Monumento a Rui Barbosa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Wed, 04 Feb 2009 19:58:31 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Monumento a Rui Barbosa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Monumento a Rui Barbosa – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/01/28/de-obeliscos-e-espetos/ //28ers.com/2009/01/28/de-obeliscos-e-espetos/#comments Wed, 28 Jan 2009 02:07:48 +0000 //28ers.com/?p=1658 Continue lendo ]]> ou Para se espantar e curtir

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Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Andrey Rosenthal Schlee

[2]

Os livros de história da arquitetura nos contam que foram os antigos egípcios quem criaram os obeliscos. Da velhíssima guarda dos historiadores da arquitetura, Ernest Bosc[3] e Auguste Choisy[4] nos ajudaram a entender como os egípcios executavam, ornavam e, a parte mais difícil da tarefa, erguiam seus obeliscos. Explicaram também como e porque eram construídos, razão pela qual estes elementos de forte simbolismo se difundiram por todas as épocas e pelos cinco continentes.

Etimologicamente, o termo deriva do grego, empregado em substituição a teken, traduzido como pequeno espeto. O Houaiss[5] explica que a palavra pode assumir três significados: (1) pedra monolítica vertical, de base quadrangular, que vai diminuindo progressivamente para formar, no ápice, uma pirâmide; (2) monumento que tem esta forma, geralmente construído de alvenaria comum, ou de concreto armado, e revestido de placas de pedra ou mármore; e (3) coisa alta e alongada. Já o Dicionário da Arquitetura Brasileira fala em “pilar cuja secção quadrada vai diminuindo progressivamente até o vértice, que pode ser pontiagudo ou chanfrado.”[6] Louvação aos deuses, sua forma evocaria o próprio raio solar, sua sombra corresponderia aos olhos do sol.

Grandes arquitetos projetaram ou manipularam obeliscos; figuras proeminentes da história sonharam em erigir ou merecer um obelisco. Roma está repleta deles. O mais imponente tem 32 metros de altura;[7] originalmente erguido junto ao Templo de Amon, em Tebas (séc. XV a.C.), foi Constantino II quem o transportou do Egito para a Itália, instalando-o no famoso Circus Maximus (357 d.C.), a atual Piazza Navona, por coincidência endereço da bela Embaixada do Brasil. Em 1588, por vontade do Papa Sisto V e graças à habilidade técnica do arquiteto Domenico Fontana, ganhou seu endereço definitivo na Praça São João de Latrão, daí ficar conhecido por Obelisco Laterano.

Rasgando a “cidade eterna” com novas ruas e destruindo suas antigas edificações, Domenico Fontana serviu bem ao seu príncipe, um notório paladino da Inquisição. Imprimiu a Roma a sua feição barroca e, valendo-se de inúmeros obeliscos, soube pontuar e requalificar espaços e edificações representativas da Cristandade. Embora a intervenção urbana tenha logrado grande sucesso, o Papa não obteve igual aceitação popular; ainda em vida mandou erguer uma estátua em sua própria homenagem, mas esta foi logo destruída pelo povo romano.

O mais importante obelisco de Paris, com 23 metros de altura,[8] está locado desde 1836 no centro da Praça da Concórdia, no cruzamento do eixo que liga a Assembléia Nacional à Igreja da Madeleine[9] com o eixo que vai do Arco do Triunfo ao Louvre.[10] A história remonta aos tempos de Luis XV quando, em 1748, foi lançado um concurso para a edificação de uma place royale, no intuito de seguir o sucesso da Place des Voges, de Henrique IV, ou da Place Vendôme, de Luis XIV. O arquiteto Jacques-Ange Gabriel foi o responsável pelo desenho original do espaço – todo ele delimitado por fossos, balaustradas e guaritas. Após a queda da Bastilha, em 1789, o local foi renomeado Praça da Revolução, sendo a estátua central do rei[11] substituída, em um ato de forte simbolismo, pela guilhotina. Por fim, no intuito de sinalizar a paz entre os franceses, foi rebatizada como Praça da Concórdia. Entre 1830 e 1844, o arquiteto Jacques-Ignace Hittorff propôs a sua remodelação e ampliação, substituindo alguns de seus elementos originais por duas fontes, oito estátuas e o famoso obelisco. E não poderia ser diferente, o monumento veio do Egito em 1831, tendo sido subtraído ao templo originalmente construído por Amenhotep III e dedicado a Amon-Re, em Luxor – presente um tanto a contragosto feito por um governante egípcio, deixando seu gêmeo solitário e o transformado em objeto de eterna querela entre os dois países.

O maior de todos os obeliscos, com 170 metros de altura, foi construído em 1885 na capital americana, em honra a George Washington. Trata-se de obra do arquiteto Robert Mills, localizada no encontro do National Mall – a grande avenida de museus que vai do Capitólio (o Congresso Nacional lá deles) ao Memorial a Lincoln – com a esplanada verde que conduz aos jardins da Casa Branca. Valorizando suas dimensões e simbolismo, posteriormente foi providenciada a chamada reflecting pool, um extenso espelho d’água que cria um interessante jogo de reflexos mútuos entre os diversos monumentos.

Em 1936, um obelisco com 67 metros de altura foi erguido em Buenos Aires para comemorar o quarto centenário de sua fundação. De autoria do arquiteto modernista Alberto Prebisch, foi implantado no cruzamento de duas das mais importantes artérias da cidade, a Avenida 9 de Julho e a Calle Corrientes. Segundo o autor: “Foi adotado esta simples e honesta forma geométrica, porque é a forma de um obelisco tradicional… Ele foi chamado de Obelisco, porque havia de chamar-lhe de alguma coisa. Eu reivindico para mim o direito de chamá-lo de uma forma mais abrangente e genérica, Monumento.”[12]

Na trilha dos portenhos, em 1937 foi realizado um concurso para a escolha de um monumento em comemoração da Revolução Constitucionalista de 1932, triste derrota da qual os paulistas muito se orgulham. E assim, em 1947 teve início a construção do Mausoléu ao Soldado Constitucionalista, mais conhecido como Obelisco do Ibirapuera, no parque de mesmo nome em São Paulo;[13] com 72 metros de altura, é obra de dois italianos então há muito radicados naquela cidade, o escultor Galileu Emedabili e o engenheiro-arquiteto Mario Pucci.

Obelisco Comemorativo da Inauguração da Avenida Central, Rio de Janeiro (1906). Dominio Público

Obelisco Comemorativo da Inauguração da Avenida Central, Rio de Janeiro (1906). Foto: Domínio Público.

Há fortes indícios de que o arquiteto Oscar Niemeyer gosta de obeliscos. Educado na tradicional Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, deve ter estudado ou ao menos manuseado os citados livros de Bosc e Choisy. E pode bem ter guardado em sua memória a imagem do Obelisco Comemorativo da Inauguração da Avenida Central,[14] de 1906, na antiga Capital Federal. Trata-se do mesmo obelisco onde os vitoriosos da Revolução de 1930 amarraram seus cavalos, e todos sabemos do papel desempenhado por Getúlio Vargas como mecenas da arquitetura moderna carioca, particularmente para Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Mais ainda, como dimensionar o impacto na imaginação criativa de Niemeyer causado pelo obelisco triangular e pela esfera branca que compunham o símbolo – o famoso Trylon and Perisphere – da Exposição Internacional de Nova York de 1939?

Ralph Freudenberg

Trylon and Perisphere ?Exposição Internacional de Nova York (1939). Foto: Ralph Freudenberg

Uma das características do trabalho de Niemeyer é a constante reinvenção de elementos arquitetônicos consagrados – algo que fez com brio em colunas e marquises. Tais elementos aparecem em seus projetos reinterpretados ou completamente transformados, gerando soluções novas e surpreendentes. Foi em 1949 que empregou pela primeira vez um obelisco, quando de sua participação no concurso para o Centro Atlético Nacional no Rio de Janeiro: um obelisco de base retangular equilibrando a composição do pórtico de acesso ao conjunto, mas que não foi construído. O obelisco em sua plenitude, isolado e pontiagudo, faria presença no Monumento para Rui Barbosa, de 1949. Esse também não foi construído, porém seria retomado, anos mais tarde, agora na tribuna à frente do Quartel General do Exército de Brasília (1967), onde reina imponente, muito agradando os militares que o batizaram de “Espada de Duque de Caxias”.

No início da década de 1950, Niemeyer estava trabalhando nos projetos para a comemoração do IV Centenário de São Paulo no Parque Ibirapuera e, para marcar o acesso principal próximo ao citado Mausoléu ao Soldado Constitucionalista,[15] propôs algo sensacional, inédito!! Uma grande espiral de eixo inclinado, veradeira escultura de concreto e marco urbano único, que sugeriria movimento e modernidade, mas que, executado, não se manteve em pé por motivos técnicos. Porém não foi esquecido, tornando-se o logotipo do evento.

Os obeliscos, com formas e funções variadas, continuaram a ser adotados por Niemeyer em seus projetos mais ambiciosos, como na composição da Mesquita de Argel (1968), na praça da Universidade de Constantine (1969) ou no conjunto do Centro Cívico Tietê em São Paulo (1986).

Reinhold, 1956.

Monumento a Rui Barbosa, Rio de Janeiro (Oscar Niemeyer, 1949). Fonte: PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: Works in progress. New York : Reinhold, 1956.

Para o Centro Cívico Administrativo de Argel (1968), propôs algo mais audacioso, uma praça circular de 200 metros de raio, circundada por palácios e por um leque de ministérios. Nela colocou o Monumento da Revolução, “concebido como um espaço imenso e misterioso de pirâmide inclinada até colocar-se fora do prumo, situada sobre base triangular e com 150 metros de altura”[16] – mais um de seus obeliscos não executados. Tal solução foi retomada (e transformada) quando do desenvolvimento do monumento Tortura Nunca Mais (1986). Desta vez, o obelisco, além de inclinado, foi curvado: “uma espécie de longa haste plantada sobre plataforma retangular, mas vergada pelo peso de uma figura de corpo humano que a sua ponta atravessa”[17] – como um espeto da acepção original do termo.

Recentemente, o tema voltou a ser empregado por Niemeyer no projeto do Monumento a Simon Bolívar (2007). Mais um obelisco inclinado, com 100 metros de altura, obra encomendada por Hugo Chaves, a ser erguida no Monte El Ávila, em Caracas. Segundo divulgado pela imprensa internacional, uma peça de concreto, com a forma de uma flecha apontando para os EUA.[18] No entanto, tudo indica que o presidente venezuelano não se encantou pela idéia, preferindo uma gigantesca estátua eqüestre do Libertador. Segundo Chaves, “será muito mais alto que o Cristo do Corcovado, no Rio de Janeiro, muito mais alto que o Arco do Triunfo em Paris ou que o Monumento a Lincoln em Washington.”[19]

Tribuna do Quartel General do Exército, Brasilia (Oscar Niemeyer, 1967). .

Tribuna do Quartel General do Exército, Brasília (Oscar Niemeyer, 1967). .

No dia 9 de janeiro de 2009, em seu escritório, com a presença do Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, Niemeyer apresentou o projeto para uma nova praça, a ser construída no canteiro central da Esplanada dos Ministérios de Brasília, logo à frente da Rodoviária do Plano Piloto. A notícia foi logo divulgada pela grande imprensa. O Correio Braziliense estampou na primeira página, em destaque a manchete “para se espantar e curtir“,[20] enquanto a Globo informava que “Brasília vai ganhar a Praça da Soberania… Embaixo da praça haverá um estacionamento subterrâneo para 3 mil carros, com acesso direto nos dois lados do Eixo Monumental. Para Oscar Niemeyer, a construção é ousada, mas não altera em nada o projeto original do Plano Piloto. A Praça da Soberania terá um prédio baixo, em curva. Será construído um memorial dos presidentes da República. Na frente, haverá um grande monumento, em formato de triângulo, de 100 metros de altura, que vai apontar para o Congresso Nacional. O monumento vai ter a mesma altura do mastro da bandeira, que fica na Praça dos Três Poderes. Nas palavras de Oscar Niemeyer, é para causar perplexidade em quem vê.”[21]

Monumento a Simon Bolivar, Caracas (Oscar Niemeyer, 2007).

Monumento a Simon Bolívar, Caracas (Oscar Niemeyer, 2007).

E Oscar Niemeyer, mais uma vez, conseguiu causar perplexidade em todos! Infelizmente não pelas qualidades de seu projeto. Desde então, um polêmico debate se estabeleceu. Sylvia Ficher,[22] Elio Gaspari,[23] Jorge Guilherme Francisconi,[24] Frederico de Holanda,[25] Carlos Henrique Magalhães,[26] Glauco Campello[27] e Igor Campos,[28] além do próprio Niemeyer,[29] apresentaram seus pontos de vista sobre o projeto.

Como morador de Brasília, como arquiteto e como grande admirador da obra de Oscar Niemeyer, venho apresentar os meus argumentos sobre a Praça da Soberania.

Inicialmente, devo dizer que não é possível afirmar que não haverá alteração no projeto original do Plano Piloto. Todos sabemos que, desde 1957, quando Lucio Costa venceu o concurso nacional para o urbanismo da nova Capital, a configuração da Esplanada dos Ministérios já estava definida. Pesadas obras de terraplanagem foram realizadas para garantir os efeitos de perspectiva e de implantação por ele imaginados, cuidadosamente detalhados no Relatório do Plano Piloto. Niemeyer compreendeu muito bem a intenção e ajudou a concretizá-la com maestria. E, em parceria, a monumentalidade se fez, muito mais pelo conjunto do que pela expressão individual de seus edifícios. É a tal “dignidade e nobreza de intenção”, associada à “ordenação e ao senso de conveniência e medida”, de que nos falava Lucio Costa.[30] Foi no item 9 do seu Relatório que explicou como seria o setor representativo do país: dois terraplenos em níveis distintos, mas associados entre si; um, com planta triangular e em cota mais baixa, para os três poderes da República, o outro, retangular e em cota mais alta, para os ministérios e autarquias. O segundo terrapleno configuraria, justamente, uma ampla esplanada, “extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e a desfiles.”[31]

Praça da Soberania, Brasilia (Oscar Niemeyer, 2009).

Praça da Soberania, Brasília (Oscar Niemeyer, 2009).

Lucio Costa fez questão de salientar que a esplanada seria arrimada em todo o seu perímetro. O que significa que ela já nasceu programática, dimensional e espacialmente definida – os anexos dos ministérios, por exemplo, estão fora de tal perímetro, e não interferem na apreensão do todo. O urbanista desejava, com muito requinte e lucidez, “garantir a coesão do conjunto” e obter uma “ênfase monumental imprevista.”[32] Para tanto, a Catedral foi deslocada e ganhou uma praça autônoma, pois “a perspectiva de conjunto da esplanada deve prosseguir desimpedida até além da plataforma onde os dois eixos urbanísticos se cruzam.”[33] Já sobre o setor cultural da Capital, Costa registrou que deveria “ser tratado à maneira de parque para melhor ambientação dos museus, da biblioteca, do planetário…”[34]

Assim, não apenas a nova Praça da Soberania alterará drasticamente o projeto original do Plano Piloto, introduzindo um ponto focal novo entre a Rodoviária e o Congresso (e vice-versa) – como o Conjunto Cultural da República já o fez, pavimentando ou “mineralizando” o que era para ser gramado e tratado à maneira de parque. Neste sentido, concordo plenamente com o mestre Niemeyer quando diz que “a degradação ambiental começa a se agravar, determinando um dia, quem sabe, que as grandes áreas abertas venham a ser arborizadas, e que as coberturas de concreto, previstas na maioria dos edifícios, sejam também transformadas em terraços jardim, cobertos de grama.”[35]

Mas caso o Relatório do Plano Piloto não pareça suficientemente claro para alguns, vale recorrer ao Brasília revisitada 1985/1987, quando Costa voltou a estudar Brasília e sentenciou: “A escala monumental comanda o eixo retilíneo – Eixo Monumental – e foi introduzida através da aplicação da ‘técnica milenar dos terraplenos’ (…), da disposição disciplinada, porém rica das massas edificadas, das referências verticais do Congresso Nacional e da Torre de Televisão e do canteiro central gramado e livre de ocupação que atravessa a cidade do nascente ao poente.”[36] Desta vez, Costa não apenas explicita e reforça sua intenção de manter o canteiro central não-edificado, como estabelece a relação entre os dois únicos marcos verticais que lhe interessam: a torre de TV e o Congresso (vale lembrar que o Mastro da Bandeira Nacional, outro obelisco com 100 metros de altura, já estava construído).

Tem sido dito que o obelisco da Praça da Soberania enriquecerá a Esplanada. Mas em que sentido? O que falta é concluir a parte norte do setor cultural com o cuidado de obedecer à clara prescrição de que seja “tratado à maneira de parque”, para tanto abrindo a oportunidade para um saudável concurso público. Assim os políticos poderão fazer o que mais gostam: uma festa de inauguração, mesmo que seja para deixá-lo abandonado e sem equipamentos.

No canteiro central, basta manter a grama verde! É área non-ædificandi! A ser preservada sem pombas e outras intromissões que nada acrescentam à Esplanada, só tumultuam a sua leitura, prejudicam o seu entendimento, invertem a sua relação de cheios e vazios e destroem a sua perspectiva – a única à qual cabe realmente nos espantar! Brasília não carece de novos monumentos. Temos é que garantir o bom funcionamento dos que já existem e estão, em sua maioria, necessitando de manutenção, equipamentos e de pessoal: basta lembrar a plataforma da Torre de TV, a Casa de Chá, o Teatro Nacional, o Panteão da Pátria, o Espaço Lucio Costa, o Espaço Oscar Niemeyer et cetera.

Outro argumento que está sendo utilizado para justificar a intromissão de Niemeyer no gramado de Brasília é o de autoria. O próprio arquiteto lembrou que é seu “direito e obrigação concebê-la [a praça] e propô-la.”[37] Como cidadãos, todos podemos propor algo para Brasília, no entanto, estamos legalmente impedidos de descaracterizá-la. É o que diz o Decreto nº 10.829 do GDF em seu Art. 3º, “os terrenos do canteiro central verde são considerados non-ædificandi.”[38] É o que estabelece a Portaria nº 314 do IPHAN, que protege o conjunto urbanístico “construído em decorrência do Plano Piloto vencedor do concurso nacional para a nova capital do Brasil, de autoria do arquiteto Lucio Costa.”[39] Tombamento apoiado na idéia de preservação das características essenciais das quatro escalas da cidade, e que, para a escala monumental, considerou no seu Art. 3º a proibição de construção de qualquer edificação acima do nível do solo nos terrenos do canteiro central verde, da Praça dos Três Poderes ao Palácio do Buriti. Busca a legislação, deste modo, não apenas impedir a execução de edifícios não previstos por Lucio Costa, como principalmente garantir “a plena visibilidade do conjunto monumental.”[40]

Por sua vez, o argumento de autoria encontra força no Art. 9º da mesma legislação que, excepcionalmente, permite novas edificações, desde que encaminhadas pelos autores de Brasília, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, e aprovadas pelos órgãos competentes. Tais construções devem, por isso mesmo, ser justificadas como “complementações necessárias ao Plano Piloto original,”[41] o que não é o caso da Praça da Soberania. Mas onde reside, então, o direito de Niemeyer? Na participação em concurso público para a seleção de projeto para as edificações do até hoje incompleto Setor Cultural. E o Art. 3º da Portaria nº 314 é claro quanto a isso: “as áreas compreendidas entre a Esplanada dos Ministérios e a Plataforma Rodoviária ao sul e ao norte do canteiro central, e que constituem os Setores Culturais Sul e Norte, destinam-se a construções públicas de caráter cultural.”[42]

Por fim, é ainda necessário acrescentar que o obelisco da Praça da Soberania só causará impacto e espanto por seu gigantesco contraste com a arquitetura já existente naquela porção do Eixo Monumental. Pelo ruído que, ao menos em seus primeiros anos, causará em todos aqueles cidadãos já acostumados com a imagem da Esplanada dos Ministérios conforme inventada – e desejada – por Lucio Costa, o que nos confirma sua filha, Maria Elisa Costa.[43] Como já apontado, o projeto de Niemeyer é conhecido, pois transfere para Brasília soluções criadas e não executadas para outros sítios e outros programas. Um projeto déjà-vu, que repete o Monumento da Revolução de Argel ou (re)trabalha o Monumento a Simon Bolívar. Em Brasília os ministérios estão perfilados – já existe uma perspectiva! – e não “em leque”, como no caso argelino. Em Brasília, o obelisco – agressivamente – apontará para o Congresso Nacional e não para os Estados Unidos da América, como no caso chavista. E Le Corbusier estará pensando: “Aqui não há invenção!”


notas

[1] Manchete de capa do Correio Braziliense, 10/01/09, divulgando um novo projeto de Oscar Niemeyer para Brasília. Ver: MIRANDA, 2009, p. 25.

[2] Para Sylvia Ficher, sempre lúcida.

[3] BOSC, 1879, p. 305.

[4] CHOISY, 1944. pp. 16-64. (1ª edição 1899).

[5] HOUAISS, 2001, p. 2.041.

[6] CORONA e LEMOS, 1972, p. 343.

[7] Sem considerar a altura da base.

[8] Sem considerar a altura da base.

[9] Eixo que, passando pela rua Royale, pela Praça da Concórdia e pela Ponte da Concórdia, liga a Igreja da Madeleine ao Palácio Bourbon – atual Assembléia Nacional.

[10] Eixo que passando pelos Jardins dos Champs-Élysées, pela Praça da Concórdia e pelo Jardim das Tulherias, liga o Arco do Triunfo ao Museu do Louvre.

[11] Obra do escultor Edme Bouchardon, de 1763. Ver POISSON, 1998.

[12] PREBISCH, Alberto. Disponível em: <//pt.wikipedia.org/wiki/Obelisco_de_Buenos_Aires>. Acesso: 21/01/2009. A construção do obelisco esteve a cargo da empresa alemã GEOPE-Siemens Bauunion – Bilfinger & Grün, que concluiu o seu trabalho no tempo recorde de trinta e um dias.

[13] Obra oficialmente inaugurada em 1955, mas só finalizada em 1970.

[14] Desde 1912, denominada Avenida Rio Branco.

[15] Vale visualizar as fotografias do conjunto do Ibirapuera publicadas por Papadaki, e constatar o contraste entre as duas estruturas. PAPADAKI, 1956, pp. 124 e 132.

[16] SUSSEKIND, s.d. pp. 48-53.

[17] PUPPI, 1988, p. 153.

[18] EL PAÍS, 2009.

[19] GLOBO (a), 2009.

[20] MIRANDA, 2009, p. 25. Grifo nosso.

[21] GLOBO (b), 2009. Grifo nosso.

[22] FICHER, 2009.

[23] GASPARI, 2009.

[24] FRANCISCONI e FICHER, 2009.

[25] HOLANDA, 2009.

[26] MAGALHÃES, 2009.

[27] CAMPELLO, 2009.

[28] CAMPOS, 2009.

[29] NIEMEYER, 2009.

[30] COSTA, 1991, p. 20.

[31] COSTA, 1991, p. 22.

[32] COSTA, 1991, p. 22.

[33] COSTA, 1991. p. 24.

[34] COSTA, 1991. p.24.

[35] NIEMEYER, 2009.

[36] COSTA, 2007, p. 73.

[37] NIEMEYER, 2009.

[38] GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL, 2007, p. 65.

[39] BRASIL, 2007, p. 58.

[40] Idem, p. 59.

[41] Idem, p. 62.

[42] Ibidem, p. 60.

[43] COSTA, M.E., 2009. p.30.

Referências Bibliográficas

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SUSSEKIND, José Carlos. A evolução conjunta da arquitetura e da engenharia. In. Módulo, n.44, Rio de Janeiro, s.d. pp.48-53.

Andrey Rosenthal Schlee,

Arquiteto e urbanista, professor do Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e urbanismo da UnB.

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