.

Quer dizer: a largura do espaço entre as empenas dos ministérios é próxima a quatro vezes a altura do Obelisco. Portanto, quase à proporção de um para quatro.

Da mesma ordem é a relação de proporção do chão da esplanada, que em toda a largura do terrapleno é próxima a oito vezes a altura do Obelisco. Tal como são quatrocentos metros de distância, da nova praça cultural até a Rodoviária (quatro obeliscos), são mil metros, desta ao Congresso (dez obeliscos).

Contemplado da plataforma da Rodoviária, a instituição cultural “Praça da Soberania”, é antecedida por massa arbustiva, arbórea e, sobretudo, com quatrocentos metros de verdor e trezentos de largura, só no gramado central. O percurso total da grande promenade cultural será de setecentos metros, no sentido da largura do terrapleno. O quilômetro posterior à Praça é suficiente para o Memorial dos Presidentes não atingir metade deste verdor, e muito menos para esconder quaisquer partes baixas do Congresso Nacional.

O Obelisco é visto lateralmente em sua proporção e plenitude, dos eixos N e S, e das Norte e Sul atenuando a escala gregária intumescida.

Deslocando-se na direção do Congresso, visto do Eixo S o Obelisco terá como paisagem o céu do quadrante e do horizonte a nordeste, direção Paranoá. Já no sentido da Rodoviária, desde a L2 Norte até passar em frente da obra de arte, a paisagem urbana de fundo é a dos volumosos edifícios das instituições financeiras, cuja proporção gregária superou a previsão da escala, fato largamente discutido à época.

O Obelisco expressivo, observado de lado e em primeiro plano, relega o intumescimento dos edifícios bancários e hoteleiros ao segundo plano, devolvendo ao centro cívico sua escala.

Assim a proposta do Prof. Niemeyer restaura a escala monumental da Esplanada em relação às proporções desabridas da volumetria mais próxima – bancos e hotéis – da escala gregária, sob efeito da soberba especulativa.

De tipicidade jamais vista, a criação do Obelisco, parece homenagear a infanta Cidade-Parque pelas bodas de meio século. Em sua idade urbana, ainda convém lhe assegurar, não ser órfã de regência devida.

conclusão

A Praça da Soberania surge da condição legal atribuída a Oscar Niemeyer dezessete anos atrás, como um dos autores dessa obra.

Para muitos cidadãos do mundo, do ponto de vista patrimonial, seus gestos finalísticos seguramente acrescentarão mais valor histórico a Brasília e por extensão ao País.

Entre estes, muitos brasileiros devem pensar que, pronta em noventa e sete por cento da totalidade, seria temerário não dispor de tão rara experiência e inusitada produtividade para concluir os três por cento restantes.

Esta finalização deverá ser honrosa também para grande número de arquitetos que tiveram seu ofício reconhecido pela oportunidade bem sucedida daquela geração de tantas e tão importantes realizações.

Felizes os brasileiros por seus bons mestres.

Diante da proposta, surgiram argumentos em face dos quais esta reflexão técnica limitada permitiu as assertivas favoráveis. Mas inúmeros poderão assumi-las melhor.

Niemeyer restaura a Esplanada e todo o centro cívico, reduzido em suas proporções pelo intumescimento do entorno imediato e da totalidade urbana da capital projetada.

A ligação entre os setores culturais, antes separados, é a promenade transversal, desde o largo entre o Museu da República e a Biblioteca Nacional, até o quintão entre o Teatro Nacional e a Praça do Povo.

O Museu dos Presidentes e o das C&T, sob o mirante do Obelisco, complementam o conjunto de instituições culturais próximas a Rodoviária de Brasília. A indústria desenvolverá em vantagem o turismo cultural, gerando dividendos sociais e históricos. A distribuição para saúde e educação, entre outros, tem mais uma fonte.

A ausência da arborização e do bucólico na Cidade Parque, pela adequada “pedestrianização” poderia ser clara referência às praças cívicas do sertão brasileiro, nas quais as batalhas entre mouros e cristãos são reapresentadas.

Neste caso, entretanto, sem lembrar as de São Pedro ou Siena, destituídas de gramíneas, sequer… Por serem do norte frio, não servem de contra argumento aos que prezam o frescor das arquetípicas do interior.

Mas, as pretensões de fruição arquitetural, como na Praça Tiradentes de Ouro Preto, com seu obelisco e verde, somente nas cantarias, são exemplares.

Servem para referenciar o desempenho da Praça dos Três Poderes e nossa tradição de praças cívicas, desde a arquitetura colonial brasileira.

O Setor Cultural da Cidade Parque vem atraindo a juventude nos grandes congraçamentos musicais de efeitos e iluminação especiais: pés no chão.

Fazem entender nos dias de hoje, algo mais do que a vaidade intelectual em bordões, pela crítica estética prazerosa à performance do mestre brasileiro hors-modismes.

Quanto ao sol: chapéu de palha, panamá, ou boné… e câmera de fotos. Sol!

Sombra? A Cidade Parque!

Cláudio José Pinheiro Villar de Queiroz
Arquiteto

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/09/por-um-olhar-desimpedido/ //28ers.com/2009/02/09/por-um-olhar-desimpedido/#comments Mon, 09 Feb 2009 17:02:17 +0000 //28ers.com/?p=1981 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Hugo Segawa

O título no Correio Braziliense poderia sugerir que a proposta de intervenção arquitetônica em debate em Brasília é um problema policial: “MPF vai apurar legalidade do projeto de Oscar Niemeyer para a Praça da Soberania”, Acuado ante as reações, o velho mestre, em entrevista para a Folha de S. Paulo, compreensivelmente desabafou: “Tombamento de Brasília é uma besteira”. Vindo de quem veio, a afirmação pode ter desdobramentos que extrapolam o debate sobre a Praça da Soberania e causar mal-entendidos ou manipulações acerca da instituição do tombamento.

Cumpriram suas responsabilidades os técnicos vinculados às instituições de Patrimônio Cultural ao evocarem as normas para questionarem a proposta de Niemeyer. Rezam os dispositivos legais que a área onde o arquiteto situou a Praça da Soberania é considerada non-ædificandi. Para leitores desprevenidos, a discussão pode parecer um emaranhado de filigranas jurídicas. Todavia, por trás da frieza e impenetrabilidade das leis, decretos e portarias relativas à preservação, há uma construção conceitual que não é labor apenas dos legisladores, mas obra fundamentada em valores culturais, arquitetônicos e urbanísticos que dão sentido e razão à regra jurídica. Entender esses valores, para além da hermenêutica jurídica, requer compreender as circunstâncias que motivaram a criação dessas regras, as exposições de motivos, perceber os conteúdos presentes nos momentos decisivos para apurar as referências em torno da polêmica da Praça da Soberania.

Em tempos recentes, o nome de Lucio Costa tem ficado injustamente na sombra. Não há dúvida que a Brasília de Lucio Costa, sem os marcantes edifícios de Niemeyer, não teria as qualidades que o Plano-Piloto ostenta. Mas o que seria da Brasília de Niemeyer sem a imaginação urbanística de Costa?

Niemeyer e Costa em Brasília são indissociáveis. Mas distinguíveis. O plano urbano vencedor do concurso nacional julgado em 1957 é de exclusiva concepção de Lucio Costa. Naquela ocasião, os dois estavam em campos opostos: o primeiro submeteu sua idéia ao júri; o segundo, como membro da comissão julgadora, elegeu vencedora a proposta do primeiro. Portanto, Niemeyer não teve qualquer participação na idéia original da cidade. Brasília foi inaugurada seguindo as diretrizes urbanísticas de Lucio Costa, e Oscar Niemeyer – apontado por Juscelino Kubitschek como arquiteto dos edifícios governamentais – soube valorizar as diretrizes, que foram implementadas com alterações, mas obedientes à maioria dos princípios originais.

Os anos da ditadura foram os de consolidação de Brasília e marcados pelo afastamento de Niemeyer e Costa, que, solitariamente, defendia à distância sua criação. Foi com o fim do autoritarismo militar e a ascensão de José Aparecido de Oliveira no Governo do Distrito Federal em 1985 que Costa e Niemeyer reataram suas relações com a capital. Mais do que repatriar seus criadores, Aparecido foi o entusiasta pela inclusão de Brasília na listagem do Patrimônio da Humanidade da Unesco. Foi um grande desafio. A candidatura de Brasília foi a primeira postulação de uma obra com princípios da arquitetura e urbanismo modernos a ser examinada pelo Comitê do Patrimônio Mundial. O reconhecimento de Brasília criou o precedente para a inclusão de monumentos do século 20, até então ausentes na lista da Unesco.

Mas a postulação de Brasília não foi imediatamente acatada na reunião do Comitê em junho de 1987. O parecer de Léon Pressouyre avaliando o mérito da candidatura ponderava: “O ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), ao mesmo tempo que expressa um parecer em princípio favorável à inscrição de Brasília na lista to Patrimônio Mundial, estima que essa inscrição deva ser adiada até que medidas mínimas de proteção garantam a salvaguarda da criação urbana de Costa e Niemeyer”. Imediatamente José Aparecido providenciou a elaboração de uma normativa, o Decreto nº 10.829/87, especificamente tratando da “preservação da concepção urbanística de Brasília”. Com essa regulamentação, atendeu-se à exigência do Comitê do Patrimônio Mundial e em sua reunião de dezembro de 1987, A Unesco inscreveu a cidade na lista do Patrimônio Mundial, justificada por “representar uma obra artística única, uma obra-prima do gênio criativo humano” e “ser exemplar marcante de um tipo de construção ou conjunto arquitetônico que ilustre um estágio significativo da história da humanidade”.

O decreto nº 10.829 que avalizou o reconhecimento da Unesco é a base de tudo se elaborou doravante sobre a preservação da cidade. Um de seus incisos aciona a polêmica sobre a Praça da Soberania: “Os terrenos do canteiro central verde são considerados non-ædificandi nos trechos compreendidos entre o Congresso Nacional e a Plataforma Rodoviária.” Qual a origem dessa restrição? Já na justificativa apresentada em 1956, Lucio Costa prescrevia que “a perspectiva de conjunto da esplanada deve prosseguir desimpedida até além da plataforma onde os dois eixos urbanísticos se cruzam”. É reiterada de forma mais evidente no relatório Brasília revisitada 1985/1987: complementação, preservação, adensamento e expansão urbana, parecer solicitado por José Aparecido para orientar sua administração. Ao descrever as características fundamentais do Plano-Piloto, Costa afirma: “A escala monumental comanda o eixo retilíneo – Eixo Monumental – e foi introduzida através da aplicação da ‘técnica milenar dos terraplenos’ (Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios), da disposição disciplinada porém rica das massas edificadas, das referências verticais do Congresso Nacional e da Torre de Televisão e do canteiro central gramado livre de ocupação que atravessa a cidade do nascente ao poente.” (grifo meu). Brasília Revisitada foi a manifestação final de Lucio Costa sobre o futuro da cidade. Foi nela que as autoridades do GDF buscaram fundamentos para a elaboração das diretrizes de preservação. A norma jurídica traduz a vontade expressa do autor do projeto de Brasília, cujo teor o urbanista reproduziu adaptado em seu livro Registro de uma Vivência, arrematando: “como se vê trata-se, em suma, de respeitar Brasília. De complementar com sensibilidade e lucidez que ainda lhe falta, preservando o que de válido sobreviveu”. (grifo de Costa).

Para concluir, ressalto a imaginação criativa de Lucio Costa. Há um trecho pouco lembrado da memória do concurso de 1956 no qual o urbanista antevê uma situação que sempre considerei de extremo requinte. Refere-se aos que partem da Plataforma Rodoviária (“traço de união do complexo urbano”): “o sistema de mão única obriga os ônibus na saída a uma volta, num ou noutro sentido, fora da área coberta da plataforma, o que permite ao viajante uma última vista do eixo monumental da cidade antes de entrar no eixo rodoviário-residencial, – despedida psicologicamente desejável” (grifo de Costa). A realidade confirmou a antevisão. Que refinamento, entre tantas passagens dessa justificativa de projeto, ao mesmo tempo concisa no conjunto e delicada nas minúcias. Se a Praça da Soberania viesse a soerguer-se no local originalmente planejado, o viajante não mas vislumbraria o eixo monumental. Veria a fachada envidraçada do Memorial dos Presidentes.

Hugo Segawa
Arquiteto, professor livre-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Texto enviado pelo autor, e também publicado em 08/02/2009 no Estado de S.Paulo.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/04/decisao/ //28ers.com/2009/02/04/decisao/#comments Wed, 04 Feb 2009 20:34:06 +0000 //28ers.com/?p=1969 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania.

Oscar Niemeyer


Dois ou três dias atrás era com entusiasmo que eu acompanhava, nos jornais, as discussões surgidas em torno da possibilidade de se inserir em Brasília a nova praça que projetei. Uma praça monumental, tão bonita que, acreditávamos, daria ao Plano Piloto a importância desejada.

Sabíamos que essa obra em nada prejudicaria o Plano Piloto, que, ao contrário, garantiria a esta capital o estacionamento para 3.000 carros que faltava. E parecia-nos ver a praça já construída, tendo, de um lado, o prédio baixo e sinuoso correspondente ao Memorial dos Presidentes, e, no centro, um grande triângulo destinado a uma exposição permanente sobre o progresso de nosso país – triângulo que, pouco a pouco, se ia transformando no monumento principal da cidade.

E foi com a apresentação desse projeto que há várias semanas uma polêmica se estendeu, ocupando os jornais. Confesso que eu não esperava tanto apoio dos que sobre a questão se manifestaram. Na verdade, alguns dos mais conhecidos arquitetos que atuaram em Brasília acorreram a me prestigiar, inclusive Lelé, que para mim telefonou esta manhã dizendo: “Oscar, estou doente, febril. Mas, se você precisar de mim, é só me ligar”.

E foi diante dessas provas de grande amizade que li nos jornais que o governador José Roberto Arruda, por falta de verba e de tempo, reconhecia ser agora impossível realizar a construção da praça que tanto desejava.

Com pesar nos reunimos, eu e meus companheiros de Brasília, para avaliar o que se passava. E chegamos à conclusão de que o governador do Distrito Federal não teria, como nos comunicou, condições para executar aquele projeto que tanto o empolgava.

O que fazer? O único pensamento que nos ocorria era, compreensivos, agradecer o apoio que o governador, com inegável interesse, nos dera e pôr de lado – provisoriamente – a idéia que muito nos entusiasmara. O projeto continuaria a ser desenvolvido normalmente, na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a ser cogitada.

Confesso que, ao tomar esta decisão, alguns dos meus companheiros pareceram magoados, embora sentisse em todos e em mim mesmo um certo alívio em pôr um ponto final a essa celeuma que tanto nos ocupara.

E compreendi que esta noite, mais tranquilo, voltaria à leitura de A viagem do elefante, que Saramago, esse grande escritor português, tão gentilmente me enviou. E amanhã, terça-feira [ontem], vou assistir com os meus amigos às aulas de cosmologia e filosofia que há cinco anos o físico Luiz Alberto Oliveira ministra para nós, fazendo-nos sentir que o que mais importa não são as tarefas que às vezes com sucesso realizamos, mas sim a luta por um mundo mais justo e solidário que nos ocupa, e que um dia, mais próximo do que imaginamos, se tornará realidade.

Oscar Niemeyer
Arquiteto

Texto enviado pelo autor, e também publicado em 04/02/2009 no Correio Braziliense.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/04/nao-se-preocupe-em-entender/ //28ers.com/2009/02/04/nao-se-preocupe-em-entender/#comments Wed, 04 Feb 2009 19:37:19 +0000 //28ers.com/?p=1918 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Andrey Rosenthal Schlee


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Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Eu sou uma pergunta.
(Clarice Lispector)

Depois de ler Clarice Lispector fiquei a pensar. Pensar e a pensar. Rendo-me! Não quero mais entender. Mas necessito… E foi lendo um pouco mais Clarice que (re)encontrei De Chirico e pude entender. Não por meio daquele artista que, em 1945, pintou um retrato da escritora. Retrato bem comportado… (acadêmico diriam alguns). Reencontrei foi Giorgio de Chirico[1] – aprendi que se pronuncia De Quíricoo homem de vanguarda que nas primeiras décadas do século XX surpreendeu a todos por sua inventividade e por sua particular forma de expressão. O artista greco-italiano que criou a chamada pintura metafísica, simultaneamente reconhecível e irreal (ela cria uma outra realidade). Uma pintura onde as “coisas estão dispensadas de lógica funcional e situadas no mágico sossego de seu isolamento.[2] Uma obra forte que inventa cenários arquitetônicos monumentais, que trabalha com perspectivas forçadas e construções com formas puras, que manipula objetos de memória, que realiza “composições originais de luzes misteriosas, sombras sedutoras, cores ricas e profundas, de plástica despojada e escultural.”[3] Pinturas intrigantes, elaboradas entre 1910 e 1917, nas quais o homem é coadjuvante. É anônimo e está isolado (dizem melancólico).  Homens que vagam entre as construções de uma cidade quase vazia. Edifícios depositados sobre base neutra, como numa cenografia. De Chirico recordava que, estando sentado na praça de uma cidade italiana, olhando fixamente para uma estátua,  percebeu “toda a cena banhar-se numa luz extraordinariamente clara, alucinatória, dotada de uma enigmática intensidade, que logo desejou reproduzir nas suas pinturas.”[4] Era a luz de Le Corbusier! A luz que banha os objetos e que cria a arquitetura como o “jogo sábio, correto e  magnífico dos volumes reunidos sob a luz” (1923).[5] Uma definição de arquitetura que “não supõe o homem e a atividade humana como seu objetivo e destino.”[6] Para ilustrá-la e enfatizá-la, Le Corbusier redesenhou (mas de forma ideal) uma porção de um mapa de Roma de 1700. Duas pirâmides, o Circo de Nero com seu obelisco central, o mausoléu de Adriano (atual Castel Sant’Angelo) e parte do Coliseu. Para não deixar dúvidas quanto a sua intenção, na parte superior do desenho deixou grifados um cilindro, uma pirâmide, um cubo, um paralelepípedo e uma esfera. As formas puras, ou os famosos sólidos platônicos, que tanto lhe agradavam e agradaram outros importantes arquitetos. Formas que se expressam, interagem e são realçadas sob a luz. Efeito que o próprio Le Corbusier vivenciou em Atenas, quando de sua visita ao Partenon. Disse ele: “A Acrópole, cujo topo plano suporta os templo, cativa o interesse como pérola em sua valva. Recolhe-se do chão a valva por causa da pérola. Os templos são a razão dessa paisagem. Quanta luz!”[7] Sim, para destacar a arquitetura, retira-se a concha ou tudo que, de alguma forma, poderá impedir a exibição plena da pérola. E os objetos puros passam a ser depositados sobre bases alvas e neutras (praças ou plataformas secas) – como nas pinturas de De Chirico e nos projetos de Oscar Niemeyer. No caso do genial arquiteto brasileiro, nem sempre foi assim, como atestam o Ministério da Educação e Saúde (um oásis no meio da cidade tradicional), o conjunto da Pampulha (um passeio pitoresco ao longo da lagoa), a Casa de Canoas (uma clareira na floresta), ou a Residência Cavanelas (uma longa tenda no imenso jardim de Burle Marx). Provavelmente, Niemeyer lançou mão, pela primeira vez, da estratégia da base neutra no projeto para a Sede da ONU em Nova York (1947, denominado de Estudo 32). Em sua proposta, compondo com os diferentes volumes, criou a Praça das Nações Unidas, uma grande plataforma, sobre a qual foram depositados os edifícios do Secretariado, das Delegações e da Assembléia Geral (Le Corbusier, surpreendido, assistiu a tudo). Em Brasília, onde a sua arquitetura se fez mais rigorosa pela “preocupação de mantê-la em perímetros regulares a definidos”[8], Niemeyer continuou a fazer uso das plataformas (na Capela do Palácio da Alvorada, no Congresso Nacional, na Catedral e na Praça Maior da UnB, por exemplo). Outros projetos foram desenvolvidos com a mesma estratégia, principalmente quando a expressão da monumentalidade era um requisito e Niemeyer o urbanista, como atestam os projetos desenvolvidos para Negev (1964), Argel (1968), Constantine (1969), Miami (1972), Vicenza (1978) e Trípoli (1981), para só citar obras internacionais. Durante a década de 80, Niemeyer produziu dois mega projetos para São Paulo: o Plano de Reurbanização da Margem do Rio Tietê[9] (1985), para o prefeito Jânio Quadros, e o Memorial da América Latina (1987-89), para o governador Orestes Quércia. Em comum, ambos apresentam praças cívicas secas e geraram estrondosa polêmica. Nunca antes Niemeyer havia enfrentado tantas críticas de seus colegas de profissão. Mesmo assim, o Memorial foi executado passando a representar uma espécie de divisor de águas na obra do arquiteto. Na oportunidade, em texto enviado à revista Projeto[10], Niemeyer apresentou seus novos parâmetros projetuais: (1) “estruturas ousadas e simples ao mesmo tempo“, (2) “apuro técnico e a forma inovadora” e (3) “nada de detalhes, nada de filigranas“. E as bases neutras ou plataformas voltaram a ser empregadas no Caminho Niemeyer (Niterói), no Conjunto Cultural da República (Brasília), no Centro Cultural Oscar Niemeyer (Goiânia), no Centro Cultural de Valparaiso (Chile), no Centro Cultural Príncipe de Astúrias em Avilé (Espanha), chegando à denominada Praça da Soberania. Mais um projeto apoiado em tapete de concreto, mais uma forma forte e reconhecível, mais uma obra que inventa um cenário monumental, mais uma perspectiva forçada, mais um conjunto de construções de formas puras (certamente sem detalhes e filigranas) sob a ação implacável do sol de Brasília. Sob a luz de Le Corbusier e como em uma pintura de De Chirico! Para finalizar, e ainda sobre a Praça da Soberania, gostaria de resgatar um outro texto de uma autora importante, que nos fala das coisas da arquitetura e do urbanismo, e nos faz pensar:

Liberdade virou um lugar-comum neste fim do século. Na arquitetura também. Formas livres, espaços livres, programas abertos, flexibilidade são motes comuns no vocabulário de nossa arquitetura moderna, junto com outras abstrações como terreno ideal e a verba ilimitada. Ao mesmo tempo, nada é mais fixo e pouco mutável que uma obra de arquitetura. Ela está lá, alterando a paisagem, você tem que a enxergar, contornar, ultrapassar, cruzar ou interromper seu passo. Não há opção. Ela pesa milhares de toneladas, ela não é facilmente modificável, ela dura dezenas de anos.

(Ruth Verde Zein) [11]

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fotos de Andrey Schlee


notas

[1] Giorgio De Chirico (1888-1979). Pintor greco-italino, fundador, com Carlo Cará, da Pintura Metafísica. Curiosamente, uma obra sua foi exposta no Pavilhão Brasileiro da Exposição de Nova York de 1939. Expôs também nas Bienais de São Paulo de 1957, 1959 e 1965. Pintou Clarice Lispector, foi professor de Iberê Camargo e influenciou Tarsila do Amaral, Ismael Nery, Di Cavalcanti, Cândido Portinari e Milton Dacosta.

[2] THOMAS, Karin. Diccionario del arte actual. Barcelona: Labor, 1976. p.160.

[3] CHARMET, Raymond. Dicionário da arte contemporânea. Rio de Janeiro: Larousse,1969. p.88.

[4] DE CHIRICO citado por ADES. Dawn. O Dada e o Surrealismo. Barcelona: Labor, 1976. p.45.

[5] LE CORBUSIER. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1973.

[6] GUEDES, Joaquim. 1989, Oscar Niemeyer na Barra Funda, em São Paulo. Projeto, Rio de Janeiro, n.136, nov., 1990. p.100.

[7] LE CORBUSIER. A viagem do Oriente. São Paulo: Cosac Naify, 2007. pp.183-4.

[8] NIEMEYER, Oscar. A forma na arquitetura. Rio de Janeiro: Avenir, 1978. p.42.

[9] Desenvolvido por Oscar Niemeyer, Haron Cohen, Helio Pasta, Helio Penteado, Julio Katinsky, Maria Cecília Scharlach, Ruy Ohtake e Walter Makhohl.

[10] NIEMEYER, Oscar. Ato de fé e solidariedade. Projeto, Rio de Janeiro, n.120, abril, 1989. p.66.

[11] ZEIN, Ruth Verde. Descubra os sete erros. Projeto, Rio de Janeiro, n.120, abril, 1989. p.72.


Andrey Rosenthal Schlee
Arquiteto e urbanista, professor do Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da UnB.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/04/contraste-incomodo/ //28ers.com/2009/02/04/contraste-incomodo/#comments Wed, 04 Feb 2009 17:42:33 +0000 //28ers.com/?p=1912 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania.

Oscar Niemeyer

Hoje resolvi pensar melhor sobre esta celeuma que ha tanto tempo ocupa os jornais de Brasília. Na verdade, o que não tem sido tão bem explicado, o que mais me incomoda, é o contraste que existe entre os que em Brasília moram confortavelmente e os três milhões de brasileiros abandonados nas cidades-satélites. Um contraste que dá a impressão de esta cidade estar dividida entre pobres e ricos.

E fico a pensar que JK contra isso se levantaria, ele, que, generoso como era, sempre pensou numa capital acolhedora para todos. Mas o contraste existe, e intervir nas cidades-satélites é o indispensável para mim.

Pouco a pouco nesses artigos que saem nos jornais todo dia a polemica em torno do meu projeto vai assumindo proporções diferentes – uns, mais competentes, mantendo as discussões no nível desejado, outros, tão medíocres que dispensam resposta.

De toda a parte recebo cartas de pessoas interessadas no assunto, que se propõem a defender meu ponto de vista sobre a nova praça por mim criada,na escala que uma capital como Brasília necessita. Mas esta celeuma começa a me cansar, mesmo compreendendo que devo defender meu trabalho.

Sinto que a discussão parece se deteriorar, alguns procurando discutir a localização do meu projeto, e eu sem animo para falar do Plano Piloto, que sempre defendi e não quero criticar. Uma situação que não me agrada, dando-me até vontade de dar por encerrada esta querela.

No entanto, quero insistir, junto ao Governador José Roberto Arruda, que atenda o pedido que lhe fiz de criar uma comissão de arquitetos da maior categoria, que sobre os problemas da arquitetura e do urbanismo de Brasília se manifestem, sugerindo as soluções que achem justo adotar. Sobretudo nas cidades-satélites, que, independentes que são do Plano Piloto, exigem a adoção de medidas indispensáveis – propondo, quem sabe, aquela comissão um rigoroso processo seletivo de projetos, capaz de assegurar-lhes uma arquitetura de melhor qualidade.

Num artigo anterior, lembrei como as cidades de todo o mundo vêm sofrendo alterações, citando com detalhes o que ocorreu na França, Espanha e nos Estados Unidos, mencionando, inclusive, que, se o Rio de Janeiro fosse tombado, o prefeito Pereira Passos, derrubando prédios e morros, não teria construído a avenida que Le Corbusier, de passagem por essa capital, elogiou com tanto entusiasmo.

O que me satisfaz é constatar que ninguém negou a qualidade do Plano Piloto de Lúcio, nem a do meu projeto, tão louvada nas declarações do arquiteto Claudio Queiroz e nos artigos publicados por alguns amigos, tais como Lelé, Glauco Campello e Italo Campofiorito. O meu projeto continua a ser desenvolvido na minha prancheta, eu disposto a defendê-lo como se impõe, embora a sua execução dependa tão-somente do Governo do Distrito Federal.

Se o Governador José Roberto Arruda criar a comissão que lhe sugeri, dou por bem sucedida esta luta que meus colegas arquitetos, queridos companheiros dos velhos tempos de Brasília, junto comigo estão travando.

Oscar Niemeyer
Arquiteto

Texto enviado pelo autor, e também publicado em 01/02/2009 no Correio Braziliense.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/04/uma-explicacao-necessaria/ //28ers.com/2009/02/04/uma-explicacao-necessaria/#comments Wed, 04 Feb 2009 17:31:09 +0000 //28ers.com/?p=1908 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania.

Oscar Niemeyer

Os amigos do Correio Braziliense insistem para eu escrever qualquer coisa sobre essa celeuma que esta ocupando este jornal, uns contra a praça que projetei para Brasília, outros apoiando-me, dizendo que ela em nada perturba o Plano Piloto, e que é bonita e monumental, como afirmou o nosso amigo Lelé, um dos mais importantes arquitetos do país.

E, como hoje estou de bom humor e mais disposto a comentar o assunto, reconheço que a briga está boa. Cada um defendendo o seu ponto de vista  – alguns merecendo resposta, pela maneira inteligente e elegante com que discutem os problemas, outros mais petulantes a tratarem as questões de arquitetura e urbanismo com uma audácia que a falta de informação deveria deter.

Confesso que durante esses dias tive o prazer de ler Lelé a exaltar o valor da minha arquitetura ou Glauco Campello num texto muito bem escrito, justificando a integração do meu projeto em Brasília . E isso sem falar do artigo de Ítalo Campofiorito, que com muito brilho elogia e aprova a adoção do meu projeto no Plano Piloto.

Graças ao apoio de nossa amiga Vera Brant, até um grupo dos mais importantes advogados de Brasília veio a público, declarando que juridicamente nada impede a minha intervenção ao propor uma nova praça para esta cidade.

Mas não é apenas o Correio Braziliense que insiste em divulgar minhas novas declarações sobre o assunto, mas também os amigos que me cercam, dizendo que eu não posso ficar calado sem querer criticar o Plano Piloto, enquanto os outros combatem o meu projeto com tanta virulência:

Oscar, você não deve se recusar a falar sobre o  Plano Piloto. Por que você, por exemplo, não diz que o Plano Piloto está dividido entre pobres e ricos. Os primeiros em seus apartamentos confortáveis ligados às escolas, ao comércio local, como convém; os outros, mais de três milhões de brasileiros, esquecidos pelas cidades-satélites sem escolas, postos de saúdes e as áreas de recreio indispensáveis. Uma questão que preocupa muito o atual Governador, interessado em resolvê-la.

Se você falar sobre isso, não está criticando o Plano Piloto. Você está defendendo esses princípios de igualdade e fraternidade que uma cidade como Brasília deveria levar em conta.

Você, Oscar, poderia recordar que a praça que propõe vai criar um estacionamento para três mil carros indispensável para se responder a esses problemas de tráfico que afligem o povo desta metrópole. Você precisa compreender que a sua arquitetura foi muito importante para a nova capital, e que hoje está difundida em todo o mundo – Portugal, Espanha, Itália, França, Argentina, Chile, Argélia e até no Cazaquistão -, como o álbum que você nos mostrou revela. Você, Oscar, está contribuindo, mais que qualquer outro, para a divulgação da nossa arquitetura no exterior.

E fiquei a ouvi-los, lembrando a audácia do atual presidente do IPHAN a se manifestar contra a minha arquitetura.

Hoje telefonei, como de costume, para o meu amigo Silvestre Gorgulho, e com ele conversei sobre o que está saindo nos jornais com relação ao meu projeto, eu a lhe dizer: “Silvestre, a luta está boa. De toda a parte, é gente que me escreve, querendo participar desta contenda que já está durando demais.”

Digo aos amigos que podem me mandar os textos, que estamos na nossa trincheira, o projeto na prancheta pronto para ser enviado ao Governador, mas que o inicio das obras só dele depende. E comentei com meu amigo Silvestre uma idéia que começa a me ocupar: em vez de continuar participando dessa polêmica tão desgastante, eu propor ao Governador criar uma comissão de arquitetos da melhor categoria que se incumbisse dos problemas da arquitetura e do urbanismo desta cidade, encaminhando as soluções que lhes pareçam mais justas e necessárias. Pois esta celeuma começa a me aborrecer em razão dos atritos que surgem, embora compreenda, sem rancor, que as diferenças de opinião são inevitáveis, e que infelizmente fazem parte deste mundo difícil de viver.

Oscar Niemeyer
Arquiteto

Texto enviado pelo autor, e também publicado em 30/01/2009 no Correio Braziliense.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/04/a-praca-do-maquis/ //28ers.com/2009/02/04/a-praca-do-maquis/#comments Wed, 04 Feb 2009 03:14:53 +0000 //28ers.com/?p=1848 Continue lendo ]]> pm-00-riscolucio

Andrey Rosenthal Schlee

[1]

1. O maquisard

Lucio CostaMaquis. Assim Lucio Costa se definiu: um simples maquis do urbanismo[2]. Maquis: palavra,  como ele, de origem francesa, não incorporada à língua portuguesa. Maquisard,[3] vocábulo empregado para definir aquele que durante a II Guerra Mundial, clandestinamente, participou do maquis, ou seja, participou da luta contra a ocupação alemã na França.

Guerrilheiro. A expressão maquisard vem de maquis, matagal – vegetação arbustiva densa onde se refugiavam os fugitivos da justiça na Córsega. Por extensão, também foram chamados de maquis os grupos de resistência a diferentes regimes totalitários, como o do franquismo na Espanha.

Modesto. Escrevendo na 1a. pessoa do singular, Lucio Costa abriu seu famoso Relatório do Plano Piloto de Brasília desculpando-se pela apresentação sumária do partido desenvolvido para a nova capital. Elaborou uma solução possível e, como um maquis, venceu o concurso. Um maquisard do urbanismo que não pretendia desenvolver a idéia apenas sugerida, “senão na qualidade de mero consultor”[4].

Resistente. Assim Lucio Costa, em documento de 10 de março de 1957[5],  mostrou-se à comissão julgadora do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil. Exatos três anos antes[6] havia perdido tragicamente sua esposa e, desde então, vivia numa espécie de doloroso e solitário refúgio. No período, projetara apenas o Banco Aliança e a Sede do Jockey Club do Brasil. Em 1956, juntamente com Christian Dior, fora homenageado em Nova York. Na viagem de retorno, doze dias embarcado em um navio, produziu os primeiros esboços de Brasília. Percebendo-se isolado – e sozinho[7] – inventou a Capital, como um gesto individual de resistência.

Como um maquisard do urbanismo, Lucio Costa imaginou uma Capital distinta de todas as demais cidades. Até então, sua experiência profissional, prioritariamente, concentrara-se na produção de edifícios isolados. No entanto, para ele, toda boa arquitetura é capaz de qualificar espaços urbanos. E boa arquitetura tem caráter apropriado e composição correta. Sua trajetória profissional atesta tal afirmação e o Ministério da Educação e Saúde Pública é o paradigma. Até Brasília, Lucio Costa apenas enfrentara dois projetos de conotação tipicamente urbana: o realizado para o concurso da Vila Operária de Monlevade, Minas Gerais (1934) e o da Cidade Universitária, Rio de Janeiro (1936-37), ambos não executados. A leitura atenta dos respectivos memoriais[8] permite compreender o pensamento urbanístico de Lucio Costa: sempre fazer valer o critério da caracterização programática e da qualidade do espaço projetado e, numa determinada circunstância político-social e num contexto histórico preciso, tentar resolver a “contradição fundamental”[9] dos desejos individuais frente aos coletivos. Posição habilmente posta em prática quando da elaboração do plano de urbanização para o Parque Guinle (1948-54), cuja solução prenuncia a adotada nas superquadras de Brasília.

Ainda antes de inventar a Capital, Lucio Costa entrara em contato com aquilo que Sylvia Ficher[10] chamou de paradigmas de Brasília. Ou seja, boa parte do conhecimento urbanístico acumulado e vigente no segundo pós-guerra. Tal contato ocorreu de forma direta, por meio da convivência com urbanistas de renome – Le Corbusier, por exemplo – ou das inúmeras viagens nacionais e internacionais realizadas pelo próprio Lucio Costa. E também de forma indireta, através da leitura da bibliografia circulante. Neste sentido, parece fundamental um levantamento das matérias publicadas, principalmente, na Revista da Diretoria de Engenharia do Distrito Federal (Rio de Janeiro), então dirigida pela urbanista Carmem Portinho e que divulgou, entre outros textos, o clássico “Razões da nova arquitetura”[11] e o memorial descritivo de Monlevade[12]. A Revista dedicou matérias aos problemas do urbanismo no Brasil e em vários países[13]; discutiu a remodelação e expansão das cidades; defendeu a elaboração de planos diretores; apresentou proposta de numeração geográfica de logradouros e prédios[14]; divulgou estudos de tráfego nas metrópoles[15]; de desenho de auto-estradas[16] e debateu o rodoviarismo[17], entre outros temas.

Tudo isso, nos permite afirmar que, se Lucio Costa apresentou-se como um maquisard do urbanismo, certamente não era um “franco atirador”[18].

2. As praças do maquisard

Dentro da perspectiva de que a boa arquitetura é capaz de qualificar o urbano, vale  perceber como Lucio Costa trabalhou com os espaços públicos, sejam eles parques, praças ou jardins; e reconhecer quais as estratégias de projeto de que lançou mão[19].

O projeto da Vila de Monlevade (1934) é fruto de um concurso público. Do estudo do Edital e do programa de necessidades fornecido, nasceu a concepção da proposta. Uma pequena vila operária, a ser caracterizada pela simplicidade de sua arquitetura e pelos edifícios públicos que tradicionalmente se tornam referência da comunidade. Na introdução do memorial então elaborado, Lucio Costa[20] utilizou Frederick Law Olmstead – paisagista americano responsável pelo Central Park – para destacar a idéia de que a beleza de uma obra deve ser considerada e buscada simultaneamente à solução das questões funcionais e técnicas. Em Monlevade, o arquiteto elegeu quatro edificações de caráter eminentemente público e as distribuiu ao redor de uma praça regular, cujo centro é um espelho d’água circular. Pracinha do interior recriada, com igreja no alto, cinema, clube e armazém comercial. Assim temos, e os croquis elaborados por Lucio Costa mostram muito bem, a natureza domesticada (o jardim) em contraste com a natureza selvagem (a mata circundante). Ainda no memorial citado, Lucio Costa afirmou que “constitui um dos preceitos da urbanização moderna o contraste entre a nitidez, a simetria, a disciplina da arquitetura e a imprecisão, a assimetria, o imprevisto da vegetação”[21].

Já o Ministério da Educação e Saúde Pública (1936) é arquitetura de exceção que gera o espaço urbano. De um lado, a obra representa um oásis artificial, construído no denso tecido central da cidade do Rio de Janeiro, particularmente na malha resultante do plano do urbanista francês Alfredo Agache. De outro, o partido adotado envolve a natureza, agora domesticada por Burle Marx. Por fim,  a edificação assimila a natureza – brinca com ela – e a praça se faz de sombras e clareiras, de pilotis e fustes de palmeiras (utilizadas pela primeira vez em obras de Lucio Costa). Segundo a visão poética de Carlos Eduardo Dias Comas: “se pode tomar o pórtico [do MESP] por bosque petrificado e os canteiros térreos por pavilhões vegetalizados…”[22].

No projeto não construído da Cidade Universitária (1936-37) temos uma dualidade de estratégias: a arquitetura x natureza e a arquitetura envolvendo a natureza. A gleba dispunha de 200 hectares, mas não estava vazia. Além de estruturas viárias importantes, continha a Quinta da Boa Vista, com o palácio e os jardins do paisagista francês Auguste François Marie Glaziou (1860-78). Lucio Costa organiza o conjunto (natural e artificial), delimita os espaços (cheios e vazios), hierarquiza o programa (singular e plural) e cria a sua “praça maior”. Praça quadrada, porticada, balizada por três edificações (aula magna, biblioteca-reitoria e planetário). Porta da Universidade, conectada à Alameda Central, com a seqüência de edifícios escolares –  “prenúncio do Eixo Monumental de Brasília”[23].

O Museu das Missões (1937) nasceu como solução possível para o problema da proteção dos remanescentes das antigas reduções jesuíticas do sul do Brasil. Foi in-loco que Lucio Costa deparou-se com os restos da antiga Missão de São Miguel e com o que sobrara de sua  praça – geométrica, plana e desimpedida de elementos acessórios. Praça resgatada a partir da implantação do conjunto museu e casa do zelador proposto por Lucio Costa e Paulo Thedim Barreto. A arquitetura servindo de ponto de referencia para a leitura e entendimento do espaço público. Desta vez, temos o contraste entre o vazio-gerador natural e sagrado para os índios (a praça) e o cheio-focal artificial e sagrado para os padres (o templo).

O Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York (1938) foi desenvolvido juntamente com Oscar Niemeyer.  E o partido em “L” adotado se fez “U” frente à pré-existência da empena cega do vizinho francês. E assim, mais uma vez, a arquitetura envolveu a natureza. E, no centro do “U”, o paisagista americano Thomas Price criou um jardim exoticamente brasileiro, diretamente relacionado com os interiores envidraçados da composição e voltado para o curso d’água local.

No Park Hotel São Clemente (1944-45), em Nova Friburgo, a pré-existência era vegetal: novamente um jardim assinado por Auguste Glaziou (séc. XIX). Um parque pitoresco localizado no meio de um empreendimento imobiliário da família Guinle. A idéia era criar uma pequena pousada de apoio ao condomínio nascente. Lucio Costa desenhou uma edificação horizontal e avarandada, implantada no alto de uma encosta, de maneira a garantir uma melhor contemplação do conjunto paisagístico.

Já no Parque Guinle (1948-54), nas Laranjeiras, Rio de Janeiro, o problema enfrentado em Nova Friburgo ganhou conotações tipicamente urbanas. A venda da residência de Eduardo Guinle – desenhada por Armando da Silva Telles e Joseph Gire (1909-14) e implantada em meio a um jardim do paisagista francês Cochet (1919) – motivou o projeto de um condomínio de luxo. Lucio Costa previu um conjunto de seis edifícios multifamiliares, dos quais apenas três foram executados: Nova Cintra, Bristol e Caledônia. Enquanto o primeiro completa o desenho da cidade tradicional, os demais se distribuem “em crescente” ao redor do parque. Assim, temos um jardim romântico, preservado e revalorizado pela criativa disposição dos blocos residenciais projetados. Proposta belamente registrada no croqui elaborado por Lucio e que acompanha o texto explicativo publicado em Registro de uma Vivencia[24].

3. Brasília

Oscar Niemeyer registrou que só começou a pensar em Brasília em setembro de 1956, quando foi procurado por Juscelino Kubitschek[25]. O Edital do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil foi lançado em 19 de setembro do mesmo ano. Em 2 de outubro, Kubitschek e Niemeyer realizaram a primeira viagem ao sítio da nova Capital. Entre as providências tomadas na ocasião, foi dado início à elaboração dos projetos do Palácio da Alvorada e do Brasília Palace. A comissão julgadora que escolheu o projeto de Brasília foi montada pela Novacap com grande participação de Niemeyer, que inclusive indicou o nome dos jurados estrangeiros[26]. Dos inscritos no concurso, vinte e seis apresentaram propostas ou planos. Destes, parece que apenas quatro responderam satisfatoriamente aos critérios estabelecidos pela comissão julgadora, tendo sido escolhido como vencedor o de número 22, elaborado por Lucio Costa – “o único para uma capital administrativa do país.”[27] O resultado foi oficialmente divulgado em 16 de março de 1957.  Uma vez definido o plano urbanístico da nova Capital, Niemeyer e Lucio Costa passaram a trabalhar no Rio de Janeiro. A qualidade dos trabalhos então realizados. ainda hoje é reconhecida por todos. Em agosto de 1958, Oscar Niemeyer mudou-se para Brasília. Neste período heróico[28], que vai de 1958 a 1960, é que foi executada a Praça dos Três Poderes (1958-60) e as principais edificações que a configuram e dignificam: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e o Museu da Cidade. No dia 21 de abril de 1960, Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília. A Praça não estava completamente finalizada. Mesmo assim, Para Oscar Niemeyer: “Brasília surgiu como uma flor do deserto, dentro das áreas e escalas que seu urbanista criou, vestida com as fantasias de minha arquitetura. E o velho cerrado cobriu-se de prédios e de gente, de ruído, tristezas e alegrias…”[29]

4. A Praça

1956 - Estudo para a Praça dos Três Poderes - Lucio Costa

1956 - Estudo para a Praça dos Três Poderes - Lucio Costa

O Relatório escrito pelo maquis diz o essencial. Imbuído de certa dignidade e nobreza de intenção, Lucio Costa propôs não apenas uma cidade qualquer, mas uma cidade-capital, possuidora do desejável caráter monumental, obtido a partir de determinada ordenação e de requintado senso de conveniência. A ordenação se estabelece com apoio do desenho estruturador dos dois eixos que se cruzam. A conveniência nasce do jogo correto das escalas propostas para as diferentes zonas programáticas. Mais uma vez, a eterna busca da composição correta e do caráter apropriado. Ao longo de vinte e três itens, Lucio Costa explicou sua invenção. O risco original, a adaptação topográfica,  a técnica rodoviária, a disposição do programa, o cruzamento dos eixos, a plataforma rodoviária, a rede geral de tráfego, a integração dos setores, o eixo monumental, o centro de diversões da cidade, a faixa rodoviária residencial, as super-quadras e a cidade parque. Cada elemento de composição “concebido segundo a natureza peculiar da respectiva função, resultando daí a harmonia de exigências de aparência contraditória”[30].

No item 9 do Relatório do Plano Piloto, Lucio Costa explicou sua concepção para a disposição dos elementos que configurariam o setor correspondente à administração do país:

Destacam-se no conjunto os edifícios destinados aos poderes fundamentais que, sendo em número de três e autônomos, encontraram no triângulo eqüilátero, vinculado à arquitetura da mais remota antiguidade, a forma elementar apropriada para contê-los. Criou-se então um terrapleno triangular, com arrimo de pedra à vista, sobrelevado na campina circunvizinha a que se tem acesso pela própria rampa da auto-estrada que conduz à residência e ao aeroporto. Em cada ângulo dessa praça – Praça dos Três Poderes, poderia chamar-se – localizou-se uma das casas, ficando as do Governo e do Supremo Tribunal na base e a do Congresso no vértice, com frente igualmente para uma ampla esplanada disposta num segundo terrapleno, de forma retangular e nível mais alto, de acordo com a topografia local, igualmente arrimado de pedras em todo o seu perímetro. A aplicação em termos atuais, dessa técnica oriental milenar dos terraplenos, garante a coesão do conjunto e lhe confere uma ênfase monumental imprevista. Ao longo dessa esplanada – o Mall, dos ingleses -, extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e a desfiles, foram dispostos os ministérios e autarquias. Os das Relações Exteriores e Justiça ocupando os cantos inferiores, contíguos ao edifício do Congresso e com enquadramento condigno, os ministérios militares constituindo uma praça autônoma, e os demais ordenados em seqüência – todos com área privativa de estacionamento -, sendo o último o da Educação(…) A Catedral ficou igualmente localizada nessa esplanada, mas numa praça autônoma disposta lateralmente, não só por questão de protocolo, uma vez que a Igreja é separada do Estado, como por uma questão de escala, tendo-se em vista valorizar o monumento, e ainda, principalmente, por outra razão de ordem arquitetônica: a perspectiva de conjunto da esplanada deve prosseguir desimpedida até além da plataforma onde os dois eixos urbanísticos se cruzam[31] (grifo nosso).

O item 9 do Relatório escrito pelo maquis diz o que interessa. Lucio Costa apresenta uma proposta unitária. Que nasce já pronta e intensamente pensada e resolvida. Íntegra em sua concepção e avessa a futuros desdobramentos (ou modificações…). Cabe destacar que o item, além de descrever o setor, explicita quais são suas fontes projetuais – mais tarde registradas no pequeno texto intitulado “Ingredientes da concepção urbanística de Brasília”[32]: os eixos e as perspectivas de Paris, os grandes gramados ingleses, os terraplenos e os arrimos chineses (a esses três, Lucio Costa somaria as auto-estradas e os viadutos americanos e a pureza de Diamantina).

1956 - Estudos para o Plano Piloto de Brasilia - Lucio Costa

1956 - Estudos para o Plano Piloto de Brasília - Lucio Costa

A configuração espacial da Praça dos Três Poderes já aparece esboçada nos croquis originais de Lucio Costa para o Plano Piloto. José Barki[33], ao analisar tais documentos, chegou a propor uma determinada ordenação cronológica. No provável primeiro estudo[34], a Praça foi registrada duas vezes: inicialmente comparece como um simples triangulo eqüilátero com círculos em seus vértices (os três poderes) que apenas tangencia o retângulo correspondente ao futuro setor ministerial. O restante da cidade também foi representado por meio de figuras geométricas puras (os setores). Logo o desenho foi invertido, a cidade assumiu o partido cruciforme, um eixo de simetria axial (leste-oeste) foi definido e o vértice superior da Praça engastou no retângulo da Esplanada (agora com os ministérios já perfilados).

Na seqüência de estudos e riscos, os setores ao longo do eixo monumental aparecem mais desenvolvidos. Mas, tudo indica, foi nas perspectivas “a vôo de pássaro” que, de fato, o projeto ganhou volume. A Praça  foi elevada e cortada por uma via (a “rampa da auto-estrada” que leva ao Alvorada) e os diferentes terraplenos definidos (inclusive aparece o muro de arrimo da Praça – o “crib-wall” –  e o fórum de palmeiras imperiais que configuram o atual Espaço Le Corbusier. Assim, simultaneamente à solução dos problemas funcionais e técnicos, Lucio Costa desenvolveu, e resolveu, as questões estéticas locais (conforme Olmstead na memória de Monlevade). Nas perspectivas é possível visualizar os diferentes partidos ou gabaritos das edificações a serem projetadas por Oscar Niemeyer, como os ministérios, o congresso e os palácios. “Ali, o urbanismo e a arquitetura efetivamente criaram a paisagem, com a força de uma segunda natureza – é como se a Praça do Três Poderes fosse o ‘Pão de Açúcar’ de Brasília, de tal maneira sua presença se incorporou ao horizonte do Planalto”[35].

1956 - Estudo para a Praça dos Três Poderes - Lucio Costa

1956 - Estudo para a Praça dos Três Poderes - Lucio Costa

Os três desenhos (uma planta e duas perspectivas) que acompanharam e complementaram o item 9 do Relatório do Plano Piloto, são igualmente importantes.  Na planta é possível perceber o quanto Lucio Costa trabalhou para definir as proporções corretas do conjunto da Praça. Trata-se de um triangulo eqüilátero (T1) com 625[36] ou 700[37] metros de lado.  A base ou o cateto voltado para o cerrado foi dividido em três partes iguais (A-B-C), gerando dois triângulos retângulos nas extremidades (TA e TC) e um grande retângulo (RB) no terço central, cujo lado maior equivale à altura de T1 (que, por sua vez, corresponde ao eixo de simetria do conjunto). Em TA, Lucio Costa implantou o Supremo Tribunal Federal e, em TC, o Palácio do Planalto.  Por sua vez, o retângulo RB foi dividido em três partes diferentes (D-E-F). Na sua porção inferior – ainda junto ao cerrado – o urbanista delimitou um quadrado (QD), com lados iguais a B e o destinou para o espaço público propriamente dito da Praça (espaço que assumiu a forma de um octógono. E na porção superior da composição, uniu os dois vértices de TA e TC, produzindo uma reta horizontal (ac) que gerou novo triangulo eqüilátero (T2) e novo retângulo (RF), no interior dos quais implantou o Congresso Nacional. Entre RF e QD resultou um terceiro retângulo (RE) que, subdividido, recebeu o fórum das palmeiras, o espelho d’água e um estacionamento. Ou seja, a Praça dos Três Poderes não é simples obra de terraplanagem ou simples construção, é antes de tudo arquitetura. E a “construção se torna arquitetura quando seus elementos apresentam ordenação formal com valor estético substantivo, distinto do atrativo superficial da decoração aplicada”[38].

No texto denominado “O urbanista defende sua capital” (1967), Lucio Costa resumiu sua concepção do eixo monumental e quais os elementos que o constituem:

Ele se caracteriza por diferentes níveis escalonados: 1) o terreno agreste – 2) o terrapleno triangular onde assentam os três poderes autônomos da democracia, espaço tratado com a largueza e o apuro de uma ‘Versallhes do povo’ – 3) a Esplanada dos Ministérios e o setor cultural – 4) a grande plataforma no cruzamento em três níveis dos eixos da cidade… – 5) o terreiro da torre da TV. Este escalonamento em platôs sucessivos decorre dos movimentos de terra impostos pelo extenso corte em níveis diferentes, e assim reincorpora ao urbanismo contemporâneo uma tradição militar[39] (grifo nosso).

Da leitura, fica clara a intenção do urbanista de incorporar o “terreno agreste” ou a “campina circunvizinha” à grande composição do eixo, e de contrastar o conjunto natural com a artificialidade da Praça proposta (por isso mesmo, geometricamente trabalhada). Aqui, vale lembrar, mais uma vez, o memorial de Monlevade, quando Lucio Costa afirmou que “constitui um dos preceitos da urbanização moderna o contraste entre a nitidez, a simetria, a disciplina da arquitetura e a imprecisão, a assimetria, o imprevisto da vegetação”[40].

5. A metáfora do maquis

1680 ?Revelim, segundo o “Método Luzitano de Desenhar Fortificações? de Serrão Pimentel

1680 ?Revelim, segundo o “Método Luzitano de Desenhar Fortificações? de Serrão Pimentel

A estratégia de contrapor o natural ao artificial não constitui novidade na obra do maquis, tampouco no projeto moderno brasileiro. Ao longo de sua vida, Lucio Costa produziu uma obra multifacetada que envolve não apenas as questões diretamente relacionadas com a arquitetura e o urbanismo. Uma obra que – em última análise – permite uma profunda reflexão sobre a cultura do país. Contribuição que o coloca no mesmo patamar de outras figuras ilustres de sua geração, a dos chamados intérpretes do Brasil. Logo, parece perfeitamente compreensível que Lucio Costa se valesse de referências e de metáforas para reforçar o caráter de seus projetos.  No caso específico, trabalha com expedientes de rememoração de precedentes tipológica e/ou historicamente conhecidos e reconhecíveis.  Se o Plano Piloto nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse, sua praça principal invade o cerrado como um revelim de fortificação[41], que defende a terra conquistada – a civilização X a barbárie. Se nossas instituições foram transplantadas de Portugal, cruzando o oceano, a praça da democracia se faz como porto, com cais elevado cinco metros acima do cerrado e mil metros acima do mar.  Se Brasília é a nova capital do país, sua praça tem pedigree, e segue a mesma linhagem de suas precedentes históricas[42]: a Praça do Comércio de Lisboa, aberta para o rio Tejo; a Praça do Governador de Salvador, aberta para baía de Todos os Santos; e a Praça XV do Rio de Janeiro, aberta para a baía da Guanabara. Mas ao contrario das antigas capitais, Brasília está no centro do país e sua praça está aberta para o sertão! Consciente disso, Lucio Costa construiu a metáfora da relação do poder com o povo:

O normal seria o centro envolvido pela área urbana. Mas na concepção de Brasília, ele foi levado ao extremo da composição urbanística da cidade. De modo que a Praça dos Três Poderes – como eu a chamei, no Plano Piloto, ficou e ficará para sempre essa Praça, onde os Três Poderes da democracia são oferecidos ao povo na extremidade, como que na palma da mão de um braço estendido que é a Esplanada dos Ministérios. É idéia simbólica, algo romântico talvez, mas representa um dos elementos próprios do Plano de Brasília. No meu espírito, quando tive essa intenção de marcar a posição da Praça era, em parte, com o objetivo de acentuar o contraste da parte civilizada, de comando do Pais, com a natureza agreste do cerrado… O cerrado representaria o povo, a massa de gente sofrida, que estaria ali junto ao poder da democracia que lhe é oferecido[43] (grifo nosso).

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1927-30 ?Plano Agache para o Rio de Janeiro: Praça da “Entrada do Brasil?/p>

Por outro lado, devemos lembrar que, muitas vezes, os precedentes de projeto não são facilmente reconhecíveis e ficam restritos ao campo profissional como: a praça do “Palácio Imperial” do RJ, de Grandjean de Montigny (1820); a praça da  “Entrada do Brasil”, do Plano Agache (1926-30); a praça maior da Cidade Universitária, de Lucio Costa (1936-37); e de Vera Cruz[44], de Raul Penna Firme, Roberto Lacombe e José de Oliveira Reis  (1955); todas não executadas.

6. Liquidando com o cerrado e descaracterizando a Praça

Durante a execução das terraplenagens e da própria construção da Praça, as máquinas arrasaram a campina circunvizinha. O fato parece estranho quando considerada a metáfora do maquis, mesmo assim, ele a explicou frente ao Senado Federal em 1974[45]. Com o passar dos anos, novas espécies foram plantadas e a vegetação foi sendo, na medida do possível, recomposta.

Maquete original da Praça dos Três Poderes

Maquete original da Praça dos Três Poderes

A implantação do projeto definitivo do Congresso Nacional implicou na modificação das proporções do conjunto monumental e da Praça, contudo, ela mostrou-se apropriada para as funções previstas, principalmente para – via sua neutralidade – realçar as edificações que a complementavam. Inclusive o pequeno Museu da Fundação (1960) sugerido e elaborado por Oscar Niemeyer.

Na inauguração da cidade, a Praça ainda não estava completamente calçada, o que não impediu que fosse invadida pelos candangos que queriam ver JK discursar de seu parlatório. Quando o “tapete retangular”[46] de pedras portuguesas que liga o Planalto ao Supremo ficou pronto, o presidente já era outro, e a Praça começou a receber seus primeiros adereços: as esculturas Guerreiros (de Bruno Giorgi, 1959-61) e A Justiça (de Alfredo Ceschiatti, 1961), e o pombal (de Oscar Niemeyer, 1961).

Com o objetivo de dar aos visitantes e aos funcionários dos palácios – em meio à “severa aridez intencional daquele belo logradouro”[47] – um espaço de apoio, prestação de serviços e conforto urbano, Lucio Costa sugeriu e Oscar Niemeyer projetou, ainda nos primeiros anos da década de 60, um pequeno Pavilhão semi-enterrado, por muitos denominado “Casa de Chá”. Passados mais de quarenta anos de sua inauguração o Pavilhão ainda não cumpre com o seu papel[48].

Aspecto atual da Praça - Foto Andrey Schlee

2007 - Praça dos Três Poderes - Foto de Andrey Schlee

Durante o governo de Emílio G. Médici, o arquiteto Sérgio Bernardes realizou uma série de trabalhos para Brasília. Entre eles, o mais polêmico foi o Mastro da Bandeira Nacional (1969). Um punhal cravado no coração do cerrado, ostentando – patrioticamente – um símbolo nacional (no local onde Lucio Costa imaginara o povo brasileiro). Assim, o braço estendido deixou de oferecer os três poderes ao povo e passou a segurar, explicitamente, uma bandeira. Ou mesmo um punhal…

Em 1974, foi inaugurado o edifício sede do Tribunal de Contas da União (TCU).  Projetado por Renato C. Alvarenga e localizado em lote delicado – nas bordas da Praça dos Três Poderes e atrás do Supremo Tribunal Federal – criou um fundo incômodo e indesejado. Ninguém gostou!  Lucio Costa reclamou uma arquitetura discreta e de bom padrão, que não pretendesse competir com os monumentos existentes. Por fim, sugeriu a criação de uma cortina vegetal para esconder o  novo edifício[49].

Memorial Tirandentes (Oscar Niemeyer, 1980)

Memorial Tirandentes (Oscar Niemeyer, 1980)

A construção do “bandeirão” – parece – incentivou (ou provocou) Oscar Niemeyer a projetar novamente para a Praça. E o Memorial Tiradentes foi a oportunidade inventada. O projeto surgiu da idéia de transferir o painel Tiradentes, de Cândido Portinari, para Brasília. A obra (de 3,15 x 18m) foi originalmente doada ao Colégio de Cataguases-MG (Niemeyer, 1949). Em 1974, o painel foi exposto no MESP e, em 1975, vendido para o Estado de São Paulo. Na oportunidade, Niemeyer tentou levar o painel para o Congresso Nacional. Como não obteve sucesso em sua reivindicação, em 1980, desenhou um prédio oblongo de 28m de extensão a ser implantado junto a Praça dos Três Poderes, onde hoje se encontra o Panteão. Em texto explicativo[50], Niemeyer sugeria, caso não fosse possível a transferência da obra, a encomenda de um outro painel a João Câmara, pintor de sua preferência. Ou seja, o que importava era apenas a construção de mais um monumento (ou dois…). Assim, enquanto o Tiradentes de Câmara encontra-se, desde 1985, no Panteão da Liberdade, em Brasília; o Tiradentes de Portinari encontra-se, desde 1989, no Memorial da América Latina, em São Paulo.

Durante boa parte do governo de José Sarney, o Distrito Federal foi administrado por José Aparecido de Oliveira, o que garantiu a Niemeyer uma intensa, variada e ilimitada atuação na cidade. Foi quando, especialmente para a Praça dos Três Poderes, o arquiteto projetou o Panteão da Pátria, Liberdade e da Democracia (1985-86); desenhou o marco comemorativo Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade (1988); e criou o Espaço Lucio Costa (1988/89-92[51]). Por fim, para o cerrado vizinho, projetou o Espaço Cultural Oscar Niemeyer (1988).

2007 - Praça dos Três Poderes - Foto de Andrey Schlee

2007 - Praça dos Três Poderes - Panteão, PGR (ao fundo) e Anexo do STF - Foto de Andrey Schlee

O conjunto do Panteão da Liberdade e da Democracia foi criado para comemorar a redemocratização do país, registrar a morte de Tancredo Neves e homenagear os heróis nacionais, especialmente Tiradentes. O monumento tem forma única. Para alguns, quando visto de frente, lembra uma pomba; para outros, sugere uma cunha. O volume é opaco, apenas rasgado em uma lateral pelo vitral de Marianne Peretti. Eufemisticamente, a construção não está na Praça, mas junto dela. E a ela ligada por meio de uma passarela. O  monumento é desconfortável em todos os sentidos. Não tem força para atuar como símbolo da nação, não se justifica como programa – simbólico e arquitetônico – e é desagradável para os sentidos. Um erro, tal qual o mastro do “bandeirão”.  Infelizmente, lado a lado a comprometer a Praça, o monumento da democracia, faz o monumento da ditadura parecer menos pior… Punhal ou cunha, ambos foram incorporados ao imaginário da Praça e do país.

Projeto para anexo do Congresso (Oscar Niemeyer, 1995)

Projeto para anexo do Congresso (Oscar Niemeyer, 1995)

Durante a década de 90, Niemeyer continuou projetando para a Praça e seu entorno: o Monumento a Israel Pinheiro (1991); o complexo de gabinetes das presidências da Câmara e Senado (a ser construído sobre o espelho d’água da Praça, 1995), o anexo II do Supremo Tribunal Federal (1995-98), a Sede da Procuradoria Geral da República (1995-02) e a Fundação Israel Pinheiro (em construção desde 2003, no cerrado).

Do conjunto de projetos realizados, vale destacar o anexo do STF, por ser o primeiro edifício espelhado proposto por Niemeyer para Brasília e por constituir, juntamente com a Procuradoria Geral da República, uma linha de construções curvas e reflexivas erguidas ao longo da Via S2, ou seja, atrás e além da Praça dos Três Poderes – na “campina circunvizinha” que Lucio Costa tanto queria preservar. Para a outra extremidade da Esplanada dos Ministérios, Niemeyer projetou o Monumento à Paz (2005), uma grande-escultura-arquitetônica cuja forma lembra a de um pássaro com as asas abertas. Uma “pomba” – de 25m de altura e com 60m de comprimento – localizada no gramado central, na frente da Rodoviária do Plano Piloto, impedindo a visão do conjunto monumental e a “despedida psicologicamente desejável”[52] da cidade. Tudo muito polêmico! O Governador gostou do novo monumento, o IPHAN não aprovou.

7. Quase uma conclusão…

O maquis(ard) faleceu em 13 de junho de 1998. Deixou uma obra sólida. Quantitativamente significante. Qualitativamente  importante e influente. Lucio Costa soube, na medida justa – como diria -, ser protagonista e ser coadjuvante. E como sempre, com discrição e elegância, elaborou uma solução possível e, como um maquis, venceu o concurso para o Plano Piloto da Nova Capital do Brasil. Um urbanismo que não pretendia desenvolver a idéia apenas sugerida e que, conforme sua vontade,  permaneceu atento na qualidade de mero consultor. Anos mais tarde, concluiu que “o simples fato de Brasília existir é uma coisa extraordinária”, embora não corresponda fielmente à cidade inventada. É que  ocorreu “uma certa falta de assimilação dos propósitos” imaginados[53].

Em 1997, Brasília completou 40 anos. Na oportunidade, Lucio Costa concedeu entrevista à arquiteta Ana Luiza Nobre. A título de conclusão, vale reproduzir parte do documento publicado pela Revista AU[54]:

AU – Depois da última vez que o senhor esteve em Brasília, em 92, como o senhor acompanha o que ocorre lá? O senhor se interessa pelas notícias sobre a cidade que criou?

LC – Não, estou muito distante.Só quando há algum fato importante e me contam.

AU – Por exemplo, o projeto de Niemeyer para a nova sede da Procuradoria Geral…

LC – Como é o projeto?

AU – São duas torres cilíndricas de 38m e 48 m de altura e 60 m de diâmetro.

LC – Onde?

AU – Atrás da Praça dos Três Poderes, no Setor da Administração Federal Sul.

LC – Essa sugestão partiu como?

AU – Não saberia lhe dizer ao certo.

LC – Que desagradável… E isso passa? (grifo nosso).


notas

[1] Trabalho apresentado durante o 7º Seminário Docomomo Brasil, Porto Alegre, 2007.

[2] As seguintes edições do Relatório do Plano Piloto de Brasília apresentam a expressão um simples maquis do urbanismo: COSTA, Lucio. Módulo, Rio de Janeiro, n.8, p.33, julho, 1957; COSTA, Lucio. Sobre arquitetura. Porto Alegre: CEUA, 1962. p.264; COSTA, Lucio. Plano-Pilôto de Brasília. Rio de Janeiro: Módulo-Arquitetura Ltda., s.d. p.1;  COSTA, Lucio. Brasília, cidade que inventei. Brasília: GDF, 2001. p.18;

[3] As seguintes edições do Relatório do Plano Piloto de Brasília apresentam a expressão um simples maquisard do urbanismo: COSTA, Lucio. In. CORDEIRO, Luiz Alberto, SIQUEIRA, Tânia Battella de (orgs.).  Brasília 57-85 (do plano-piloto ao Plano Piloto). Brasília: GDF, 1985. p.15 e COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.283. Provavelmente, Lucio Costa deixou de adotar a expressão maquis em função da conotação altamente pejorativa e comprometedora que ela assumiu, no Brasil, a partir de 1962/63 (e especialmente depois de 64). É que o pseudo-jornalista Amaral Neto, presidente de um CCC (Comando de Caça aos Comunistas) criou uma revista, financiada pelos Estados Unidos, e a denominada de MAQUIS. Desde então, no Brasil, maquis deixou de ser o melhor termo empregado para uma referência aos que lutaram contra o fascismo e o nazismo, desde a revolução espanhola até o fim da II Guerra. Tanto que nunca se cogitou de empregá-lo para designar qualquer dos nossos guerrilheiros envolvidos na luta contra a ditadura militar.

[4] COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.283.

[5] O risco que acompanha o Relatório do Plano Piloto de Brasília foi assinado e datado por Lucio Costa.

[6] Julieta Guimarães, Leleta, faleceu em um acidente automobilístico no dia 10 de março de 1954.

[7] Embora sempre acompanhado de suas filhas, Maria Elisa e Helena.

[8] COSTA, Lucio. Monlevade (1934) e Cidade Universitária (1936-37) In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. Respectivamente nas pp.91-99 e 173-189.

[9] COSTA, Lucio. Urbanismo In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.277.

[10] FICHER, Sylvia, LEITÃO, Francisco, SCHLEE, Andrey. Brasilia: la historia de un planeamiento.  In. VILLASCUSA, Eduard e FIGUEIRA, Cibele (org.). Brasília 1956-2006 de la fundación de una ciudad capital, al capital de la ciudad. Barcelona: Milênio, 2006. p.76. Ver também: FICHER, Sylvia, PALAZZO, Pedro Paulo. Os paradigmas urbanísticos de Brasília. Cadernos PPG-AU FAUFBA, Urbanismo Modernista. Brasil, 1930-1960, Salvador, edição especial, p.49-71, 2005.

[11] COSTA, Lucio. Razões da nova arquitetura. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.1, v.1. p.3-9, janeiro, 1936.

[12] COSTA, Lucio. Ante-projeto para a Vila de Monlevade. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.3, v.1., p.115-128, maio, 1936. Os projetos para Monlevade de autoria de Ângelo Murgel e de Fernando Nascimento Silva foram publicados  na edição n.4, de setembro de 1936.

[13] Artigos de autoria de Paul Lester Wiener (EUA), José Estellita (Japão e Argentina), Hermínio Andrade e Silva (Chile), entre ouros.

[14] BORGES, Alberto. Numeração geográfica de logradouros e prédios. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.2, v.9, p.88-94, março, 1942.

[15] BOTELHO, Paulo Andrade. Urbanismo e tráfego. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n,3, v.5, p.293-300, maio, 1938.

[16] LAVIOLA, Antonio. Auto-estradas alemãs. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.5, v.1, p.348-354, novembro, 1936.

[17] PENIDO, João Augusto. Notas sobre a técnica rodoviária norte-americana. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.5, v.9, p.264-273, setembro, 1942.

[18] GUIMARAENS, Cêça de. Lucio Costa. Um certo arquiteto em incerto e secular roteiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996. p.39.

[19] Ver COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões brasileiras sobre um estado passado da arquitetura e urbanismo modernos. Paris, Universidade de Paris 8, 2002 (Tese de Doutorado em Arquitetura).

[20] COSTA, Lucio. Ante-projeto para a Vila de Monlevade. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.3, v.1., p.115, maio, 1936. Ou COSTA, Lucio. Monlevade 1934. Projeto rejeitado. In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.91.

[21] COSTA, Lucio. Ante-projeto para a Vila de Monlevade. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.3, v.1., p.117, maio, 1936. Ou COSTA, Lucio. Monlevade 1934. Projeto rejeitado. In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.99.

[22] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Protótipo e monumento, um ministério, o ministério. In. Revista Projeto, Rio de Janeiro, n.102, p.148, agosto, 1987.

[23] COSTA, Lucio. Parque Guinle. Anos 40. In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.185.

[24] COSTA, Lucio. Parque Guinle. Anos 40. In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. pp.205-213.

[25] NIEMEYER, Oscar. Minha experiência em Brasília. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p.8.

[26] Fizeram parte do júri: o engenheiro Israel Pinheiro (Presidente da Novacap e da Comissão); dois outros representantes da Novacap: os arquitetos Oscar Niemeyer e Stamo Papadaki; dois representantes de entidades de classe: o engenheiro Luiz Hidelbrando Horta Barbosa (do Clube de Engenharia) e o arquiteto Paulo Antunes Ribeiro (do Instituto dos Arquitetos); e dois urbanistas estrangeiros: William Holford (inglês, responsável pelo Plano Regulador de Londres) e André Sive (francês, conselheiro do Ministério da Reconstrução da França).

[27] Ver Atas da comissão julgadora do plano piloto de Brasília. Módulo, Rio de Janeiro, n.8, pp.17-21, julho, 1957.

[28] FICHER, Sylvia et al. Guiarquitetura Brasília. São Paulo: Empresa da Artes, 2000. p.72.

[29] NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo: memórias. Rio de Janeiro: Revan, 1998. pp.191-192.

[30] COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.283.

[31] COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. pp.288-89.

[32] Ver artigo “Ingredientes da concepção urbanística de Brasília”. In. COSTA, Lúcio. 1995. Registro de uma Vivência. São Paulo: Empresa das Artes.

[33] BARKI, José. A invenção de Brasília. Artigo apresentado durante o Seminário Brasília 1956-2006. De la fundación de una ciudad capital, al capital de la ciudad. Barcelona, nov., 2006.

[34] Segundo BARKI: Documento sem data ou escala, realizado a lápis  sobre papel tipo carta ofício (22cm x 34cm).

[35] CORDEIRO, Luiz Alberto, SIQUEIRA, Tânia Battella de (orgs.). Brasília 57-85 (do plano-piloto ao Plano Piloto). Brasília: GDF, 1985. p.38

[36] Segundo medido por BARKI, José. A invenção de Brasília. Artigo apresentado durante o Seminário Brasília 1956-2006. De la fundación de una ciudad capital, al capital de la ciudad. Barcelona, nov., 2006.

[37] Segundo COSTA, Lucio. Eixo Monumental. In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. pp.304.

[38] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Da atualidade de seu pensamento. Revista AU,  São Paulo, n.38, pp.69, out/nov, 1991.

[39] LOSTA, Lucio. O urbanista defende sua cidade. In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. pp.301-303.

[40] COSTA, Lucio. Ante-projeto para a Vila de Monlevade. Revista da Diretoria de Engenharia, Rio de Janeiro, n.3, v.1., p.117, maio, 1936. Ou COSTA, Lucio. Monlevade 1934. Projeto rejeitado. In. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. p.99.

[41] Barki fala em “baluartes e bastiões”. BARKI, José. A invenção de Brasília. Artigo apresentado durante o Seminário Brasília 1956-2006. De la fundación de una ciudad capital, al capital de la ciudad. Barcelona, nov., 2006. p.8.

[42] Comas fala da “Praça do Comércio Lisboeta e do Largo do Paço carioca”. COMAS, Carlos Eduardo Dias. Brasília quadragenária: a paixão de uma monumentalidade nova. In. Anais do IX Seminário de História da Cidade e do Urbanismo.São Paulo: set., 2006. p.11.

[43] COSTA, Lucio. Considerações em torno do Plano-Piloto de Brasília. In. Anais do I Seminário de estudos dos problemas urbanos de Brasília. Estudos e debates. Brasília: Senado Federal, 1974. p.23.

[44] SCHLEE, Andrey, FICHER, Sylvia. Vera Cruz, futura capital do Brasil, 1955. In. Anais do IX Seminário de História da Cidade e do Urbanismo.São Paulo: set., 2006.

[45] COSTA, Lucio. Considerações em torno do Plano-Piloto de Brasília. In. Anais do I Seminário de estudos dos problemas urbanos de Brasília. Estudos e debates. Brasília: Senado Federal, 1974. p.24.

[46] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Brasília quadragenária: a paixão de uma monumentalidade nova. In. Anais do IX Seminário de História da Cidade e do Urbanismo.São Paulo: set., 2006.

[47] COSTA, Lucio. In. CORDEIRO, Luiz Alberto, SIQUEIRA, Tânia Battella de (orgs.). Brasília 57-85 (do plano-piloto ao Plano Piloto). Brasília: GDF, 1985. p.42.

[48] O Pavilhão foi utilizado como restaurante “chinês”, como centro de informações turísticas e quase virou “Museu de Armas”. Recentemente foi restaurado mas, até agosto de 2007, permanecia fechado.

[49] COSTA, Lucio. In. CORDEIRO, Luiz Alberto, SIQUEIRA, Tânia Battella de (orgs.). Brasília 57-85 (do plano-piloto ao Plano Piloto). Brasília: GDF, 1985. p.43 e 45. Entre 1994 e 98, Oscar Niemeyer projetou e construiu os anexos do TCU.

[50] NIEMEYER, Oscar. Museu Tiradentes. Módulo, Rio de Janeiro, n. 59,  Jul. 1980, pp.72-73.

[51] O Espaço Lucio Costa foi dedicado por Oscar Niemeyer à Lucio Costa e inaugurado em 27/02/1992.

[52] COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto. Módulo, Rio de Janeiro, n.8, jul., 1957. p.40.

[53] COSTA, Lucio. Lucio Costa rompe o silêncio e fala de seu trabalho.  Revista AU, São Paulo, n.1, jan., 1985.

[54] NOBRE, Ana Luiza. Lucio Costa. “Je suis comme je suis”. Revista AU, São Paulo, n.74, p.72, out./nov., 1997.


Referências Bibliográficas

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SCHLEE, Andrey. Lucio Costa, o senhor da memória. JORNAU, Brasília, n.6, dez., 2003.


Andrey Rosenthal Schlee
Arquiteto e urbanista, professor do Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da UnB.

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Ricardo Farret

À primeira manifestação crítica à proposta da Praça da Soberania, expressa pela Arquiteta Silvia Ficher, imaginava eu uma série de desdobramentos, sendo que alguns se concretizaram outros não. Tudo porque, sabemos todos nós, no Brasil, a crítica arquitetônica é alvo de uma seqüência previsível de reações.

Em primeiro lugar, imaginei eu, um “pelotão de frente”, constituído por amigos e colaboradores do arquiteto Oscar Niemeyer, iria de imediato tomar a defesa do projeto, do autor ou de ambos. Mais ainda, imaginava eu, todos iriam centrar o foco de suas intervenções, não na crítica feita à concepção e oportunidade da Praça em si, mas sim na sua autora. Desqualifica-se o crítico e silencia-se em relação ao objeto criticado.

Para surpresa minha, a primeira manifestação veio do próprio Oscar Niemeyer e, só depois, muito depois, vieram as manifestações dos seus amigos e colaboradores. Na sua manifestação, o arquiteto afirma, em certo trecho, que “Não vou aos jornais em que alguns, alheios aos assuntos da arquitetura e do urbanismo, vêm a público e, sem dizer nada de novo, participam do debate em curso.” Para, mais adiante, afirmar, “É meu direito e obrigação concebe-la e propô-la.” (grifo meu), uma declaração que, no fundo, me parece ter um caráter místico. Errei na previsão da ordem das intervenções, mas não no teor das reações que se seguiram (e ainda seguem) na imprensa.

Em segundo lugar, imaginava uma discussão restrita a arquitetos e, eventualmente, com uma participação mínima do suposto “cliente”, o Governo do Distrito Federal, já que o projeto foi anunciado durante visita do Governador ao escritório de Niemeyer, no Rio de Janeiro. Errei novamente, pois a população manifestou-se em grande escala, condenando a obra, menos pela sua localização, como o fizeram os arquitetos, e mais pela ausência de qualquer função social e pelo desperdício financeiro que ela representa.

Como um parênteses que se impõe, cabe observar que o Governo do Distrito Federal está se especializando em apresentar propostas urbanísticas por meio da imprensa, sem que se saiba as suas razões e grau de prioridades. Estão aí o Plano Lerner, a retomada do Projeto Orla, para citar só dois exemplos. É preciso reconhecer que à qualidade do plano urbanístico do Plano Piloto não correspondeu, nunca, um detalhamento urbanístico compatível com a grandeza da Capital Federal. Há muito tempo defendemos a necessidade de um “plano diretor” de desenho urbano para a Capital, de modo a identificar e propor correção para os inúmeros “pontos negros” existentes, alguns deles comprometendo até mesmo as idéias básicas de Lucio Costa. Dois exemplos singelos podem ser citados: os “penduricalhos” que foram sendo implantados no entorno da Praça dos Três Poderes, como o Mastro da Bandeira, o Panteão da Pátria, os Memoriais, a sede da Procuradoria Geral da República, dentre outros, numa área de Cerrado que deveria garantir a escala bucólica de Brasília. Outro exemplo é caracterizado pela falta de equipamentos de uso coletivo na Esplanada, tais como livraria, papelaria e restaurante, para servir o enorme contingente populacional que para lá se desloca diariamente; a esta lista de equipamentos deve-se acrescentar, mesmo que a contragosto, estacionamentos. Um croquis do próprio Niemeyer propunha uma solução tão singela quanto genial: um rasgo no terreno, no sentido norte-sul, em parte coberto, em parte ao ar livre, mas tudo abaixo da superfície do terreno. Dada a extensão da Esplanada é de se imaginar que haveria duas intervenções dessa natureza. A razão da substituição dessa proposta pela Praça da Soberania, nem Niemeyer, nem seus amigos e colaboradores conseguiram, até agora, mostrar.

Essa história toda me faz lembrar um artigo que escrevi, há mais de 10 anos atrás. Na ocasião, Niemeyer escreveu um artigo no Jornal do Brasil, “Quando as catedrais eram brancas”, título que parodiava uma obra de Le Corbusier. O artigo procurava justificar a pintura, na cor branca, realizada nos pilares da Catedral. Manifestando minha indignação, escrevi o artigo “Quando a catedral era cinza”, não só expondo minha contrariedade, como arquiteto, à maquillage de uma obra que já estava no imaginário social da população, mas, também, como cidadão, quando indagava – e este era o objetivo principal do artigo – em que momento os espaços públicos, sejam eles arquitetônicos ou urbanísticos, deixam de pertencer aos arquitetos que os projetam e passam ao domínio público. Em outras palavras, podem elas ser alteradas por livre arbítrio e capricho de seus autores, quando já absorvidas pela população, a quem, no final, todas elas se destinam?

A resposta à minha indagação de 10 anos atrás veio, em parte, agora, durante os debates sobre a Praça da Soberania, quando foi amplamente revelado que a Lei do Tombamento de Brasília tem um artigo que, expressamente, permite que Lucio Costa e Oscar Niemeyer possam (quase)tudo na organização espacial da Capital Federal.

Ricardo Farret
Arquiteto, ex-professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

]]> //28ers.com/2009/02/02/espaco-publico-e-imaginario-social/feed/ 2 1835 Lucio Costa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/02/01/quando-o-novo-nao-desfigura-o-moderno/ //28ers.com/2009/02/01/quando-o-novo-nao-desfigura-o-moderno/#comments Sun, 01 Feb 2009 02:15:39 +0000 //28ers.com/?p=1791 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Ítalo Campofiorito

Entre os dois Setores Culturais de Brasília, de ambos os lados ?Norte e Sul ?da Esplanada verde que se estende do Congresso Nacional à Plataforma Rodoviária, propõe agora o arquiteto Oscar Niemeyer a construção de um novo espaço de manifestações públicas que se chamará Praça da Soberania. Os dois setores, um à frente da Catedral e o outro, atrás do Teatro Nacional, estão em fase de implantação e ficariam, não fosse a nova ideia, separados por duas vias de tráfego constante e pelo amplo gramado que cobre o Terrapleno Central dos Ministérios.

O novo espaço público/espaço plástico é articulado por duas edificações: um memorial para os presidentes da República e um alto elemento escultórico que passa, por assim dizer, de uma base em pirâmide com uso coletivo, ao perfil surpreendente de um obelisco, a apontar para o Congresso Nacional. É este, símbolo emblemático maior da escala cívica da Capital, que já deixa entrever, na outra cabeceira do gramado, a Praça dos Três Poderes e seus famosos palácios.

Ocorre que, além do espanto que sempre resulta do novo e do inesperado, um outro alarma, de natureza “regulamentar? tem levantado reclamações dos conservadores mais precavidos e zelosos da comunidade brasiliense. Nem acho que se trate de um “bicho-de-sete-cabeças? mas de uma questão de interpretações, quanto ao duplo tombamento (Unesco e Iphan) da primeira “cidade moderna?a ser inscrita no Patrimônio da Humanidade. Ao programar tal deliberação, foi com efeito exigido pela Unesco que se fixassem salvaguardas (normas e parâmetros) oficiais para a futura defesa das criações originais. O tombamento pelo Iphan seguiu-se à consagração mundial e repetiu, em duas portarias (1990 e 1992), o texto do Decreto baixado em 1987 pelo GDF. O busilis da atual pendenga estaria em uma dessas disposições (item V, Art. 3°, Portaria 314/92), quando se vedam construções no “canteiro central verde? na intenção óbvia de evitar futuras edificações espúrias que prejudicassem a integridade visual e artística da Sede do Congresso. Posso testemunhar da intenção, já que a redação em pauta copia a do decreto, que é de minha lavra. A mesma portaria entretanto, considerando que se trata de conjunto urbanístico incompleto (faltavam, por ex, os setores culturais …) pressupõe mais adiante (§ 3º artigo 9) que “excepcionalmente, serão permitidas as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília ?arquitetos Lucio Costa, Oscar Niemeyer ?como complementações necessárias …?etc., etc. É o que estamos vendo acontecer 17 anos depois.

A problemática de preservar-se uma cidade viva já era tão presente que eu me permito citar artigo que publiquei em Arquitetura Revista, UFRJ (1989), ao defender o tombamento federal: ?#8230; Como atender à Unesco e salvaguardar a cidade moderna? Como tombá-la, sem imobilizar fisicamente, mas pelo contrário permitindo ?com exceção do resguardo de alguns prédios excepcionais ?que as edificações se modifiquem e vivam a sua vida e contingências urbanas, através do passar incessante do tempo, do tempo em que se nutre a natureza cultural das cidades??Segue o texto, lembrando que a resposta estaria no tombamento (conforme se fez … ) das quatro escalas ?a Monumental, a Residencial, a Gregária e a Bucólica ?do Plano Piloto, bem como dos parâmetros físicos que as garantissem. Note-se que, no caso presente, a escala monumental (definida, aliás, pela arquitetura de Niemeyer) está indiscutivelmente mantida e enriquecida.

Entendo, finalmente e sem mais delongas, que a decisão do Iphan evitará qualquer estreiteza de pensamento. O teor de discricionariedade que assiste ao órgão federal não poderia depender apenas da decisão pessoal de um funcionário, ainda que altamente colocado no instituto. Sem decisão ampla, acompanhada pelo colegiado de consultores de que dispõe a presidência do Iphan, arrisca-se a controvérsia a um tal antagonismo, que só a Justiça poderia dirimir.

Ítalo Campofiorito

Arquiteto e urbanista, especialista em Estética, História e Sociologia da Arte, Planejamento Rural e Urbano, arquiteto da Novacap e, no Iphan, assinou o Tombamento de Brasília.

Texto publicado com a autorização do autor, conforme publicado em 29/01/2009 no Correio Braziliense

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Gustavo Lins Ribeiro

O envolvimento de Oscar Niemeyer por meio século com o projeto de Brasília, cidade em que viveu apenas durante a construção, certamente o qualifica para intervir no seu espaço. Mas, por mais ilustres que sejam, nenhuma cidade precisa de proprietários do seu destino. A configuração espacial do Plano Piloto já é regida por várias leis. Assim, não cabem excepcionalismos, mesmo em se tratando do distinguido arquiteto.

Na verdade, Brasília proporcionou a Niemeyer uma oportunidade que nenhum outro arquiteto ou artista, nem mesmo Michelangelo, teve. É só pensar em vários dos muitos marcantes e imponentes edifícios que levam a sua assinatura tanto na Esplanada dos Ministérios (o Museu da República, o Teatro Nacional, a Catedral, o Palácio do Itamaraty), quanto na Praça dos Três Poderes (o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do SupremoTribunal Federal), ou em outras áreas (o Quartel General do Exército, a sede do Superior Tribunal de Justiça, o Palácio da Alvorada, a Procuradoria Geral da República, o Centro de Treinamento do Banco do Brasil).

É tamanha a identidade que se faz entre Niemeyer e Brasília que, com frequência, se diz que ele criou a cidade, em um verdadeiro esquecimento da autoria do Plano Piloto, de Lucio Costa, tombado em 1987. De fato, é mais fácil perceber imediatamente a beleza da arquitetura de Niemeyer do que entender a lógica, igualmente modernista mas bem mais abstrata, do planejamento urbano da cidade. Também é mais fácil preservar edifícios do que um plano que, a rigor, vem sendo adulterado paulatinamente de diversas maneiras.

A última proposta de intervenção urbanística e arquitetônica de Niemeyer para a Esplanada dos Ministérios foi divulgada pelo Correio Braziliense, em sua edição de 10 de janeiro de 2009. Infelizmente, a chamada Praça da Soberania, situada no canteiro central do Eixo Monumental, a poucos metros da rodoviária, representa, se implementada, uma violação do tombamento do Plano Piloto.

É sabido que a Esplanada se inspira nos Champs-Elysées, de Paris, e no mall, de Washington. Foi pensada por Lucio Costa como uma grande perspectiva que, começando na rodoviária, é coroada, simbolicamente, como em Washington, com o edifício do Congresso Nacional que deve, sobranceiro, reinar, único, sobre todos os demais. Tanto que é proibido construir em todo o Plano Piloto qualquer edificação mais alta que o Congresso, símbolo maior do poder do povo em uma democracia republicana.

Um monumento de 100 metros de altura, como o proposto pelo arquiteto, mais um edifício destinado a ser um Memorial dos Ex-Presidentes, certamente quebrarão radicalmente a perspectiva idealizada originalmente. Ao mesmo tempo, é duvidoso pretender colocar, simbolicamente, a “soberania?acima do “povo? Ainda recordamos a construção, durante a ditadura militar, do mastro da bandeira na Praça dos Três Poderes, a simbolizar a pátria, um valor acima do “povo?

Nada contra museus e monumentos, na verdade a cidade necessita de muitos, face à ainda precária oferta existente mesmo diante de um turismo cívico, inclusive popular, em crescimento. A Praça da Soberania foi pensada pelo Governo do Distrito Federal como uma forma de presentear a cidade no seu aniversário de 50 anos, comemorando sua importância política, arquitetônica e urbanística. Paradoxalmente, termina se transformando não apenas em um desrespeito ao tombamento do Plano Piloto, mas, face ao constante estado precário de muitos dos monumentos e atrações turísticas de nossa cidade (basta mencionar a Torre de Televisão, a Catedral e o Museu de Arte de Brasília), torna-se também a confirmação de que mais vale construir novas e impressionantes obras do que manter o patrimônio existente.

O que se espera de Oscar Niemeyer e dos governantes de Brasília, como atores importantes para a preservação da cidade, é que façam propostas que não a desfigurem e que, ao contrário, contribuam para a defesa e preservação do seu tombamento. É compreensível o entusiasmo pela proposta arquitetônica que bem pode ser construída em outra área, mas, presentes como a Praça da Soberania são verdadeiros cavalos de Tróia que abrem caminho para uma triste derrota da história de Brasília.

Gustavo Lins Ribeiro
Professor titular e diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília

Texto publicado com a autorização do autor, conforme publicado em 28/01/2009 no Correio Braziliense

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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João Filgueiras da Gama Lima (Lelé)

Oscar é uma das grandes personalidades do nosso tempo. Sua incrível capacidade de criação não se apoia em teorias nem na estética vigente, mas na intuição, na lógica da natureza, no instinto das mentes privilegiadas dos gênios. Por isso, sua obra é capaz de emocionar qualquer ser humano, independentemente de formação intelectual ou categoria social. As colunas do Palácio da Alvorada, por exemplo, causaram tão forte impressão em André Malraux que ele comparou sua contribuição à arquitetura à das colunas gregas. Mas elas foram igualmente absorvidas e estilizadas pelo povo em geral (seu desenho pode ser observado em toda parte e continua a ser utilizado como símbolo da nova capital).

A obra de Oscar Niemeyer é única e atemporal. Como afirmava Darcy Ribeiro: Oscar é o único brasileiro do nosso tempo que será lembrado no terceiro milênio. Na concepção de cada projeto, o traço sensível de seus desenhos registra com precisão a espontaneidade de todo o processo de criação. Mas sua produção, evidentemente, não se apoia apenas na intuição. Muito pelo contrário, por sua originalidade e constante inovação, ela exige dele permanente reflexão, sobretudo na seleção das alternativas técnicas necessárias à execução de cada obra e na coordenação dos projetos complementares realizados por seus colaboradores.

Nas estruturas, por exemplo, a ousadia com que Oscar tem explorado a plasticidade do concreto armado exige dos calculistas um renovado apuro e criatividade na formulação das hipóteses de cálculo para cada projeto. Graças, sobretudo, ao talento de Joaquim Cardoso nas obras mais antigas e ao de José Carlos Sussekind nas mais recentes, propostas estruturais audaciosas e inovadoras vêm permitindo a permanente invenção formal de sua arquitetura.

Característica importante na arquitetura de Oscar é sua intenção deliberada de criar a emoção não apenas a partir da invenção e da beleza, mas principalmente por meio do fator surpresa. Isso fica bem evidente quando, após caminharmos pelo ambiente escuro da rampa de acesso à Catedral de Brasília, alcançamos o espaço magnífico da nave inundado pela luz intensa que atravessa os vitrais do teto. Ou para quem percorre os salões do prédio recém-construído do Museu de Brasília e, ao alcançar a rampa externa que interliga os pavimentos superiores, se depara com a vista do Eixo Monumental.

O talento de Oscar e sua forma corajosa e audaciosa de enfrentar os desafios de uma arquitetura inovadora já se revelam em seus primeiros trabalhos, como na Obra do Berço, com sua fachada guarnecida por brises-soleil. Fato pitoresco na realização desse edifício é que a proposta de proteção contra a insolação não foi compreendida pelos responsáveis pela construção e, consequentemente, julgada desnecessária. Para manter a integridade do projeto, Oscar foi obrigado a assumir o ônus financeiro da execução dos brises-soleil. Tal episódio revela também, já no início do seu exercício profissional, a consciência que ele tinha da importância de sua obra para a história da arquitetura contemporânea.

Mas foi nos projetos da Pampulha, encomendados por Juscelino Kubitschek, que toda sua genialidade surgiu numa explosão de criatividade inigualável, e imediatamente já o qualificaram como um dos mais importantes arquitetos do nosso tempo. Embora os referenciais da arquitetura moderna propostos, sobretudo por Le Corbusier, ainda possam ser reconhecidos nesses projetos, a espontaneidade e a desenvoltura com que Oscar explora a plasticidade do concreto nas cascas da Igreja de São Francisco ou na laje da Casa do Baile, serpenteando ao longo da pequena península que se insinua na lagoa, já estabelecem o caráter pessoal inconfundível de sua arquitetura.

Já na Casa das Canoas, a mais bela residência que conheço, a delicadeza com que integra o edifício à paisagem e à topografia local, a simplicidade com que lida com os espaços internos organizados sob a forma livre da laje da cobertura que parece flutuar sobre a vegetação exuberante da floresta, consagraram definitivamente toda a importância de seu trabalho no panorama da arquitetura mundial.

A partir de Brasília, a presença explícita da estrutura, tratada com a liberdade que o concreto armado permite, assume um papel importante no desenho do edifício. Essa característica, que se identifica facilmente nos palácios em geral ou na Catedral, passa a ser tão forte que o leva sempre a afirmar que, terminada a etapa estrutural da construção, sua arquitetura estava definida.

Aspecto que também considero muito característico em sua obra é a importância que ele atribui à implantação dos edifícios e a forma intencional e deliberada com que estabelece sua relação com o solo e com a paisagem. E isso ocorre seja nas soluções em que eles parecem simplesmente pousados, como nos palácios de Brasília, ou naqueles profundamente enraizados no terreno, como o Museu de Niterói.

Em seus projetos atuais, como o de uma grande praça proposta para o povo em Brasília, que ele denominou Praça da Soberania, Oscar vem depurando sua linguagem formal. Contrariando a tendência atual da maioria dos arquitetos, sobretudo europeus, que utilizam a plasticidade do concreto para alcançar proezas formais amparadas em geometrias complexas que os computadores permitem realizar, esse novo projeto reflete sua intenção deliberada de alcançar a beleza através da simplicidade. Vemos no projeto dessa praça uma composição ousada e singela de beleza indiscutível, em que predomina seu monumento central triangular ancorado no solo e com sua aresta superior levemente curva, que lhe confere uma surpreendente elegância e leveza. Constitui, sem dúvida, mais uma obra-prima de Oscar que se incorpora ao acervo cultural do nosso país.

Ao completar 101 anos, o trabalho de Oscar permanece pautado em sua clareza de princípios que o nortearam em toda a vida ?de um ser humano íntegro, ético, generoso e leal, sempre disponível para os amigos e que sofre profundamente com os atuais descaminhos de nossa civilização. Suas posições políticas sobejamente conhecidas refletem sua preocupação com os grandes contingentes de miséria que se espalham por este mundo. Oscar continua defendendo com a mesma lucidez e coragem todas as propostas cujo objetivo seja o de garantir ao ser humano realizar sua maior utopia: a de viver em paz com seus semelhantes e com todos os seres vivos que habitam nosso planeta.

João Filgueiras da Gama Lima (Lelé)
Arquiteto

Texto publicado com a autorização do autor, conforme publicado em 27/01/2009 no Correio Braziliense

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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[1]

Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Andrey Rosenthal Schlee

[2]

Os livros de história da arquitetura nos contam que foram os antigos egípcios quem criaram os obeliscos. Da velhíssima guarda dos historiadores da arquitetura, Ernest Bosc[3] e Auguste Choisy[4] nos ajudaram a entender como os egípcios executavam, ornavam e, a parte mais difícil da tarefa, erguiam seus obeliscos. Explicaram também como e porque eram construídos, razão pela qual estes elementos de forte simbolismo se difundiram por todas as épocas e pelos cinco continentes.

Etimologicamente, o termo deriva do grego, empregado em substituição a teken, traduzido como pequeno espeto. O Houaiss[5] explica que a palavra pode assumir três significados: (1) pedra monolítica vertical, de base quadrangular, que vai diminuindo progressivamente para formar, no ápice, uma pirâmide; (2) monumento que tem esta forma, geralmente construído de alvenaria comum, ou de concreto armado, e revestido de placas de pedra ou mármore; e (3) coisa alta e alongada. Já o Dicionário da Arquitetura Brasileira fala em “pilar cuja secção quadrada vai diminuindo progressivamente até o vértice, que pode ser pontiagudo ou chanfrado.”[6] Louvação aos deuses, sua forma evocaria o próprio raio solar, sua sombra corresponderia aos olhos do sol.

Grandes arquitetos projetaram ou manipularam obeliscos; figuras proeminentes da história sonharam em erigir ou merecer um obelisco. Roma está repleta deles. O mais imponente tem 32 metros de altura;[7] originalmente erguido junto ao Templo de Amon, em Tebas (séc. XV a.C.), foi Constantino II quem o transportou do Egito para a Itália, instalando-o no famoso Circus Maximus (357 d.C.), a atual Piazza Navona, por coincidência endereço da bela Embaixada do Brasil. Em 1588, por vontade do Papa Sisto V e graças à habilidade técnica do arquiteto Domenico Fontana, ganhou seu endereço definitivo na Praça São João de Latrão, daí ficar conhecido por Obelisco Laterano.

Rasgando a “cidade eterna” com novas ruas e destruindo suas antigas edificações, Domenico Fontana serviu bem ao seu príncipe, um notório paladino da Inquisição. Imprimiu a Roma a sua feição barroca e, valendo-se de inúmeros obeliscos, soube pontuar e requalificar espaços e edificações representativas da Cristandade. Embora a intervenção urbana tenha logrado grande sucesso, o Papa não obteve igual aceitação popular; ainda em vida mandou erguer uma estátua em sua própria homenagem, mas esta foi logo destruída pelo povo romano.

O mais importante obelisco de Paris, com 23 metros de altura,[8] está locado desde 1836 no centro da Praça da Concórdia, no cruzamento do eixo que liga a Assembléia Nacional à Igreja da Madeleine[9] com o eixo que vai do Arco do Triunfo ao Louvre.[10] A história remonta aos tempos de Luis XV quando, em 1748, foi lançado um concurso para a edificação de uma place royale, no intuito de seguir o sucesso da Place des Voges, de Henrique IV, ou da Place Vendôme, de Luis XIV. O arquiteto Jacques-Ange Gabriel foi o responsável pelo desenho original do espaço – todo ele delimitado por fossos, balaustradas e guaritas. Após a queda da Bastilha, em 1789, o local foi renomeado Praça da Revolução, sendo a estátua central do rei[11] substituída, em um ato de forte simbolismo, pela guilhotina. Por fim, no intuito de sinalizar a paz entre os franceses, foi rebatizada como Praça da Concórdia. Entre 1830 e 1844, o arquiteto Jacques-Ignace Hittorff propôs a sua remodelação e ampliação, substituindo alguns de seus elementos originais por duas fontes, oito estátuas e o famoso obelisco. E não poderia ser diferente, o monumento veio do Egito em 1831, tendo sido subtraído ao templo originalmente construído por Amenhotep III e dedicado a Amon-Re, em Luxor – presente um tanto a contragosto feito por um governante egípcio, deixando seu gêmeo solitário e o transformado em objeto de eterna querela entre os dois países.

O maior de todos os obeliscos, com 170 metros de altura, foi construído em 1885 na capital americana, em honra a George Washington. Trata-se de obra do arquiteto Robert Mills, localizada no encontro do National Mall – a grande avenida de museus que vai do Capitólio (o Congresso Nacional lá deles) ao Memorial a Lincoln – com a esplanada verde que conduz aos jardins da Casa Branca. Valorizando suas dimensões e simbolismo, posteriormente foi providenciada a chamada reflecting pool, um extenso espelho d’água que cria um interessante jogo de reflexos mútuos entre os diversos monumentos.

Em 1936, um obelisco com 67 metros de altura foi erguido em Buenos Aires para comemorar o quarto centenário de sua fundação. De autoria do arquiteto modernista Alberto Prebisch, foi implantado no cruzamento de duas das mais importantes artérias da cidade, a Avenida 9 de Julho e a Calle Corrientes. Segundo o autor: “Foi adotado esta simples e honesta forma geométrica, porque é a forma de um obelisco tradicional… Ele foi chamado de Obelisco, porque havia de chamar-lhe de alguma coisa. Eu reivindico para mim o direito de chamá-lo de uma forma mais abrangente e genérica, Monumento.”[12]

Na trilha dos portenhos, em 1937 foi realizado um concurso para a escolha de um monumento em comemoração da Revolução Constitucionalista de 1932, triste derrota da qual os paulistas muito se orgulham. E assim, em 1947 teve início a construção do Mausoléu ao Soldado Constitucionalista, mais conhecido como Obelisco do Ibirapuera, no parque de mesmo nome em São Paulo;[13] com 72 metros de altura, é obra de dois italianos então há muito radicados naquela cidade, o escultor Galileu Emedabili e o engenheiro-arquiteto Mario Pucci.

Obelisco Comemorativo da Inauguração da Avenida Central, Rio de Janeiro (1906). Dominio Público

Obelisco Comemorativo da Inauguração da Avenida Central, Rio de Janeiro (1906). Foto: Domínio Público.

Há fortes indícios de que o arquiteto Oscar Niemeyer gosta de obeliscos. Educado na tradicional Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, deve ter estudado ou ao menos manuseado os citados livros de Bosc e Choisy. E pode bem ter guardado em sua memória a imagem do Obelisco Comemorativo da Inauguração da Avenida Central,[14] de 1906, na antiga Capital Federal. Trata-se do mesmo obelisco onde os vitoriosos da Revolução de 1930 amarraram seus cavalos, e todos sabemos do papel desempenhado por Getúlio Vargas como mecenas da arquitetura moderna carioca, particularmente para Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Mais ainda, como dimensionar o impacto na imaginação criativa de Niemeyer causado pelo obelisco triangular e pela esfera branca que compunham o símbolo – o famoso Trylon and Perisphere – da Exposição Internacional de Nova York de 1939?

Ralph Freudenberg

Trylon and Perisphere ?Exposição Internacional de Nova York (1939). Foto: Ralph Freudenberg

Uma das características do trabalho de Niemeyer é a constante reinvenção de elementos arquitetônicos consagrados – algo que fez com brio em colunas e marquises. Tais elementos aparecem em seus projetos reinterpretados ou completamente transformados, gerando soluções novas e surpreendentes. Foi em 1949 que empregou pela primeira vez um obelisco, quando de sua participação no concurso para o Centro Atlético Nacional no Rio de Janeiro: um obelisco de base retangular equilibrando a composição do pórtico de acesso ao conjunto, mas que não foi construído. O obelisco em sua plenitude, isolado e pontiagudo, faria presença no Monumento para Rui Barbosa, de 1949. Esse também não foi construído, porém seria retomado, anos mais tarde, agora na tribuna à frente do Quartel General do Exército de Brasília (1967), onde reina imponente, muito agradando os militares que o batizaram de “Espada de Duque de Caxias”.

No início da década de 1950, Niemeyer estava trabalhando nos projetos para a comemoração do IV Centenário de São Paulo no Parque Ibirapuera e, para marcar o acesso principal próximo ao citado Mausoléu ao Soldado Constitucionalista,[15] propôs algo sensacional, inédito!! Uma grande espiral de eixo inclinado, veradeira escultura de concreto e marco urbano único, que sugeriria movimento e modernidade, mas que, executado, não se manteve em pé por motivos técnicos. Porém não foi esquecido, tornando-se o logotipo do evento.

Os obeliscos, com formas e funções variadas, continuaram a ser adotados por Niemeyer em seus projetos mais ambiciosos, como na composição da Mesquita de Argel (1968), na praça da Universidade de Constantine (1969) ou no conjunto do Centro Cívico Tietê em São Paulo (1986).

Reinhold, 1956.

Monumento a Rui Barbosa, Rio de Janeiro (Oscar Niemeyer, 1949). Fonte: PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: Works in progress. New York : Reinhold, 1956.

Para o Centro Cívico Administrativo de Argel (1968), propôs algo mais audacioso, uma praça circular de 200 metros de raio, circundada por palácios e por um leque de ministérios. Nela colocou o Monumento da Revolução, “concebido como um espaço imenso e misterioso de pirâmide inclinada até colocar-se fora do prumo, situada sobre base triangular e com 150 metros de altura”[16] – mais um de seus obeliscos não executados. Tal solução foi retomada (e transformada) quando do desenvolvimento do monumento Tortura Nunca Mais (1986). Desta vez, o obelisco, além de inclinado, foi curvado: “uma espécie de longa haste plantada sobre plataforma retangular, mas vergada pelo peso de uma figura de corpo humano que a sua ponta atravessa”[17] – como um espeto da acepção original do termo.

Recentemente, o tema voltou a ser empregado por Niemeyer no projeto do Monumento a Simon Bolívar (2007). Mais um obelisco inclinado, com 100 metros de altura, obra encomendada por Hugo Chaves, a ser erguida no Monte El Ávila, em Caracas. Segundo divulgado pela imprensa internacional, uma peça de concreto, com a forma de uma flecha apontando para os EUA.[18] No entanto, tudo indica que o presidente venezuelano não se encantou pela idéia, preferindo uma gigantesca estátua eqüestre do Libertador. Segundo Chaves, “será muito mais alto que o Cristo do Corcovado, no Rio de Janeiro, muito mais alto que o Arco do Triunfo em Paris ou que o Monumento a Lincoln em Washington.”[19]

Tribuna do Quartel General do Exército, Brasilia (Oscar Niemeyer, 1967). .

Tribuna do Quartel General do Exército, Brasília (Oscar Niemeyer, 1967). .

No dia 9 de janeiro de 2009, em seu escritório, com a presença do Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, Niemeyer apresentou o projeto para uma nova praça, a ser construída no canteiro central da Esplanada dos Ministérios de Brasília, logo à frente da Rodoviária do Plano Piloto. A notícia foi logo divulgada pela grande imprensa. O Correio Braziliense estampou na primeira página, em destaque a manchete “para se espantar e curtir“,[20] enquanto a Globo informava que “Brasília vai ganhar a Praça da Soberania… Embaixo da praça haverá um estacionamento subterrâneo para 3 mil carros, com acesso direto nos dois lados do Eixo Monumental. Para Oscar Niemeyer, a construção é ousada, mas não altera em nada o projeto original do Plano Piloto. A Praça da Soberania terá um prédio baixo, em curva. Será construído um memorial dos presidentes da República. Na frente, haverá um grande monumento, em formato de triângulo, de 100 metros de altura, que vai apontar para o Congresso Nacional. O monumento vai ter a mesma altura do mastro da bandeira, que fica na Praça dos Três Poderes. Nas palavras de Oscar Niemeyer, é para causar perplexidade em quem vê.”[21]

Monumento a Simon Bolivar, Caracas (Oscar Niemeyer, 2007).

Monumento a Simon Bolívar, Caracas (Oscar Niemeyer, 2007).

E Oscar Niemeyer, mais uma vez, conseguiu causar perplexidade em todos! Infelizmente não pelas qualidades de seu projeto. Desde então, um polêmico debate se estabeleceu. Sylvia Ficher,[22] Elio Gaspari,[23] Jorge Guilherme Francisconi,[24] Frederico de Holanda,[25] Carlos Henrique Magalhães,[26] Glauco Campello[27] e Igor Campos,[28] além do próprio Niemeyer,[29] apresentaram seus pontos de vista sobre o projeto.

Como morador de Brasília, como arquiteto e como grande admirador da obra de Oscar Niemeyer, venho apresentar os meus argumentos sobre a Praça da Soberania.

Inicialmente, devo dizer que não é possível afirmar que não haverá alteração no projeto original do Plano Piloto. Todos sabemos que, desde 1957, quando Lucio Costa venceu o concurso nacional para o urbanismo da nova Capital, a configuração da Esplanada dos Ministérios já estava definida. Pesadas obras de terraplanagem foram realizadas para garantir os efeitos de perspectiva e de implantação por ele imaginados, cuidadosamente detalhados no Relatório do Plano Piloto. Niemeyer compreendeu muito bem a intenção e ajudou a concretizá-la com maestria. E, em parceria, a monumentalidade se fez, muito mais pelo conjunto do que pela expressão individual de seus edifícios. É a tal “dignidade e nobreza de intenção”, associada à “ordenação e ao senso de conveniência e medida”, de que nos falava Lucio Costa.[30] Foi no item 9 do seu Relatório que explicou como seria o setor representativo do país: dois terraplenos em níveis distintos, mas associados entre si; um, com planta triangular e em cota mais baixa, para os três poderes da República, o outro, retangular e em cota mais alta, para os ministérios e autarquias. O segundo terrapleno configuraria, justamente, uma ampla esplanada, “extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e a desfiles.”[31]

Praça da Soberania, Brasilia (Oscar Niemeyer, 2009).

Praça da Soberania, Brasília (Oscar Niemeyer, 2009).

Lucio Costa fez questão de salientar que a esplanada seria arrimada em todo o seu perímetro. O que significa que ela já nasceu programática, dimensional e espacialmente definida – os anexos dos ministérios, por exemplo, estão fora de tal perímetro, e não interferem na apreensão do todo. O urbanista desejava, com muito requinte e lucidez, “garantir a coesão do conjunto” e obter uma “ênfase monumental imprevista.”[32] Para tanto, a Catedral foi deslocada e ganhou uma praça autônoma, pois “a perspectiva de conjunto da esplanada deve prosseguir desimpedida até além da plataforma onde os dois eixos urbanísticos se cruzam.”[33] Já sobre o setor cultural da Capital, Costa registrou que deveria “ser tratado à maneira de parque para melhor ambientação dos museus, da biblioteca, do planetário…”[34]

Assim, não apenas a nova Praça da Soberania alterará drasticamente o projeto original do Plano Piloto, introduzindo um ponto focal novo entre a Rodoviária e o Congresso (e vice-versa) – como o Conjunto Cultural da República já o fez, pavimentando ou “mineralizando” o que era para ser gramado e tratado à maneira de parque. Neste sentido, concordo plenamente com o mestre Niemeyer quando diz que “a degradação ambiental começa a se agravar, determinando um dia, quem sabe, que as grandes áreas abertas venham a ser arborizadas, e que as coberturas de concreto, previstas na maioria dos edifícios, sejam também transformadas em terraços jardim, cobertos de grama.”[35]

Mas caso o Relatório do Plano Piloto não pareça suficientemente claro para alguns, vale recorrer ao Brasília revisitada 1985/1987, quando Costa voltou a estudar Brasília e sentenciou: “A escala monumental comanda o eixo retilíneo – Eixo Monumental – e foi introduzida através da aplicação da ‘técnica milenar dos terraplenos’ (…), da disposição disciplinada, porém rica das massas edificadas, das referências verticais do Congresso Nacional e da Torre de Televisão e do canteiro central gramado e livre de ocupação que atravessa a cidade do nascente ao poente.”[36] Desta vez, Costa não apenas explicita e reforça sua intenção de manter o canteiro central não-edificado, como estabelece a relação entre os dois únicos marcos verticais que lhe interessam: a torre de TV e o Congresso (vale lembrar que o Mastro da Bandeira Nacional, outro obelisco com 100 metros de altura, já estava construído).

Tem sido dito que o obelisco da Praça da Soberania enriquecerá a Esplanada. Mas em que sentido? O que falta é concluir a parte norte do setor cultural com o cuidado de obedecer à clara prescrição de que seja “tratado à maneira de parque”, para tanto abrindo a oportunidade para um saudável concurso público. Assim os políticos poderão fazer o que mais gostam: uma festa de inauguração, mesmo que seja para deixá-lo abandonado e sem equipamentos.

No canteiro central, basta manter a grama verde! É área non-ædificandi! A ser preservada sem pombas e outras intromissões que nada acrescentam à Esplanada, só tumultuam a sua leitura, prejudicam o seu entendimento, invertem a sua relação de cheios e vazios e destroem a sua perspectiva – a única à qual cabe realmente nos espantar! Brasília não carece de novos monumentos. Temos é que garantir o bom funcionamento dos que já existem e estão, em sua maioria, necessitando de manutenção, equipamentos e de pessoal: basta lembrar a plataforma da Torre de TV, a Casa de Chá, o Teatro Nacional, o Panteão da Pátria, o Espaço Lucio Costa, o Espaço Oscar Niemeyer et cetera.

Outro argumento que está sendo utilizado para justificar a intromissão de Niemeyer no gramado de Brasília é o de autoria. O próprio arquiteto lembrou que é seu “direito e obrigação concebê-la [a praça] e propô-la.”[37] Como cidadãos, todos podemos propor algo para Brasília, no entanto, estamos legalmente impedidos de descaracterizá-la. É o que diz o Decreto nº 10.829 do GDF em seu Art. 3º, “os terrenos do canteiro central verde são considerados non-ædificandi.”[38] É o que estabelece a Portaria nº 314 do IPHAN, que protege o conjunto urbanístico “construído em decorrência do Plano Piloto vencedor do concurso nacional para a nova capital do Brasil, de autoria do arquiteto Lucio Costa.”[39] Tombamento apoiado na idéia de preservação das características essenciais das quatro escalas da cidade, e que, para a escala monumental, considerou no seu Art. 3º a proibição de construção de qualquer edificação acima do nível do solo nos terrenos do canteiro central verde, da Praça dos Três Poderes ao Palácio do Buriti. Busca a legislação, deste modo, não apenas impedir a execução de edifícios não previstos por Lucio Costa, como principalmente garantir “a plena visibilidade do conjunto monumental.”[40]

Por sua vez, o argumento de autoria encontra força no Art. 9º da mesma legislação que, excepcionalmente, permite novas edificações, desde que encaminhadas pelos autores de Brasília, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, e aprovadas pelos órgãos competentes. Tais construções devem, por isso mesmo, ser justificadas como “complementações necessárias ao Plano Piloto original,”[41] o que não é o caso da Praça da Soberania. Mas onde reside, então, o direito de Niemeyer? Na participação em concurso público para a seleção de projeto para as edificações do até hoje incompleto Setor Cultural. E o Art. 3º da Portaria nº 314 é claro quanto a isso: “as áreas compreendidas entre a Esplanada dos Ministérios e a Plataforma Rodoviária ao sul e ao norte do canteiro central, e que constituem os Setores Culturais Sul e Norte, destinam-se a construções públicas de caráter cultural.”[42]

Por fim, é ainda necessário acrescentar que o obelisco da Praça da Soberania só causará impacto e espanto por seu gigantesco contraste com a arquitetura já existente naquela porção do Eixo Monumental. Pelo ruído que, ao menos em seus primeiros anos, causará em todos aqueles cidadãos já acostumados com a imagem da Esplanada dos Ministérios conforme inventada – e desejada – por Lucio Costa, o que nos confirma sua filha, Maria Elisa Costa.[43] Como já apontado, o projeto de Niemeyer é conhecido, pois transfere para Brasília soluções criadas e não executadas para outros sítios e outros programas. Um projeto déjà-vu, que repete o Monumento da Revolução de Argel ou (re)trabalha o Monumento a Simon Bolívar. Em Brasília os ministérios estão perfilados – já existe uma perspectiva! – e não “em leque”, como no caso argelino. Em Brasília, o obelisco – agressivamente – apontará para o Congresso Nacional e não para os Estados Unidos da América, como no caso chavista. E Le Corbusier estará pensando: “Aqui não há invenção!”


notas

[1] Manchete de capa do Correio Braziliense, 10/01/09, divulgando um novo projeto de Oscar Niemeyer para Brasília. Ver: MIRANDA, 2009, p. 25.

[2] Para Sylvia Ficher, sempre lúcida.

[3] BOSC, 1879, p. 305.

[4] CHOISY, 1944. pp. 16-64. (1ª edição 1899).

[5] HOUAISS, 2001, p. 2.041.

[6] CORONA e LEMOS, 1972, p. 343.

[7] Sem considerar a altura da base.

[8] Sem considerar a altura da base.

[9] Eixo que, passando pela rua Royale, pela Praça da Concórdia e pela Ponte da Concórdia, liga a Igreja da Madeleine ao Palácio Bourbon – atual Assembléia Nacional.

[10] Eixo que passando pelos Jardins dos Champs-Élysées, pela Praça da Concórdia e pelo Jardim das Tulherias, liga o Arco do Triunfo ao Museu do Louvre.

[11] Obra do escultor Edme Bouchardon, de 1763. Ver POISSON, 1998.

[12] PREBISCH, Alberto. Disponível em: <//pt.wikipedia.org/wiki/Obelisco_de_Buenos_Aires>. Acesso: 21/01/2009. A construção do obelisco esteve a cargo da empresa alemã GEOPE-Siemens Bauunion – Bilfinger & Grün, que concluiu o seu trabalho no tempo recorde de trinta e um dias.

[13] Obra oficialmente inaugurada em 1955, mas só finalizada em 1970.

[14] Desde 1912, denominada Avenida Rio Branco.

[15] Vale visualizar as fotografias do conjunto do Ibirapuera publicadas por Papadaki, e constatar o contraste entre as duas estruturas. PAPADAKI, 1956, pp. 124 e 132.

[16] SUSSEKIND, s.d. pp. 48-53.

[17] PUPPI, 1988, p. 153.

[18] EL PAÍS, 2009.

[19] GLOBO (a), 2009.

[20] MIRANDA, 2009, p. 25. Grifo nosso.

[21] GLOBO (b), 2009. Grifo nosso.

[22] FICHER, 2009.

[23] GASPARI, 2009.

[24] FRANCISCONI e FICHER, 2009.

[25] HOLANDA, 2009.

[26] MAGALHÃES, 2009.

[27] CAMPELLO, 2009.

[28] CAMPOS, 2009.

[29] NIEMEYER, 2009.

[30] COSTA, 1991, p. 20.

[31] COSTA, 1991, p. 22.

[32] COSTA, 1991, p. 22.

[33] COSTA, 1991. p. 24.

[34] COSTA, 1991. p.24.

[35] NIEMEYER, 2009.

[36] COSTA, 2007, p. 73.

[37] NIEMEYER, 2009.

[38] GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL, 2007, p. 65.

[39] BRASIL, 2007, p. 58.

[40] Idem, p. 59.

[41] Idem, p. 62.

[42] Ibidem, p. 60.

[43] COSTA, M.E., 2009. p.30.

Referências Bibliográficas

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BRASIL. Portaria nº314/ IPHAN de 08 de outubro de 1992. In. Plano Piloto 50 Anos: cartilha de preservação. Brasília: IPHAN/15º, SR, 2007.

CAMPELLO, Glauco. Praça da Soberania. In. Correio Braziliense. 24. jan. 2009. p.21.

CAMPOS, Igor. Mensagem ao arquiteto Oscar Niemeyer. In. Correio Braziliense. 24. jan. 2009. p.21.

CHOISY, Auguste. Historia de la arquitectura. Buenos Aires: Victor Leru, 1944.

CORONA, Eduardo, LEMOS, Carlos. Dicionário da arquitetura Brasileira. São Paulo: EDART, 1972.

COSTA, Lucio. Brasília revisitada 1985/1987. In. Plano Piloto 50 Anos: cartilha de preservação. Brasília: IPHAN/15º, SR, 2007.

COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. Brasília: GDF, 1991.

COSTA, Maria Elisa. Carta de Maria Elisa Costa a Oscar Niemeyer.In. Correio Braziliense. 25. jan. 2009. p.30.

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FICHER, Sylvia. Oscar Niemeyer e Brasília: criador versus criatura. Disponível em: <//28ers.com/2009/01/12/oscar-niemeyer-e-brasilia-criador-versus-criatura/>. Acesso em: 12/01/2009.

FRANCISCONI, Jorge G. Verso e reverso em Niemeyer (Artigo). Disponível em: <//clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2009/1/21/verso-e-reverso-em-niemeyer >. Acesso em: 22/01/2009.

GASPERI, Elio. A praça da soberania de Niemeyer. Disponível em: <//www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1801200908.htm>. Acesso em: 18/01/2009.

GLOBO (a) Chávez descarta monumento de Niemeyer para monte em Caracas. Disponível em: <//g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,AA1648581-7084,00.html> Acesso: 21/01/2009.

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GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Decreto nº10.829/ GDF de 14 de outubro de 1987. In. Plano Piloto 50 Anos: cartilha de preservação. Brasília: IPHAN/15º, SR, 2007.

HOLANDA, Frederico de. A praça do espanto. Disponível em: <//28ers.com/2009/01/20/a-praca-do-espanto/>. Acesso em: 22/01/2009.

HOUAISS, Antônio, VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de janeiro: Objetiva, 2001.

MAGALHÃES, Carlos Henrique. Pela soberania do vazio. Disponível em: <//28ers.com/2009/01/20/pela-soberania-do-vazio/>. Acesso em: 22/01/2009.

MIRANDA, Ricardo. Novo marco na Esplanada.In. Correio Braziliense. 10. jan. 2009. p.25

NIEMEYER, Oscar. A nova praça para Brasília. In. Correio Braziliense. 22. jan. 2009. p.18.

PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: Works in progress. New York : Reinhold, 1956.

Plano Piloto 50 Anos: cartilha de preservação. Brasília: IPHAN/15º, SR, 2007.

POISSON, Michel. Paris monuments. Genève : Minerva, 1998.

PUPPI, Lionello. A arquitetura de Oscar Niemeyer. Rio de Janeiro: Revan, 1988.

SUSSEKIND, José Carlos. A evolução conjunta da arquitetura e da engenharia. In. Módulo, n.44, Rio de Janeiro, s.d. pp.48-53.

Andrey Rosenthal Schlee,

Arquiteto e urbanista, professor do Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da UnB.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc

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Glauco Campello

O projeto de uma praça para Brasília na Esplanada dos Ministérios entre os dois lados do Setor Cultural é a nova surpresa que Oscar Niemeyer nos oferece. No vocabulário arquitetônico por ele criado. Vocabulário de precioso refinamento que, ao longo do tempo, se vem tornando cada vez mais sintético e denso, a praça da Soberania é exemplo extraordinário.

Tanto por suas características de objeto arquitetônico simbólico, quanto por sua relação inusitada mas não menos arrebatadora com o Eixo Monumental. Nela, apenas dois elementos. Atrás, o edifício arqueado do Memorial da Presidência, com a longa fachada côncava de apenas dois pavimentos voltada para a Esplanada. Na frente, o vulto branco de um obelisco ergue-se de sua base triangular – uma grande sala de exposições – e se vai adelgaçando, deslizando para o alto, apontando para o futuro. Aqui do chão, não podemos saber onde acaba o marco deslumbrante.

A nova praça sonhada por Niemeyer interliga os dois setores culturais para formar um grande espaço público a céu aberto e o remate da arquitetura monumental da Esplanada. Sob ela, estacionamento para 3 mil veículos. Por trás dela, a Plataforma Rodoviária, que se integra ao conjunto e mantém as funções relacionadas com o afluxo da população ao centro da cidade e articulação do tráfego de veículos, no seu papel de grande rótula viária. Do mesmo modo como continua a oferecer visão da Esplanada, agora enriquecida com a presença do obelisco.

Se hoje percorro o calçadão da Plataforma, tenho diante dos olhos o belo panorama do Eixo Monumental. Entre mim e o Congresso Nacional, um vasto gramado, ocupado, vez por outra, com os enormes palcos provisórios dos espetáculos de massa. No entanto, vendo-o já com meu olhar comprometido, esse canteiro que se estende até a Praça dos Três Poderes parece omitir essa praça insuspeitada, guardando um tom cívico em seu caráter comunitário, de Ágora, e o gesto grandioso, inesquecível, da flecha do obelisco. É o que, afinal, Oscar Niemeyer nos vem revelar.

Poder-se-ia arguir que o tombamento de Brasília não consentiria, no Eixo Monumental, nova construção além das previstas. Mas seria argumento tão simplório quanto errôneo. Simplório, porque o Eixo Monumental, do lado da Esplanada dos Ministérios, está ainda em execução. Os projetos para as duas alas do Setor Cultural, recentemente elaborados pelo mesmo arquiteto responsável pelas construções existentes desse lado do Eixo, estão ainda por se construir na ala norte. E é bom lembrar que todos esses projetos foram pensados e concretizados em perfeita correspondência com o traçado urbanístico da cidade. Os projetos de Niemeyer surgindo das diretrizes e sugestões do Plano Piloto de Lucio Costa. O Plano de Costa enriquecendo-se com as soluções arquitetônicas oferecidas por Niemeyer.

Tudo isso está ainda em processo. O Eixo Monumental não se apresenta ainda em sua configuração final no trecho correspondente ao Setor Cultural. Seria tolice pensar que as novas propostas do mesmo autor do extraordinário conjunto de edificações que caracteriza a cidade e dá materialidade ao plano urbanístico tombado viesse com sugestões fora de propósito, descaracterizando a própria obra e os princípios do Plano Piloto. O argumento é errôneo do ponto de vista da interpretação do tombamento de Brasília.

Brasília não foi tombada como sítio histórico. E mesmo as cidades tombadas como sítios históricos, como Ouro Preto, Olinda ou Paraty, não estão condenadas ao congelamento. Nelas podem surgir construções novas em áreas específicas, mediante parâmetros reguladores. Novos equipamentos de conforto podem ser adotados em suas infraestruturas e assim por diante.

Em Brasília, alguns objetos arquitetônicos foram individualmente tombados, como os palácios projetados por Niemeyer. Sobre eles aplicam-se os rigorosos critérios de salvaguarda da obra original. A preservação do plano urbanístico da cidade, que não é um objeto material mas um conjunto de normas, critérios e proposições, mas que envolve, logicamente, a manutenção dos elementos físicos que caracterizam e fixam esses princípios é o que se constitui, propriamente, no tombamento de Brasília, que é, pois, de outro tipo, com outras características.

Vale dizer, só indiretamente ele incide sobre os elementos físicos da cidade, na medida em que eles exprimem, em definitivo, as configurações das propostas e critérios contidos no Plano Piloto. O sistema de circulação, os dois eixos – o Monumental e o Rodoviário -a Esplanada dos Ministérios e a praça do governo, as superquadras e as áreas de vizinhança. Mas, sobretudo, a questão das escalas – a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica – que, segundo o relatório do tombamento, definem e caracterizam a cidade.

Portanto, do ponto de vista do tombamento da cidade-capital, a civitas, planejada segundo o modelo modernista, como querem alguns, ou, ainda, do ponto de vista do tombamento da cidade-parque, o que se deve preservar em Brasília são os princípios e concepções claramente estabelecidos no Plano Piloto, os quais são bem definidos, mas não são nem rígidos nem engessadores por se tratar justamente do plano de uma cidade, um organismo vivo. Tal como explicou o próprio Lucio Costa ao comentar, no texto de Brasília Revisitada, que a determinação de uso nos setores definidos no plano era apenas uma indicação de predominância, não obrigatoriedade.

No caso da proposta de Niemeyer para a Praça da Soberania, o que ressalta, em primeiro lugar, é a questão da escala. Mas não há dúvida de que a nova praça, no âmbito da escala monumental, projetada pelo mesmo autor de tudo o que está à sua volta, não pode ser questionada a esse propósito. Em segundo lugar, desponta a sua localização no canteiro central entre as duas alas do Setor Cultural. Isso se explica por si mesmo.

As duas alas de um conjunto de atividades afins tendem a se interligar. O canteiro central que as separa é bem extenso. O arquiteto já havia estudado uma ligação ao nível do subsolo, onde se localizariam lojas e outras atividades, com rasgo no jardim para iluminação e ventilação naturais. Com a ideia da praça, a antiga solução ficou superada.

A praça estabelece a interligação numa escala muito mais adequada, com a vantagem de oferecer atividades nobres, enriquecer a esplanada e a cidade. Além do mais, o obelisco havia de surgir no eixo da esplanada, como nos exemplos mais significativos de todas as arquiteturas.

Glauco Campello
Arquiteto e presidente do Iphan de 1994 a 1998

Texto publicado com a autorização do autor, conforme publicado em 24/01/2009 no Correio Braziliense

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Igor Campos

Caro mestre,

Queremos saudá-lo, inicialmente, em nome dos arquitetos de Brasília que temos a honra de representar. É também em nome deles que lhe dirigimos a presente correspondência, inspirada na admiração que todos lhe devotamos, no afeto que lhe temos, no respeito e apreço que lhe dedicamos. O senhor é uma figura humana de virtudes sobejas, exemplo de engajamento com as causas mais nobres da nossa nação, o mestre que elevou a arquitetura brasileira à dimensão referencial que nos orgulha a todos.

Fomos distinguidos pela generosidade dos colegas do Distrito Federal para presidir o IAB/DF em Brasília, cidade síntese de sua genialidade, patrimônio arquitetônico e urbanístico grandioso que marcou época, projetou sonhos, reuniu originalidades e se inscreveu entre os projetos que a humanidade quer ver preservados. Desfrutamos a regalia de uma rica experiência que o senhor, por força de circunstâncias de vida, não conhece. Vivemos todos o privilégio de habitar a mais portentosa criação de seu talento. Somos moradores de Brasília, e Brasília é parte de nossa vida. Convivemos com os muitos que ali fazem existência. Interagimos com os tantos que defendem a integridade de um projeto sem paralelo na nossa história.

Tomamos conhecimento de sua recente intenção de acrescentar, à Esplanada dos Ministérios, a Praça da Soberania e a Praça de Eventos. Vimos, pelos meios de comunicação, as imagens dos respectivos componentes arquitetônicos que o senhor concebeu para dar forma e conteúdo à ideia. Expressam o pensamento inconfundível de um estilo leve e inovador que iluminou o Planalto Central do país.

No exercício da liberdade que se identifica com seu pensamento universal, permitimo-nos expressar nossa opinião quanto à iniciativa proposta para o lugar que se tornou símbolo da capital da República. A Esplanada dos Ministérios nasceu com a amplitude de um sonho coletivo que se concretiza, de uma aspiração insaciável de cidadania que se consolida. Nasceu com o ideal de espaço pleno, limpidez ilimitada, visão alargada, luminosidade extensa, os nobres requisitos para divisar as edificações dos poderes em cuja legitimidade se exerce a soberania nacional, tendo o céu por limite e o horizonte por linha de referência.

A Esplanada dos Ministérios já é a Praça da Soberania Nacional. Exprime a vocação imanente dos conjuntos arquitetônicos, desenhados pelas mãos do mestre para configurá-la sem reduzi-la. Para dar-lhe encanto sem delimitar recantos. Para garantir-lhe o valor cívico pétreo capaz de manter inteira a nacionalidade que emerge exuberante do coração do povo brasileiro.

Aprendemos com o senhor que espaços como o da Esplanada dos Ministérios não comportam mudanças que os desfigurem. Que lhe roubem a forte simbologia conquistada. Que lhe acrescentem elementos de que não carecem para cumprir a finalidade com que foram projetados, ou monumentos que lhes retirem a clareza original. A soberania nacional brota daquela esplanada radiosa com a espontaneidade dos melhores sentimentos do cidadão brasileiro. Preservar a Esplanada dos Ministérios é preservar a soberania nacional no que já possui de mais emblemático.

Por todas essas razões, sentimo-nos no dever de manifestar-lhe nossa preocupação quanto à ideia de sediar, naquele nobre local, os projetos dos novos monumentos que a sua incessante inspiração produziu. Há de haver, no Plano Piloto, área em que possam ser erguidos sem ferir os princípios já consubstanciados na Esplanada dos Ministérios.

Por isso, ousamos pedir ao ilustre mestre que analise, com a sabedoria da humildade que esbanja, os argumentos aqui expostos, no intuito de rever a localização dos projetos em causa para que a Esplanada dos Ministérios sobreviva intacta como o maior monumento da soberania nacional.

Queremos antecipar nosso agradecimento pela atenção dispensada à presente mensagem, ao tempo em que registramos nossa especial estima e colocamos o IAB/DF à sua inteira disposição.

Igor Campos
Arquiteto e urbanista, é presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil ?Departamento do Distrito Federal (IAB/DF)

Texto publicado com a autorização do autor, conforme publicado em 24/01/2009 no Correio Braziliense

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