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Luis Berríos-Negrón
Atelier Niemeyer . Rio de Janeiro
Janeiro de 2002

Entrevista Oscar Niemeyer
Entrevistador:Luis Berríos-Negrón
2 de janeiro de 2002
 Atelier Niemeyer, Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil

A MDC . revista de arquitetura e urbanismo, agradece à arquiteta Mariza Machado Coelho, que forneceu o vídeo da entrevista e ao arquiteto Luis Berríos-Negron, que autorizou a publicação e forneceu a transcrição em inglês.

Nota do autor:

Essa entrevista aconteceu enquanto eu era estudante de Belas Artes da Parsons School of Design em Nova York . Foi possibilitada por Mariza e Veveco Hardy, que colaboravam com Niemeyer à época. Foi marcada antes dos eventos de 11 de setembro acontecerem, e quando o 11 de setembro ocorreu, a perda de vidas foi aterrorizante. Eu também fiquei horrorizado com o tipo de ódio que um prédio como ícone pode gerar. Eu fiquei profundamente confuso sobre o papel da Arquitetura. Eu precisava de respostas… Nenhuma veio, apenas mais confusão. Um dos atributos da confusão foi que, já em Outubro, houve uma “exposição?das propostas para o Marco Zero na Max Protech Gallery no distrito da arte de Chelsea, em Nova York. Muitos starchitects enviaram propostas. Eu vi a mostra. Eu não era capaz de entender o quão rápido aquilo ocorrera. Ao ser informado pelos Hardys que eu teria a chance de conhecer e questionar o provavelmente mais experiente arquiteto vivo, eu já estaria fazendo meu melhor por não tentar fazer uma entrevista, mas apenas procurar por respostas pessoais, para ver se a sabedoria de Niemeyer me tocaria. No final não foi apenas sua sabedoria que calou fundo em mim, mas com certeza sua paciência, humildade, humor e experiência que indubitavelmente mudaram minha vida para sempre somente por explicar, como só Dr. Oscar poderia, que era muito cedo para propor qualquer coisa para o Marco Zero.

Imediatamente após meu retorno a Nova York, eu me matriculei em uma disciplina de projeto que tinha por tema o Marco Zero, lecionada por Bill Sharples da SHoP architects. E foi durante este semestre onde eu pratiquei resistência pela primeira vez, e apesar da possibilidade de falhar por não produzir “um prédio? eu atendi o conselho de Niemeyer. Meu esforço resultou não em um prédio, mas em uma análise ambiental e cultural do local, que informou uma serie de diagramas programáticos para a Geo and Bio Ethics University na Lower Manhattan. Este programa estava estritamente baseado na ideia da paciência, tempo, respeito e consideração que não estava exatamente no currículo da minha educação arquitetônica. É uma ideia, especialmente no contexto das mudanças climáticas, das bolhas imobiliárias e da gananciosa desestabilização neoliberal dos mercados e de sociedades inteiras, que até hoje ainda é o toque do tambor que dá ritmo ao meu trabalho. Por isso, e por seu imenso legado construído e social, eu serei eternamente grato a Niemeyer e a Veveco.

Entrevista Oscar Niemeyer

Em Dezembro de 2001, estava eu sentado no novo terminal 4 do aeroporto JFK em Nova York, prestes a embarcar em um avião para o Brasil. O stress das condições da viagem são graciosamente diminuídas pela grande luz do móbile de Alexander Calder?serenando-me, lembrando-me da razão para este voo: Oscar Niemeyer. Eu me concentro no móbile de Calder e sinto a gravidade zero, uma escala atemporal. Sentimentos que Niemeyer também havia me provocado enquanto eu navegava em obra, uma licença maleável para sonhar com a qual ele nos premiou décadas atrás. Então me ocorreu: o que eu iria perguntar, dizer, para Niemeyer? Como eu poderia, um inexperiente estudante-arquiteto conectar com essa lenda viva de 94 anos, comunista, associado relutante de Le Corbusier, e contemporâneo de grandezas como Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? Anos-luz de informações existem entre nós. Como poderíamos eliminar aquela distância?

Oscar Niemeyer é brasileiro, carioca para ser exato. Ele nasceu com o modernismo. Aos 33 anos ele construiu sua primeira grande comissão, diversos construções de lazer em torno da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, onde sua capela de São Francisco fica localizada. Aos 40, ele participou de um concurso de projetos contra os mais renomados arquitetos do mundo, Le Corbusier sendo um dos concorrentes, para a sede das Nações Unidas na cidade de Nova York. Ele foi premiado e, apesar do desentendimento com Le Corbusier, ele aceitou o premio e foi em frente com sua construção, feita em 1953. De 1955 até 1960, ele, junto a seu mentor, o urbanista Lucio Costa, projetaram e construíram a nova capital do Brasil, Brasília. Durante a década de 60 e 70 Niemeyer é ameaçado e perseguido pela ditadura militar. O principal engenheiro de Brasília, e bom amigo de Niemeyer, Joaquim Cardozo, foi julgado e processado por “incompetência? por seu papel na construção da nova capital. Niemeyer foi forçado a procurar asilo político na Europa por quase duas décadas. Durante esses anos, é até hoje, ele continua a construir em 5 continentes, com dezenas de trabalhos transcendentais em sua obra.

Ele é criticado por Brasília não ter funcionado. Niemeyer escreveu ?“Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras: um gesto, uma palavra de afeto e solidariedade.?Talvez Niemeyer dependesse da humanidade…

Cercado pelo inebriante espírito do Rio, e com a minha vaga versão em Espanhol do Português, sou recebido com cordialidade e simpatia contagiante pelo Sr. Niemeyer (ou Dr. Niemeyer, como ele é chamado por lá).

Luis Berríos-Negrón: Em nome do departamento de arquitetura da Parsons School of Design, o nosso mais sincero agradecimento por essa oportunidade.

Luis Berríos-Negrón: Sei que o senhor estará se reunindo essa semana com membros da imprensa francesa. Porque o senhor acha que, aos 94 anos, o senhor é tão aclamado?
Oscar Niemeyer: Não vejo razão não (risos). Sou um homem comum como todos os outros.

LBN: Como escrevi em uma carta ao senhor, temos um grande desejo de escutar a sua opinião sobre esse período histórico de mudança e conflito. Especificamente, o 11 de setembro instigou mudanças dramáticas de percepção a nível local e global. Para muitos de nós que estivemos a metros da tragédia ficou um sentimento de angústia e desilusão. Muitos estudantes de Arquitetura estão preocupados com a relevância da profissão, considerando a profundidade de políticas ocultas que algumas vezes causam essas reações radicais de nossos camaradas do outro lado do mundo. Com isto em mente, o senhor visualiza uma nova função ou responsabilidade para a Arquitetura? Para o estudante, para o profissional, para as pessoas?
ON: Eu sempre digo aos estudantes que não basta sair da escola como ótimo profissional. O importante é que ele se informe dos problemas do mundo e da vida, de modo a poderem participar dignamente, igual ocorre pelo mundo afora. Por isso quando eu estive na Universidade Algiers, -e propus um programa para a escola de Arquitetura- eu propunha que, além do curso normal de Arquitetura, houvesse paralelamente conferências sobre política, sobre sociologia, sobre literatura, sobre filosofia, de modo que o estudante saísse pra vida, como eu disse, apto a viver decentemente e se manifestar. De modo que a minha opinião é essa. Eu passei a vida debruçado na mesa de desenho, mas eu acho que a vida é muito mais importante que a Arquitetura.

LBN: O senhor acha que o arranha-céu ainda tem o seu lugar no expansivo mundo do neoliberalismo, depois do que aconteceu com o World Trade Center?
ON: Eu acho que o urbanismo tem diversas opções. Ele pode ser horizontal, pode ser vertical. Qualquer solução pode ser boa. Eu acho que o arquiteto deve ter sensibilidade para procurar ser útil para a comunidade e o urbanismo deve ser uma solução, solução que vise a proteção do homem, do trabalho. Eu acho que a Arquitetura mudou muito. Eu acho que, depois do concreto armado, qualquer outro tipo de arquitetura não interessa mais. No passado, por exemplo em Roma, eles fizeram uma cúpula de 35 metros de diâmetro. Ontem nós fizemos um desenho aqui de uma cúpula com 70 metros e 20 cm de espessura. Então a técnica mudou. Depois do concreto armado, é a técnica do concreto armado que prevalece. É o espaço com que o arquiteto vai ter que lidar para entender as funções da sociedade moderna. De modo que acho que cada arquiteto deve fazer a sua arquitetura. Eu não acredito em uma arquitetura que sirva a todos, que seja uma arquitetura ideal. Seria a repetição, monotonia. Eu acho que o arquiteto, dentro das suas possibilidades, deve procurar o seu trabalho. Eu acredito na intuição. Eu faço o meu trabalho, eu procuro uma arquitetura mais leve, quando o tema permite, baseada na técnica mais apurada. Eu não critico os colegas, acho que cada um deve fazer o seu trabalho. Agora eu sigo a minha intuição com toda liberdade. Tem muito livro aí escrito sobre o meu trabalho. Eu não li nada, eu não quero influências. Eu não tive influência nenhuma. Eu trabalhei com o Corbusier, mas o meu primeiro trabalho, Pampulha, era tão diferente do que se fazia, que prova que eu não estava interessado. Eu quero fazer o meu trabalho do meu jeito. Essa é a minha posição na Arquitetura. Acho que deve haver esse entendimento e cada um aceitar o que o outro faz com simplicidade.

LBN: O senhor tem alguma sugestão para a área onde antes estava o World Trade Center?
ON: Não, não tenho. Querem fazer uma exposição em Nova York. Uma exposição de estudos sobre essas torres. E mandaram pedir para eu dar minha opinião também nos croquis. Eu não quis fazer. Eu acho que nós entramos em um momento dos piores da vida dos homens. Um momento de violência. A gente não pode dizer que as torres, por exemplo, foi um ato de terrorismo, mas invasões, bombardeiros, também são um ato de terrorismo. Quando começaram os bombardeiros contra o Saddam já era um ato de terrorismo. Acho que existe uma confusão, uma coisa toda errada. Eu acho que o mundo esta num momento em que a gente não sabe aonde vai parar.
Nós fizemos um curso de sete dias sobre Arquitetura. Então eu falei, dei a minha aula, o meu colega que é engenheiro calculista deu a dele e nós chamamos outros amigos. Um falou sobre Literatura, o outro falou sobre Filosofia e o outro falou sobre o mundo atual. Eu me lembro quando ele acabou de falar, eu perguntei a ele: “o que você acha que vai acontecer??Ele disse: “Eu to assustado.?E a gente, a gente mesmo, o homem deve estar hoje assustado. Sem saber pra onde isso vai. Porque é uma violência como nunca houve. Está se expandido pelo mundo árabe todo, daqui a pouco pode abrir outros movimentos também de terrorismo.
De modo que é um momento negro da vida dos homens, eu acho horrível que tenha acontecido. Você veja: quando derrubaram as torres foi horrível aquilo, muito sério, as mortes que causou. Mas também estão derrubando as cidades lá do mundo árabe, matando gente que não tem nada que ver com isso. Outro dia, num bombardeio, morreram mais de cem pessoas. De modo que há um clima de coisa que parece maluquice, em a gente não sabe onde é que vai parar. Eu acho o pior momento que nós estamos vivendo.

LBN: Por isso nós, estudantes, estávamos desejosos de falar com você… Porque nós estamos deprimidos e preocupados…
ON: Eu acho que a vida é um minuto não é? Então vale a pena vivê-la melhor, de mãos dadas, fraternais. A vida não é tão importante assim, é uma coisa à toa. Então a gente tem que viver bem, botar de lado. Eu quando olho pra uma pessoa, quando eu lido com uma pessoa, eu penso sempre que ela deve ter um lado bom. E se não tem, é uma surpresa. Talvez a genética explique. Mas eu acho horrível a gente ver o mundo assim como se fôssemos inimigos uns dos outros, afinal árabes, americanos, europeus, são todos irmãos. Porque essa miséria, porque esse ódio? Eu andei no mundo árabe, num mundo atrasado. Eu fui até a Arábia Saudita, é completamente fora da civilização. Eu estive nos Estados Unidos, somando dá mais ou menos 2 anos, eu gostei. Quando cheguei nos Estados Unidos foi quando estava para estourar a guerra e eu vi o povo americano pulando na rua, os estudantes, dizendo ‘up democracy, down fascism? foi um momento de entusiasmo contra o mundo pior que eles queriam criar. Mas isso passou. Agora esta uma confusão: eu não gosto do Bin Laden, mas também não gosto do Bush.

LBN: Olhando para Brasília depois de meio século, e considerando a proliferação de elites, das comunidades fechadas, como as Alphavilles em São Paulo, o senhor acha que Arquitetura e Urbanismo tem a capacidade de facilitar mobilidade social?
ON: Eu acho que o homem é que mexe nas coisas. Por exemplo, a Argentina agora, num momento de entusiasmo, vê que o povo saiu pra rua e mudou o governo. Isso precisava acontecer no Brasil. A vida brasileira não está boa também, não. Venderam o país. Mas isso é muito complexo não é? Eu não sou um especialista político, eu sou um simples arquiteto. Mas eu me interesso, acho que o arquiteto precisa ver, e tenho a minha opinião, opinião pequena de arquiteto. Mas digo, protesto, passei a vida protestando, porque a gente quer um mundo melhor, a gente quer um mundo mais justo, todos de mãos dadas, isso que a gente quer.

LBN: Em um recente artigo de sua obra Pampulha na revista Wallpaper, nos Estados Unidos, o senhor falava que suas obras públicas são para criar espaços para todos. O Sambódromo é um projeto satisfatório no ponto de vista sociopolítico?
ON: O carnaval é a distração do povo não é? O povo é gente mais pobre que vive nas favelas. Quando vem o carnaval eles juntam dinheiro para se fantasiar, pra ir dançar lá no sambódromo. Eles são inocentes, eles não sabem que estão ali distraindo justamente a burguesia que oprimia eles o ano inteiro. E ali batem palma e no dia seguinte estão todos uns contra os outros outra vez. A vida é muito perversa.

LBN: Qual seria o seu projeto mais satisfatório para você?
ON: Eu fiz projetos tão diversos… Se você for ver o meu trabalho, você vai ver que eu não fiz apartamentos, não fiz escritórios. Eu fiz museus, teatros, projetos que pedem muito mais trabalho de imaginação. E é isso que eu gosto de fazer. Não gosto de residência. Eu sei que é importante, mas é difícil lidar com os proprietários né? Eu fiz uma casa pra um sujeito em Brasília. A casa era boa. Quando ficou pronta, ele queria mostrar a casa pra mim, eu fui, cheguei antes dele e a mulher dele que me esperou na entrada. Uma senhora simpática, e disse – “Dr. Niemeyer, essa casa mudou a vida da gente. Eu gostei tanto da casa que eu fiz a decoração? (risos). Eu disse: “eu to frito? E foi o que aconteceu. Quando eu entrei não tinha mais nada da arquitetura. De modo que a arquitetura não é só o prédio por fora, é também o interior, e isso é difícil a gente conseguir. A arquitetura é o espaço que envolve a arquitetura.
Agora eu acho o seguinte, eu faço uma arquitetura que me agrada. Quando o tema permite, eu especulo na técnica, eu convoco meu engenheiro, a gente pensa em utilizar… Por exemplo, eu fiz um prédio agora em Brasília, um prédio governamental. Ele é grande, e você chega embaixo dele, e só tem o apoio central, ele parece que está solto no ar. Então essa coluna sobe, com os elevadores, e as vigas de cima sustentam com tirantes todos os andares. É uma demonstração de técnica, está ajudando a Arquitetura a evoluir. E o presidente passou lá, e disse -“ah, porque esse prédio tão luxuoso??Ele não compreendeu. Quando eu faço o prédio público, como esse, eu imagino que o sujeito mais pobre que vai lá, que vê o prédio, e não vai usufruir nada desse prédio (os outros é que vão ganhar dinheiro) ele pelo menos tem aquele momento de prazer, de ver uma coisa diferente, de indagar: “o que é isso?. De modo que a Arquitetura é cheia de segredos. A gente quer ver o espetáculo. Por exemplo, a Catedral de Brasília, quem olha e não conhece pensa que é muito complicado de fazer. Foi muito simples. Nós construímos as colunas no chão, pré-fabricadas, e suspendemos. Está pronta a Catedral!

LBN: O senhor provavelmente esta cansado de escutar pergunta sobre a seguinte citação de Le Corbusier que diz: “Oscar, você faz o Barroco em concreto armado, mas faz bem.?br /> ON: De Corbusier, a única influencia que eu tive, foi no dia em que ele me disse: “Arquitetura é invenção.?Quer dizer, eu procuro fazer uma arquitetura, que tenha qualquer coisa diferente, e crie surpresa, e isso é importante. Minha Arquitetura é muito diferente da dele. Ele cria uma coisa mais pesada, ele não especulava muito na técnica. Se você vir Chandigarh, tem coluna por todo lado. Ele podia diminuir aquilo e ter só a metade das colunas, muito menos da metade. Mas com certeza ele queria aquele aspecto, um pouco egípcio, das colunas. De modo que a gente não tem que criticar nada, cada um faz o que quer.

LBN: Arquitetura hoje esta em um estado de Rococó?
ON: Não sei. Cada um faz o que quer. Outro dia veio aqui me visitar, o Bofill. O Bofill é o que faz pós-moderno, e ele veio, ele é simpático. Eu faço Arquitetura diferente da dele, tudo bem, não vou criticar o que ele faz.

LBN: Qual foi a sua intervenção política mais importante?
ON: Eu entrei no partido, eu militei no partido, eu fui proibido de entrar nos Estados Unidos durante 20 anos porque eu era comunista. Eu continuei com as minhas ideias. Eu acho que o comunismo é uma ideia que está no ar. Que visa a confraternização dos homens. O que ocorreu na União Soviética um dia vai se modificar. O que os soviéticos querem é o que eles tinham antigamente. É o apoio governamental, era a casa, era a alimentação, era a medicina. Eu acho que o capitalismo está em decadência. Os Estados Unidos vão entrar em crise um dia. Pode demorar, o Império Romano levou 300 anos para acabar. Pode demorar muito tempo, esse clima do poder assim, da intervenção desmedida: até intervir nos outros países. Isso um dia vai acabar. A gente não sabe como.
Eu acho que o homem deve olhar para o céu e ver como ele é pequenino, não tem a menor importância. Então os sujeitos estão ai querendo aparecer. Outro dia um jornalista me perguntou -“Mas o seu trabalho vai ficar pros outros verem, muita gente vai ver depois que você morrer, vão gostar? Eu disse, mas vocês vão morrer também. -“Mas os outros vão ver? Mas os outros vão morrer também. Tudo vai acabar. Por isso que eu acho que o homem deve estar ligado (não é uma posição pessimista, que não tem sentido), tem que estar dentro da realidade.

LBN: “Corbu?intitula, em lngês, um de seus livros: “Towards in new architecture? (Em direção a uma nova Arquitetura). Nós ainda estamos nos movendo?
ON: O que muda a Arquitetura é a evolução social, é a evolução da técnica. Isso é que muda a Arquitetura. O dia que aparece um material diferente. Hoje é o concreto armado que domina, o sujeito queira ou não queira, é o concreto armado que permite uma Arquitetura mais livre. Quando eu termino uma estrutura, a arquitetura já está ali. Porque eu procuro fazer uma coisa muito simples, não tem nenhum apoio que depois vai desaparecer no meio das alvenarias. Mas a estrutura metálica, quando você termina uma estrutura, é uma confusão, você não sabe o que vem depois. De modo que eu prefiro trabalhar com o concreto armado, acabou uma estrutura é aquilo, o resto é acabamento. Agora, se vier um material novo, uma estrutura de vidro, outra coisa qualquer, aí a Arquitetura pode mudar. No dia em que nós estivermos no regime socialista, a Arquitetura brasileira vai mudar. Porque a nossa Arquitetura hoje só serve pra quem tem dinheiro. Os pobres estão trepados na favela. Num regime mais popular, vão mudar os temas da Arquitetura. E eles serão naturalmente mais importantes, mais generosos, e eles vão se dirigir ao povo mesmo, aos problemas populares.

LBN: O que o senhor quer dizer com “O arquiteto deve nascer como arquiteto, assim como o pintor deve nascer como pintor?/em>?
ON: Eu acho que nesse setor das Artes tem que haver intuição. O sujeito não aprende Arquitetura, o sujeito vai pra uma escola. Se ele tiver talento ele pode fazer uma arquitetura diferente. Senão, ele pode ser útil, ele faz uma arquitetura normal, indispensável para a vida, essa coisa toda. É feito com uma criança: eu acho que deve-se proteger a intuição. Uma criança com 8 anos às vezes faz um desenho fantástico. Se você ampliar sai um mural extraordinário. Depois que ela vai para a escola, que conhece os mestres, aí cai na rotina. É a coisa já cheia de regras. De modo que o ensino da Arquitetura também devia dar ao estudante mais liberdade. Eu conheci muito desenhista melhor arquiteto do que arquiteto. Corbusier nunca frequentou uma escola de Arquitetura. Ele tinha uma ideia de Arquitetura. Ele saiu do escritório que ele trabalhava, e saiu desenhando o que ele gostava e tal, e fez a sua Arquitetura. De modo que eu acho que o importante é a intuição, quando não há intuição é mediocridade. E por isso que é muito difícil ter unidade na Arquitetura. Você vai a Brasília hoje e é péssimo, aquelas ruas, a arquitetura medíocre, confusa… Que se pode fazer? Você vai ao Rio de Janeiro e se pergunta: “o que estão fazendo aqui? Eu fico envergonhado. Levam você pra Barra, que é uma merda. A Barra é Miami, subúrbio de Miami. Em qualquer cidade moderna para você ver um prédio bom, você tem que saber o endereço. Porque em geral não tem unidade, é confuso… Mas é assim, o que se vai fazer?

LBN: Hoje em dia se nota um aumento no número de arquitetos emigrando para outras disciplinas…
ON: É comum. Eu tenho amigos meus, por exemplo, muito amigos, feito o Chico Buarque e o Tom Jobim. Eles cursaram Arquitetura até o terceiro ano, e depois largaram. Foi nesse sentido que eu fiz a Universidade de Constantine. A Universidade de Constantine é um dos trabalhos de que eu gosto mais. Quando eu fiz aquela universidade, o programa que eles tinham era para vinte prédios. Nós fizemos sete. Nós fizemos o edifício de classes, onde têm auditórios, essas coisas. Fiz um edifício de ciências, tem uma biblioteca, restaurante, o auditório. E qualquer faculdade nova não precisa de um edifício. Usa o prédio de ciência e o prédio de classes. (telefone toca).

LBN: Recentemente tem surgido um interesse no trabalho dos neo-vitalistas, como Kenzo Tange ?que eu sei que você conhece. Isto dentro do campo do desenho sustentável ou ecológico. O seu vernáculo tropical é sustentável?
ON: Eu quando tenho um projeto pra fazer, eu penso no projeto. Às vezes a solução vem de repente, até sem pegar no lápis. Eu, por exemplo, estava em Alger e tinha que fazer a mesquita. Fiquei de noite pensando na mesquita, levantei e desenhei. Outras vezes, me obrigo a pensar… O Museu de Niterói por exemplo, era simples, tinha um braço de terra, em volta era o mar. Tinha um apoio vertical e surgiu a arquitetura. Quando eu faço o projeto, e tenho uma ideia, eu faço o texto explicativo. Então eu escrevo como é que eu vejo o projeto. Se eu não tenho argumentos, eu volto à prancheta. Se tenho, aí eu começo a trabalhar.
O projeto varia muito. Primeiro, do espaço em volta, da ideia de criar uma coisa nova. Por exemplo, o Mondadori, que era o dono da editora Mondadori de Milão, veio me procurar. Ele tinha estado em Brasília, e ele queria fazer um prédio em Milão que tivesse as colunas de Brasília, a colunata. Eu disse: “está bem, eu faço.?#8211; mas eu fiz diferente. Eu fiz as colunas sustentando as vigas do teto, que por sua vez sustentavam os andares. Então eram colunas muito mais fortes. Eu queria variar a colunata.
Num período da renascença italiana, se você examinar, você vai ver que eles se preocupavam, naquela época, eles ainda se preocupavam com as colunas gregas. Você vai ver os trabalhos daqueles arquitetos italianos, e os prédios estão cheios de coluninhas. Eles discutiam a parte de cima das colunas variando. Eles não tinha coragem de fazer coisa diferente. Na Mondadori, em que eu queria mexer nas colunatas, eu mexi no espaço. Porque o espaço faz parte da Arquitetura. Em vez de eu fazer colunas com espaços iguais eu fiz com quinze metros, três metros, cinco metros. Então eu mudei o tipo de colunata. Eu nunca vi antes uma colunata assim, com espaços diferentes. Então é uma novidade. Isso é que, a meu ver, é Arquitetura.
Agora, quando eu tenho um tema, eu procuro estudar. Tenho uma ideia, e às vezes a coisa é rápida, outras vezes é complicada. Por exemplo, eu fiz um prédio em São Paulo, uma cúpula. Ela ficou entregue aos militares a vida inteira. Agora recuperaram a cúpula, a cúpula é bonita. As grandes exposições em São Paulo agora são feitas nessa cúpula. Eu fiz essa cúpula há 40 anos atrás. Ela tem umas sobrelojas, que encostam assim na cúpula e deixam espaços vazios. Agora o Pompidou está fazendo uma exposição em São Paulo. Está fazendo nessa cúpula, que eu fiz há 40 anos atrás.
Agora eu fiz um museu, que eu tinha feito um projeto para o Paraná, que era uma escola. Era uma escola em pilotis. Ela tinha 200 metros de comprimento e 40 de largura. Mas quando eu vi a escola agora, 40 anos depois, eu fiquei surpreso. Porque é bonita. Ela é toda fechada, a iluminação é por cima, zenital. Então os espaços de colunas, tem espaço de 60 metros, feito há 40 anos atrás, entre uma coluna e outra. Então o diretor, com o prefeito, resolveu fazer um museu, e pensou que nesse prédio ele podia ter tudo que um museu precisa: cursos, auditórios, tudo que o museu mais moderno precisa chegava nesse prédio. Faltava então fazer um salão de exposições. E ele queria um salão de exposições que não escondesse o prédio, porque lá gostam muito desse prédio. Então eu fiz uma torre e fiz um salão no ar. De modo que a Arquitetura é isso, cada tema é diferente.
Agora me pediram um projeto pra São Paulo, não me lembro a cidade, e eu fiz o projeto. Então eles queriam um auditório pra 3000 pessoas e, além do auditório, uma arquibancada para 3000 pessoas também, para voleibol, basquetebol. Mas eu não queria fazer duas coisas isoladas. Eu queria fazer um prédio que tivesse o auditório, com todo o conforto que auditório deve ter –som, aquilo tudo– as salas necessárias para encontros, congressos, e, ao mesmo tempo, no mesmo prédio, a arquibancada. Duas coisas no mesmo prédio, mas independentes. E assim sobrava mais espaço. E eu fiz. Então é um prédio diferente que, eu imagino, você nunca viu. Tem um auditório moderno, pra 3000 pessoas, e uma arquibancada para voleibol e basquetebol, para jogos especiais. Então sai um prédio diferente. Porque o programa é que leva a gente a uma solução. Eu vou mostrar pra vocês uma maquete de trabalho, maquete muito simples, mas que já dá ideia do se vai fazer, e vou mostrar a outra maquete desse prédio lá do Paraná, que já começou. Porque o prefeito veio aqui e ficou tão espantado com o prédio que viu que era bom, pra ele, pra construir lá. Ele achava que o tal bloco ficava solto na cidade. Então já começou a obra. Mas o arquiteto não escolhe os assuntos. Os assuntos aparecem, e a gente faz.

LBN: Como o senhor se sente ao ser citado como o outro comunista que existe no mundo, sendo que Fidel Castro é o outro?
ON: Ah, Fidel Castro é uma figura fantástica. Está ali ao lado dos Estados Unidos desafiando o poder americano. O Bush está querendo invadir, mas não tem coragem. Seria ruim demais pra humanidade. Fidel transformou, ele vive lá de braços dados com o povo, é um país fantástico, não tem miséria, são todos amigos. Quando vem um cubano aqui eu fico espantado, não tem analfabeto lá, eles tem uma noção da vida, dos direitos. É um exemplo para a humanidade.

LBN: O que o senhor pensa que vai acontecer com a solidariedade e o comunismo?
ON: Acho que o que houve na União Soviética foi um acidente de percurso. A coisa vai mudar. Porque o comunismo é a ideia que está no ar. Pode ter outro nome, até. Mas a ideia é de que os homens possam ser iguais, vivam iguais, em meio às possibilidades, ninguém pode ser contra isso. Só tarado, não é?

LBN: Para um ateu, o senhor tem um imenso dom para condicionamento espiritual. Como o senhor se conecta com essas sensibilidades em sua obra eclesiástica?
ON: Eu era de família católica. Eu me lembro que, em casa…
Era uma família de fazendeiros. Meu avô veio para o Rio, era juiz de paz, depois foi ministro do Supremo Tribunal. Eu fui criado num ambiente assim: vinham uns políticos ficavam na casa, a casa era grande, e tinha uma sala de visitas, tinha umas seis janelas, minha avó abria, uma delas era o oratório, tinha missa em casa. Mas quando eu saí pra vida, a vida é injusta demais. De modo que o que se pode fazer é protestar. Eu tô [SIC] sempre ai protestando contra o que for preciso.

LBN: Alguns anos atrás, o senhor dividiu a sua vida em três partes: Pampulha, Brasília e a terceira, a Arquitetura mais perto da terra com vigas mais compridas. Você conseguiu nomear a terceira?
ON: Não, a arquitetura que eu faço é sempre a mesma. O que muda são os problemas, os assuntos que aparecem. Eu devia parar. Eu devia ter parado há muito tempo. Mas eu tenho gente que depende de mim, eu não posso nem morrer. Senão eu teria parado há muito mais tempo.

LBN: Qual o projeto que o senhor esta desenvolvendo atualmente?
ON: É esse projeto que eu estou dizendo. Eu tenho um projeto para a Noruega, uma casa e me interessa muito, porque é diferente de todas lá. Tem outro projeto na Itália…Aqui eu estou fazendo esse museu, em Niterói, estou fazendo o caminho Niemeyer que é lá em Niterói, e esse museu Paraná.
Tem o caminho Niemeyer que tem uma catedral, são diversos prédios. É um projeto que me interessa muito. Esses prédios são um conjunto na beira do mar, é um lugar que vai dar muito realce à arquitetura. No momento, eu tenho estudado os prédios, mas pensando que eles devem coincidir. Entre eles, deve ter um elemento plástico que liga e cria unidade do conjunto. É um trabalho que me interessa, mas que é difícil de andar porque é complicado…
Mas esses dois, esse museu e esse prédio, são os dois que estão me ocupando mais.

LBN: Há um interesse próprio de refletir ideias sociopolíticas através das liberdades plásticas e da estética gestual da sua obra?
ON: Não. A obra que eu faço é resolver o problema que vem às mãos. É convocar os artistas para trabalhar, tentar voltar àquela integridade das Artes, àquela ligação das Artes com a Arquitetura. Convoco os artistas. Esse projeto que eu estou fazendo em Niterói, por exemplo, não vai ter materiais caros, não. Eu não faço da minha Arquitetura propaganda de material, não. A parede lisa, branca. Agora, quando é possível, tem uma pintura, tem um desenho.

LBN: O autor marxista Hal Foster afirma: “A livre expressão de Gehry implica a falta de liberdade da nossa inibição. O que quer dizer que sua liberdade é na maioria uma franquia na qual ele representa a liberdade mais do que ele a concretiza. Em outros sentidos, e com grandes consequências, esta visão da expressão e liberdade é opressiva, porque Gehry projeta desde a lógica cultural do capitalismo avançado em termos da linguagem de correr riscos e efeitos espetaculares.?Durante esta época onde o capitalismo e o comunismo parecem chegar em um ponto de saturação, o senhor poderia dar algumas palavras como sugestões para interpretar essas experiências, a fim de torná-las intuições?
ON: Não entendi bem. Eu faço Arquitetura que eu gosto. Eu procuro a forma diferente, mas sempre pensando na função. Por exemplo, fiz o projeto do Mondadori, que é um palácio.
Quando ele ficou pronto, e ele teve que fazer outro projeto, em outra cidade, ele me chamou. Então o projeto era funcional.
Eu fiz a sede do Partido Comunista em Paris. Quando eles quiseram fazer o jornal, anos depois, eles me chamaram. Quer dizer, o meu trabalho funcionava bem. De modo que eu acho que a arquitetura tem que atender à finalidade, mas deve ser bonita, deve ser diferente.
Agora, cada arquiteto escolhe o tipo de arquitetura, de forma plástica, que lhe agrada mais. De modo que eu não critico ninguém, eu acho que está tudo bem, cada um faz o que quer. Eu não leio nada sobre o meu trabalho. Tem muitos livros publicados, eu nunca li. Eu quero fazer o meu trabalho, modestamente, como eu gosto. Se me perguntam do arquiteto, o arquiteto é bom, mas eu não digo quem é melhor ou quem é pior. Eu estive lá na casa do Frank Lloyd Wright. Passei uma noite na casinha de Oak Park. Uma casa bonita, ótima. O que ele gostava de fazer. O principal é que o arquiteto esteja satisfeito com o que ele faz. O resto, os outros, não deve interessar. Quando eles começam a se interessar pelo que vão dizer da sua arquitetura, aí ela não está bem, acho que deve ser uma coisa espontânea. O trabalho desse arquiteto deve ser ótimo, se ele está contente de fazer, está ótimo.

LBN: Eu tenho uma pergunta pessoal. Eu li um artigo na revista Trip, recentemente, em que você fala que a sua droga é a mulher. E eu pergunto: qual a sua religião?
ON: Acho mulher importante, é o mais importante. Mais importante que Arquitetura. Acho que deve ser. A vida é isso: a gente rir e chorar o tempo todo, a gente viver os momentos bons e os maus e aguentar. É isso. Não tem mistério.

Niemeyer em 2002


Luis Berríos-Negrón entrevista Oscar Niemeyer

English version by the author

Note by the author

This interview occurred while I was student of fine arts at the Parsons School of Design in New York City. It was made possible by way of Mariza and Veveco Hardy who were collaborating with Niemeyer at the time. It was scheduled before the events of 9.11 took place. And when 9.11 went down, the loss of life was horrific. I was also horrified about the kind of hatred a building as icon could generate. I became deeply confused about the role of architecture. I needed answers?none came, only more confusion. One of the attributes to the confusion was that, already in October, there was an “exhibition” of Ground Zero proposals at the Max Protech Gallery in the art district of Chelsea in New York. Most starchitects sent a submission. I saw the show. I was not able to understand how fast this happened. As I was made aware by the Hardy’s that I will have a chance to meet and speak to arguably the most experienced living architect, I was already doing my best, not trying to make an interview, but just to look for personal answers, to see if Niemeyer’s wisdom would bleed into me. In the end, it was not his wisdom that bled into me, but surely his patience, humility, humour, and experience that undoubtedly changed my life forever by merely explaining, only as Dr. Oscar could, that it was too early to propose anything for Ground Zero.

Immediately upon my return to New York, I enrolled in a Ground Zero architectural design studio by Bill Sharples of SHoP architects. And it was during that semester where I practiced resistance for the first time, that despite the possibility of being failed for not producing “a building”, I heeded to Niemeyer’s advice. My effort resulted not in a building, but in an environmental and cultural analysis of the site, that informed a series of programmatic diagrams for a Geo and Bio Ethics University in Lower Manhattan. This program was strictly based on the idea of patience, of time, respect and consideration that was just not in the curriculum of my architectural education. It is an idea, especially in the context of climate change, of real estate bubbles, and the greed-driven neoliberal destabilization of the markets and of entire societies, that to this day still is the beating drum that gives rhythm to my work. For this, and his enormous built and social legacy, I will be forever grateful to Niemeyer, and to Veveco.

Interview Oscar Niemeyer

On December of 2001, there I sat in the new terminal 4 at the JFK airport in New York about to board a plane heading to Brazil. The stress of the current travel conditions is gracefully diminished by the enormously light Alexander Calder mobile?grounding me, reminding me of the reason for this flight: Oscar Niemeyer. I focus on Calder’s mobile and feel the zero gravity, a timeless scale. Feelings Niemeyer has also given me upon navigating his oeuvre, a malleable license to dream he awarded us decades ago. And then it hits me, what am I to ask, to say to Niemeyer? How can I, a wet-behind-the-ears student-architect, connect with this 94 year old living legend, communist, reluctant associate of Le Corbusier, and contemporary of greats such as Lloyd Wright, Gropius, Tange, Van der Rohe, Sartre? There are light years of information in between us. How shall we wormhole the sense in this one?

Oscar Niemeyer is Brazilian, “carioca?to be exact (from the state of Rio de Janeiro). He was born with modernism. At 33, he built his first mayor commission, several leisure buildings around the Pampulha Lake in Belo Horizonte, where his St. Francis of Assisi chapel is located. At 40 he submits a design competing against the most renowned architects in the world, Le Corbusier being one of the competitors, for the see of the United Nations in New York City. He is awarded with the commission, and despite disagreements with Le Corbusier, he accepts the award and goes forth with its construction, built in 1953. From 1955 through 1960, he, alongside his mentor/urbanist Lucio Costa, designs and builds the new capital city of Brazil, Brasilia. During the 60’s and 70’s Niemeyer is harassed and persecuted by the insurgent military dictatorship. The chief engineer of Brasilia and good friend of Niemeyer, Joaquim Cardozo, is judged and prosecuted for “incompetence?for his role in the building of the new capital. Niemeyer is forced to seek political asylum in Europe for almost 2 decades. During those years, and still to this day, he continues to build in 5 continents with dozens of transcendental works credited to his oeuvre.

He is criticized, alleging that Brasilia did not work. Niemeyer wrote ?“I hope that Brasilia becomes a city of happy people, people that feel life in all its plenitude, in all its frailty; people who understand the value of the simple things ?a gesture, an expression of affection and solidarity.?Perhaps Niemeyer depended on humanity…

Surrounded by the intoxicating spirit of Rio and with my vague Spanish version of Portuguese, I am welcomed with warmth and contagious sympathy by Mr. Niemeyer (or Dr. Oscar as he is referred to around these parts).

Luis Berríos-Negrón: So, you’re meeting today with Le Monde (newspaper of largest circulation in France), for the publishing of a brief biography. Why do you think you are, at 94, as requested as ever?
Oscar Niemeyer: I do not know the reason (smiles). I am a common man just as everyone else.

LBN: As described in my letter to you, I feel there’s a great desire to hear your opinions during this period of drastic change and conflict. 9.11 has instigated a vast reassessment of perceptions, from local to global standpoints. And for many of us who were meters away from the collapse, we have been left with a profound feeling of despondence. For us specifically, as new students of the profession, we are beginning to wonder what is to become of the world, little less of the profession… its seeming irrelevance due to inexplicit geopolitics causing the radical dismay of our fellow citizens across the globe. Considering this, do you envision a new role for architecture… for the student, for the professional, for the people?
ON: I have always told students that school is not enough to be a professional. I always say that one needs to be aware of the world and of life so to be able to participate with dignity in the events of actuality. When I designed the University of Algiers in Africa I also proposed a program for the school of architecture that, in addition to the traditional curriculum, it implemented parallel courses in science, philosophy, sociology, literature and politics. All so that the student can leave the academia to live in decency, able to manifest. That is my opinion. I go through life tied to my drawing table, but I find that life is much more important than architecture.

LBN: Do you feel that the skyscraper still has a place in these times of neoliberal sprawl?
ON: I believe that urbanism has options. It can be vertical, it can be horizontal. Any solution can be good. I believe that the architect must be sensitive, procuring the needs of the community. Urbanism must be a solution that provides for the well-being of humanity. I understand that architecture changed many things. For me, after reinforced concrete, I have not had any interest in other architectures. In the past, in Rome for example, they made a dome of thirty-five meters in diameter and one meter of thickness. Yesterday, we released a design for a dome of seventy meters in diameter with a twenty-centimetre thickness. So, the technique has evolved. Reinforced concrete is what prevails. The space that the architect designs must procure the function of society. Therefore, the architecture makes the architect make the architecture. I do not credit an architecture that serves all. It would be repetition, it would be monotony. I believe architects, within reason, must procure their own architecture. I believe in intuition. I do my work. I procure a lighter architecture.

LBN: Do you have any suggestions as to what should be done with the site where the World Trade Center used to be?
ON: No, I do not. I understand there will be an exhibition in New York (Max Protech Gallery) about these proposals. I was invited to participate in this exhibition, but I respectfully declined to submit any ideas. I feel that we are entering one of the darkest periods in human history, a period of violence. Many see that what happened to the Towers was an act of terrorism, but I believe that the invasions and the bombardments are also acts of terrorism. I find it horrible. The death and the horror caused by the collapse of the Towers were horrible, but the destruction of entire cities and nations in the Arab world is also horrible. Many innocent people are dying.

ON: I believe that life is a minute (smiles). I believe we should live better. We must live well. Why that misery, that hatred? I travelled the Arab world and it is an antiquated world. I was in Saudi Arabia and it is outside of civilization. I was in the United States and I liked it. During those years students were jumping on the streets saying – “up democracy, down fascism…?It was a time of enthusiasm trying to make a better world. But that’s in the past, now it is all confused. I don’t like Bin Laden, but I don’t like Bush either.

LBN: Looking at Brasilia after half a century, and considering “the urban proliferation of confusion?1) abetted by the Alphavilles (model of gated communities of Brazil, ironic considering Goddard), can architecture and urbanism still facilitate social mobility?
ON: I find that it is man who damages things. Look at Argentina. It is a moment of enthusiasm where the people come out to the streets. In Brazil, things are not well either. They have sold our country. It is very complex, don’t you think? I am not a political analyst, I am just a simple architect, but I am interested and I have my opinion. I lived my life protesting for a better, common life, for a more just world.

LBN: I read a recent article about you in Wall Paper magazine where you described La Casa do Baile in Pampulha, as you would describe many if not all of your public works, as a place for the people. Is the Sambadrome a satisfying project from a socio-political point of view?
ON: Carnaval is an event of the people. The people are those who are poor and live in the favela. When Carnaval comes, those who live in the favelas innocently spend the bit of money they saved during the year on their costumes to go and entertain those who have oppressed them all throughout the year. There goes the bourgeoisie to applaud, only to return the next day to the same oppression and rejection of the poor. The world is very perverse.

LBN: And the United Nations?
ON: Like I said, man damages everything.

LBN: Which project has given you the most satisfaction?
ON: I have made such diverse projects… if you look at my work, I have made few apartment and office buildings. I have made more theatres, museums… projects that require more imagination. Those are the commissions I enjoy. I like making residences but it is always a pain in the ass dealing with proprietors (smiles). I made a house in Brasilia. The house was good. When the house was ready, the owner called me to go see it. I did. When I arrived, the owners were waiting for me at the entrance, a nice couple. They say to me ?“Dr. Niemeyer, this house has changed our lives. We liked it so much we decorated it ourselves.?I was frozen [laughs]. When I went in, the house had no architecture left. So, architecture is not only the outside, it is also the inside, the program. That is something that it is difficult for people to understand. The design is the space that envelops the architecture. Now, I will tell you that I do what I enjoy. When the theme allows it, I speculate a technique, I convene my engineers. I made a building in Brasilia. It is a government building, it is large. When one arrives under it one only sees one structural member, seemingly floating in the air. This building rises and all the floors are held by two beams that come down into the ground. This is a demonstration of technique. I try in helping architecture evolve. The President of Brazil passes by and says ?“why such a luxurious building??He does not comprehend. When I make a public building as such, I imagine the poor person that will never get anything out of it. That although it is the others that will benefit, that will make money from it, it is this poor person that can at least look at it and say with pleasure ?“this is different.?Therefore, architecture is full of secrets. The people want to see the architectural spectacle.

LBN: You are probably tired of listening to people ask you about this quote by Le Corbusier – “Oscar, you do baroque in reinforced concrete, but you do it very well.?
ON: The only influence I had from Le Corbusier was when he told me “Oscar, architecture is invention.?Therefore I procure the making of an architecture that has something different, which creates surprise. But my architecture is very different from his. He made this heavy thing. He did not speculate much on the technique. When one arrives into his work there is a lot of columns. He used columns at less than a half the distance of what was needed, you know, like the Egyptians [smirks]. But, I do not criticize him. Everybody does what they please.

LBN: What are your most important interventions, politically or otherwise, as to protest a social or government action? Have you ever intervened in the misuse of one of your buildings?
ON: I joined the communist party. I was prohibited from visiting the United States for 20 years. I continued with my ideas. Communism is an idea that continues to be, in the air. It exists for the fellowship of humanity. What happened in the Soviet Union will one day be modified. What the Soviets wanted was government support for housing, food, health, science. I find that capitalism is in decadence. The United States is in a path of crisis. It took 300 years for the Roman Empire to crumble. They might remain in that climate of power and of excessive intervention in the lives of others for many years. But that will end. I believe that man should look to the sky and realize that he is a little thing, of little importance. People are living on appearances… what appearances? A journalist once asked me ?“Doctor, after you die, people will see your buildings and then they marvel at your genius.?Marvel about what [laughs]?! People die too, you know. We all die. Everything ends.

LBN: What do you mean when you say ?“the architect should be born an architect, just as a painter should be born a painter??
ON: I believe that there should be intuition in the arts. The person learns architecture. The person goes to school. If the person has talent, a different architecture might emerge. If not, the person can be useful in making normal architecture, indispensable for life. Like a child, one must protect intuition. An eight year old child can make a fantastic design. The child goes to school, meets the teachers, learns the rules. I would like for schools of architecture to allow for more freedom. I know many graphic, furniture, and interior designers that are better architects than architects. Le Corbusier did not go to school. He had an idea of architecture. He worked in an architect’s studio and from there he went on to design the things that he liked. That is why I believe there should be intuition. If there is no intuition, there is mediocrity. Architects are making things that are uniform. If you go to Brasilia today, it is very sad. You see buildings on the streets that are methodical, mediocre, confusing. But what can I do? If you look here in Rio de Janeiro and you ask what is being built, you will be taken to Barra (beach-front area southwest of Rio). Barra is shit. It is another Miami. It is a suburb of Miami. In any modern city, to see good architecture, you have to have an address on hand, because there is no unity. But that’s how it is.

LBN: How does it feel to be referred as to the other communist left in the world… the other of course being Fidel?
ON: Ah… Fidel Castro is a fantastic figure. There he is, alongside the United Sates, defying American power. Fidel transformed the life of humanity, relating himself to others in a wonderful country. There is no misery, there is fraternity, they have an extraordinary public health system, there is no illiteracy. It is a great example for all humankind.

LBN: What is to become of solidarity and communism?
ON: I believe that what happened in the Soviet Union was an unforeseen accident. It will evolve, because, again, communism is something that is in the air, which will soon have another name. The idea is that we should live as equals, that we live well. Who can go against that? Only the insane [laughs].

LBN: For an atheist you have quite a gift for making space for spirituality. How do you connect with these sensibilities in your ecclesiastic work?
ON: I was from a Catholic family. My family were landowners. My father came to Rio and got involved in politics. Our house was big and they held gatherings. My mother would open the six windows in our living room, then she would open the “oratorio?(enclosed altar) and there they would hold mass. But when I left on to live life, I realized that life is very unjust. Therefore, it is important to protest. I go through life protesting that which is unjust.

LBN: What is the project you are currently working on… that you are most enthusiastic about?
ON: In addition to the projects I have already mentioned to you, I am currently making a house in Norway. I have great interest in this house. I am also making a building in Italy. Here in Rio, I am making “El Camino Niemeyer?in Niteroi that will be a complex of buildings that include a cathedral. That complex will be alongside the coast near the ocean. It is a site that interests me because it will enhance the architecture there. I need to closely analyze the conditions as I feel that the buildings must coincide, that there needs to be a soft, plastic element that connects them. But, the auditorium in Sao Paulo and the museum in Paraná are taking up most of my time.

LBN: Is there intent to project socio-political ideas through the “plastic freedoms?and “gestural aesthetics?of your work?
ON: My oeuvre is: the work that I make that comes to my hands, it is to convene my fellow artists to work, it is an attempt to return to the integrity of the arts, it is an attempt to return to the ligation between art and architecture. That project that I am making in Niteroi is not going to be done with expensive materials. I do not make my architecture propaganda of materials. My wall is smooth of white. Whenever possible I add a painting or a drawing.

LBN: American critic Hal Foster states ?“[Frank Gehry’s] free expression implies our unfree inhibition, which is also to say that his freedom is mostly a franchise in which he represents freedom more than he enacts it. Today, this exceptional license is extended to Gehry as much as to any artist, and certainly with greater consequences. In another sense this vision of expression and freedom is oppressive because Gehry does indeed design out of “the cultural logic?of advanced capitalism, in terms of its language of risk-taking and spectacle effects.?– So I ask you, at a time where capitalism and communism seem to be reaching points of saturation, could you give us a few more words that might help us adapt to these changes?
ON: I do the architecture that I like. I don’t criticize anyone, everyone do as they please. I don’t read anything about my work. There are a lot of books published about my work but the only thing I want is to do the work I like. If you ask me about an architect I will say the work is good. I will never tell you which architect is better, which one is worst. I visited Frank Lloyd Wright at one of his houses, a beautiful house that he liked. The principal element is that the architect is satisfied with the work. When the architect becomes preoccupied with what is being said about the work then the architecture is no good. I always feel that it should be more spontaneous. The best work is that which makes you feel well. Then it can be good.

LBN: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios?/em> (Of love and other demons). If women are “your drug? what is your religion?
ON: Doctor, one last question: your dear friend Gabriel García Márquez titles one of his books “Del amor y otros demonios?(Of love and other demons). If women are “your drug? what is your religion?


Luis Berríos-Negrón is Bachelor of Fine Arts at the Parsons School of Design, New York,  and Master in Architecture at the Massachusetts Institute of Technology, Cambrigde.


Veja todas as matérias da série Oscar Niemeyer 1907-2012
See all the texts in the series Oscar Niemeyer 1907-2012

Veja todas as matérias sobre Oscar Niemeyer já publicadas na revista MDC
See everything on Oscar Niemeyer published on MDC magazine

Degravação em Português e edição: Luciana Jobim

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José Eduardo Ferolla

Cinquenta e Tantos

Mapa de bondes de Belo Horizonte. Fonte: www.skyscrapercity.com

A vida não era apenas subir Bahia e descer Floresta.

Para mim, ao contrário, começava descendo Bahia.

O fim da linha era logo aqui, na Congonhas com Leopoldina. Guimarães Rosa morava em frente, eu um quarteirão acima e menino em pé não pagava. De modo que à medida que o bonde ia descendo, a turba ia aumentando.

Na Afonso Pena, à meninada do Santo Antônio se agregavam as hordas das santas Tereza e Efigênia e o caldo engrossava de vez.

Dali, baldeávamos para Afonso Pena, Itapecerica e Antônio Carlos, saíamos das Minas e, cruzado o Arrudas, já nas Gerais, o destino final seria um parque na beira da lagoa, em frente a uma capela estranha, diferente de toda igreja que mineiro já tinha visto.

A garotada nem olhava, pois o objetivo daquele raid de domingo era correr pra alugar um bom cavalo e, no par-ou-ímpar, decidir quem ficava com sela ou em pelo, só na manta, e assim, respectivamente investidos de mocinho e índio, partir pra correria pelos cerrados em meio a pequizeiros e cagaiteiras, das cujas todos já havíamos aprendido a ignorar a abundante oferta daquelas frutinhas amarelas e perfumadas, pois o nome da árvore já dizia tudo.

A capela, entretanto, me chamava a atenção, inclusive porque já sabia da história de ter sido projetada por um tal de Niemeyer; que os desenhos naqueles azulejos azuis e brancos eram obra de um tal Portinari, de quem papai se arrependia não ter comprado uns quadros oferecidos por uma ninharia creio que pelo Capanema; que aquilo ali, portanto, era coisa de importância nacional, mas que o bispo refugou e não deixava celebrar missa porque, pra ele, com aquela forma não podia ser igreja, mas coisa de ateus comunistas. Mas nada disso me preocupava, pois eu gostava mesmo era de uma outra coisa, mais estranha ainda, chamada “casa do baile?

Menino, eu já me deslumbrava como aquelas ondulações incrivelmente me evocavam versos ensinados pela Dona Ester:

… Valsavas.
Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias;
Tremias;
Sorrias
Pra outro
Não eu…

Casa do Baile. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1940. Foto: Adriano Conde

Sessenta e Poucos

Régua, giz, borracha e mata-borrão, assim diziam.
Depois do Pedro II, do Rio, o melhor colégio do Brasil.
Também coisa daquele tal de Niemeyer.

Coincidência? Só sei que a gente ali respirava liberdade, ninguém te pajeando, ninguém preocupado se você estava na aula ou atrás do mata-borrão fumando e/ou namorando, sem muros pra te prender, só aquele arrimo fácil de pular nivelando o terreno. Mas, se não estudasse…

Muitos contemporâneos ilustres: Henfil, Tostão, Elke Maravilha, Martinha “Queijinho de Minas? Affonso Romano de Sant’anna, Humberto e Dorotéia Werneck, até a Dilma (mas, quem era ela, quem conheceu essa Dilma?).

Fernando “Mangabeira?Pierucetti, criador do “Galo? da “Raposa? do “Coelho? o que acabou virando regra esportiva no Brasil (não ganhou um tostão de royalties), com singularíssimo método de ensinar geometria, obrigando-nos a desenhar todas as suas aulas a mão livre num caderno previamente quadriculado também a mão livre. Amaro Xisto e as teorias de Paul Rivet e Alec Hrdlisca, ensinando antropologia e sambaquis para meninos cheios de espinhas. Quatro anos de latim me ensinaram que Gallia est omnis divisa em partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum lingua Celtae, nostra Galli apelantur, coroados por mais dois com Dona Etel nos regendo pelo Manual de Canto Orfeônico do Villa-Lobos.

Terá sido a obra de Niemeyer a indutora daquele clima no Colégio Estadual? Não há como saber, mas a gente tratava o colégio como casa da gente, sentíamo-nos honrados e privilegiados por viver e estudar num lugar tão bacana, obra daquele mesmo cara que, com Lucio Costa, estava construindo uma cidade no planalto central.

Veio a ditadura e ?primeiro ato de fazer-se presente ?gradeou o colégio.

Passados dois dias já não mais restava tela alguma, só os quadros tubulares vazios, que mais nos ajudavam, num balé coletivo, balançar o corpo para mais elegantemente aterrissarmos na São Paulo pro “pão-molhado?no seu Álvaro.

Colégio Estadual Central. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1954. Foto: Cartão postal de Belo Horizonte

Sessenta e Muitos

E como não havia como ser de outro jeito, em 66 lá estava eu, começando meu curso de arquitetura.

Na primeira escola do Brasil nascida como escola de Arquitetura, a da UFMG, onde se vivia um clima glorioso: Brasília já era uma realidade, a escola acabara de ser premiada no Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura da Bienal de São Paulo, Brasil era um país com arquitetura de ponta.

Quanto mais a ditadura ia arrochando o torniquete, mais descobríamos como burlá-la. Nunca mais fomos país tão criativo como tivemos que ser principalmente depois do AI-5.

A arquitetura do Oscar alçava voos vertiginosos. De um incrível projeto para uma edificação destinada à música, com teatros suspensos a cada lado de duas vigas estaiadas de Pier Luigi Nervi, ele dizia: desejosos de preservar a vista para o mar, suspendemos o edifício e criamos dois balanços de 50 metros, e a gente ria, ria…

Tinha de conhecer a nova capital pra ficar chocado ao ver ao vivo ?só não digo a cores ?a incrível leveza do Palácio do Planalto, a invenção da catedral, aquela sucessão de palmeiras como se me apresentou o Palácio do Itamarati. Logo depois, a Bienal de 67 me apresentou o conjunto do Ibirapuera (hoje completado por ele mesmo com um teatro e uma língua de Mick Jagger). A juventude ainda nos dava fôlego para subir, correndo, até o topo da Oca. Descer era outra estória…

O curso de arquitetura foi nos apresentando outros personagens, como Frank Lloyd Wright, Ludwig Mies van Der Rohe, Charles-Edouard Jeanneret Gris, dit Le Corbusier…

Se Le Corbusier me fez saber apreciar melhor o Cassino da Pampulha, calou-se passados mais de 20 anos ante o silêncio de Kahn em Ahmadabad. Mas os trabalhos de Niemeyer e Mies, pra mim, até hoje – depois dos construtores de catedrais – são insuperáveis invenções.

Oscar continuava aprontando, usando da Justiça pra fazer, como em na Fontana di Trevi, uma fachada-fonte, espicha e deforma o Itamarati em Milão, achata e rasga embaixo a Oca em Argel, e a Módulo a cada edição nos apresentava mais novidades, acompanhado de Bruno Contarini e de Joaquim Cardozo, aquele que fazia cantar os apoios.

Até 1971. No dia 4 de fevereiro, estava eu nas proximidades coletando material para minha dissertação de urbanismo. A peãozada almoçava sobre um grande espaço de 300x70m quando o canto virou estrondo. Morreram 69 na hora, quase metade depois e, logo mais, foi Cardozo quem não mais pôde suportar aquilo.

Seria um edifício bonito, duas enormes vigas paralelas de 300x15m separadas 70 metros, unidas acima por vigas-calha interligadas por abóbodas de vidro. Iria abrigar o acervo daquela Feira de Amostras do Berti demolida para dar lugar à rodoviária de Fernando Graça e outros.

O que sobrou, mais tarde, demoliram de pura vergonha.

Pavilhão de Exposições da Gameleira após o desabamento em 1971. Fonte: Arquivo Público Mineiro

Setenta e Muitos

Os bondes há muito já não existiam, nem mais aquela graça da aventura dominical, mas a nossa revista foi se chamar Pampulha ?revista de arquitetura, arte e meio ambiente.

Um bando de malucos fazendo uma revista toda a mão. Lançamos um número 1 em Brasília no primeiro congresso de brasileiro de arquitetos pós-silêncio.

Capa do Primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979

Oscar Niemeyer em seu escritório, 1979. Foto: José E. Ferolla

Os homenageados, não poderiam deixar de ser Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Não foi a primeira vez que nos encontramos, mas, desta vez, naquelas entrevistas, a conversa foi bem mais franca.

Primeiro Lucio, na Delfim Moreira, numa bagunça entre fotos da filha, brasão bizantino, lata de Ovomaltine e um quarto completamente lotado de jornais (será que nunca passou pela cabeça dele a possibilidade de por aquele velho prédio abaixo?).

Sua conversa nos fez ler, nas entrelinhas, que as coisas já não andavam tão bem entre eles.

Costa declara-se cansado de assistir àquele show de ferragens à milanesa.

Página do primeiro exemplar da Revista Pampulha, 1979. Foto: Maurício Andrés

Oscar, do seu costumeiro pouso Art Déco no Posto Seis ?em cujo terraço a vertigem nunca o deixou chegar – fez pose, xingou deus e o mundo, para depois nos entregar, datilografado, um mais do mesmo, aquela conversa de…quando eu fiz Pampulha… das curvas das mulheres brasileiras… blá, blá, blá…? mais um desenho (para a capa, ele disse ?nada menos…), com a praça defronte do Planalto cheia (no dizer de Lucio Costa) de pinguins à guisa de povo…

Engraçado ele citar as curvas das mulheres brasileiras, mas aquela topografia de matagais pélvicos da foto de Lucien Clergue, bem iluminada ao fundo de sua mesa (ele, pudicamente, punha um desenho seu à frente quando havia moçoilas no recinto…) são bem franceses. Ou serão argelinos?

Oitenta e Poucos

Pampulha, de novo…
 Essa coisa é que nem visgo, pegou, solta mais não.

Oscar Niemeyer e José Eduardo Ferolla. Foto: Herbert Teixeira

Nessas alturas, na diretoria do IAB-MG lutando pela preservação de nosso patrimônio natural e cultural, acabamos nos reencontrando e juntos, mais “autoridades?(como se não fosse ele a maior) percorremos a capela, o Cassino e a Casa do Baile. O Iate, depois das intervenções de colegas ali realizadas, nem perto quis passar, que aquilo estava uma xculhambação

Deu certo, a bronca.

As autoridades, feridas nos brios, resolveram dar um jeito naquilo. E tive a felicidade de participar do baile da reinauguração da Casa do Baile ao som de Carlos Fernando + Nouvelle Cuisine. Pas mal

Projeto de Concurso para a Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, José Eduardo Ferolla, Fernando M. G. Ramos, MIlton Castro, Thea Villas Boas., 1984

Ainda mal curado do trauma da entrevista da Pampulha, me envolvi noutro papelão.

Cenário: Rio de Janeiro, Avenida Presidente Vargas, em frente ao 2º Exército, ao lado do Campo de Santana e, atrás, junto ao casario da Rua da Alfândega. Concurso público nacional para a Biblioteca Pública do Rio.

Ele, no júri, premia projeto incompleto e inconcluso de um afilhado.

A grita é geral, principalmente entre os cariocas, para quem, até então, era unanimidade inquestionável, a ponto de deixar outro gênio da terra, Sérgio Wladimir Bernardes, praticamente no esquecimento.

A coisa engrossou, o IAB-RJ chiou, o CREA-RJ condenou, JB publicou, pra tudo se acabar em pizza. Com cabelo.

Noventa e Muitos

Concursos… Coisa complicada.

Capanema, funcionário público, melou um concurso público pra emplacar a turma do Lucio Costa no Ministério da Educação.

Niemeyer, nesta história do Rio, já era veterano. Debutou no concurso do Plano Piloto de Brasília, impondo a proposta do Lucio. Contava isso pra todo mundo nos seus detalhes mais sórdidos.

Mas sempre foi um Robin Hood. Ganhava pra repartir. Nisso um comunista autêntico, durante anos sustentou a família de Prestes. O problema de um temperamento destes é, como cavalo velho, a carrapatada que nele agarra.

Na ânsia de agradar gregos e baianos, tendo muitos a quem sustentar, tudo começava a contribuir para que a qualidade da criação começasse a declinar.

Bibliotheca Alexandrina, Alexandria, Egito. José Eduardo Ferolla, Fernando Ramos, Carlos Antônio Leite Brandão, 1989. Terceiro Lugar em concurso internacional

Os cinco minutos de fama proporcionados pelo sucesso alcançado no concurso internacional Bibliotheca Alexandrina me levaram a São Paulo como convidado no Congresso Brasileiro de Arquitetos, onde tive a oportunidade de reencontrar com Lucio Costa pela última vez.

Manifestando querer conhecer o Memorial da América Latina, lá fomos, Pirondi e eu, a ciceroneá-lo.

Eu, que também não conhecia a obra, fiquei horrorizado. Ele não disse palavra sequer, até que chegamos biblioteca e aí seus olhos brilharam: é uma extrusão da igrejinha da Pampulha! Mas não passou disso, dava pra sentir no ar a decepção.

Croquis do Memorial da América Latina. São Paulo, Oscar Niemeyer, 1987

No lusco-fusco da volta, nos fez parar sob o Minhocão, onde desceu, olhou pra lá, pra cá e, maravilhado, exclamou: que coisas incríveis podem acontecer aqui, vejam como esse lugar é cheio de vida!

Isso, depois de ver aquela desolação daquela enorme “bandeja?onde se dispõem as obras do memorial…

Dez e Poucos

A partir daí, salvo algumas exceções, fui vendo sua (dele?) obra degenerar.

Mais uma vez entramos em rota de colisão, desta vez por causa da nossa Cidade Administrativa.

Publiquei isso, sem o saber, a exatos 33 anos depois do estrondo.

Minha briga, na verdade, era com o rapaz então dirigindo o Estado, mas sempre me espantou como um personagem daqueles, assumidamente comunista, com todo o respeito com que o cercavam, nunca falava não, sempre sabia quando convenientemente se calar para assim fazer sua obra, por mais inconveniente que fosse.

Projeto não realizado para o Palácio da Liberdade. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 1968

Às vezes, como aí ao lado (1969), a gente achava até que era brincadeira, que ele jamais imaginaria alguém louco o suficiente para demolir o Palácio da Liberdade pra fazer isso no lugar, mas como Isreal Pinheiro, de uma twinscrapper, muito pouco se diferenciava, e como nós estávamos no auge de uma ditadura, quando, se alguém apenas triscasse, levava chumbo, sinceramente, eu não brincaria e menos ainda arriscaria…

O fato é que passei cada vez mais a questionar algumas de suas mirabolices e de suas justificativas. No nosso Palácio das Artes, por exemplo, onde ele começava justificando não ter outro lugar para fazê-lo que não no nosso já exíguo e mutilado Parque Municipal, sempre estranhei, logo ele que, desde o começo de sua obra, não dispensava um brise soleil, deixar o foyer e as salas de ensaio do corpo de baile rachando ao noroeste sem proteção alguma, até o dia em que achei o projeto lá mesmo, num depósito do teatro, e naqueles desenhos pasmo constatar que a orientação estava errada. Será que ele não foi lá nem uma vez dar uma olhadela, nem que rapidinha, e nem precisaria disso, se bastava ver a posição da Afonso Pena em qualquer mapa da cidade? Fiquei muito, muito assustado.

Não que ele se preocupasse em contextualizar seus projetos ?todos os modernistas eram messiânicos e sempre desprezavam o que antes houvesse ?mesmo porque suas obras, de tão grandiosas, sempre criaram um novo contexto ou dominariam qualquer contexto urbano que fosse, mas, daí a cometer descalabros desta ordem?

Chegando a projetar o mesmo para qualquer lugar?

A Cidade Administrativa, por exemplo. Primeira vez que a vi seria localizada num topo, num arranjo tipicamente niemeyeresco, tudo e a todos dominando. Foi preciso, graças a Deus, que engenheiros demonstrassem que ali não dava, que o custo de criar acessos àquela cidadela compatíveis ao grande afluxo viário inviabilizaria a obra. E eis que, num passe de mágica, o projeto vai parar num brejoso fundo de vale, sem nada tirar, nem por, como se fosse maquete que, de um mesa, foi pro tamborete. Quando vi os desenhos adesivados nos ônibus, comentei que péssima foto-inserção, quem fez não percebeu como estava fora de escala? Hoje, sempre que vou ou volto de Confins, percebo que o erro não foi de quem fez a fotomontagem. Aquilo é um desastre. Meu consolo foi supor que nada mais daquilo era dele, mas da vassalagem, que ele, se pudesse ver, jamais se enganaria daquele jeito, não aceitaria que aqueles dois enormes edifícios passassem de norte-sul para leste-oeste, não deixaria de propor amebas ibirapuerianas interligando-os ao palácio e jamais admitiria que aquela pequena e desproporcional caixinha de talco Royal Briar se fizesse de centro de convivência e vai por aí afora.

¿Hasta Cuándo?
¿Hasta Cuándo?

Niemeyer passou da hora de parar e nem tenho como afirmar se queria ou mesmo poderia tal a enorme flora intestinal a sustentar.

Um absurdo, essa franquia familiar, como que desenterrando das mapotecas coisas recusadas, muitas vezes pelo próprio autor, mexendo daqui, dali, reciclando (mal) o que encontrava, procurando a todo custo manter contínuo o fluxo proporcionado por esta safadeza denominada notória especialização, desenvolvendo mal e detalhando porcamente, sem qualquer escrúpulo, o que o mestre rabiscava.

Na hora em que não mais for possível manter o que em qualquer empresa se chamaria “controle de qualidade? seria a hora de parar.

O detalhamento e os acabamentos do Memorial da América Latina são uma vergonha. Dá dó ver o primitivismo tosco com que foram resolvidos e detalhados os guarda-corpos das rampas ?e as próprias rampas ?do Museu de Niterói, com aqueles policarbonatos alveolares ora num sentido, ora no outro…

Claro que não daria mais para hoje continuar com os requintes de alabastros, cristais belgas âmbar e pilares de inox do Cassino. Mas a singeleza dos detalhes do piso e do forro da capela, a coerência com que dialogavam, a propriedade de cada escolha, na dose certa para não sujar o branco, tudo isso se foi. Só salvou o branco.

Por que a decadência? Será que a resposta pode ser tão simples, ele não mais estar mais no comando?

Às vezes ainda deu certo, como o novo teatro. Ao contrário de Brasília, desta vez assentado num cateto e, da hipotenusa, brotando a nova lingua do Mick Jagger do Ibirapuera.

Centro Administrativo de Minas Gerais. Belo Horizonte, Oscar Niemeyer, 2004. Foto: Danilo Matoso

E, no Centro Administrativo de Minas, aí está mais uma vez o coitado, avalizando a mediocridade dos nossos mandatários.

Contratar Niemeyer, depois de 1993, passou a ser garantia de atropelo à Lei de Licitações e Contratos por um artifício que ninguém tinha coragem de retrucar: que aquele senhor, então com apenas 86 anos, era um gênio incontestável.

E tudo ficava mais fácil, e muito mais rápido: nada de concursos, concorrências ou tomadas de preço, processos demorados, frequentemente passíveis de impugnação, acarretando aquilo a que político tem verdadeiro horror – lentidão e auditoria. Ao contrário, resultava no que os fazia, digamos, delirar: não prestar contas nem dar satisfações a quem quer que seja e tudo isso sob chuva de aplausos da mídia e do povo em geral.

Tem obra de Niemeyer neste Brasil pra tudo quanto é canto e, como coelhos, continuaremos a assistir a proliferação desta escorchante e perversa franchising.

Parente é serpente.

Dezembro de 2012.


José Eduardo Ferolla é Engenheiro Arquiteto, Urbanista e
professor da Escola de Arquitetura da UFMG.


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Kenneth Frampton

Stamo Papadaki. The work of Oscar Niemeyer: capa

Mesmo hoje, após mais de sessenta anos, o estudo inicial de Stamo Papadaki sobre a obra de Oscar Niemeyer (o primeiro livro sobre Arquitetura Moderna que comprei) é uma permanente fonte de inspiração para mim. Aquela foi a visão de uma modernidade totalmente diversa, que então, como hoje, era não apenas a apoteose do Movimento Moderno brasileiro mas também, ao mesmo tempo, uma representação simbólica da promessa em curso do Brasil como um todo. Este modelo de uma modernidade completamente distinta e verdadeiramente libertadora seria igualmente bem documentada à época pela principal revista inglesa The Architectural Review, e pela L’Architecture d’Aujour d’Hui. Os editores daquelas revistas apoiaram totalmente o vocabulário neocorbusiano pós-purista de Niemeyer e ajudaram a tornar sua obra conhecida no mundo.

Na tentativa de fazer justiça à contribuição de Niemeyer no auge de sua capacidade ?i.e. a sua brilhante reinterpretação da planta livre corbusiana ?não sabemos o que deve ser mais louvado. O seu gênio evidente e sua simplicidade como o idealizador de um espaço hedonista, ou a infinitamente fluida paisagem tropical que ele inventou em sua colaboração de toda a vida com o paisagista Roberto Burle Marx.

Nesse momento da história, em que nós parecemos perder todo o sentido daquilo que Hannah Arendt uma vez chamou de “espaço da aparência humana? o melhor da obra de Niemeyer sobressai como uma constante lembrança do que significa criar uma representação monumental verdadeiramente articulada do espaço humanista (comparável ao espaço da Grécia Antiga), como no caso do peristilo monumental que embeleza o interior da entrada do Ministério da Educação no Rio de Janeiro.

Algo semelhante pode ser visto na maquete e plantas do edifício sede da Empresa Gráfica O Cruzeiro, de 1949. Não se sabe qual característica mais admirar. Talvez o brilhante rigor tectônico da malha de colunas que, como sistema estrutural, sustenta toda a massa cúbica de onze andares. Ou a habilidade simples e a ingenuidade com que o primeiro e o segundo pavimentos são orquestrados para acomodar, com toda a facilidade, tanto o atendimento ao público no nível do chão, na rua abaixo, quanto o tráfego comercial de caminhões no fortemente carregado segundo pavimento. Acresce que o conjunto seria fechado (pelo menos na proposta) por uma pele de brise-soleil habilmente ritmada. É precisamente neste ponto que duvidamos da cisão ideológica que supostamente divide o rigor da tradição paulista da Escola Carioca de Lucio Costa. Neste trabalho monumental singular, Niemeyer transcende totalmente a aparente divisão entre as duas maneiras brasileiras de pensamento e prática. Este edifício simples, pragmático, mas ainda assim monumental, é o testemunho, no meu ponto de vista, da grandeza abrangente do melhor de Niemeyer, e do mais profundo significado do legado cultural que ele deixa.

Empresas Gráficas

Empresas Gráficas

Por fim, devemos admitir que, à época em que ele voltou sua mão para Brasília, a inspiração de sua melhor obra já havia passado. Por isso, em última análise, ficamos com sua capacidade inicial incomparável. Ela, somada ao compromisso político de suas crenças de 1949, são um testemunho, mesmo agora nessa hora pós-moderna, do chamado libertador original da arquitetura moderna no seu auge.


Kenneth Frampton é arquiteto, crítico e historiador de arquitetura.
Autor de História Crítica da Arquitetura Moderna.


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Homage à Oscar via Stamo Papadaki

Even now after more than sixty years, Stamo Papadaki’s initial study of the work of Oscar Niemeyer (the first book on modern architecture that I ever purchased) remains a source of enduring inspiration for me. This was the vision of a totally other modernity which then as now was not only the apotheosis of the Brazilian modern movement but also at the same time a symbolic representation of the progressive promise of Brazil as a whole. This model of a totally other, truly liberative modernity would be equally well documented at the time by the British leading magazine The Architectural Review and by André Bloc’s L’Architecture d’Aujourd’hui. The editors of these magazines put their full weight behind Niemeyer’s post-Purist, Neo-Corbusian vocabulary and helped to make it nominally available to the world.

In aspiring to do justice to Niemeyer’s contribution at the height of his power?i.e. to his brilliant re-interpretation of the Corbusian free-plan?one does not know quite which to celebrate the most, his evident genius and simplicity as a planner of hedonistic space or the infinitely flowing tropical landscape that he invented via his life-long collaboration with Brazilian botanist-designer Roberto Burle Marx.

At this moment in history, when we seem to be losing all sense of that which Hannah Arendt once called “the space of human appearance? Niemeyer’s finest work stands out as a constant reminder as to what it means to create a truly articulate, monumental representation of humanist space (comparable to the space of ancient Greece) as in the case of the monumental peristyle that graces the interior of the entry to the Ministry of Education in Rio de Janeiro.

Something similar may be witnessed in the model and plans of the Empresa Gráfica O Cruzeiro publishing house printing works of 1949. Herein one does not know which feature to admire most, whether it is the brilliant tectonic rigor of the columnar grid which, as a structural system, sustains the entire eleven storey cubic mass or, say, the sheer skill and ingenuity with which the ground and second floors are orchestrated so as to accommodate, with the greatest ease, both public facilities at the lower grade level and commercial trucking at the heavily loaded second floor. In addition, the whole was to be clad (at least as a proposal) in a brilliantly syncopated brise soleil skin. It is just at this juncture one might have doubts about the implacable ideological schism supposedly dividing the absolute rigor of the Paulista tradition of Artigas from Lucio Costa’s school of Rio de Janeiro. In this singular monumental work, Niemeyer will totally transcend the seeming division between the two modes of Brazilian thought and practice. This simple pragmatic but nonetheless monumental building testifies, in my view, to the comprehensive greatness of Niemeyer in his prime and to the deeper significance of the cultural legacy he leaves behind.

In the end, one has to concede that by the time he turned his hand to Brasilia the felicity of his finest work had already passed. Thus, in the last analysis, we are left with his unmatched initial capacity plus the political commitment of his credo of 1949 that testifies, even now, in this post-modern hour, to the original liberative calling of modern architecture in its prime.


Kenneth Frampton is an architect, architectural critic and historian.
Author of Modern Architecture: a critical history.


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Tradução: Danilo Matoso
Colaboração editorial: Luciana Jobim
Imagens: Papadaki, Stamo. The work of Oscar Niemeyer. 2ed. New York: Reinhold, 1951. (1ed. 1950).

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Oscar de Vianna Vaz

Edifício Niemeyer

Se uma das funções da escrita é também expurgar as tristezas, as linhas que seguem devem reconfortar-me quanto à perda do grande arquiteto Oscar Niemeyer. Cento e quatro anos é pouco. Um sopro, como ele mesmo costumava dizer quanto à duração de uma vida humana. Sua obra, certamente, durará uma eternidade, assim como a lembrança de sua personalidade, na qual se equilibravam de forma amena traços tão contrastantes, como o rigor crítico e a amizade incondicional, a impaciência e a tranquilidade, a acidez e a ternura. Não é de se estranhar, portanto, a convivência harmoniosa na obra do mestre de elementos tão opostos quanto a leveza e o concreto, o movimento de corpos estáticos, o simples e o monumental.

Falar de eternidade quanto à obra de Niemeyer é, porém, de certa forma, contradizê-lo. Pois ele percebia, e seu discurso o comprova, a insignificância e a impotência do homem diante do eterno e do infinito. Talvez seja exatamente esta uma das principais características dos grandes homens: a escolha de parâmetros como a eternidade e a infinitude para balizar suas ações. E, depois, a modéstia: “O mais importante é a vida, os amigos…? Ninguém que tenha compartilhado de sua convivência deixou de ouvi-lo dizer tal frase.

É por isso que acredito que não seja a hora de uma análise técnica ou estética de sua vasta obra. Inúmeros estudiosos da arquitetura já o fizeram, e outros muitos ainda irão tentar preencher as lacunas deixadas pelos estudos já realizados. Nessa hora de luto, em que familiares, amigos e admiradores perdem o chão, melhor falar dos sentimentos oriundos desta falta.

Niemeyer, dentro e fora do Brasil, é sinônimo de criatividade, leveza, alegria, busca de perfeição, beleza. Talvez o que torna mais difícil para os brasileiros aceitar a morte de Niemeyer é que ele fazia parte daquele Brasil de que nos orgulhamos, daquele ao qual nos afiliamos imediatamente, sem hesitação ?o cartão-postal, a foto de viagem, o encantamento perante o belo. É o paradoxo de se dizer brasileiro, conterrâneo, “irmão?de Niemeyer, quando na verdade nos refletimos naquilo que o torna universal, cosmopolita, motivo de orgulho para o mundo. É, portanto, a ausência desse elo entre o Brasil e a humanidade ?no sentido de excelência do humano ?que lamentam os brasileiros com a desaparição do mestre. Felizmente, porém, no caso de grandes artistas, tal elo não se rompe com a morte. Muitas vezes até ele se consolida e se desdobra em outras correntes. Inútil dizer que a grandeza de sua obra e seu lastro, que arrebataram a admiração do mundo inteiro, estendem o sentimento de vazio também pelos lugares por onde ele passou, deixando sua marca.

Quanto a mim, sou arquiteto, belo-horizontino, e tive a sorte de morar, por quase dez anos, no Edifício Niemeyer, na Praça da Liberdade. Nesse período, de 1998 a 2007, não nos cansamos, eu e minha mulher, de abrir as portas da nossa casa aos curiosos, amigos e desconhecidos, leigos e arquitetos, brasileiros e estrangeiros, que quiseram conhecer, por dentro, uma das belas obras que o Oscar nos deixou em Belo Horizonte. Aliás, a cidade é pródiga em obras que encarnam a beleza da arquitetura de Niemeyer. Desde o edifício onde morei até as obras da Pampulha, marco apontado pelo arquiteto como início de sua obra e ponto turístico obrigatório da cidade, não só a admiração mas a comoção é o sentimento que domina o visitante desses espaços ímpares. Digo isso com um certo conhecimento de causa, pois, além de ter experimentado tais sentimentos, presenciei inúmeras reações desse tipo. As turmas de alunos da Escola de Arquitetura da UFMG, trazidas por meus antigos professores, os estrangeiros de passagem, os amigos acompanhados de outros amigos ?a surpresa e o fascínio eram comuns ? o que aumentava nosso prazer em compartilhar o espaço que habitávamos. Imaginem como seria Belo Horizonte sem as obras de Niemeyer, que iluminam a cidade, pululam em nossos cartões-postais e conferem ao belo-horizontino uma referência, um senso de pertencimento a um mesmo lugar, a um mesmo grupo…

Vale, porém, lembrar que a beleza alcançada por Niemeyer em suas obras não era um fim em si, mas uma porta de entrada em um universo arquitetônico de coerência interna, um universo guiado pelo rigor ético e pelo engajamento político de seu criador. O modernismo brasileiro, do qual ele foi o maior representante, foi por ele utilizado como forma de expressar, em sua arquitetura, a esperança de um mundo melhor, compartilhado por todos. Não é por acaso que vemos sua alegria em poder levar ao menos o prazer estético para todos, independente de credo, cor ou classe social. E o período modernista foi também um momento em que o Brasil teve a coragem de propor algo novo, e soube como fazê-lo, contra um destino supostamente inelutável.

Hoje, relembrando alguns pensamentos de Niemeyer, vejo o quanto eles são pertinentes à nossa época e à nossa situação. Refiro-me especialmente aos princípios da amizade, da justiça e da solidariedade. Como arquiteto, não me impeço de enxergar a coerência de tais princípios com sua arquitetura. Arquitetura que o manteve jovem até o fim. Fica aqui, portanto, meu sentimento nesta hora de despedida: Morreu jovem demais!

Texto originalmente publicado, com pequenas alterações, no Estado de Minas do dia 5 de janeiro de 2013, caderno Opinião.


Oscar de Vianna Vaz é mestre em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e doutorando na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Raymund Ryan

Alguns anos atrás, o atrevido artista galês Cerith Wyn Evans fotografou o interior da Catedral Metropolitana projetada por Oscar Niemeyer para a área central de Brasília. Nessas imagens, um vazio em forma de vórtice é inundado de cor e luz; anjos esculpidos por Alfredo Ceschiatti parecem voar na rede modernista de concreto e vidro de Niemeyer. Ou estaria a estrutura iluminada de Niemeyer de fato girando sobre as figuras que pairavam, congeladas momentaneamente no espaço e no tempo? Na minha experiência, os melhores projetos de Niemeyer instigam tais pensamentos sobre movimento, exploração, dança. Cinestesia concreta.

 Brasilia 01.09.04

Cerith Wyn Evans
Brasilia 01.09.04
2006
C-print
Paper size: 25.4 x 30.5 cm
© Cerith Wyn Evans
Courtesy White Cube

Na mesma época, tive a oportunidade de visitar Brasília. Vim da Irlanda para apresentar uma conferência sobre a arquitetura contemporânea irlandesa, um tema de certo modo irônico já que diversos dos edifícios irlandeses caberiam integralmente no interior dos espaçosos saguões dos projetos autorais de Niemeyer. Eu nunca tinha visto um edifício de Niemeyer “em carne e osso?e tinha minhas dúvidas sobre as realizações do mestre. Essa reação, a um só tempo emocionada e cética, é evidente em um breve artigo publicado em Irish Architect em Dublin.

Contatos posteriores com o trabalho de Niemeyer me atraiam para suas qualidades. Aos 7 minutos e 20 segundos do filme Orfeu Negro (1959), encontramos o Ministério da Educação e Saúde Pública, projetado por uma equipe que incluía Le Corbusier e um jovem Oscar. A câmera registrou a chegada de Eurydice, interpretada pela atriz nascida em Pittsburgh Marpessa Dawn, e seu percurso através do centro do Rio. Repentinamente vemos a silhueta da laje retilínea do Ministério contra o céu azul. A câmera move-se para os heróicos pilotis onde Eurydice, com seu vestido branco virginal, serpenteia através da ensolarada praça modernista e seu paisagismo por Roberto Burle Marx.

Recentemente, viajei de Pittsburgh, onde hoje trabalho, para Belo Horizonte. Lá vi obras  impressionantes de Niemeyer dos anos 50. O destaque foi um passeio pelos quatro pavilhões edificados por Niemeyer ao redor da Lagoa da Pampulha, edifícios sociais com deliciosas formas esculturais e uma continuidade espacial entre interiores e o mundo exterior da natureza. Fotografias de Luisa Lambri revelam a intimidade dos pavilhões de Pampulha; dificilmente alguém não se entusiasma com o puro deleite que esses pequenos edifícios oferecem. Várias das imagens de Lambri foram exibidas aqui no Carnegie Museum of Art em 2006, apresentadas sob a instalação de Ernesto Neto  Okitimanaia Ogu ?um grande brasileiro junto a outro.

Untitled (Casino, #09),  2003

Luisa Lambri
Untitled (Casino, #09),  2003
Lasrechrome print mounted on Plexi
Edition of 5 + 1 AP
unframed: 110.5 x 132.7 x 0 cm
 Courtesy of the Artist and Marc Foxx, Los Angeles

 

Os Estados Unidos e Niemeyer tiveram um relacionamento tortuoso. Ele e Lucio Costa, é claro, realizaram o pavilhão temporário para o Brasil na Feira Internacional de Nova Iorque em 1939. Tendo o visto recusado por motivos políticos, Niemeyer nunca viu a casa que ele projetou no início dos anos 60 para o cineasta Joseph Strick em Santa Monica; felizmente, a propriedade foi meticulosamente restaurada por Michael e Gabrielle Boyd. É o trabalho de Niemeyer no projeto da Sede das Nações Unidas em Nova Iorque que lhe assegura um legado norte-americano. Os visitantes hoje podem apreciar uma evocativa vista do complexo das Nações Unidas desde o FDR ?Four Freedoms Park ?inaugurado no último mês de outubro a partir de desenho de um dos mais importantes arquitetos contemporâneos de Niemeyer, Louis I. Kahn.

Visitando-se o www.mapquest.com e buscando-se “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? encontra-se uma propriedade longilínea com duas piscinas e diversas estruturas alongadas para sul para mirar para o Mediterrâneo. Esse paraíso projetado para a família de editores Mondadori é praticamente invisível desde a rua. Na última primavera meu avião para Nice sobrevoou o lugar de modo que parecíamos flutuar, momentaneamente, sobre a piscina biomórfica à beira-mar. Eu me lembrei da visita à casa de Niemeyer em Canoas com sua rocha aparente, sua delgada laje de cobertura e sua sedutora piscina; tão sedutora de fato que fiquei tentado a me despir e mergulhar.

O legado ou desafio de Oscar Niemeyer aos arquitetos reside em como lidar com o planejamento crítico e o projeto de edifícios, tanto em termos sociais e técnicos, sem se esquecer de buscar o prazer na vida.


Raymund Ryan é curador do Heinz Architectural Center Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
Sua exposição atual é White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Homage to Oscar : a Niemeyer Montage

A few years back, the cheeky Welsh artist Cerith Wyn Evans photographed the interior of the Metropolitan Cathedral designed by Oscar Niemeyer for the centre of Brasilia. In these images, a vortex-like void is infused with colour and light; angels sculpted by Alfredo Ceschiatti appear to fly in Niemeyer’s modernist net of concrete and glass. Or could it be that Niemeyer’s flared structure is in fact rotating about the levitating figures frozen momentarily in space and time? In my experience, Niemeyer’s best projects instigate such thoughts of movement, exploration, dance. Concrete kinaesthesia.

Around the same time, I had the opportunity to visit Brasilia. I made my way from Ireland to give a talk about contemporary Irish architecture, a topic not without irony as many of the Irish buildings would fit in toto within the spacious foyers of Niemeyer’s signature projects. I had never seen a Niemeyer building “in the flesh?and had mixed feelings about the master’s achievements. This reaction, being simultaneously thrilled and sceptical, is evident in a brief article I contributed to Irish Architect in Dublin.

 Subsequent exposure swayed me to the merits of Niemeyer’s work. 7 min 20 sec into the film Orfeu Negro (1959), we find the Ministry of Education and Health, designed by a team including Le Corbusier and a young Oscar. The camera has tracked the arrival of Eurydice, played by Pittsburgh-born Marpessa Dawn, and her tentative progress through downtown Rio. Suddenly we see the taut slab of the Ministry silhouetted against a blue sky. The camera pans down to heroic pilotis as Eurydice, in her virginal white dress, sashays across the sunny modernist plaza with its landscaping by Roberto Burle Marx.

More recently I flew from Pittsburgh, where I now work, to Belo Horizonte and saw impressive interventions there by Niemeyer from the 1950s. The highlight was a tour of four pavilions erected by Niemeyer around the lake at Pampulha, social buildings with delicious sculptural form and flow of space between indoors and the external world of nature. Photographs by Luisa Lambri reveal the intimacy of the Pampulha pavilions; one cannot but be enthused by the sheer joy of these smaller projects. Several Lambri prints were exhibited here at the Carnegie Museum of Art in 2006, arranged beneath Ernesto Neto’s installation Okitimanaia Ogu ?one great Brazilian hanging with another.

The United States and Niemeyer had a rather tortuous relationship. He and Lucio Costa realised of course the temporary pavilion for Brazil at the New York World’s Fair in 1939. Refused visas on political grounds, Niemeyer never saw the home he designed in the early 1960s for filmmaker Joseph Strick in Santa Monica; happily, that property has been meticulously restored by Michael and Gabrielle Boyd. It is Niemeyer’s role in designing the United Nations in Manhattan that ensures him a US legacy. Visitors now enjoy an evocative view of the UN complex from the FDR Four Freedoms Park inaugurated this October to designs by one of Niemeyer’s greatest contemporaries, Louis I. Kahn.

 If you go to www.mapquest.com and search for “Chemin de Saint-Hospice, Saint-Jean-Cap-Ferrat? you’ll find an elongated property with two swimming pools and several structures stretching south to overlook the Mediterranean. This paradise designed for the Mondadori publishing family is almost illegible from the road. Last spring my plane into Nice banked above the site so that we seemed to hover, momentarily, above the biomorphic sea-side pool. I was reminded of my visit to Niemeyer’s home at Canoas with its exposed rock, wafer-thin canopy roof, and enticing pool; so enticing in fact I was tempted to strip and plunge right in.

 Oscar Niemeyer’s legacy or challenge to architects is to grapple with critical planning and construction projects, in both social and technical terms, without forgetting to take pleasure in life.


Raymund Ryan is Curator, The Heinz Architectural Center, Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, USA.
His current exhibition is White Cube, Green Maze: New Art Landscapes.


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Tradução: Carlos Alberto Maciel
Colaboração editorial: Danilo Matoso

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Oscar Niemeyer – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2013/01/05/sobre-niemeyer/ //28ers.com/2013/01/05/sobre-niemeyer/#respond Sat, 05 Jan 2013 03:19:16 +0000 //28ers.com/?p=8539 Continue lendo ]]> serie-oscar

Kenneth Frampton

Oscar Niemeyer, Cassino da Pampulha. Belo Horizonte, 1941. Foto: Adriano Conde

Para mim, como para André-Bloc, da L’Architecture d’Aujourd’hui, Niemeyer foi sempre o arquiteto a representar a promessa da América Latina. Ele é a figura única que transformou o legado da plan libre de Le Corbusier num novo tipo de espaço hedonista que se fundia à paisagem. Nesse sentido, sua perspectiva libertadora, no seu auge, era inseparável da visão de mundo de Roberto Burle Marx. Como Alvar Aalto, ele foi um arquiteto que seguiu as primeiras incursões dos chamados pioneiros do Movimento Moderno, e ao fazê-lo introduziu no discurso moderno um conceito mais sensível da racionalidade a serviço do humano. Isso, junto a seu programa político libertador, garantirá a crescente importância cultural de seu trabalho no futuro.


Kenneth Frampton é arquiteto, crítico e historiador de arquitetura.
Autor de História Crítica da Arquitetura Moderna.


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On Niemeyer

For me, as for Andre-Bloc of L’Architecture d’Aujourd’hui, Niemeyer was always the one architect who represented the promise of Latin America. He is the one figure who transformed the legacy of Le Corbusier’s plan libre into a new kind of hedonistic space that fused into the landscape. In this regard his liberative vision, in its prime, was inseparable from the worldview of Roberto Burle Marx. Like Alvar Aalto he was an architect who followed on the first excursions of the so called pioneers of the Modern Movement and so doing introduced into the receive modern discourse a more sensuous concept of rationality in the service of the human subject. This together with his liberative political agenda will guarantee the increasing cultural significance of his work in years to come.


Kenneth Frampton is an architect, architectural critic and historian.
Author of Modern Architecture: a critical history


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Tradução: Danilo Matoso Macedo

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Maria Elisa Costa

Oscar Niemeyer, Lucio Costa, "Leleta" e Maria Elisa Costa, Anita Baldo e Anna Maria Niemeyer. A bordo do "Pan America", chegando a Nova York, abril de 1938. Foto: Casa de Lucio Costa

Pela circunstância de ser filha de Lucio Costa, conheci Oscar tão pequena que nem sei se as lembranças que tenho são de fatos ou de fotos. Foi em Nova York, quando foram projetar o Pavilhão do Brasil para a Feira Mundial de 1939.

Nas trajetórias dos dois, houve quatro interseções, e o Pavilhão do Brasil foi a terceira delas. A história é conhecida: houve um concurso para o projeto, Lucio ganhou o primeiro lugar e Oscar o segundo. Ao perceber no projeto de Oscar ingredientes novos, sobretudo em relação à liberdade da implantação do edifício, Lucio o convidou para juntos elaborarem, em Nova York, um terceiro projeto, que revelou ao mundo que ao sul do Equador alguma coisa inesperadamente rica estava acontecendo.

A interseção precedente ocorreu no edifício do antigo Ministério da Educação e Saúde, hoje Palácio Capanema, projetado em 1936 e ainda em construção por ocasião da Feira Mundial de Nova York.. Houve um concurso para o projeto da sede. do ministério recém criado, cujo titular era o mineiro Gustavo Capanema, homem sensível e inteligente. Insatisfeito com o resultado do concurso, pagou os prêmios mas o anulou, e convidou Lucio Costa pessoalmente para fazer o projeto. Lucio houve por bem montar uma equipe, e além de seu sócio, Carlos Leão, convidou Afonso Eduardo Reidy e Jorge Moreira, que haviam participado do concurso, Ernani Vasconcellos, a pedido de Jorge Moreira, de quem era sócio, e Oscar Niemeyer (que na época estagiava no seu escritório).

Consciente de que aquela seria a primeira oportunidade mundial de se construir um edifício de grande porte de acordo com a doutrina de Le Corbusier, Lucio recusou-se a começar a obra sem o aval do mestre. Capanema terminou por levá-lo ao Catete, para que pleiteasse a causa diretamente com o presidente Vargas. Diante da apaixonada insistência do jovem arquiteto, Getúlio acabou concordando: ?em>Se é tão importante assim, tragam o homem!?E o “homem?veio de Graff Zepelin, permanecendo no Rio por quatro semanas e tendo à sua disposição um moço discreto que desenhava bem, chamado Oscar Niemeyer Soares.

A terra fértil do talento de Oscar recebeu ao vivo a semente corbuseana, e com a liberdade do trópico gerou belos frutos, livres e saudáveis, que deixaram marca definitiva no sotaque brasileiro do movimento moderno ?Lucio costumava dizer que Le Corbusier era a força, Mies Van der Rohe a elegância, e que o Oscar introduziu a graça.

A presença dele no escritório que Lucio tinha com Carlos Leão em 1935, foi a primeira interseção direta entre as trajetórias dos dois. Era uma época de trabalho escasso, já que a clientela antiga queria casas “de estilo?que ele já não fazia mais. Assim, quando Oscar procurou o escritório, lhe foi dito que não havia condições de contratá-lo. A surpreendente resposta foi nada menos do que ?em>então eu pago para trabalhar?/em>! Ficou acertado que evidentemente ele não pagaria, e que frequentaria o escritório pelo tempo que quisesse, como uma espécie de estagiário, sem remuneração. Assim, quando houve o episódio do Ministério, ao saber que o sócio do Jorge Moreira seria incluído na equipe, Oscar reivindicou a sua própria inclusão, o que, a meu ver, revela o quanto, desde então, já tinha plena consciência do seu talento.

Vinte anos depois do Ministério, aconteceu Brasília, o último encontro profissional entre Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

Lucio “inventou?a nova capital absolutamente sozinho em casa, e ganhou o concurso público para o plano piloto da nova capital. Na concepção da parte monumental da cidade, onde determinou a implantação dos prédios e a volumetria construída, ele já sabia contar com a excepcional ?e indispensável ?presença da arquitetura do Oscar na tradução arquitetônica dos edifícios. É incrível que a Praça dos Três Poderes não seja fruto de uma só cabeça, como à primeira vista se poderia imaginar, mas da soma de duas personalidades tão diferentes, mas unidas pela convicção com que ao longo da vida batalharam pela qualidade da arquitetura brasileira.

A meu ver, Oscar é o único artista plástico popular do século XX, não apenas no sentido da sedução instantânea que sua arquitetura exerce sobre as pessoas comuns, mas pela liberdade com que é assimilada, incorporada e recriada por essas pessoas.

E com o passar do tempo, a coerência das suas convicções políticas, a sua generosidade, seu amor ao Brasil e o seu jeito de ser, tão completamente carioca, o tornaram um personagem querido em todo o país, uma referência “do bem? independente do vulto e do valor da sua obra.


Maria Elisa Costa


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Danilo Matoso Macedo

Croquis de Oscar Niemeyer alusivo à sua participação no projeto da sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1936, com a colaboração inicial de Le Corbusier.

Parece que tudo já foi dito sobre Oscar Niemeyer ?parafraseando Drummond.

Assim seria se o mestre centenário, como um deus mitológico, não teimasse em assumir forma humana e descer à terra das obras monumentais para, com astúcia e poder, subtrair aos arquitetos locais a possibilidade de primazia em suas próprias gerações. Sua lição profissional, na verdade, sempre foi a da vitalidade que pulsa na lavra cotidiana dos assuntos do ofício da arquitetura. Por mais que seu traço leve teime em ocultar o peso dessa maturidade, ela é visível nas hábeis soluções de planta, na escala humana, na inteligente implantação de suas obras em Belo Horizonte.

E sempre há algo mais que ser dito sobre a obra de Oscar Niemeyer.

A capital mineira oferece um ponto de vista privilegiado para uma visão panorâmica do trabalho do arquiteto. Está próxima do Grande Hotel de Ouro Preto, obra de 1938 fundamental na constituição de um doméstico, tátil e multicolorido nativismo moderno, por assim dizer, com uma articulação de materiais recorrente em sua trajetória profissional de quase oitenta anos. A profícua relação com Juscelino Kubitschek prefeito se iniciaria em Pampulha, no início da década de 40, com a casa do estadista, o Cassino, a Casa do Baile, o Iate Clube, o Golfe Clube e a Igrejinha. Ela amadureceria dez anos depois com Juscelino governador, nos edifícios da Praça da Liberdade e da Praça Sete de Setembro, e no Colégio Estadual Central. Ela chegaria ao ápice em 1957, evidentemente, nos edifícios de Brasília.

Na Capital Federal, a arquitetura de Oscar Niemeyer atingiria um alto nível de concisão formal e conceitual, a que ele cada vez mais se afeiçoaria. Se os volumes puros do Colégio Estadual Central já prenunciavam esse viés, ele pode ser bem apreciado nos espaços abertos encimados por vigas de concreto aparente no Pampulha Iate Clube e, mais recentemente, na alvura da Cidade Administrativa, talho purista na periferia da cidade que ocupação humana agora talvez comece a cicatrizar.

Niemeyer tratou de aquilatar pessoalmente suas realizações, à frente da revista Módulo, que circulou ?com um hiato de onze anos ?desde 1955 até o final da década de 80. Além de seus projetos e de outros arquitetos brasileiros, a revista trouxe à tona seu profícuo discurso escrito, iniciado com uma vigorosa campanha explicativa simultânea à construção de Brasília. Uma energia que infelizmente aos poucos esmaeceu ?após a Módulo ?numa coleção de anedotas e máximas articuladas em textos invariavelmente similares, que em todo caso bem servem para neutralizar o achaque das centenas de admiradores e dos críticos. O escritório de Niemeyer em Copacabana, de fato, parece ser parada obrigatória de toda celebridade do mundo da arquitetura que aporta no Rio de Janeiro, e espalhados nas mesas da sala de recepção encontram-se diversos livros com obras dos maiores arquitetos do mundo no último século, sempre com dedicatórias de seus autores. Trata-se de um reconhecimento refletido não apenas nos prêmios internacionais que recebeu, como também nas dezenas de trabalhos realizados em diversos países.

A influência de Oscar Niemeyer na arquitetura mundial é ainda imensurável. Cabe-nos agora documentar não apenas o rico acervo que o mestre vem deixando, como registrar a notável habilidade de muitos de seus colaboradores, de modo a atenuar o seu ofuscamento pelo brilho de nosso arquiteto maior. Desde Nauro Esteves, responsável pelo desenvolvimento das obras dos anos 50 em Minas Gerais; passando por Milton Ramos, que trabalhou na obra do Palácio do Itamaraty, e depois viria a ser autor do projeto do Aeroporto de Confins; até o pernambucano Glauco Campello, responsável por obras em Brasília e na Itália. Isso sem esquecer os engenheiros Joaquim Cardozo e Marco Paulo Rabello ?um responsável por grande parte dos cálculos estruturais, e outro à frente da construção de muitas das melhores obras. Estes são apenas alguns entre dezenas de profissionais hoje espalhados pelo mundo e com destacadas carreiras autônomas.

E sempre haverá algo mais que ser dito sobre a obra de Oscar Niemeyer.

Brasília, abril de 2012
Texto publicado originalmente, com pequenas alterações, na edição de maio de 2012 da revista Encontro, de Belo Horizonte.


Danilo Matoso Macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: danilo@mgs.28ers.com | www.danilo.28ers.com


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Eduardo Pierrotti Rossetti

Praça dos Três Poderes. Foto: Eduardo Rossetti

Longe de qualquer traço de ironia, o título acima traduz certa surpresa e contém outra dose de acaso. O fato que é que eu participei do velório de Oscar Niemeyer no Palácio do Planalto em Brasília. Eu gostaria de ter participado do velório do Ayrton Senna e me lembro da comoção que foi o enterro de Tancredo Neves, mas nunca imaginei que participaria de um tal fato histórico, mesmo sabendo que o falecimento de Niemeyer estivesse se tornando algo ainda mais eminente nas últimas semanas.

Ontem, dia 5 de dezembro, era uma data em que somente havia a lembrança da data do aniversário de Lina Bo Bardi. Quando soube do passamento de Niemeyer me lembrei da conversa telefônica que havia travado com uma amiga em que comentava que o estado de saúde de Niemeyer me parecia mais triste do que preocupante, pois sua lucidez devia lhe informar que ainda estava numa U.T.I., etc, e segui a conversa lembrando que Lucio Costa havia falecido num contexto cotidiano, de maneira suave. Mas não foi assim que a “a Indesejada das gentes?chegou (…e nesse assunto sempre me lembro de meu avô que tinha paura de morrer em hospital!). Pois bem, quando soube, havia acabado de corrigir trabalhos universitários, justo quando uma chuva intensa e rápida caiu na ponta da Asa Norte. Desliguei a música, fiquei quieto, fui pra varanda olhei as poucas estrelas entre as nuvens e me sentei numa poltrona.

Fiquei pensando nas duas vezes em que havia visto Niemeyer (1996 e 2009), no fato de eu ter me tornado arquiteto com ele na ativa, que aos 89 anos inaugurava o Museu em Niterói e dominava novamente as páginas de revistas, mostrando seu domínio e sua condição plena de trabalho. Em 1996, Niemeyer fez uma palestra memorável no Salão Caramelo da FAU-USP, para milhares de estudantes: ele andava de um lado para outro, desenhava e dizia frases já conhecidas, mas era o próprio gênio, ali, a alguns metros, que impressionava e impactava a todos com sua agudeza, com sua precisão e com sua plenitude. Depois, em 2009, acompanhando o arquiteto Andrey Schlee —então Diretor da FAU-UnB?numa palestra de Niemeyer para os estudantes, ocorrida num de seus edifícios em Niterói! A lucidez parecia intacta, e mesmo que o vigor físico não fosse o mesmo, ele, qual Beethoven, continuava a vislumbrar novas obras, novas formas, projetos em diferentes países, produzindo, inventando ou re-inventando!

Segui pensando, folhei um livro, olhei outros, ponderei tomar um whisky, mas nada interessava muito. Vingou mais meia hora de silêncio que foi quebrada pela versão instrumental de Veleno, de Marina Lima, seguida de Take Five, de Dave Brubeck, repetida umas cinco vezes e, finalmente, muitas faixas de Tom Jobim. Imagina, imagina... e o Trem Azul trouxe outras memórias, ideias soltas, frases esparsas: coisas que havia conversado com os alunos, desenhos, a lembrança da primeira vez que vi a Pampulha, a primeira vez que vim a Brasília, as anotações em desenhos do acervo do Itamaraty, fotos dele durante a construção da cidade, a visita ao Planalto em obras em 2010 quando, por dever de ofício, pude subir e descer a rampa…

Vai tua vida...

Morar em Brasília recuperou lições de arquitetura, me fez reler artigos, repensar questões da história da arquitetura brasileira, repensar escalas, espaço e técnica. De certo modo, morar em Brasília faz Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Darcy Ribeiro e tantas outras pessoas se tornarem menos abstratas e mais próximas. Sei que ver Niemeyer está longe de conhecer Niemeyer e nunca tive tal ilusão, mas me sentia particularmente feliz com estes dois encontros. Entre imagens e lembranças, tudo ampliava a presença dele, revigorava o mito, mas apontava indagações que sempre são importantes de serem recobradas para não perder o prumo do senso crítico: o que e a obra que ele deixa? Como é a trajetória deste sujeito? Que obras ele leu? Que arquitetos ele estudou, de fato? Como era seu diálogo com Lucio Costa? …com Juscelino? Indagações para as tantas histórias a serem formuladas.

Tudo isso reafirmava uma outra certeza: nós, arquitetos, historiadores e pesquisadores de arquitetura temos muito, muito trabalho pela frente! Há muito que descobrir e revelar de Oscar Niemeyer e de sua vastíssima e complexa arquitetura. Este foi um dos comentários que pude verbalizar hoje para um jornalista durante o velório. Se o enfrentamento crítico de sua obra vem sendo construído com maior intensidade nos últimos 10, 15 anos —através de artigos, dissertações e teses?a grande questão que se coloca agora, com urgência, é: abram os arquivos! Deve haver croquis inimagináveis para projetos em lugares e momentos históricos inacreditáveis, casas desconhecidas, obras não construídas ao redor do mundo. Enfim, um Oscar Niemeyer tão potente e instigante quanto aquele que, hoje, julgamos conhecer.

Biografias são mais que necessárias, ao mesmo tempo em que as questões que sua arquitetura provocam e fazem pensar, sua obra precisa ser objeto de um amplo debate pelos arquitetos e urbanistas, articulando-se com outros campos do conhecimento. Pensar e repensar Niemeyer poder ser muito importante pare pensar e repensar o Brasil. O respeito por Oscar Niemeyer e o interesse por sua arquitetura transcendem, em muito, um âmbito profissional específico. Tão conhecido como Pelé, tão genial quanto Michelangelo e talvez tão citado quanto Freud(!), vale lembrar o comentário de um taxista ou a deferência do frentista do posto de gasolina no Eixinho, que acenava para o cortejo que conduzia seu corpo ao palácio.

Não tenho informações sobre quantas pessoas passarem pelo Palácio do Planalto, não sei qual o tamanho da fila na Praça dos Três Poderes, não acompanhei a repercussão na imprensa internacional, não sei quantas twittadas foram “arremessadas?ou como as redes sociais se comportaram desde que seu falecimento foi anunciado. O que sei é que o gesto da Presidente Dilma Rousseff ao abrir o palácio e realizar o velório de Oscar Niemeyer em Brasília, redime a cidade da malograda comemoração de seus 50 anos. Mais que uma visão de estadista ou o reconhecimento do arquiteto que a liturgia do cargo poderia incitar, este convite parece traduzir seu apreço pela cidade.

Bandeiras a meio-pau

Desde que soube que o velório em Brasília seria no Planalto, fiquei atento ao funcionamento do “evento? movimentação da Esplanada, policiais monitorando a Plataforma Rodoviária, helicópteros, comitivas, rol de nomes para entrar, credenciais. Ao chegar ao Planalto por volta de 14:30h já havia muita movimentação. Contudo, a chegada do corpo de Oscar Niemeyer ao palácio ocorreu sob um silêncio respeitoso e profundo, que só foi acentuado pela balbúrdia desnecessária dos jornalistas que acompanhavam o cortejo. Mesmo sabendo um pouco do protocolo, o entra-e-sai de carros, o vai-e-vem dos Dragões da Independência indicava o que estava para acontecer, inclusive porque enquanto os boatos corriam, enquanto o sinal da internet permanecia fraco! O carro do Corpo de Bombeiros estacionou em frente à rampa, o caixão desceu e assim que começou a subir a rampa houve uma salva de palmas seguida de silêncio para sua entrada no salão do palácio. Em alguns momentos, a Presidente ficou bem próxima à porta de acesso, parecendo tão ansiosa quanto eu e quanto todos aqueles —arquitetos, jornalistas, fotógrafos, estudantes, funcionários e curiosos?que estavam entre as colunas do Planalto, na sombra, aguardando.

Depois da chegada do caixão e do horário reservado, haveria uma espera para que fosse possível entrar e participar enfim do velório propriamente dito. A fila oficial já se formava na Praça dos Três Poderes, mas decidi ficar ali e aguardar na sombra. Por uma situação fortuita e para minha sorte, junto com outros dois arquitetos, entrei no Palácio do Planalto. Assim que a porta do elevador se abriu reconheci algumas pessoas, me situei na logística da organização dos espaços. Entre conversas, comentários, acenos e apertos de mão e engatei a fila certa para ver Oscar Niemeyer pela última vez.

Lá de cima, do salão, avistava-se muita gente na Praça. Ao sair do palácio, cruzei a Praça, vi estudantes, encontrei conhecidos, reparei no espírito cívico que emanava daquela fila formada sob o sol, mas também vi expressões de curiosidade e respeito de quem foi lá. Ao invés de tomar um táxi, resolvi subir toda a Esplanada caminhando, parei para comer um pastel próximo ao Ministério da Cultura, fato que ajustou o tempo da caminhada para que eu pudesse ouvir os sinos dobrando ao passar pela Catedral! Hoje, durante todo o dia o céu de Brasília esteve lindo: azul celeste-puro, com nuvens variadíssimas, numa profusão de formas, armando um jogo imprevisível, sob uma luz potente, emocionante, como a arquitetura de Oscar Niemeyer é.

Brasília, 06 de dezembro de 2012


Eduardo Pierrotti Rossetti
 Arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador-pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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Bruno Santa Cecília

Sua casa é bonita, mas não é multiplicável.

Walter Gropius

Como alguém pode falar tanta burrice com ar de seriedade?
Como pode ser multiplicável uma casa que se adapta tão bem ao terreno?

Oscar Niemeyer[1]

01Casa Oscar Niemeyer 01

Para Alfredo Volpi, a inspiração inicial de um fazer artístico não poderia ter outra função se não a de resolver um problema. Pintava para resolver os problemas inerentes da pintura. Para ele, “resolver um quadro?era descobrir as relações formais e cromáticas que proporcionassem as soluções mais harmônicas e equilibradas dentro da maior economia de meios. Revisitar Volpi é manter a consciência de que a arte se realiza no encontro entre a idéia e a matéria. Se na pintura esse encontro é intermediado pela técnica ou capacidade de execução do artista, na arquitetura ?se a entendemos também como arte ?esse intermédio se dá através do domínio do arquiteto sobre o sítio e sobre a construção. Portanto, fazer arquitetura é resolver os problemas da construção e de sua relação com o lugar para abrigar a vida. É nesse sentido que devemos procurar seu sentido artístico.

Os procedimentos arquitetônicos aproximam-se dos procedimentos artísticos ao mobilizar esforços e recursos para a concretização de uma situação particular. Neste sentido, a arquitetura pode ser entendida como uma resposta específica a uma conjuntura física, social e espacial muito singular. A impossibilidade da reprodução desta conjuntura determina os limites de reprodução da própria arquitetura.

Portanto, a qualidade artística da obra de Oscar Niemeyer não resulta da subjetividade ou da criatividade inata de um “arquiteto-artista? mas da sua capacidade em produzir soluções singulares para problemas da arquitetura. Neste sentido, a Residência de Canoas mostra-se emblemática pela forma inventiva com que articula questões técnicas e de uso dos espaços, com uma inserção cuidadosa no seu contexto físico, para produzir um objeto singular e de inegável qualidade artística.

No projeto de sua primeira residência, construída em 1942, Niemeyer colocava em prática o slogan dos cinco pontos corbusianos, sendo a cobertura inclinada o único desvio em relação ao repertório purista do modernismo europeu dominante. Já no projeto de Canoas, Oscar deixou-se guiar pela situação privilegiada do terreno sem, contudo, negligenciar as outras dimensões da arquitetura. Nestes dez anos que separam as duas obras, é notável a grande mudança não apenas na maneira como o arquiteto agencia as questões determinantes de projeto, mas na própria forma como compreende e produz arquitetura. Se o primeiro projeto é uma transposição adaptada do repertório e dos ideais da arquitetura moderna, a Residência de Canoas é um exemplar único e indicativo de uma postura nova e consistente em relação ao vocabulário da arquitetura moderna européia.

A Residência da Lagoa

Em 1942, Oscar Niemeyer projeta e constrói sua primeira residência no Rio de Janeiro, simultaneamente à realização da Pampulha, em Belo Horizonte. De pequenas dimensões, esta obra integra-se ao conjunto de seus primeiros trabalhos que buscavam adaptar os ideais da arquitetura moderna, proveniente da Europa, ao contexto brasileiro.

Não é tarefa difícil identificar a aproximação deste projeto com as soluções encontradas por Le Corbusier na Villa Savoye, de 1929, onde então demonstrados um a um seus “cinco pontos para uma nova arquitetura? Oscar trabalha, de fato, a partir dos temas do pilotis, da planta livre, da fachada livre, da janela em fita e da promenade architecturale corbusiana.

Fig. 1 ?Residência na Lagoa. Oscar Niemeyer, 1942.  Plantas do térreo, do primeiro e segundo pavimentos. Fonte: CAVALCANTI (2001) Fig. 2 ?Villa Savoye. Le Corbusier, 1929.  Plantas do térreo, do primeiro pavimento e do solário.  Fonte: CORBUSIER (1990)

O pilotis libera área no nível do solo, como propunha Corbusier, e acomoda a casa ao declive do terreno sem a necessidade de grandes movimentações de terra. A planta livre e a fachada livre são resultado do sistema estrutural adotado, o concreto armado, a permitir a independência da estrutura das vedações internas e externas. Ainda que a presença de parte da estrutura no mesmo alinhamento das alvenarias externas comprometa a continuidade da janela em fita, a intenção de realizá-la torna-se clara pela minimização das vedações entre aberturas, bem como pela continuidade das mesmas entre espaços distintos.

O tema da promenade architecturale comparece na Residência da Lagoa tal e qual no projeto de Corbusier em Poissy, como demonstra a solução da rampa interna que conecta os ambientes num percurso cujo gradiente de privacidade se amplia conforme se ascende o espaço, permitindo, ainda, a variação contínua da relação entre fruidor e objeto arquitetônico. Apenas escapa aos “cinco pontos?e ao repertório formal modernista mais difundido o telhado de uma água que impossibilita a laje plana e, conseqüentemente, o terraço-jardim, embora a varanda ofereça a possibilidade de fruição de uma área externa acima do nível do solo. A solução adotada mostra-se, no entanto, mais adequada ao clima tropical brasileiro.

Ainda que Oscar o faça com competência, produzindo grande riqueza espacial através do vazio sobre o estar e a articulação em meios níveis entre pavimentos, o projeto da Residência da Lagoa basea-se na importação de um repertório arquitetônico alheio ao contexto brasileiro, mas que se acreditava possuir validade universal. Temos aqui uma confusão entre forma e conteúdo: ainda que muitos dos princípios da arquitetura moderna fossem em seu conjunto verdadeiramente consistentes e até certo ponto universalizáveis, muitas das formas associadas a eles não o eram. É certo que o arquiteto tinha consciência deste fato, não apenas pela solução que adota para a cobertura, mas pelas suas experiências pregressas em que busca incoporar elementos e técnicas da cultura arquitetônica local, como no projeto do Grande Hotel de Ouro Preto.

Dentro de poucos anos, a experiência de Pampulha tornaria-se um ponto de inflexão na obra do arquiteto, passado a se caracterizar pela constante pesquisa tipológica e pela busca da invenção plástica e formal, ainda lastreadas no contexto físico, nos hábitos de uso e no profundo conhecimento da técnica construtiva. Esta nova postura seria determinante para a realização de sua segunda residência na estrada de Canoas.

A Residência de Canoas

Construída em 1953, a casa das Canoas é, provavelmente, uma das obras primas da arquitetura brasileira. O edifício se desenvolve em torno de uma grande rocha de granito encontrada no terreno que ainda permite uma bela vista das montanhas do Rio de Janeiro. Neste projeto, Oscar desenvolve o tema miesiano do pavilhão de vidro e desfaz a crença de que a integração com a natureza só seria possível através do mimetismo[2]. Em Canoas, Niemeyer reformula um a um o receituário proposto por Corbusier, atuando com liberdade sobre as peculiaridades do programa, do sistema construtivo, bem como aquelas oferecidas pelo terreno.

Fig. 3 - Residência de Canoas. Oscar Niemeyer, 1953.  Planta dos andares principal e inferior. Fonte: MINDLIN (1999)

Se a solução da casa corbusiana sobre pilotis argumentava pela liberação do solo e manutenção das visadas através do edifício, Canoas oferece a riqueza da continuidade espacial entre interior e exterior. Oscar assegura esta continuidade pela diluição do volume que se assenta no nível do terreno. Este efeito é obtido pelo somatório de algumas soluções arquitetônicas:

  1. A localização dos espaços mais íntimos sob o nível de acesso, possibilitando não apenas maior liberdade plástica e transparência dos espaços do andar superior;
  2. A adoção de formas mais livres a abstratas em seus contornos, não apenas para a cobertura, mas também para os planos situados sob ela, evitando a geração de um volume compacto e bem definido. A geração de vazios e espaços de intervalo concorre, ainda, para tornar menos precisos os limites da edificação;
  3. A manutenção do bloco de pedra encontrado no terreno, que passa a organizar os espaços interno e externo, tornando-se o centro da composição e elemento de integração entre eles.

Possibilitado pela técnica do concreto armado, assim como o pilotis, o terraço jardim permitia a multiplicação da área utilizável do terreno e “destacava claramente o edifício do céu por uma linha horizontal pura, sem cornijas nem saliências?a id="_ednref3" href="#_edn3">[3]. Em Canoas a cobertura comparece como uma laje plana de formas livres e sinuosas, geradora de uma área sombreada a proteger os panos de vidro e definir áreas de uso externas. Se, por um lado, esta solução não multiplica o terreno em área, por outro atua ampliando as possibilidades de uso da edificação e de seu espaço exterior. No entanto, a laje dos quartos converte-se ela própria no teto-jardim que se mistura ao plano de acesso à casa. A articulação horizontal do terraço colocado no mesmo nível do pavimento de acesso inegavelmente amplia sua possibilidade uso e fruição em relação ao espaço articulado verticalmente.

Para Corbusier, a planta livre consistia num dos pontos fundamentais da “nova arquitetura? Se nas construções tradicionais as alvenarias deveriam corresponder às necessidades de sustentação do edifício, a técnica do concreto armado permitiu a dissociação plástica e funcional entre estrutura e vedações. Em Canoas, a solução do pavimento de acesso poder parecer enganosamente uma variação menos rígida da planta livre. No entanto, uma análise mais cuidadosa demonstra a não continuidade entre a estrutura deste pavimento e do inferior. O nível dos quartos apresenta uma planta compartimentada, com a estrutura oculta dentro dos planos de alvenaria. Já no nível de acesso, os esbeltos pilares metálicos de seção circular comparecem com a função de sustentar a laje cobertura. Ainda assim, esta também encontra apoio nos planos opacos que configuram o estar e a cozinha. Nesta casa, Oscar se valeu plasticamente da estrutura independente onde melhor convinha ?ou seja, no andar principal – não hesitando em recusá-la onde não se fazia mais necessária ?no andar inferior.

A conquista técnica da estrutura independente permitiu que o invólucro exterior do edifício fosse trabalhado de maneira autônoma na composição de suas massas e aberturas. No entanto, na Residência de Canoas, não temos uma fachada no sentido mais tradicional – um plano vertical ou oblíquo composto de vedações e aberturas ?mas uma alternância entre planos opacos e translúcidos. A sinuosidade e a continuidade dos fechamentos do pavimento superior impossibilitam o reconhecimento de fachadas, no sentido tradicional do termo. Já no pavimento inferior, as aberturas comparecem para proporcionar a iluminação e ventilação adequada aos ambientes, bem como a visão da paisagem. Ou seja, não se percebe nenhuma intenção de composição plástica destas aberturas, unicamente coincidentes com os vãos entre fechamentos verticais.

Para Corbusier, com a liberação do plano da fachada da necessidade de suportar as cargas do edifício, as aberturas poderiam atravessar a edificação de fora a fora, sem interrupções. Embora por vezes tenha sido utilizada unicamente para fins compositivos, a janela em fita permite uma vista panorâmica contínua a partir do interior da edificação. À exessão do quase oculto pavimento inferior, na Residência de Canoas não podemos falar de janelas ou aberturas convencionais. A liberação da vista se dá através da alternância entre planos opacos e translúcidos, conferindo qualidades ambientais distintas à cada porção da casa.

Sobre esta casa, é valioso observar a sutil adequação da orientação das aberturas em relação às vistas e à insolação mais favorável. Da mesma forma, o pavimento em nível inferior ao acesso não apenas soluciona as demandas de uso e de continuidade espacial, mas ainda permite melhor adequar a casa ao declive natural do terreno, minimizando os movimentos de terra. O agenciamento dos espaços, a diferenciar hierarquicamente o pavimento de acesso como mais social e o pavimento inferior mais íntimo, não apenas sugere os modos de usos da residência, mas concorre de maneira fundamental para a sensação de leveza do volume edificado.

A exploração da maleabilidade do concreto armado permitiu a criação da cobertura com formas livres e de grande efeito plástico, a exempla da Casa do Baile, a definir espaços e áreas sombreadas. As qualidades da estrutura de aço comparecem na solução da cobertura para definir pontos de apoio mais leves e esbeltos e valorizar a sinuosidade da laje maciça.

A Residência de Canoas nos ensina que a arquitetura não nasce da manipulação de repertórios formais pré-existentes, muito menos de uma suposta autonomia da imaginação criativa do arquiteto, mas sim do trabalho consciente e inventivo sobre os próprios condicionantes oferecidos por uma situação de projeto. Apesar de sua magnífica qualidade plástica, em nenhum momento a casa parece negligenciar as demandas técnicas, de uso ou de agenciamento do contexto físico. Pelo contrário, sua forma advém exatamente do trabalho consciente sobre essas dimensões.

Canoas, definitivamente, não é uma obra manifesto. Ao contrário, resulta de uma arquitetura que se pretende mais circunstancial e menos ideal.


notas

[1] Cf. NIEMEYER (1998).

[2] Cf. CAVALCANTI, 2001:293.

[3] “Le bâtiment se détache nettement sur le ciel par une ligne horizontale pure, sans corniche ni acrotère.?em>(ITINÉRAIRES D PATRIMOINE. La villa savoye. Paris: Éditions du patrimoine, 1998).).


referências bibliográficas

CAVALCANTI, Lauro (organizador). Quando o Brasil era moderno: guia de arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.

ITINÉRAIRES D PATRIMOINE. La villa savoye. Paris: Éditions du patrimoine, 1998.

CORBUSIER, LE. Ouvre complete. Berlin: Birkhauser Architecture, 1990.

MINDLIN, Henrique. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.

NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo. Rio de Janeiro: Revan, 1998.

WILQUIN, Luce & DELCOURT, André (tradutores). Oscar Niemeyer. Paris: Editions Alphabet, 1977.


Bruno Santa Cecília
Arquiteto urbanista [1999], doutorando e mestre em teoria e prática do
projeto pela Escola de Arquitetura da UFMG [2004], professor nos cursos de arquitetura
 da UFMG e FUMEC e sócio-titular do escritório ARQUITETOS ASSOCIADOS.


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Nonato Veloso

Auditório do Colégio Estadual Central, Oscar Niemeyer, Belo Horizonte, 1954. Foto: Danilo Matoso Macedo

Estudar em escolas públicas, por si só, já é bastante confortável, principalmente quando tem boa arquitetura.

Aconteceu comigo, em diversas ocasiões, ou melhor, em todas elas, já que frequentei o Jardim de Infância Bueno Brandão, em Belo Horizonte, um belo edifício Art Nouveau, importado, pré fabricado e já desmontado, para a tristeza daquelas crianças que ali brincaram. Não paguei por isso. Em seguida, cursei o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, com seus espaços generosos, neoclássico, mas as melhores lembranças vem do Colégio Estadual de Minas Gerais, também público, projeto de Oscar Niemeyer de 1953/54, onde passei dos onze aos dezoito anos. Por ali passaram estudantes que depois iriam se destacar seja como vereadores, deputados, prefeito, intelectuais, artistas e empresários de sucesso, além da própria Presidente Dilma. Era o tempo do “Henfil?e do “Irmão do Henfil? que estudaram ali no mesmo período.

Me recordo com muita nitidez daquele tempo, mas principalmente das belas proporções daqueles espaços, do pilotis, da rampa e do auditório “mata-borrão? O edifício era muito visitado, inclusive por delegações estrangeiras, querendo conhecer alguma coisa da obra do arquiteto que já despertava a curiosidade internacional. Também não paguei mensalidades, e devo este período. Cursei arquitetura na UFMG, federal, portanto e, igualmente, saí sem pagar.

Em seguida, me deixaram lecionar na UnB, habitar por vinte anos o edifício do IdA ?Instituto de Artes, Oscar Niemeyer, um exemplo de como um espaço pode ser altamente qualificado dentro de extrema simplicidade, concebido e executado com poucos elementos pré fabricados, permeado por belos jardins, vidros protegidos por beirais, tudo isso dentro de um espaço murado, intimista, nos moldes do atual CEPLAN, da mesma época. Continuo até hoje habitando o ICC, com suas proporções delicadas, seu pés direitos e jardins capazes de transmitir a tranquilidade que parece deixar em seus vazios, os espaços a serem preenchidos com ideias, e não com luxos e supérfluos. De novo, Oscar. Oscar e Lelé juntos.

Nestes casos, a dívida é ainda maior. Além de não pagar, me pagam pra isso…

Depois vem a cidade. Aí a coisa fica bem mais difícil. Circular livremente pela cidade de Lucio e Oscar, me deixa meio sem graça, com aquela sensação de estar furando fila, sei lá. Ver os palácios inéditos que eternizaram a arquitetura brasileira, a esplanada a partir da plataforma da rodoviária, a maior aula de perspectiva de todos os tempos, milimetricamente pensada, no risco e na prancheta, sem Photoshop nem maquete eletrônica, ao vivo e a cores, já é demais, a cidade vira escola, e aí,… não posso pagar. Me desculpem os contribuintes.

Brasília, 7 de dezembro de 2012


Nonato Veloso
 Arquiteto e Professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília


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Sylvia Ficher

Niemeyer, eis um arquiteto cuja obra e influência se estende de um século a outro. Em termos quantitativos, difícil encontrar outro com mais projetos executados em toda a história. Em termos de metros quadrados construídos, a sua obra é incomensurável. Em termos temporais, é ele quem ?na companhia de alguns poucos ?determinou a arquitetura mundial nos últimos setenta anos.

A criatividade demonstrada desde o início da carreira, no Ministério da Educação (1936), seguiria em um crescendo, passando pela Pampulha, até as realizações para a Brasília dos primeiros anos. Do Palácio da Alvorada (1956) ao Instituto Central de Ciências da UnB (1962), Niemeyer está no auge da sua inventiva ?para a sorte da jovem cidade.

Mesmo assim, apesar de todo o renome e do forte impacto de seu estilo formalista, Niemeyer tem sido injustiçado quando se trata de reconhecer a sua ascendência sobre outros profissionais mundo afora. E no entanto, já nos anos quarenta o seu escritório havia se tornado local de peregrinação. Por lá passavam profissionais de destaque em seus países, como Norman Eaton, autor do Ministério de Transportes da África do Sul (1944), descrito como “o primeiro edifício público de orientação moderna na África do Sul e também o primeiro que foi diretamente influenciado pela nova arquitetura brasileira, devendo muito ao Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro.”

Em 1948 foi a vez de Helmut Stauch, quem “…viajou ao Rio de Janeiro com a principal intenção de conhecer Oscar Niemeyer e ver o seu trabalho… Quando pouco depois, foi encarregado do projeto da sede do Meat Board, em Pretória, a influência de Niemeyer ficou clara.”[1]

Helmut Stauch, National Meat Board Building, Pretoria, 1951.

O vienense Harry Seidler lá estagiou também em 1948, mudando-se em seguida para Sydney, onde iria se tornar um dos mais prestigiados profissionais da Austrália. Em suas próprias palavras: “Primeiro, e antes de mais nada, deve vir o meu reconhecimento pela inspiração e orientação que recebi na minha juventude de meus mentores Walter Gropius, Marcel Breuer, Josef Albers e Oscar Niemeyer. Eles me deram a fundação sobre a qual desenvolvi meus trabalho ao longo dos anos.”[2]

Seidler and Associates, Residência Meller, Sydney, 1950

Dos Estados Unidos, veio Morris Lapidus. Conforme relatou: “Eu fui ao Brasil em 1949 e, claro, o homem que eu tinha que ver era Oscar Niemeyer, porque ele era um homem que estava fazendo as coisas do jeito que eu pensava que elas deveriam ser feitas… E tenho certeza de que sua influência muito forte está lá no Fontainebleau.”[3]. Atenção, trata-se do célebre Hotel Fontainebleau de Miami, concebido três anos depois.

Morris Lapidus, Fontainebleau Hotel, Miami, 1952

A digital de Niemeyer está impressa até em obras icônicas de Nova York, como o Edifício Lever (1951). Primeiro arranha-céu da cidade a ter uma fachada toda de vidro, “este esplêndido projeto dos arquitetos da Skidmore, Owens e Merrill… foi pioneiro na forma dos edifícios de escritórios comerciais… Um volume simples vertical, com aproximadamente a mesma forma do Ministério da Educação no Rio.”[4]. Sempre em Nova York, veja-se o não menos icônico Lincoln Center (1959-78), de Wallace Harrison. Nada surpreendente a clara referência a Brasília, uma vez que Harrison conhecia sua obra de longa data, tendo sido o responsável pela finalização do projeto das Nações Unidas (1947-53), em cuja concepção Niemeyer teve papel de relevo.

Gordon Bunshaft, Lever House, Nova York, 1952

Para lembrar um arquiteto português, considere-se Pancho Guedes, quem desenvolveu uma obra originalíssima em Moçambique. Sobre suas preferências: “…Apesar de admirar o compromisso de Le Corbusier com a pintura e as formas de seus edifícios, ele não se sentia atraído pela estética da máquina do estilo internacional… Seu temperamento latino respondia mais às formas esculturais e expressivas mais livres dos arquitetos brasileiros como Alfonso Reidy e Oscar Niemeyer…”.[5]

Pancho Guedes, Padaria Saipal, Maputo

Sem falar na releitura de soluções inequivocamente de Niemeyer por seu próprio mestre Le Corbusier. Assim como Niemeyer costumeiramente “niemeyerizava” Corbusier, este também “corbusierizou” Niemeyer. Esta via de mão dupla se estabelece já na Unidade de Habitação de Marselha (1945), alcançando a Maison de la Culture de Firminy (1956) e o Pavilhão da Philips na Exposição Internacional de Bruxelas (1958).

Arrolando nomes, chega-se até o star system dos dias de hoje. Nele, Niemeyer não só preservou sua liderança, como tem seguidores de peso. Zaha Hadid, Frank Gerhy, Santiago Calatrava, Arata Isozaki, Coop Himmelblau, David Libeskind, todos compartilham do seu formalismo, têm todos um débito estético para com ele.

Bernini ditou o estilo da Roma barroca, deixando sua marca na cidade eterna. Niemeyer não apenas ditou o estilo de Brasília, como dita aquele de seu tempo em todo o mundo.

Texto publicado originalmente na edição de 7 de dezembro de 2012 do Correio Braziliense.

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notas

[1] //upetd.up.ac.za/thesis/available/etd-12092008-085230/

[2] //seidler.net.au/?s=office&c=acknowledgements

[3] J. W. Cook e H. Klotz, Conversations with architects, 1973

[4] P. Johnson-Marshall, Rebuilding cities, 1966

[5] //www.guedes.info/abcontfram.htm


Sylvia Ficher
Doutora em história pela FFLC/USP, com pós-doutorado em sociologia na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), e professora da FAU/UnB. É autora de Arquitetura Moderna Brasileira (1982), com Marlene Milan Acayaba; GuiArquitetura de Brasília (2000), com Geraldo Nogueira Batista; Os Arquitetos da Poli (2005), agraciado com o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História; e Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 anos (2010), com Andrey Schlee. sficher@unb.br


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Colaboração editorial: Luciana Jobim

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William J. R. Curtis

Alvorada. Foto: Danilo Matoso

Dizer que Oscar Niemeyer era uma lenda viva é pouco. Sua vida abarcou mais de um século da história universal, e sua carreira levou-o a circular entre o “terceiro mundo” e as nações industriais mais avançadas. Niemeyer deixa-nos aproximadamente seiscentas obras em lugares tão distantes entre si como o Rio de Janeiro e a Argélia, Pampulha e Paris. Muitas delas são obras-primas, como o Cassino da Pampulha (1943) ou a Casa de Canoas (1952), que combinavam o rigor da estrutura moderna, com a fluidez do espaço e da forma, e a sensibilidade para com a natureza. Niemeyer pertenceu ao que às vezes é chamado de “segunda geração” de arquitetos modernos: ele herdou e transformou as descobertas de pioneiros como Le Corbusier e Mies van der Rohe, de modo a lidar com a realidade da súbita modernização do Brasil. Trabalhou juntamente com Lucio Costa e Le Corbusier no projeto para o Ministério da Educação no Rio de Janeiro em 1936, um dos primeiros arranha-céus a ser equipado com venezianas de proteção solar, e um edifício de feição tão nova hoje quanto no dia em que foi construído. Desenvolveu então uma arquitetura que funcionava bem em todas as escalas, da residência individual ao conjunto monumental.  Lidava com questões de monumentalidade e de representação estatal com bastante elegância, como atestam o Palácio da Alvorada e suas demais contribuições à nova capital, Brasília, projetadas nas décadas de 50 e 60 no Plano de Lucio Costa.

Apesar de seu viés moderno e progressista, a arquitetura de Niemeyer incorporou lições do passado e da natureza. Seus perfis biomórficos foram inspirados tanto por Picasso e Arp quanto pela herança barroca brasileira. Ele desenvolveu um estilo que abstraía as formas de rios sinuosos, os contornos da paisagem tropical, e a figura feminina. Sua arquitetura combinava curvas sensuais, a riqueza material e o movimento através de camadas espaciais. Seus edifícios assemelham-se a filtros através dos quais o ar passa, mas o calor e a luz em excesso são excluídos por telas. Na “utopia” de Niemeyer, o homem deveria atingir a harmonia com a natureza por meio da liberação do espaço e do uso da nova tecnologia ?um posicionamento que expressava quase inconscientemente os mitos nacionais brasileiros de progresso e identidade. Niemeyer foi tudo menos ideologicamente coerente: um comunista que fez casas para os ricos, uma catedral, habitação social, e numerosos edifícios para a burocracia estatal. Os mundos para que ele construiu já se foram, mas seus edifícios permanecem, com toda sua intrigante riqueza. Por vezes, próximo do fim, ele caiu no formalismo vazio e na auto-caricatura. Mas sua vasta obra inclui numerosos exemplos de sua fecunda imaginação espacial e sua habilidade em resolver obras em todas as escalas. É como um livro aberto de lições arquitetônicas e princípios. Mais que um conjunto de edifícios, Niemeyer deixa atrás de si um universo criativo capaz de influenciar os demais por muito tempo ainda.

Texto originalmente publicado no dia 7 de dezembro e posteriormente incorporado à série Oscar Niemeyer 1907-2012.


William J.R. Curtis
Historiador e crítico de arquitetura, autor de Arquitetura Moderna Desde 1900

Tradução: Danilo Matoso Macedo


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Jorge Guilherme Francisconi

Introdução

É muito provável que a grande maioria das pessoas pense que o Plano Piloto de Brasília conta com aquela sólida fundamentação urbanística que as leis de Planos Diretores oferecem e que a legislação federal exige. Mas nada disso acontece. Vencido o ano do cinquentenário da inauguração da Nova Capital, o Plano Piloto permanece desprovido da fundamentação urbanística exigida pela civitas civitatis do Brasil, núcleo urbano tombado pelo IPHAN, Patrimônio da Humanidade pela UNESCO e também núcleo [core] de metrópole com mais de três milhões de habitantes. Ao contrário do restante do território do Distrito Federal, que segue o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal [PDOT/DF], a urbanização do Plano Piloto não dispõe de fundamentos jurídicos sólidos visto ser inaplicável e insustentável o marco institucional estabelecido pelo GDF, mediante o Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987, e ratificado pela Portaria 314 do IPHAN, de 08 de outubro de 1992, que são as normas que sustentam a preservação do plano-piloto de 1957.

A insustentabilidade urbanística que se estabelece a partir do fato de que há duas questões que o Decreto não responde: [i] qual é o plano-piloto a ser adotado? [ii] quais são as características essenciais de cada escala urbana? Isso porque o Decreto é um instrumento legal que aprova dois planos urbanos diferentes [plano-piloto original e plano-piloto construído], como se iguais fossem, para definir o plano diretor da mesma área urbana [Plano Piloto]. Além disso, estabelece que a concepção urbana da cidade adotará as características essenciais de conceito urbanístico criado por Lucio Costa [escalas urbanas], mas as características das escalas nunca foram definidas. Ou seja: o Plano Piloto de Brasília não dispõe dos fundamentos jurídico-normativos exigidos para promover uma urbanização sustentada.

Pode-se imaginar que algumas pessoas dirão que os argumentos não procedem visto que o Decreto caducou porque não atende ao Estatuto da Cidade1. Vale lembrar que a Lei Orgânica do DF valida o Decreto e a Portaria quando, em 1996, acrescentou um inciso no Art. 3o da Lei Orgânica [Emenda à Lei Orgânica nº 12], segundo o qual cabe ao Governo do Distrito Federal:

XI ?zelar pelo conjunto urbanístico de Brasília, tombado sob a inscrição nº 532 do Livro do Tombo Histórico, respeitadas as definições e critérios constantes do Decreto nº 10.829, de 2 de outubro de 1987, e da Portaria nº 314, de 8 de outubro de 1992, do então Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural ?IBPC, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ?IPHAN. [grifo nosso]

O Plano Piloto recebe tratamento diferenciado, no PDOT, devido a este inciso da Lei Orgânica. Para esta área cabe aprovar o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília [PPCUB], cuja minuta está sendo elaborada por empresa consultora contratada pela SEDUMA/GDF.

Aqui o objetivo maior é analisar, com cuidado e profundidade, o impacto do Decreto no. 10.829/87, elaborado a partir do texto Brasília Revisitada, como marco urbanístico definido pelo Governo Federal para preservar os valores urbanos e atender exigência da UNESCO quando do pleito para que o Plano Piloto de Brasília fosse qualificado como Patrimônio Cultural da Humanidade. Para atender a estes objetivos caberia elaborar um Decreto conceitualmente sólido para fins de valorizar, preservar e consolidar os valores urbanos do plano-piloto, segundo as características essenciais de cada escala. Mas, como se verá, o Decreto não oferece a fundamentação exigida e por isso torna-se necessário refazê-lo para fins de planejamento e gestão do Plano Piloto. Esta constatação poderá, por certo, colidir com textos pouco técnicos e muito literários, surgidos ao longo das últimas décadas, mas que não analisam os equívocos e a precisão conceitual do Decreto Brasília Revisitada. E sobre estas diferenças de pontos de vista caberá a cada um formular seu juízo.2

Os dois planos-piloto de 1957

No transcorrer do ano de 1957, dois planos-piloto foram criados para a Nova Capital do Brasil, ambos sob a égide de Lucio Costa. O primeiro foi o plano-piloto original selecionado por júri internacional como vencedor do concurso para a Nova Capital. O segundo foi o plano-piloto que orientou a construção do Plano Piloto. Os dois projetos são mencionados por Lucio Costa em Brasília 57 ?85: do plano-piloto ao Plano Piloto, documento cuja redação coordenou, faz trinta anos, para atender o convite de Luis Cordeiro e Tânia Battella, membros do Governo do Cel. José Ornellas, para que fizesse o “check-up?urbanístico e apoiasse em ações de gestão e planejamento do Plano Piloto.

Fig.1 ?Plano-Piloto original ?vencedor segundo júri internacional [1957] Fonte: Brasília 57-85. p. 29

Fig.1 ?Plano-Piloto original ?vencedor segundo júri internacional (1957). Fonte: Brasília 57-85 p.29

Em Brasília 57?5 constam os dois projetos do plano-piloto e Lucio Costa trata desta reformulação do projeto original ao lembrar que ?em>no inicio do desenvolvimento do projeto houve sempre a intenção de fidelidade ao risco original, tanto por parte da Divisão de Urbanismo como das autoridades ?respeitar o plano-piloto era ponto pacífico…? E destaca: ?em>a Brasília que hoje existe é muito parecida com a Brasília inventada por seu autor.?sup>3. Esta observação caracteriza o fato de o projeto original não corresponder ao projeto adotado na construção do Plano Piloto porque, ainda em 1957, houve a decisão de refazer o plano-piloto original e projetar o plano-piloto construído.

Em 1985, Lucio Costa participa da elaboração do Decreto Brasília Revisitada, em cujo texto consta o plano-piloto original no Art.1o e nos anexos [Fig.1], assim como consta o plano-piloto usado na construção da Nova Capital, que não é mencionado nos artigos do Decreto, mas cujo mapa [Fig.2] consta nos anexos e é utilizado para definir os perímetros de cada escala urbana na área do Plano Piloto [Fig.4].

O decreto foi elaborado para atender exigência de parecer do ICOMOS para UNESCO que era “favorável a inscrição de Brasília na lista do Patrimônio Mundial?desde que adotadas “medidas mínimas de proteção (que) garantam a salvaguarda da criação urbana de Costa e Niemeyer.?Face a aprovação do parecer pelo Conselho da UNESCO, em maio de 1987, foi promulgado o Decreto 10.829/87 para evitar o longo procedimento que envolve a aprovação de leis federais e locais. A base jurídica do Decreto é a Lei Federal no. 3.751/60, aprovada em 13 de abril para estabelecer “a organização administrativa do Distrito Federal?e cujo art. 38 foi inserido para atender preocupações quanto à preservação dos valores urbanísticos, arquitetônicos e culturais do Plano Piloto. Para tanto este artigo estabelece que: ?em>Qualquer alteração no Plano Piloto, a que obedece a urbanização de Brasília, depende de autorização de lei federal?/em>. Este texto sustenta o Decreto no10.829/87, publicado em 14/Out/1987 no Diário Oficial do Distrito Federal, cujo Artigo 1o trata da concepção urbana do plano-piloto e estabelece que:

Art. 1o. ?Para efeito da aplicação da Lei no. 3.751 […] entende-se por Plano Piloto de Brasília a concepção urbana da cidade, conforme definida na planta em escala 1/20.000 e no Memorial Descritivo e respectivas ilustrações que constituem o projeto de autoria do Arquiteto Lucio Costa, escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso para a construção da nova Capital do Brasil.?/em> [grifo nosso]

Com isso o Decreto incorre em equívoco quando estabelece que o Plano Urbano adotado na construção do Plano Piloto é aquele escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso. Afirmação que não corresponde a verdade visto que não foi o que aconteceu. Há significativas diferenças entre a concepção urbana do projeto aprovado pelo júri internacional [Fig.1] e o projeto da Divisão de Urbanismo da NOVACAP [Fig.2] e que foi adotado na construção cidade. Ainda que os dois projetos sejam parecidos do ponto de vista urbanístico, é impossível tratar dois projetos urbanos parecidos numa mesma norma legal, como se iguais fossem, dado que não adotam fundamentos jurídicos e administrativos iguais para fins de planejamento e gestão. Desta forma, Brasília Revisitada sanciona o plano-piloto original [Art.1o] e consolida, no restante do texto e nos Anexos, o plano-piloto construído.

Fig.2 ?Plano piloto construído ?produto da NOVACAP (1957). Fonte: Brasília 57-85. p.29

As alterações no projeto original constam em recente artigo de Maria Elisa Costa4 e podem ser identificados mediante comparação da Figura 1 [planta em escala 1/20.000 – Art. 1o] com a Fig.2 [adotada na construção do Plano Piloto]. As alterações do plano-piloto original envolveram a nova inserção da cidade no território e mudanças em projetos específicos, como a Plataforma Rodoviária e o entorno. Também foi alterada a localização de atividades e funções urbanas, como o jardim zoológico e o jardim botânico, de inicio localizados no Eixo Monumental do plano-piloto, assim como houve a supressão, criação e realocação de setores, como as Quadras 01.

As alterações do plano-piloto original ao plano-piloto construído foram feitas por equipe da NOVACAP coordenada por Augusto Guimarães Filho, profissional que sempre trabalhara com Lucio Costa e que foi por ele indicado para coordenar o desenvolvimento do projeto, a partir de escritório no Rio de Janeiro. As alterações feitas no projeto inicial da civitas não alteraram a essência urbanística e simbólica, mas alteraram a condição urbana, o assentamento no território, a infraestrutura, a disposição funcional ao longo dos eixos viários estruturadores [Fig.3] e criaram uma bolha urbana ao distanciar a Estação Ferroviária da Plataforma Rodoviária.

A sucinta comparação do plano-piloto original com o plano-piloto construído permite dimensionar o conflito criado pelo Decreto no.10.829/87 quando, 27 anos após a inauguração de Brasília, este oficializa o plano-piloto original e não aquele adotado na construção de Brasília. Um dúbio paradoxo reforçado pela inclusão dos dois Planos Urbanísticos como anexos do Decreto no.10.829/87, ao lado de textos de Lucio Costa que tratam das escalas e de conceitos de natureza geral e de natureza específica.

Por outro lado, é importante lembrar que a proposta original de Lucio Costa correspondeu ao conceito de Plano Piloto exposto por Le Corbusier em correspondência ao Mal. Jose Pessoa, ainda em 1955.5 Segundo Le Corbusier, “Plano Piloto significa a expressão pelo desenho e pelos textos das idéias de ordem geral e particular que a minha experiência permite submeter …? Quanto ao desenvolvimento deste Plano Piloto, a tarefa caberia aos brasileiros. Ou seja, o conceito de Plano Piloto adotado no Edital de Licitação para o Projeto da Nova Capital era aquele de Le Corbusier e não correspondia àqueles de Plano Diretor Urbano adotados nos anos cinquenta.

Fig.3 ?Alterações no plano piloto

Fig.3 ?Alterações no plano piloto. Fonte: Brasília 1960 2010 passado, presente e futuro. p.53

As alterações feitas no plano-original por autoridades e pela Novacap resultaram em projeto “parecido? visto que mantém os fundamentos básicos, mas onde constam fortes alterações funcionais. A Fig.3 sintetiza as mudanças mais vigorosas, visto que apenas a área tracejada corresponde às funções urbanas originais. Todas as demais áreas urbanas constituem alterações para (i) suprimir a função granjas e implantar áreas habitacionais unifamiliares, (ii) ocupar áreas sem destinação com atividades funcionais múltiplas; ou (iii) suprimir área habitacional de superquadras para implantar atividades próprias da área central.

A relocação de atividades urbanas e redefinição de padrões urbanísticos levou a criação de dois planos-pilotos “parecidos? como diz Lucio Costa, mas diferentes quanto a concepção urbana e totalmente diferentes quanto a exigências administrativas, jurídicas, de planejamento e de gestão. Este fato caracteriza a fragilidade do marco normativo visto que, juridicamente, todo e qualquer plano urbanístico constitui um todo único e diferenciado.

Face estas observações seria necessário promover uma fundamentada e urgente revisão do Artigo 1o do Decreto no 10. 829/87, quanto à concepção urbanística de Brasília, para que o plano-piloto seja único, dotado de fundamentos conceituais sólidos e corresponda às exigências de marco urbanístico do Plano Piloto do Distrito Federal.

Características Essenciais de cada Escala Urbana

O Decreto Distrital de no 10.829/87, que regulamenta a Lei Federal de no 3751/60, também exige a definição das características essenciais de cada escala urbana, para que estas possam ser aplicadas no planejamento e gestão do Plano Diretor, visto que seu Art. 2o estabelece que:

Art. 2º – A manutenção do Plano Piloto será assegurada pela preservação das características essenciais de quatro escalas distintas em que se traduz a concepção urbana da cidade: a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica. [grifo nosso]

Mas estas características essenciais ainda não foram definidas e são poucos os que sabem que Lucio Costa só criou seu conceito de escalas urbanas e de jogo de escalas no final de 19616. Quase dois anos depois de sancionado o mencionado artigo 38 da Lei federal no 3.751/60 e inaugurada a Nova Capital7. A teoria das escalas urbanas foi criada para explicar a concepção original do plano-piloto e a menção feita no Artigo 2O. implica em que estas características essenciais devam ser definidas. Mas decorridos mais de trinta anos de vigência do Decreto, as escalas urbanas permanecem sem definição e nesta condição não há como aplicá-las. Com isso se estabelece a segunda insustentabilidade do Decreto Brasília Revisitada, visto que até hoje não foram definidas as funções e atividades urbanas que correspondem a cada escala urbana, o que impede sua aplicação na práxis da gestão urbana, em especial quanto a promover zoneamento que defina os territórios onde cada escala urbana é dominante e qual o jogo de escalas que deverá ser promovido.

A inocuidade do Art. 2o. quanto as escalas urbanas reforça a confusão criada pelo Decreto no 10.829/87 no planejamento e gestão do Plano Piloto, uma constatação que talvez colida com apressadas conclusões de especialistas pouco familiarizados com a teoria da escala urbana criada como fundamento teórico para justificar projetos de 1957. Para Lucio Costa, a prática é o plano-piloto, a teoria é a escala urbana8, mas por ora, a teoria das escalas urbanas permanece inócua porquanto incompleta. E assim permanecerá enquanto não forem definidas as características essenciais da cada escala, quais sejam a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica.

Fig.4 ?Concepção Urbanística de Brasília

Fig.4 ?Concepção Urbanística de Brasília. Fonte: Brasília : preservando o patrimônio da humanidade Porto Alegre: RS Projetos, 2010. p.15

As definições disponíveis, como aquelas feitas por Lucio Costa para o anexo do Decreto Brasília Revisitada, oferecem adjetivos e exemplos que não atendem às exigências mínimas da ciência urbanística porque não indicam funções e usos, nem os padrões de urbanização que correspondem a cada escala no território do Plano Piloto. A exigência quanto a conceituação das escalas consta no art. 2o. do Decreto, mas como o conceito não foi definido, não há como saber do que se trata e como será delimitado o território para sua aplicação. A Fig.4 apresenta o território de cada escala como definido faz um quarto de século. Desde então os perímetros permanecem congelados e tornou-se impossível estabelecer um jogo de escalas destinado, segundo Lucio Costa em 1961, a “caracterizar e dar sentido a Brasília [para] a cidade tomar verdadeiramente pé.?sup>9

Fig.5 ?Proposta de atualização da escala monumental

Fig.5 ?Proposta de atualização da escala monumental. Apresentada ao CONPLAN/DF em Novembro / 2010

O fato de que, ao longo quase meio século, a teoria tenha sido muito citada e nunca aplicada se deve, também, ao próprio Lucio Costa na medida em que não detalhou e desenvolveu a teoria que criara para sustentar os planos-piloto. Embora cite e descreva os valores de cada escala, ele não ofereceu fundamentação urbanística sólida e substantiva. Mesmo no Anexo I do Decreto Brasília Revisitada, não trata a questão de forma urbanisticamente adequada. Observe-se que neste Anexo irá indicar a escala monumental como igual ao caráter monumental, uma definição que contraria o Relatório de 1957, onde não consta a palavra escala e onde é dito que caráter monumental abrange todo Plano Piloto – “não no sentido da ostentação, mas no sentido da expressão palpável […] consciente daquilo que vale e significa? Em contrapartida, a escala monumental é indicada para uma parcela menor do Plano Piloto.

Esta ambigüidade conceitual talvez tenha motivado Maria Elisa Costa10 a rever o conceito e sua territorialidade, e elaborar proposta para ampliação da área da escala monumental de forma a abrigar três categorias de monumental: de elementos determinantes, de elementos incorporados e de elementos complementares. Seguindo esta linha de pensamento, no final de 2010 incorporei e ampliei sua proposta territorial para escala monumental [Fig.4] e apresentei a sugestão de novo perímetro [Fig.5] aos membros do CONPLAN/DF.

Questões conceituais e dúvidas semelhantes envolvem o entendimento e as funções que caracterizam o território da escala gregária e da bucólica. No Anexo de Brasília Revisitada, Lucio Costa conceitua a escala bucólica como território de “extensas áreas livres, para serem arborizadas ou guardando a cobertura vegetal nativa, diretamente contígua a áreas edificadas.?Bem mais tarde define a escala bucólica como sendo aquela destinada ”ao lazer?sup>11, mas não é isto que consta no Decreto Brasília Revisitada.

Como ocorre em toda e qualquer cidade viva, as normas rígidas e desatualizadas deste Decreto não impediram as expansões e mudanças funcionais no Plano Piloto, como a que se observa na expansão do território destinado à escala monumental sobre o território da escala bucólica [Fig.6], que ocorre sob a égide da excepcionalidade concedida a Oscar Niemeyer12, cujo escritório está legalmente capacitado para ignorar o Decreto Brasília Revisitada.

Conclusão

Fig.5 ?[Foto: Joana França. www.joanafranca.com]

Fig.6 ?(Foto: Joana França. //www.joanafranca.com)

Como conclusão pode-se dizer que os fundamentos do Decreto Brasília Revisitada, marco jurídico que rege a urbanização do Plano Piloto, não são sólidos, consistentes ou adequados. Por um lado, porque adota dois planos urbanos parecidos, mas diferentes, como Plano Piloto de Brasília. Por outro lado, porque não estabelece as características essenciais das escalas urbanas, conceitos urbanísticos fundamentais para sustentação do planejamento e da gestão do Plano Piloto. Como resultado, há uma fragilidade normativa e urbanística, que é reforçada por não estarem sendo cumpridas as exigências da legislação federal, em especial o Estatuto da Cidade.

Nestas condições é fundamental, para que o Plano Piloto seja preservado, fortalecido e que tenha suas funções consolidadas, que se defina o plano urbano [plano-piloto] que rege sua urbanização e quais as características essenciais e as funções de cada escala urbana, para após definir o perímetro em que cada escala será dominante no respectivo território e qual o jogo das escalas que será fomentado e permitido no tecido urbano do Plano Piloto. Este é o desafio que planejadores urbanos, juristas, arquitetos, urbanistas e ambientalistas, entre outros, devem enfrentar para preservar os valores da civitas civitatis nacional.

Brasília, 10 de fevereiro de 2011


notas

1 Agradeço Danilo Matoso Macedo por haver corrigido o entendimento, exposto em textos anteriores, de que o Decreto seria Federal e não Distrital, como de fato é, bem como pelo apoio editorial.

2 A verificação de que o Plano Piloto não tem sustentabilidade urbanística legal é fruto da conjuntura pessoal de estar redigindo livro sobre conceitos, comportamento e impacto de Lucio Costa, ao tempo em que participava do CONPLAN/GDF e do Conselho do IPHAN/DF, após ter prestado consultoria para equipes técnicas que elaboraram o projeto do PDOT/DF.

3 COSTA, Lucio. in Brasília 57-85: do plano-piloto ao Plano Piloto, Brasília : GDF/SVO/DAU ; TERRACAP/DITEC, 1985. p.27. Coordenador: Lucio Costa; Executores: Maria Elisa Costa e Adeildo Viegas de Lima; Supervisão: Luiz Alberto Cordeiro e Tânia Battella de Siqueira. 145 p.

4 ver COSTA, Maria Elisa e LIMA, Adeildo Viegas em resumo de “Brasília 57-85: do plano-piloto ao Plano Piloto? in LEITÃO. Francisco. (org.). Brasília 1960 2010 Passado Presente e Futuro, Brasilia, SEDUMA/GDF, 2009.

5 LE CORBUSIER, carta enviada ao Marechal Jose Pessoa, apud VIDAL, Laurent, De Nova Lisboa a Brasília ?A invenção de uma Capital (seculos XIX ?XX), Brasilia: UnB, 2009. p.181.

6 O conceito de “escala urbana?foi tornado público por Lucio Costa em entrevista concedida ao jornalista Cláudio Ceccon e publicado na seçao de Arquitetura do Jornal do Brasil em 18 de novembro de 1961. Antes Lucio Costa havia formulado outras teorias explanatórias sobre seu projeto para o plano-piloto.

7 O artigo 2o. do Decreto regulamenta conceito que não existia quando a lei foi sancionada.

8 O fato da teoria para o plano-piloto de 1957 ter sido criada em 1961 nao invalida sua enorme importância. Como lembra Fernando Pessoa, : ?em>Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria.?/em> [OPP, III, 1172, apud BRECHóN, Robert, Estranho Estrangeiro: Uma Biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzál, 1996.].

9 Jornal do Brasil, nov., 1961

10 Costa, Maria Elisa , Notas Relativas ao tombamento de Brasília, escritas e remetidas ao IPDF/GDF em novembro de 1997.

11 Costa, Lucio, ”Brasilia Revisitada? in COSTA, Lucio. Lucio Costa : Registro de uma Vivência. São Paulo: Empresa das Artes, Brasília: UnB 1995. p. 331.

12 IPHAN, Portaria no. 314, de 08 de outubro de 1992.


Jorge Guilherme Francisconi

Arquiteto [FAU/UFRGS], PhD em Ciências Sociais [Maxwell School of Public Administration and Citizenship, Syracuse University], Secretário Executivo da CNPU/SEPLAN/PR, Presidente da EBTU/MT e Diretor Geral do DENATRAN/MJ, foi Criador e Coordenador do PROPUR/FAU/ UFRGS, Coordenador do Mestrado da FAU/UNB e também docente da FGV/RJ, da Universidade de Paris XII e do CNAM, em Paris e em Montpellier.


Colaboração editorial: Débora Andrade

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Danilo Matoso Macedo

[1]

soberania-perspectivaEm 9 de janeiro de 2009, em seu escritório de Copacabana, Oscar Niemeyer apresentou o estudo preliminar do projeto para a Praça da Soberania, em Brasília, ao governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e a seu Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho. À semelhança de outros projetos recentes de Niemeyer, o projeto era marcado pela simplicidade de formas, materializadas em grandes superfícies brancas e aberturas fechadas por vidro preto. Próximo à Plataforma Rodoviária, uma praça cimentada no canteiro central da Esplanada dos Ministérios correspondia ao estacionamento subterrâneo abaixo, destinado a abrigar três mil veículos. Sobre o concreto, um edifício curvo elevado em pilotis ?o Memorial dos Presidentes, encomenda do presidente Lula ?contraposto por um obelisco inclinado ?o Monumento ao Cinqüentenário ?de altura comparável aos noventa e dois metros das torres do Congresso Nacional mais adiante.

Antes mesmo de qualquer consulta aos arquitetos que trabalham no GDF, ou de qualquer estimativa de preço da obra, o governador declarou aos presentes: Vamos fazer! No dia seguinte, a reunião foi relatada na capa do Correio Braziliense, [2] com a manchete: Para se espantar e curtir. Imediatamente, os arquitetos brasilienses se espantaram e voltaram a curtir a dor de feridas antigas e novas, todas ainda abertas. O espanto ficou por conta do obelisco de mais de cem metros de altura e do edifício curvo, numa área originalmente destinada ao vazio ?disposição presente desde o Plano Piloto, e expressamente assim mantida quando do tombamento da cidade pela Unesco em 1987. Já as penas curtidas tinham um duplo viés.

soberania-perspectiva-2De um lado, a iconoclastia tradicional de arquitetos inconformados com as feições recentes das obras de Niemeyer. Para estes colegas ?e também para alguns apreciadores das obras complexas, multicoloridas e multiformes das obras anteriores a Brasília, como a Pampulha ?a simplicidade recente parece simplismo apenas. E o que os admiradores da nova produção de Niemeyer ainda consideram síntese, os críticos já consideram descuido.

De outro lado, o descontentamento geral da comunidade de arquitetos projetistas brasilienses devido à realização de mais uma grande obra pública, com contratação de projetos por escritórios privados, sem a realização de concurso de arquitetura. A lista recente não é pequena, e o privilégio da contratação sem concurso não é exclusivo de Oscar Niemeyer: desde a encomenda do projeto urbanístico para o bairro Setor Noroeste,[3] bem como para o Parque Burle-Marx[4] e a via interbairros, passando pela nova Estação Rodoviária,[5] pela sede do Governo do Distrito Federal na Cidade Satélite de Taguatinga,[6] pela reforma do Estádio Bezerrão, no Gama,[7] e culminando no projeto para o Estádio Mané Garrincha,[8] em Brasília, com vistas à Copa do Mundo de Futebol. O monopólio de Niemeyer, de fato, se restringe à Esplanada dos Ministérios e adjacências. É sabido que, eticamente, o arquiteto evitou a contratação particular para a elaboração dos projetos arquitetônicos iniciais quando da construção da capital. Num gesto nobre, Oscar preferiu ser contratado como funcionário da Novacap, recebendo apenas seu salário à época.[9]

soberania-plantaO mesmo não ocorreu quando do retorno do arquiteto do exílio na década de 1970. Sobretudo após o tombamento da cidade, o escritório de Niemeyer passou a ser diretamente contratado para toda e qualquer grande obra pública do Governo Federal, pelo sistema de notória especialização. É um tipo de prática que ocorre em maior ou menor escala em diversas cidades brasileiras, com notórios especialistas locais, nacionais e, mais recentemente, internacionais. No caso do escritório de Niemeyer, o privilégio foi reforçado e garantido por uma portaria do IPHAN, estabelecendo que excepcionalmente, e como disposição naturalmente temporária, serão permitidas, quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília ?arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer ?com complementações necessárias ao Plano Piloto original.[10]

Para se espantar e curtirO projeto da Praça da Soberania, entretanto, parece ter dado impulso a algum tipo de questionamento destes processos. O Governo do Distrito Federal contratou Oscar Niemeyer para realizar o projeto sem licitação e sem concurso público. O governador aprovou a proposta publicamente, levando a imprensa a uma reunião de trabalho com o arquiteto, em lugar de cercar-se de seus técnicos, e antes mesmo de submeter o projeto ao IPHAN. E a proposta era no coração da cidade, num local importante para a população e sabidamente non-aedificandi. E causou a todos espanto, como queria seu autor.

A partir da matéria no Correio Braziliense, manifestações de repúdio começaram a circular por telefonemas e e-mails exaltados entre arquitetos ainda durante o final-de-semana. Na segunda-feira, dia 12 de janeiro, foi publicado na revista mdc um texto de Sylvia Ficher ?Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.[11] Tratava-se de um pequeno desabafo passional da historiadora e professora da UnB, que tocava em diversos pontos nevrálgicos do debate em torno às obras recentes de Niemeyer desde o Panteão da Pátria (1985), passando por um sumário juízo negativo de valor sobre a praça para concentrar seu fogo no ataque ao monopólio de Oscar Niemeyer em Brasília. O texto circulou em diversas rodas por e-mail na internet, tendo sido novamente publicado na Revista da Semana da Editora Abril, no Portal Vitruvius[12] ?o mais popular site de arquitetura do país ? no portal da Universidade de Brasília e em diversos blogs. Em que pese o extenso passado de rigorosas pesquisas de Sylvia Ficher, tratava-se aqui de um artigo de opinião, e não um arrazoado científico. O tom pessoal do artigo causou indignação aos admiradores e colaboradores mais próximos de Oscar Niemeyer. Por outro lado, fosse o texto uma extensa e embasada argumentação técnica, não teria tido o alcance e a popularidade que teve.

No domingo seguinte, dia 18 de janeiro, o jornalista Elio Gaspari dedicou sua coluna na Folha de S.Paulo[13] a uma associação entre a condenação de Sylvia Ficher à Praça da Soberania e a sua própria condenação a um texto que Niemeyer publicara naquele mesmo jornal reabilitando historicamente a figura de Joseph Stálin.[14] Com a repercussão do ataque de Sylvia à obra de Niemeyer, o desabafo local da pesquisadora começou a ganhar contornos de polêmica nacional.

No dia 20 de janeiro, o pesquisador e professor da UnB Frederico Holanda enviou à revista mdc um curto artigo também pessoal ?A praça do espanto,[15] condenando diretamente o projeto para a Praça da Soberania e associando sua aridez à já existente no adjacente Complexo Cultural da República ?última grande obra de Niemeyer inaugurada na Capital. A publicação do texto de Holanda na revista mdc foi acompanhada por outro texto do jovem arquiteto e pesquisador Carlos Henrique Magalhães[16] intitulado Pela soberania do vazio.[17] Argumentação mais arrazoada que as anteriores, o texto de Carlos evocava a obra pregressa de Oscar Niemeyer e os princípios norteadores do Plano Piloto de Brasília como base para defender a preservação do vazio acima do gramado da Esplanada ?onde Niemeyer pretendia implantar o obelisco e o Memorial dos Presidentes. Ao mesmo tempo, Conceição Freitas publicava em sua coluna no Correio Braziliense o texto Niemeyer versus Niemeyer.[18] A jornalista reforçava os argumentos de Sylvia e recuperava ?a partir de um comentário na revista mdc[19] ?um texto de Nicolai Ouroussoff,[20] escrito em 2007, em que do crítico de arquitetura do New York Times questionava a pertinência da contratação de Niemeyer para reforma e ampliação de suas próprias obras construídas há mais de cinquenta anos.

No dia seguinte, Sylvia Ficher voltava a se manifestar no texto Verso e reverso em Niemeyer,[21] agora acompanhada do arquiteto Jorge Guilherme Francisconi, ambos membros do Conselho de Planejamento Territorial do DF ?Conplan. O artigo, publicado no Correio Braziliense, manifestava que aquele órgão colegiado vinha sendo obrigado a aprovar a execução de projetos de Niemeyer em áreas de impacto, por força dos precedentes estabelecidos e do já mencionado artigo personalista da Portaria 314 do IPHAN. E o Conplan, unanimemente constrangido, enviara ao IPHAN um questionamento sobre a legitimidade do dispositivo legal. Era uma denúncia explícita de uma espécie de venda do direito de construir, que seria operada pelo escritório do arquiteto em Brasília.

A nova praça para BrasíliaSurpreendentemente, foi o próprio Oscar Niemeyer que se encarregou de elaborar sua primeira defesa, com artigo de sua lavra publicado na quinta-feira, dia 22 de janeiro, no Correio Braziliense. No texto, intitulado simplesmente A nova praça para Brasília,[22] Oscar Niemeyer justificava sua proposta com base nas grandes reformas urbanas de Paris e Barcelona ocorridas no século XIX, argumentando que mesmo os centros históricos precisam ser alterados. E se Brasília precisava ser modificada, ele possuía o direito e a obrigação de conceber e propor a praça. O texto ainda revelava oposição ao projeto de ninguém menos que a filha de Lucio Costa ?a também urbanista Maria Elisa Costa ? por ocupar o vazio da Esplanada dos Ministérios. Por fim, o arquiteto desqualificava seus críticos, ao tratá-los por pessoas até então desconhecidas que se permitiam falar sobre o assunto.

O tom confrontativo ?ainda que contraditório ?do texto de Niemeyer visava a anular os argumentos seus novos críticos arquitetos, mas acabou por reavivar antigos questionamentos da corporação às suas obras, despertando ainda o antagonismo em especialistas e pesquisadores de outras áreas. A pecha de desconhecidos gerou reações raivosas de moradores da cidade, que passaram a reivindicar em blogs e cartas aos jornais ?muitas vezes de modo deselegante ?o direito dos desconhecidos a opinar sobre o local em que habitam. Com efeito, no dia seguinte, o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil ?IAB-DF ?enviava uma Mensagem ao arquiteto Oscar Niemeyer[23] cujo tom reverente e introdução elogiosa não impediram a conclusão solicitando o estudo de nova localização para o monumento.

Em 24 de janeiro, o Correio Braziliense estampou, na mesma página, a carta do IAB e a segunda defesa do projeto da praça,[24] desta vez feita pelo arquiteto Glauco Campello ?antigo colaborador de Niemeyer, pioneiro da construção de Brasília e ex-presidente do IPHAN. Prudente, Glauco se limitava a uma apologia dos valores plásticos e simbólicos da Praça da Soberania e suas edificações em si, sem mencionar a relação com o entorno urbano ou o processo de contratação do arquiteto. Até então, o Correio Braziliense vinha dando voz ao debate de maneira esparsa. No dia seguinte o jornal iniciaria uma verdadeira campanha em torno do tema, envolvendo definitivamente no debate a população da Capital Federal.

Praça na Esplanada inflama BrasíliaCom a manchete Praça na esplanada inflama Brasília,[25] a polêmica em torno ao projeto foi capa do Correio em sua edição de domingo. Três páginas de matérias, conduzidas por Conceição Freitas, deixavam de lado definitivamente as questões envolvidas em torno à contratação de Oscar Niemeyer e colocavam foco na relação entre a praça e a cidade Patrimônio da Humanidade. As reportagens faziam um apanhado da polêmica,[26] um histórico das obras de Niemeyer em Brasília (sessenta e seis ao todo)[27] e colhiam declarações de outros dois professores da UnB: Cláudio Queiroz e Frederico Flósculo.[28] Enquanto um ?ex-colaborador de Oscar Niemeyer na Argélia ?assumia a defesa do projeto em todos os sentidos, o outro limitava-se a expressar certa perplexidade em relação ao gesto que ele classifica de contraditório em relação à propostas originais da cidade.

Também era publicada na íntegra a carta de Maria Elisa Costa mencionada por Niemeyer, manifestando, antes de ser apresentado o projeto,[29] sua opinião contrária à localização da praça na Esplanada. Tratava-se de um documento pessoal, em que ela expunha suas preocupações quanto às edificações: o obelisco poderia competir com as torres do Congresso Nacional, e o Memorial dos Presidentes poderia obstruir a visão da rodoviária. A urbanista sugeria ainda ao amigo a alteração da proposta, com o atendimento ao programa do Memorial subsolo e a localização do obelisco no trecho oeste do Eixo Monumental, fora da Esplanada dos Ministérios.

A guinada do debate para o campo exclusivo do patrimônio histórico e artístico parecia, em princípio, favorecer Oscar Niemeyer. Afinal, o tema da contratação por notória especialização e o monopólio de projetos monumentais caia para segundo plano, e era a própria portaria do IPHAN de regulamentação do tombamento que garantia a exclusividade do arquiteto. Sintomaticamente, dentro no campo do patrimônio, a discussão ganhava contornos personalistas. Tratava-se agora de um projeto de Niemeyer oposto ao projeto de Lucio Costa ?como a filha deste encaminha apreensiva. E neste ponto fica exposto o tombamento de Brasília como a preservação de uma idéia[30] exclusiva dos dois arquitetos, e não de um construto social concreto ?obra coletiva. Aqui, entretanto, a relação entre a produção de Oscar Niemeyer em Brasília e os órgãos de preservação do patrimônio ganharia contornos diferentes. De fato, na reportagem de Conceição Freitas, o superintendente do IPHAN em Brasília, Alfredo Gastal, e a representante da Unesco, Jurema Machado, manifestavam-se contrários ao projeto de Niemeyer argumentando conflito deste com os valores tombados.

A declaração dos representantes dos órgãos máximos de preservação do patrimônio no Brasil e no mundo alavanca, no dia seguinte, o início de uma investigação do Ministério Público sobre a legalidade do projeto da praça ?sob o ponto de vista do tombamento, e não da contratação do projeto sem licitação ou concurso.[31] O caráter aparentemente oficial da oposição desses órgãos ao projeto leva à repercussão do caso na imprensa nacional como um problema administrativo. Quando, em 27 de janeiro, a Folha de São Paulo publica sua primeira matéria jornalística sobre o tema, o faz opondo exclusivamente Oscar Niemeyer a Alfredo Gastal.[32] Mais uma vez uma discussão que se iniciara como um levante público a um ato do governo local ganha contornos personalistas. A posição de Gastal, em todo caso, apoia-se na mesma portaria 314 do IPHAN, que estabelece: nos terrenos do canteiro central verde são vedadas quaisquer edificações acima do nível do solo existente, garantindo a plena visibilidade ao conjunto monumental.[33]

O enfoque incompleto da Folha foi reproduzido em diversos jornais no país inteiro, incluindo O Globo ?fenômeno passível de aferição pela grafia errada (Gaspal) que a matéria do jornal paulista trazia, e que foi reproduzida nas reportagens em outros veículos. Cabe lembrar, em todo caso, que não se tratava de uma disputa administrativa, mas política. Todas as autoridades em questão haviam se manifestado exclusivamente à imprensa, e não oficialmente. Não havia sido iniciado qualquer projeto de aprovação e nenhuma equipe de técnicos havia sido convocada para emitir parecer arrazoado. E como não existia processo de aprovação do projeto ou ato administrativo motivador, não poderia haver ilegalidade. A discussão entre as autoridades e arquitetos era pautada pelos jornalistas, e não pelos fatos.

Gastal e LeléSe para o restante do Brasil a imprensa pintava o retrato de um querela burocrática, em Brasília, a campanha do Correio ganhava cada vez mais apelo político e popular. O jornal passou a cobrir diariamente o debate, abrindo uma enquete online sobre o projeto, que se manteve sempre com cerca de 75% de reprovação pelos internautas ?chegando a mais de quatro mil votos. Pode-se dizer, inclusive, que foi a fome de matérias do Correio ?em pleno marasmo de janeiro ?que deu novo impulso à discussão. O jornal passou a contatar sistematicamente Oscar Niemeyer, bem como todos os especialistas e autoridades relacionadas ao patrimônio histórico em Brasília, cobrando manifestações e respostas de todos. Pressionado, o arquiteto recorreria ao auxílio de seus ex-colaboradores e amigos, como foi o caso de Cláudio Queiroz e Glauco Campello, e como seria o caso, em seguida, de João Filgueiras Lima ?o Lelé ?e de Ítalo Campofiorito.

Lelé publicaria sua defesa na terça-feira seguinte. Seu texto se chamava Mais uma obra prima,[34] e também refletia cautela por parte do autor ao evitar uma análise da praça e sua relação com a cidade. Lelé se limitava a resumir o currículo profissional de Oscar Niemeyer e as características reconhecidas de sua arquitetura. Ao cerne da questão o arquiteto dedica poucas palavras: ?em>Vemos no projeto dessa praça uma composição ousada e singela de beleza indiscutível, em que predomina seu monumento central triangular ancorado no solo e com sua aresta superior levemente curva, que lhe confere uma surpreendente elegância e leveza.?/p>

A reação de Lelé dava voz a um grupo numeroso de arquitetos próximos a Niemeyer a quem o caráter passional e pouco argumentativo de textos como o de Sylvia Ficher e Frederico Holanda havia soado simplesmente como falta de respeito ao mestre, que tanto já fizera pela arquitetura brasileira. Agravavam esta impressão negativa os inúmeros comentários de leitores – a maioria desqualificações sumárias ?feitos abaixo dos textos em sites de notícias. Não fosse o histórico cinquentenario[35] de Oscar Niemeyer de desqualificação sistemática de qualquer crítico de sua obra, poder-se ia imaginar que também era esta a impressão causada a ele mesmo, e que motivara o adjetivo de desconhecidos aos opositores do projeto.

Os defensores de Oscar aparentemente não haviam tomado conhecimento de artigos como os de Carlos Henrique Magalhães e de Andrey Schlee. Este último, arquiteto, historiador e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília ?FAU-UnB, publicaria seu primeiro texto sobre o tema ?De obeliscos e espetos ?na revista mdc no dia 28 de janeiro.[36] Talvez pressentindo que poderia ser enquadrado como desconhecido, o experiente pesquisador e admirador confesso de Oscar Niemeyer precedia sua argumentação propriamente dita por um breve histórico e uma genealogia dos obeliscos na arquitetura universal e na obra do arquiteto. O arrazoado, como o de Magalhães, relembrava os princípios fundamentais do urbanismo da cidade, que nortearam sua construção e motivaram seu tombamento. Para Schlee, definitivamente não poderia ser adotado o argumento de complementação para áreas expressamente non-aedificandi do Plano Piloto tombado.

Coincidentemente, o também diretor da UnB ?do Instituto de Ciências Sociais, Gustavo Lins Ribeiro, se manifestou por escrito no Correio Braziliense no mesmo dia, no ponderado e imparcial texto Cavalos de Tróia,[37] em que igualmente reforçava os valores originais do Plano Piloto e da Esplanada, a serem preservados.

Niemeyer na trincheiraEsta edição do Correio, por outro lado, parecia dar a entender que Niemeyer não apenas se sentia pessoalmente agredido, como também protegido pelas muralhas de sua história, de sua competência e sobretudo de seus amigos, mas não necessariamente com as armas da razão: Niemeyer na trincheira: “não abro mão?/em>,[38] estampava a capa do jornal em letras garrafais. O arquiteto afirmava: Eu me sinto muito apoiado pelos meus amigos, de modo que vou continuar. Estou numa trincheira e não abro mão. Sou um arquiteto, com um trabalho feito.[39] Realmente, na mesma reportagem, assinada pelo jornalista Raphael Veleda, Cláudio Queiroz vinha mais uma vez em defesa do projeto, agora articulando um discurso sobre a obra propriamente dita. Para Queiroz, a inclinação do obelisco seria suficiente para torná-lo menor que o Congresso Nacional quando visto a partir da Plataforma Rodoviária. Seria um truque arquitetônico, um toque só alcançado por gênios como o Oscar.

Ironicamente, é nesta matéria que um dos amigos de Niemeyer se manifesta contra o projeto da praça. A crítica vinha do arquiteto Carlos Magalhães,[40] representante oficial de Niemeyer em Brasília e, juntamente com Fernando Andrade, um dos responsáveis pelo seu escritório local. Magalhães, talvez justificadamente desejoso de que a polêmica tivesse fim, disparava: O Oscar é muito grande para se submeter a essa bobagem. Ele tem que compreender que Brasília não é mais dele e está se defendendo sozinha. O desenrolar dos fatos nos dias seguintes demonstraria que a apreensão de Magalhães procedia.

A esta altura do debate, os diversos envolvidos já davam entrevistas a emissoras de rádio e televisão, reforçando seus pontos de vista. Enquanto a professora Sylvia Ficher insistia no telenoticiário local que as obras públicas deveriam ser realizadas por meio de concurso público, Cláudio Queiroz seguia tentando explicar o truque arquitetônico de Oscar. Entretanto, o foco do debate havia sido definitivamente deslocado para a questão do patrimônio histórico e artístico, e a próxima rodada se concentraria no detalhamento deste tema. Os tradicionais defensores e detratores do projeto de Brasília eram unânimes em concordar que a praça não estava de acordo com os princípios fundadores da cidade, conforme tombada pela Unesco em 1987, a divergência passaria a ser agora acerca da propriedade ou não da alteração por um de seus supostos autores.

A campanha do Correio prosseguia, e no dia seguinte o assunto novamente seria manchete: Debate sobre praça chega ao Planalto.[41] Segundo o jornal, o governador levaria o assunto ao presidente Luís Inácio Lula da Silva, em reunião entre os dois agendada para o dia 6 de fevereiro ?duas semanas em seguida. A discussão político-ideológica esteve sempre margeando o debate sobre a Praça da Soberania. Não apenas o fato político em si de uma obra de vulto como esta junto ao centro de decisões do país, mas também o engajamento político do comunista Niemeyer e sua relação pessoal com dirigentes de ideologia diversa. De fato, conhecedor do capital simbólico de seu afeto, Niemeyer sempre retribuiu com amizade a generosidade dos gestores em convidá-lo a projetar ?pelo menos em entrevistas a jornais. Assim, não apenas Juscelino Kubitschek foi seu amigo, mas também o foram o governador de São Paulo, Orestes Quércia ?que lhe encomendou o Memorial da América Latina ? e o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz ?responsável pela encomenda do Setor Cultural Sul. Agora o governador José Roberto Arruda e o Secretário de Cultura Silvestre Gorgulho eram tratados por amigos nas entrevistas ao Correio. O amigo Arruda entretanto parecia não retribuir a confiança do arquiteto, deixando-o sozinho no debate sobre a Praça.

Questionado sobre a aprovação instantânea do projeto de Niemeyer no escritório de Copacabana, José Roberto Arruda já declarara em entrevista à Secretaria de Comunicação da UnB, na segunda-feira,[42] que o GDF não dispunha de previsão orçamentária para a execução do projeto da Praça da Soberania. Agora desejava compartilhar o ônus político pela obra grandiosa com o presidente Lula ?que, segundo Niemeyer, havia encomendado o Memorial dos Presidentes. No dia seguinte, entretanto, o Palácio do Planalto negaria a presença do assunto na pauta da reunião.

Outro aspecto de fundo político dizia respeito à ideologia do próprio arquiteto, considerado figura histórica do PCB. Niemeyer é de uma geração antiga do Partidão de defesa do comunismo do sentido lato, cujos valores hoje talvez soem ingênuos. Para alguns dessa geração, a construção de monumentos públicos de acesso livre à população é um ato de socialização da construção civil, é a construção de edifícios para o povo.[43]

Talvez esta lente seja a única pela qual seja possível compreender não apenas os argumentos vindouros de Niemeyer para justificar a Praça da Soberania, mas também a posição de outros defensores de mesma estirpe, como Frank Svensson, que assim comentou o texto de Sylvia Ficher na revista mdc: Para mim a preocupação de fundo de Oscar Niemeyer, arquiteto engajado politicamente, é de como afirmar arquitetonicamente a atualíssima questão da soberania nacional! Para quem não desposa desse engajamento é compreensivel que os valores e critérios de julgamento sejam outros.[44] Esta afirmação de Soberania, entretanto, manifestada logo após a já mencionada publicação de um texto indulgente a Joseph Stálin, não foi vista com bons olhos não apenas por arquitetos, mas pela população em geral e por jornalistas como Elio Gaspari.

Para estas pessoas, especialmente sensibilizadas pela força do chavismo na América Latina, a Praça da Soberania era mais uma expressão de totalitarismo ?acusação frequentemente feita à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes ?que um espaço para o povo. Com esse cenário político de fundo compreendem-se os motivos da grande abrangência de uma polêmica, em princípio, arquitetônica: tratava-se tanto de um ato de revolta contra as arbitrariedades do governo populista local, quanto um ato de repúdio político à recente defesa de Stálin feita pelo arquiteto.

Se nesse dia o viés político da reportagem do Correio parecia desviar o debate para este campo, na mesma página constava um artigo de outro ex-colaborador de Oscar Niemeyer que também frequentara as esferas do patrimônio brasiliense. Nada menos que o redator do decreto de tombamento do Plano Piloto: Ítalo Campofiorito.

Num breve texto intitulado Quando o novo não desfigura o moderno,[45] Ítalo fazia uma repreensão às autoridades do patrimônio que haviam se manifestado a respeito do assunto, argumentando que somente a decisão do Conselho Consultivo do IPHAN ?órgão máximo do Instituto ?poderia constituir parecer definitivo do mesmo sobre o assunto. Ítalo, entretanto, não se furtava a apresentar um argumento de autoridade no texto ?sintonizando-se assim com as demais argumentações em favor da Praça. O arquiteto explicava que na legislação de preservação de Brasília se vedam construções no “canteiro central verde? na intenção óbvia de evitar futuras edificações espúrias que prejudicassem a integridade visual e artística da Sede do Congresso. Posso testemunhar da intenção, já que a redação em pauta copia a do decreto, que é de minha lavra.

Houvesse sido concluída neste ponto, a polêmica em torno à Praça da Soberania talvez não houvesse afetado a visão que os brasilienses e arquitetos guardavam de Oscar Niemeyer e de seus projetos. O arquiteto se notabiliza há tempos tanto pelo hábito de interferir em espaços cívicos com ousadia quanto pelo absoluto descaso pela preservação de sua própria obra. Ele ainda é Oscar Niemeyer: o mais fecundo inventor de formas de nossa arquitetura, o inesgotável improvisador de soluções, o ‘playboy?endiabrado[46] com uma experiência profissional inigualável no mundo. Levar o tema da Praça para a discussão nas altas esferas de órgãos de preservação possivelmente implicaria em sua aprovação ?se nela se empenhasse o arquiteto tão influente no IPHAN. E com o tempo a população certamente se acostumaria à nova leitura que a Praça da Soberania ofereceria da Esplanada.

A campanha do Correio Braziliense, entretanto, demandava novas manchetes e mais combustível para a polêmica. No dia seguinte, a manchete do jornal estampava uma frase de Niemeyer: “A briga está boa?/em>.[47] O texto publicado nesta edição de 30 de janeiro seria o primeiro de uma série de declarações do arquiteto que refletiam ou uma profunda desarticulação de idéias ou uma intenção clara de alteração no modo de se pensar o patrimônio arquitetônico e urbanístico de Brasília.

A briga está boaO título ?Uma explicação necessária[48]– dá a entender que se trata do tradicional texto arrazoado homônimo que acompanhava os projetos de arquitetos da geração de Niemeyer. O arquiteto pouco explica de seu projeto, no entanto. Primeiramente, deixa claro que se trata de uma encomenda do Correio, que insiste para que ele escreva alguma coisa sobre essa celeuma que está ocupando este jornal. Logo, Niemeyer evoca as defesas que solicitara a Ítalo Campofiorito, Lelé e Glauco Campello, e estabelece um diálogo socrático ?recurso caro ao arquiteto desde a década de 1970 ?como se um amigo lhe pedisse para comentar o Plano Piloto, dividido entre pobres e ricos. Os primeiros em seus apartamentos confortáveis ligados às escolas, ao comércio local, como convém; os outros, mais de três milhões de brasileiros, esquecidos pelas cidades-satélites sem escolas, postos de saúdes e as áreas de recreio indispensáveis.

Era o discurso do comunista que voltava à tona. À primeira vista, a colocação parecia fora de lugar ?afinal, Oscar não deixara claro em que a Praça da Soberania contribuiria para a redução das desigualdades. A já mencionada visão popular que Niemeyer tem da construção de monumentos, entretanto, torna coerente o discurso. Em seguida, Oscar se lançava ao auto-elogio ao falar da importância e visibilidade que suas obras têm no exterior. Por fim, Niemeyer afirma ter sugerido ao amigo Silvestre Gorgulho a criação de uma comissão de arquitetos da melhor categoria que se incumbisse dos problemas da arquitetura e do urbanismo desta cidade, encaminhando as soluções que lhes pareçam mais justas e necessárias.

Neste momento, o arquiteto parecia não tomar conhecimento da existência do já mencionado Conplan, órgão encarregado de tratar das questões urbanísticas do Distrito Federal. Embora Sylvia Ficher e Jorge Guilherme Fancisconi dele fizessem parte, era público e notório que se tratava de um colegiado formado majoritariamente de membros do governo, e por representantes da sociedade civil indicados pelo próprio governador, que submetiam suas decisões ao Secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio-Ambiente, a quem cabia acatá-las ou não. Niemeyer parecia ignorar também a sugestão de seu amigo Ítalo Campofiorito, de tratar da querela no Conselho Consultivo do IPHAN. A sugestão de Niemeyer desqualificava não apenas a competência de seus críticos, mas também os órgãos que poderiam jogar a seu favor.

A mesma página do jornal trazia uma reportagem introduzindo o tema e mencionando cautelosas declarações do ex-presidente do IAB-DF Otto Ribas, para quem o problema não seria a construção da praça, mas do obelisco. Trazia ainda um curto texto do Instituto Histórico e Geográfico do DF ?assinado por ninguém menos que o ex-diretor da Novacap, Ernesto Silva. Juntamente a Affonso Heliodoro Santos, o pioneiro ressaltava a contrariedade da proposta de Niemeyer ao Plano Piloto original tombado, motivo pelo qual o IHG-DF era contrário a sua execução.[49]

No dia seguinte, sábado, o ritmo frenético do Correio parecia haver esgotado a produção recente de novas manifestações qualificadas sobre a questão da Praça da Soberania. Mas isso não significava o abandono do tema. Ao contrário, a jornalista Graça Ramos oportunamente usou-o para trazer à tona uma antiga proposta do paisagista Roberto Burle-Marx para a Esplanada.[50] No projeto, em lugar do gramado constava uma espécie de parque, com lagos, pontes e árvores. Embora se tratasse de proposta evidentemente descabida no contexto atual, Graça Ramos aproveitava o ensejo para relembrar que no ano de 2009 seria celebrado o centenário do paisagista, e que diversos eventos e publicações marcariam a efeméride. A edição do jornal trazia ainda trechos de uma entrevista com Maria Elisa Costa,[51] que reforçava os pontos de vista expressados na carta a Oscar, anteriormente publicada. Para a urbanista, o monumento poderia ser implantado em outro lugar, e não na Esplanada. A partir do diagnóstico social de Niemeyer no artigo anterior, ela sugeria Taguatinga ?centro demográfico do Distrito Federal ?como local apropriado.

No dia seguinte, Niemeyer publicaria seu terceiro texto sobre a Praça, intitulado pelo jornal de Contraste incômodo.[52] Nele, o arquiteto refutava a possibilidade de realizar o monumento ou a praça em outros lugares e insistia, evocando até mesmo a memória de Juscelino Kubitschek, que a demanda e a decisão de construir eram do governador. Com esta manobra, Niemeyer transferia para Arruda o ônus político e o bônus popular da realização do projeto e da obra. Reforçava ainda o pedido de criação de uma comissão de notáveis para avaliação do desenvolvimento urbano da cidade, com a qual ele daria por bem-sucedida esta luta. Mas Arruda já se havia entrincheirado ele mesmo na evasiva da questão orçamentária, deixando o arquiteto sozinho.[53]

O Correio começaria então a dar mostras de incapacidade de gerar matérias sobre o tema no mesmo ritmo que antes. Numa pequena reportagem,[54] a jornalista Nahima Maciel extraia de Cláudio Queiroz a declaração talvez mais jocosa de todo o debate, ao sugerir que fosse, de fato, criada a comissão sugerida por Niemeyer, e que seus integrantes fossem Glauco Campello, Ítalo Campofiorito e Lelé. Na mesma página, o advogado Reginaldo de Castro apresentava argumentos jurídicos para demonstrar,[55] citando como norma um texto de Glauco Campello, a viabilidade legal da execução da Praça da Soberania, conforme proposta por Niemeyer.

Tombamento de Brasília é uma besteiraO elemento de choque desta segunda-feira, 2 de fevereiro, entretanto, não estaria no Correio, mas novamente na Folha de S.Paulo. O jornal paulista trazia uma entrevista exclusiva com Oscar Niemeyer, realizada no domingo por Denise Menchen.[56] O título atribuía a Niemeyer uma frase não encontrada na entrevista:?em>Tombamento de Brasília é uma besteira.?O arquiteto colocaria em desfile vários dos temas e máximas recorrentes em seus textos ao longo de mais de setenta anos de carreira, mas sem conseguir concatená-los com a coerência de costume. E iniciaria seu discurso ?antes de qualquer pergunta do jornalista ?criticando a desigualdade social de Brasília, segundo seu entendimento refletida na exclusão dos pobres do Plano Piloto. Entretanto, quando perguntado sobre a relação da Praça da Soberania com a solução do problema da desigualdade, o arquiteto diria que a ela era indispensável, por faltar a Brasília uma praça importante, como em todas as cidades do mundo existe. Ao ser questionado sobre a alteração no Plano Piloto representada pela obra, o arquiteto afirmava que ali é o lugar certo, não está perturbando nada. Em dois momentos, Niemeyer se justifica pela sua própria importância e pela importância de seus defensores (Italo, Glauco, Lelé, Jayme Zettel). Se a defesa com evasivas e argumentos de autoridade decepcionava, os ataques do arquiteto na entrevista surpreenderiam. Inicialmente, Niemeyer atacava o tombamento da cidade (o mesmo tombamento que lhe garantia a contratação por notória especialização): uma cidade não pode ser tombada porque sempre aparecem modificações. Em seguida, atacaria a Plataforma Rodoviária, projeto de Lucio Costa constante já Plano Piloto original, que articula o cruzamento entre os Eixos Monumental e Rodoviário: a rodoviária não é um prédio importante. O que caracteriza Brasília são os palácios. É desnecessário assinalar que o ataque de Niemeyer à cidade e ao seu tombamento não contariam a seu favor perante a opinião pública. Mais que isso, afirmar que a cidade mais monumental do país carece de uma praça monumental soava no mínimo curioso. Afinal, apenas no Eixo Monumental, há a Praça do Buriti, a praça da Torre de Televisão, as praças elevadas da própria Plataforma Rodoviárias e, evidentemente, a Praça dos Três Poderes. Além disso, Brasília possui praças gigantescas projetadas por Burle-Marx praticamente em desuso, como a Praça de Portugal ?junto ao Setor de Embaixadas ?e a Praça Duque de Caxias ?no Setor Militar Urbano. A entrevista havia, ao fim e ao cabo, encurralado o arquiteto contra seus próprios argumentos.

Enquanto isso, no mesmo dia, o arquiteto e ex-professor da FAU-UnB, Ricardo Farret, publicava na revista mdc o pequeno texto Espaço público e imaginário social,[57] em que comentava o surpreendente desenrolar público do debate, relembrava polêmicas análogas que ele mesmo tivera a oportunidade de travar com Oscar Niemeyer (quando da reforma da Catedral Metropolitana de Brasília), e sobretudo apontava para o fato de que o Governo do Distrito Federal está se especializando em apresentar propostas urbanísticas por meio da imprensa, sem que se saiba as suas razões e grau de prioridades. Estão aí o Plano Lerner, a retomada do Projeto Orla, para citar só dois exemplos. A oportuna lembrança de Farret trazia à tona um dos problemas mais prementes na preservação do Plano Piloto de Brasília: a ausência de um Plano Diretor ou de um Plano de Preservação claro.[58]

As respostas à entrevista de Niemeyer começaram a vir à tona no dia 4 de fevereiro. A revista mdc publicou em sua seção Ensaio e Pesquisa o texto de Andrey Schlee A praça do ‘maquis?/a>.[59] Tratava-se de um trabalho escrito um ano e meio antes para apresentação em um seminário em que o pesquisador apresentava a Praça dos Três Poderes em seu desenho original de Lucio Costa ?como platô construído frente à paisagem natural do cerrado ? bem como as origens deste desenho em fortificações e praças coloniais implantadas à beira do mar. Em seguida, demonstrava como as sucessivas adições de edifícios como o Panteão da Pátria, o anexo do STF e a Procuradoria-Geral da República vinham liquidando com o cerrado e descaracterizando a praça. A publicação do texto pela revista era claramente uma resposta à afirmativa de que a cidade necessitava de uma nova praça. Schlee publicou simultaneamente um novo texto de opinião, intitulado Não se preocupe em entender,[60] retornando a uma interpretação da Praça da Soberania e do Complexo Cultural da República como expressões de uma arquitetura concebida com nada de detalhes, nada de filigranas por razões puramente plásticas, artísticas. O pesquisador partia de um paralelo com as imagens dos quadros de De Chirico para evidenciar a aridez das plataformas de concreto carentes de paisagismo em Brasília, onde as coisas estão dispensadas de lógica funcional e situadas no mágico sossego de seu isolamento.

Niemeyer desiste da praça na EsplanadaAs refinadas críticas de Andrey Schlee infelizmente ficariam apenas como registro histórico. O debate propriamente dito havia sido concluído na edição do Correio Braziliense daquele mesmo dia, com a manchete ?sobre uma foto do arquiteto ?ocupando toda a primeira página do jornal: Niemeyer desiste da praça na esplanada.[61] A capitulação foi publicada dentro de uma reportagem de Nahima Maciel,[62] com o pequeno texto de Niemeyer intitulado Decisão.[63] Nele, o arquiteto reafirmava seus argumentos em favor do projeto e relembrava a solidariedade de seus amigos, como Lelé. Em que pesasse a segurança em suas propostas Niemeyer lera nos jornais que o governador José Roberto Arruda, por falta de verba e de tempo, reconhecia ser agora impossível realizar a construção da praça que tanto desejava. Daí a desistência do debate. Em todo caso, o projeto continuaria a ser desenvolvido normalmente, na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a ser cogitada. Entretanto, as declarações do governador não eram fato novo. Tudo leva a crer que a desistência certamente ocorrera em função da repercussão negativa da entrevista na Folha. Além disso, era um alívio para Niemeyer poder voltar a seus afazeres cotidianos.

Nos dias que se seguiram, muitos dos que vinham debatendo compartilharam do alívio com o fim do debate, elogiando no Correio a decisão do arquiteto. No dia 5 o jornal fez um apanhado de declarações dos envolvidos na querela.[64] No dia seguinte, Maria Elisa Costa ainda reforçaria uma defesa talvez preparada na segunda-feira, afirmando que a Esplanada já tem sua praça: a plataforma Rodoviária.[65] Um toque final de humor ainda foi acrescentado com a divulgação,[66] no sábado 7 de fevereiro, de que o carnavalesco Joãosinho Trinta havia proposto a Niemeyer a realização de um carro alegórico da Praça da Soberania, a ser colocado em evolução da Escola de Samba Beija-Flor em 2010. No carro, todos os ex-presidentes ainda vivos seriam convidados a desfilar como destaques.

No domingo, dia 8 de fevereiro, foram ainda publicados no caderno de cultura do jornal Estado de São Paulo um texto de Hugo Segawa ?provavelmente escrito antes do fim da polêmica ?intitulado Por um olhar desimpedido,[67] acompanhado por uma entrevista do diplomata André Corrêa do Lago. O historiador Segawa fazia uma retrospectiva histórica da Esplanada e da Plataforma Rodoviária, retomando seus valores fundamentais, expressados na legislação vigente do patrimônio, concluindo que se a Praça da Soberania viesse a soerguer-se no local originalmente planejado, o viajante não mais vislumbraria o eixo monumental. Veria a fachada envidraçada do Memorial dos Presidentes. A entrevista do diplomata Corrêa do Lago,[68] permeada pelo mesmo espírito encomiástico que vinha dominando as matérias realizadas após a decisão de Niemeyer, continha uma sentença premonitória: os gênios jamais jogam a toalha.

Salvo manifestações esporádicas já fora do calor da disputa, pouco se falaria da Praça da Soberania nos meses seguintes. A pedido dos editores da revista mdc, Cláudio Queiroz escreveria um arrazoado sobre a praça, intitulado Praça da Soberania – assertivas,[69] explicando suas declarações feitas em entrevistas durante o debate. Para Queiroz, o projeto era um gesto finalístico destinado a promover a restauração da própria Esplanada e de suas principais visuais, em que a própria verticalidade das torres do Congresso estariam intimidadas, em presença das principais edificações dos setores bancários e hoteleiros. O obelisco cumpriria ainda a função de restaurar, por contraste arquitetônico a volumetria do centro cívico face a linearidade elegante da Rodoviária restabelecendo a totalidade urbana, anteriormente marcante, pela ligação virtual com a Torre de TV, cuja expressão, valor e significado diluíram-se, após a evolução conclusiva dos setores hoteleiros e bancário.

Mas Niemeyer voltara a seus afazeres: realizava novos projetos, acompanhava as obras em andamento ?sobretudo as de Niterói ?e organizara mais um livro com uma coletânea de seus trabalhos recentes, a ser lançado na galeria de sua filha, Ana Maria, no final de maio. Um pouco antes do lançamento, o arquiteto gentilmente convidou os professores e estudantes da UnB para realizar uma visita às obras de Niterói, onde ele daria uma palestra sobre seu trabalho. O convite, feito por João Filgueiras Lima, foi aceito pelos acadêmicos, que no dia 29 de maio eram recebidos por Niemeyer no Caminho que leva o seu nome na cidade fluminense.

Soberania-Perspectiva-1No final da palestra, Niemeyer apresentou seu projeto para a Praça da Soberania, na verdade nada menos que uma nova proposta, também era publicada na edição do Correio Braziliense daquele dia com a manchete Niemeyer muda Praça da Soberania.[70] No projeto, o obelisco, com a mesma forma mas com cinquenta metros a menos, ficava deslocado do eixo da Esplanada. O Memorial do Cinquentenário e o Memorial dos Presidentes eram deslocados para as laterais do canteiro central dois blocos longitudinais ?um curvo, com uma marquise, e outro reto, elevado sobre pilotis. Na mesma semana ainda havia sido lançado o quarto número da revista Nosso Caminho, que Niemeyer e sua esposa vinham editando desde 2008, em que o arquiteto publicava a nova versão do projeto.

Soberania-Perspectiva-2

No dia seguinte, o Correio Braziliense publicava uma matéria de uma página sobre a visita do grupo da UnB ao Rio no dia da apresentação do projeto.[71] Uma foto, de autoria do Secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, mostrava os estudantes e professores em volta do arquiteto, e o texto jornalístico de Diego Amorim e Gizella Rodrigues ?com títulos como A praça não interfere no Plano Piloto e Espaço a ser completado ?dava a entender que havia consenso sobre o a nova proposta. Aos olhos da opinião pública, o projeto teria obtido a aprovação de alguns de seus maiores críticos: os professores da UnB. Era uma verdadeira ação coordenada de Niemeyer para apresentar e aprovar publicamente seu projeto quatro meses após o fim da polêmica inicial.

A praça não interfere no Plano PilotoO texto explicativo que acompanhava o projeto não foi publicado no jornal, embora estivesse exposto na galeria de Ana Maria Niemeyer no Rio de Janeiro. Seu título, não menos afirmativo, era: Uma modificação irrecusável. Nele, o arquiteto explicava como havia alterado o projeto em função das críticas recebidas, conforme ele mesmo dava a entender em sua entrevista no Correio: Encontrei uma forma de conduzir melhor o trabalho. Coincidentemente, alguns pontos correspondem à questão de visibilidade que eles (arquitetos que criticaram o projeto) tanto defenderam.Tudo indicava que o debate seria reacendido, caso o próprio governador José Roberto Arruda não houvesse colocado uma pá de cal no assunto. No dia 31 de maio, domingo, na capa do Correio constava a nota: governador diz que, por falta de recursos, obra não será construída na sua gestão.[72]

Não obstante, dez dias depois o presidente do IAB-BA, Paulo Ormindo Azevedo ?referência nacional na área de patrimônio histórico ?publicaria na revista mdc o texto intitulado Niemeyer não dorme nos louros…[73] Para Azevedo, a reação crítica à proposta de Niemeyer fora movida em grande parte por uma dissimulada “oscar-jeriza?/em>. O arquiteto fazia coro com Cláudio Queiroz, classificando a obra de um complemento e uma correção, e traçando um paralelo entre o obelisco do cinqüentenário e o monumento a George Washington, no mall da capital norte-americana. Azevedo desloca ainda o problema da área do patrimônio histórico, afirmando que, se nas décadas de 1940 a 1960 tivéssemos a burocracia preservacionista que temos hoje no plano federal e estadual, não seria construída a Pampulha.

Na semana seguinte, também na revista mdc, o arquiteto e pesquisador da FAU-UnB, Eduardo Rossetti, publicaria na revista mdc o último texto especializado de que temos notícia sobre o assunto, intitulado Oscar Niemeyer além da crônica de uma praça anunciada.[74] Rossetti parte de um breve histórico sobre a polêmica da praça, para concluir que, ao fazer uma nova proposta, o arquiteto simplesmente fizera questão de dar a última palavra sobre o assunto. A partir da praça, era feita então uma avaliação panorâmica da produção recente de Niemeyer, com programas cada vez maiores e mais complexos e soluções mais simples, em que Niemeyer assinala a permanência de suas estratégias projetuais, especulando, depurando, reforçando e ampliando o seu reconhecido repertório formal. Para Rossetti, entretanto, a ênfase na questão formal era um reducionismo em si mesma, concluindo que em meio às decisões excludentes e às subordinações que regem o ato de projetar ?ou seja, elaborar a invenção arquitetônica ?a forma continua a ser a questão fundamental que Oscar Niemeyer propõe e deixa a todo o campo, para além da crônica de uma praça anunciada, efetivamente.

Os demais polemistas entretanto pareciam ter acompanhado a declaração de Sylvia Ficher sobre o assunto: Não faz mais sentido eu ficar dando opinião, dizendo se o projeto é bom ou ruim, se melhorou ou piorou. Quem tem que decidir se vai ou não fazer é o Iphan e o GDF.[75] De fato, o debate aparentemente retornou para as esferas da arquitetura e da Administração Pública. Até o presente momento, em todo caso, não se tem notícia de qualquer encaminhamento do projeto para avaliação pelos órgãos de patrimônio.

A rigor, o debate sobre a Praça da Soberania evidenciou o longo caminho a ser percorrido pelo campo arquitetônico brasileiro até que se possa realizar um debate público efetivo sobre seus valores. O primeiro problema foi a dificuldade em definir o que deveria ser discutido. A questão das contratações de projetos de obras públicas sem licitação ou concurso ?o cerne da crítica inicial de Sylvia Ficher ?parece continuar sendo um tabu no campo da arquitetura.

Um segundo problema aparente é a incompreensão generalizada em nosso meio sobre os processos de contratação da Administração Pública, e frequentemente em debates sobre o tema os argumentos passam pelo viés do juízo de valor pessoal sobre a qualidade da obra do arquiteto ou dos arquitetos em questão. O personalismo, os privilégios e idolatrias herdados dos oligopólios coloniais parecem persistir entre nós mesmo no trato da coisa pública. E mesmo ao discutir valores que, até por uma questão de autonomia de campo, deveriam ser tratados de maneira sistemática, arrazoada e demorada, os arquitetos e gestores públicos preferem arriscar-se a declarar publicamente suas opiniões particulares imediatas sobre temas em que deveriam se manifestar como técnicos e como administradores do espaço público ?mais que como políticos.

Em todo caso, é através da prática saudável do debate público, como o que teve início na Praça da Soberania ?e não das negociatas a portas fechadas ?que se pavimenta o caminho necessário para a construção de um campo arquitetônico mais republicano e de arquitetos mais envolvidos com sua própria cidadania que com questões endógenas. Esperamos todos que este tenha sido apenas o início de uma série de discussões que podem passar a ter lugar a cada grande obra pública. Os meios de comunicação estão abertos para isso e a população está desejosa de discutir a construção de suas cidades. Resta saber da disposição dos arquitetos para o debate.


notas

[1] Texto apresentado em setembro de 2009 no 8º Seminário Docomomo Brasil, na mesa Brasília: cidade real, cidade tombada, objetivando realizar uma síntese da polêmica, dando a conhecer ao público nacional o seu desenrolar local.

[2] Miranda, “Novo marco na esplanada.?e Macedo, “Brasília: Oscar Niemeyer projeta nova praça na Esplanada dos Ministérios.?/p>

[3] Mader, “Novo bairro aproveita lições do laboratório – Entrevista: Paulo Zimbres.?/p>

[4] Mader, “Presente verde.?/p>

[5] Toscano, “Começa em 15 dias obra da nova rodoviária.?e Reis, “Terminal Rodoviário de Brasília.?/p>

[6] Campos, “Complexo substituirá o Buritinga em 2009.?/p>

[7] Naves, “Sinal Verde.?/p>

[8] Correio Braziliense, “A capital do futebol.?/p>

[9] Niemeyer, As curvas do tempo, 111.

[10] IPHAN, Portaria n.314, de 08 de outubro de 1992 (Art.8º, §3º)

[11] Ficher, “Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.?/p>

[12] Ficher, “Oscar Niemeyer e Brasília : criador versus criatura.?/p>

[13] Gaspari, “A praça da soberania de Niemeyer.?/p>

[14] Niemeyer, “Quando a verdade se impõe.?/p>

[15] Holanda, “A praça do espanto.?/p>

[16] Magalhães acabara de concluir um mestrado sobre a obra de um dos colaboradores de Niemeyer: o arquiteto Milton Ramos.

[17] Magalhães, “Pela soberania do vazio.?/p>

[18] Freitas, “Niemeyer versus Niemeyer.?/p>

[19] Cf. //28ers.com/2009/01/12/oscar-niemeyer-e-brasilia-criador-versus-criatura/#comment-56

[20] Ouroussoff, “Even if his own work isn’t broken, a brazilian architect fixes it.?/p>

[21] Francisconi e Ficher, “Verso e reverso em Niemeyer.?/p>

[22] Niemeyer, “A nova praça para Brasília.?/p>

[23] Campos, “Mensagem ao arquiteto Oscar Niemeyer.?/p>

[24] Campello, “Praça da Soberania.?e Campello, “A Praça de Niemeyer em Brasília.?/p>

[25] Correio Braziliense, “Praça na Esplanada inflama Brasília.?/p>

[26] Freitas, “Soberana Brasília.?/p>

[27] Freitas, “Niemeyer, 101 anos, 66 obras.?/p>

[28] Freitas, “Concepções divergentes.?/p>

[29] Costa, “Carta de Maria Elisa Costa a Oscar Niemeyer.?/p>

[30] Para desenvolvimento deste tema, Cf. Pessoa, “Brasília e o tombamento de uma idéia.?/p>

[31] Macedo, “Projeto da Praça da Soberania será investigado pelo Ministério Público.?/p>

[32] Carvalho, “Projeto de praça de Niemeyer para Brasília é ilegal, diz Iphan.?/p>

[33] IPHAN, Portaria n.314, de 08 de outubro de 1992 (art.3º, V)

[34] Lima, “Mais uma obra-prima.?/p>

[35] Cf. Niemeyer, “Criticada a arquitetura brasileira : fala Oscar.?/p>

[36] Schlee, “De obeliscos e espetos ou ‘Para se espantar e curtir’.?/p>

[37] Ribeiro, “Cavalos de Tróia.?/p>

[38] Correio Braziliense, “Niemeyer na trincheira.?/p>

[39] Veleda, “Niemeyer assume a defesa do seu projeto.?/p>

[40] Não se confunda Carlos Magalhães, colaborador de Niemeyer desde a década de 1950 com Carlos Henrique Magalhães, o jovem pesquisador a escrever Pela soberania do vazio.

[41] Correio Braziliense, “Debate sobre praça chega ao Planalto.?e Veleda, “Arruda quer opinião de Lula sobre a praça.?/p>

[42] Notícia apagada dos arquivos do website.

[43] Para um desenvolvimento desse tema, veja-se a seção Teoria em: Pereira, Arquitetura, texto e contexto, 148-153

[44] Cf. //28ers.com/2009/01/12/oscar-niemeyer-e-brasilia-criador-versus-criatura/#comment-158

[45] Campofiorito, “Quando o novo não desfigura o moderno.?/p>

[46] Expressão do crítico de arte Mario Pedrosa em: Pedrosa, “O depoimento de Oscar Niemeyer – II,?294

[47] Correio Braziliense, “A briga está boa.?/p>

[48] Niemeyer, “Uma explicação necessária.?/p>

[49] Tecles, “Niemeyer contra-ataca.?/p>

[50] Ramos, “Um parque na Esplanada.?/p>

[51] Tecles, “Obelisco em Taguatinga.?/p>

[52] Niemeyer, “Contraste incômodo.?/p>

[53] Arruda, “A boa polêmica.?/p>

[54] Maciel, “Proposta de comissão divide os arquitetos.?/p>

[55] Castro, “Breves notas sobre a Praça da Soberania.?/p>

[56] Menchen e Niemeyer, “Oscar Niemeyer: tombamento de Brasília é uma besteira.?/p>

[57] Farret, “Espaço público e imaginário social « mdc . revista de arquitetura e urbanismo.?/p>

[58] Produto atualmente em elaboração por um escritório gaúcho de planejamento contratado por licitação de técnica e preço pelo GDF.

[59] Schlee, “A praça do maquis.?/p>

[60] Schlee, “Não se preocupe em entender.?/p>

[61] Correio Braziliense, “Niemeyer desiste da praça na Esplanada.?/p>

[62] Maciel, “Niemeyer abre mão da polêmica praça.?/p>

[63] Niemeyer, “Decisão.?/p>

[64] Sallum, “Elogios à decisão de Niemeyer.?/p>

[65] Freitas e Rebello, “A Esplanada já tem sua praça.?/p>

[66] Correio Braziliense, “E a praça de Niemeyer pode parar na Sapucaí….?e Macedo, “Esplanada em transe : Praça da Soberania será carro alegórico no carnaval de 2010.?/p>

[67] Segawa, “Por um olhar desimpedido.?/p>

[68] Greenhalg, Gama, e Lago, “Os gênios jamais jogam a toalha – Estadao.com.br.?/p>

[69] Queiroz, “A Praça da Soberania : assertivas.?/p>

[70] Correio Braziliense, “Niemeyer muda Praça da Soberania.?e Dubeux e Niemeyer, “Uma nova praça – entrevista.?e Macedo, “Oscar Niemeyer propõe segundo projeto para a Praça da Soberania.?/p>

[71] Rodrigues, “Praça muda, polêmica não.?e Amorim e Rodrigues, “A praça não interfere no Plano Piloto.?/p>

[72] Mader e Borges, “Praça de Niemeyer sai dos planos.?/p>

[73] Azevedo, “Niemeyer não dorme nos louros?« mdc . revista de arquitetura e urbanismo.?/p>

[74] Rossetti, “Oscar Niemeyer além da crônica de uma praça anunciada.?/p>

[75] Rodrigues, “Praça muda, polêmica não.?/p>


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Agradeço a Sylvia Ficher por haver gentilmente cedido seu levantamento bibliográfico sobre o debate sobre a Praça da Soberania: mais amplo que o aqui apresentado e para o qual serviu de base.


danilo matoso macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

]]> //28ers.com/2009/10/24/praca-da-soberania-cronica-de-uma-polemica/feed/ 8 3607 Oscar Niemeyer – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/09/24/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus/ //28ers.com/2009/09/24/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus/#respond Thu, 24 Sep 2009 03:28:37 +0000 //28ers.com/?p=3245 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Marcelo Montiel

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Não vejo a Praça da Soberania como uma tragédia para Brasília. Pelo contrário, é um belo presente para a cidade, talvez o último de Niemeyer. Acredito que o princípio da espacialidade infinita do canteiro central da esplanada cantada por Vinicius e pintada por Wagner Hermuche vai continuar.

Todas as grandes cidades vêm sofrendo mudanças significativas. São Paulo foi implodida e reconstruída 2 vezes! Em Brasília, não só o tipo de rodoviária, toda a área central idealizada por Lucio Costa mudou. A distância no projeto original entre os ministérios não passava dos 150m, na esplanada construída tem 300 metros. O próprio Lucio Costa, com toda sua modéstia, afirma ter se enganado ao imaginar um centro requintado para Brasília: Quem tomou conta do centro foram os “brasileiros verdadeiros que construíram a cidade… Eles estão com razão, eu é que estava errado…o sonho foi menor do que a realidade…”.

O Congresso Nacional voltado para a Esplanada dos Ministérios sinaliza para o regime parlamentarista. Do contrário, lá deveria estar o Palácio do Planalto. Essa área da esplanada tem as características de uma “praça monumental? Lá, “naturalmente? acontecem as maiores manifestações. Niemeyer apenas seguiu o senso comum ao propor uma “praça?no início do canteiro central. A proximidade da praça com a rodoviária é significativa, é lá que os “verdadeiros brasileiros?estão. Sua proposta valoriza a imagem universal da Esplanada, ao fundo. A pregnância dessa imagem será reforçada justamente pela localização da praça. A vista da praça é mais privilegiada do que da rodoviária, de onde não se vê mais nada, apenas ônibus. A melhor vista, da rodoviária, é na plataforma onde todos passam às pressas, de automóvel. A vista mais emblemática (da Torre de TV) ainda não foi explorada com o “obelisco?

Niemeyer pode interferir no canteiro central, a um 1 km da Esplanada Monumental? Até hoje não sabemos se Oscar e Lucio se encontraram antes da entrega do projeto vencedor para a nova capital. O esboço de Lucio Costa para o Congresso já era o congresso projetado por Niemeyer! Sabemos que Oscar recusou o convite de JK para projetar a cidade inteira, preferiu um concurso, os projetos principais e o poder de decisão. O brilhante projeto do Plano Piloto da Nova capital não foi escolhido transparentemente, tanto é que o representante do IAB pediu demissão da comissão.

A Praça da Soberania nasce da necessidade soberana de um estacionamento para as áreas centrais. Niemeyer não projeta uma praça funcional, mas conceitual. A crítica às “formas gratuitas?parece patrulha funcionalista. Se arquitetura é arte, a discussão final é estética e a forma (soberana) estará à frente da função. A obra quando esteticamente qualificada sobrevive ao tempo, mesmo com tropeços funcionais (é o caso da belíssima Catedral de Brasília, e seu desconforto térmico). Cabe à crítica contextualizar a obra, sabendo que não se trata de uma praça tradicional, definidas pelas edificações que a cercam. É uma praça seca, não é irrigada de sangue e pedra. É mais uma praça formal “cimentada?(anêmica), típica da criação modernista (que repele a natureza), e, sobretudo, de Brasília, voltada mais para a introspecção do que para a socialização (urbanidade) do dia-a-dia, para a dimensão simbólica nacional do que local.

A Praça da Soberania (influência cubana?) abriga o Memorial da República e o Museu do Progresso, de base triangular. O elemento escultórico inclinado causará espanto pela dimensão, pelo caráter fálico e pelo irracionalismo (do qual sou favorável); enfim, pela força de expressão. Vai eletrizar a Esplanada Monumental. Vale lembrar que essas formas dialogam com o lema de Brasília “Venturis Ventis?

Nos anos 1990 Moacyr Góes montou a eletrizante peça “Escola de Bufões? do belga Michel de Ghelderode. Destacava-se no cenário o enorme mastro inclinado da proa de uma embarcação (gurupés), que ameaçadoramente avançava sobre a platéia. Esteticamente Niemeyer, com seu “unicórnio? está mais para esse desconcertante cenário (de Hélio Eichbauer) do que para a tradição histórica e solene, de um obelisco. Esse elemento, o “unicórnio? não bloqueia a vista da esplanada, só pontualmente. O novo projeto não adultera o conjunto da Esplanada e do Congresso Nacional (locado assimetricamente a 1,6 Km). Interfere positivamente. O equilíbrio entre os aspectos universais e particulares do “projeto original?serão valorizados. Niemeyer não está ocupando todo o gramado da esplanada, como afirmaram. A rigor ele não está na Esplanada dos Ministérios, está no canteiro central junto à Rodoviária.

As formas da natureza nos projetos de Niemeyer revelam a forte presença do mundo antigo (normativo). Daí a sempiterna proximidade de Niemeyer com o poder, como diria o professor Theobaldo da nossa pequena escola de arquitetura e urbanismo. Como um ateu amigo de Deus, Niemeyer transita entre a cópia deliberada das “formas naturais?(com objetividade), e a invenção sutil da modernidade (mais subjetiva e particular).

Quanto ao Memorial dos Presidentes, que presidentes? Um, dois, dois e meio; prefiro Oito e Meio de Fellini. Melhor fundir o Memorial com o Museu do Progresso, afinal nossa república é pretensamente positivista. Caberia até considerar o Memorial Auguste Glaziou, nosso profeta desconhecido que em 1895 indicou com precisão o local da futura capital, além de “inventar?o Lago.

Schiller, o filósofo alemão da educação artística, nos diz que é a vontade, e não a razão, que define o ser humano. Niemeyer tem a vontade de propor novos projetos para a área tombada. Ele é o cara! Ele não é VIP, é um monstro sagrado. Esse poder, já que não é meu, é preferível com ele. Para Fela Kuti, um músico genial da Nigéria, VIP é “Vagabond in Power? e Brasília já tem muitos VIPs. O conceito estético em Niemeyer, com referência em Schiller, pressupõe um estado de liberdade para toda a sociedade, onde o homem simples e o melhor preparado são cidadãos com os mesmos direitos.

Enfim, a grande discussão que interessa: Determinados espaços de Brasília merecem melhor atenção e providências imediatas. Será que os arquitetos urbanistas e a sociedade estão preparados para esse debate? Ou é melhor chamar o Ministério Público? O espaço brasiliense pode ser revisto, sobretudo, se o tombamento não vestir a cidade com uma camisa-de-força.

O arquiteto Gladson da Rocha, de viva lembrança, sempre dizia que Brasília era uma nova acrópole, dado o número de obras primas arquitetônicas, além da beleza da cidade. Pela genialidade de sua obra, Niemeyer tem o direito de propor, mesmo agora quando sua criatividade é questionada. Hoje Niemeyer é criticado quando simplifica ou quando complexifica; ou até, como disse o Briquet que lemos, de autoplágio.

Nos últimos anos a grande Brasília tem a cara da especulação imobiliária formal com o Sudoeste e, sobretudo, com Águas “Turvas?(“o paliteiro? segundo Paviani). A especulação informal (cancerígena) nos condomínios ainda sobrevive. Graças à vontade de Oscar Niemeyer e de alguns poucos arquitetos temos minimizado esse quadro, sobretudo no Plano Piloto. A propósito, porque não fechamos um acordo (idôneo) com a UnB para tornar a futura SQN 207 um projeto de arquitetos, desígnio de Brasília, e não da especulação imobiliária? Brasília não está engessada, mesmo sendo merecidamente Patrimônio Moderno/Pós-Moderno Cultural da Humanidade.


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Marcelo Montiel
Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo FACIPLAC / UNIPLAC
Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

]]> //28ers.com/2009/09/24/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus/feed/ 0 3245 Oscar Niemeyer – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/ //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/#comments Wed, 17 Jun 2009 17:01:55 +0000 //28ers.com/?p=2932 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Eduardo Pierrotti Rossetti

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Plataforma Rodoviária e Esplanada dos Ministérios . foto - Eduardo Rossetti

?#8230;provisoriamente? Assim, com a indicação desta possibilidade latente é que o Arquiteto Oscar Niemeyer encerrou sua participação direta nos embates acerca de seu projeto para a ?em>Praça da Soberania?na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Somente os mais incautos poderiam supor que o maior arquiteto atuante no campo brasileiro fosse deixar a última palavra sobre seu projeto com a imprensa, com ?em>a população? com outros arquitetos ou mesmo com pesquisadores e estudiosos da arquitetura —os ?em>especialistas? Enquanto acatava ?em>provisoriamente?o veredicto sobre sua proposição para uma intervenção no vazio soberano da Esplanada dos Ministérios, Oscar Niemeyer retomava o problema para redefinir uma nova solução para a ?em>Praça da Soberania? A nova versão para esta Praça tornou-se pública em 27 de maio, quando da abertura da exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?e do lançamento do quarto número da revista Nosso Caminho, que traz em sua capa a primeira versão da Praça da Soberania. Essa nova versão foi divulgada dois dias depois pelo jornal Correio Braziliense, justamente no dia em que o Arquiteto proferiu uma aula aos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

Neste novo projeto para a Praça da Soberania, Oscar Niemeyer apresenta uma solução que claramente indica a consideração de alguns aspectos que foram bastante criticados naquele primeiro projeto, para além da questão do tombamento e da possibilidade legal de construir a Praça —questão para a qual o IPHAN tem toda competência e legitimidade para decidir. O novo projeto de Oscar Niemeyer, descrito como sendo ?em>Uma modificação irrecusável?a href="#_ftn1">[1] propõe uma alteração significativa na dimensão e na implantação do obelisco (ou monumento), deslocando-o do eixo da Esplanada onde se situava originalmente, reduzindo sua altura pela metade, passando a ter 50m.[2] Além disso, o Memorial dos Presidentes passou a ser implantado paralelamente às vias do Eixo Monumental, aproximando-se da Via S1. Este Memorial tornou-se um bloco retilíneo, dialogando formalmente com um novo edifício de implantação equivalente com uso indicado de ?em>museu/exposições? Tudo agenciado sobre uma superfície graficamente homogênea, provavelmente seca, sem fatores indicativos sobre o caráter construtivo e matérico, sem maiores informações sobre a implantação e suas conexões com os setores culturais Norte e Sul, ou suas conexões com a Plataforma Rodoviária. Sem essas e outras precisões, pretender abordar a nova versão do projeto da Praça, torna-se apenas uma oportunidade especulativa.

Nesta versão atual do projeto, o arquiteto reconhece a importância fundamental da visibilidade do conjunto arquitetônico monumental projetado por ele mesmo a partir do risco de Lucio Costa e apreendido desde a Plataforma Rodoviária —cuja autoria é de Lucio Costa. Assim, muito mais do que um mero ajuste entre os edifícios da nova versão da Praça, é sintomática a manutenção deste diálogo atemporal com Lucio Costa evidenciado na argumentação de Niemeyer sobre a nova solução: ?#8230;senti que, sem querer, tinha atendido ao desejo de se manter uma visibilidade total da Rodoviária até a Praça dos Três Poderes.?a href="#_ftn3">[3] Trata-se de uma alteração projetual muito significativa, que evidencia também que Oscar Niemeyer reviu seu entendimento de que a Plataforma da Rodoviária seria apenas um mero cruzamento de viadutos, conquanto se configura de fato como lugar articulador da vida urbana.[4]

A segunda versão da Praça da Soberania deve ser compreendida mais como uma resposta de Oscar Niemeyer ao campo da arquitetura —incluindo aí também os ?em>especialistas”?do que uma indicação de sua efetiva vontade de construí-la. A edição dominical do Correio Braziliense já revelou a posição oficial do Governo do Distrito Federal de que o ?em>projeto não sairá do papel?[5] Assim, a nova versão da Praça parece ter uma existência com inicio, meio e fim já anunciados, sem pretender causar maiores debates ou sem pretender suscitar efetivas polêmicas. Ao que parece, ao mesmo tempo em que Oscar Niemeyer entende que não poderia deixar a terceiros a última palavra sobre o seu projeto, ele quer demonstrar que ainda está apto para assimilar críticas e re-estabelecer um diálogo profícuo com seu próprio campo, como uma de suas respostas à entrevista do Correio Braziliense indica. Indagado se foi um gesto de humildade modificar o projeto, ele responde: ?em>Lógico. Fiz o que é justo, correto…?a href="#_ftn6">[6] Menos do que um recuo, trata-se de um indício da capacidade do longevo arquiteto de rever suas próprias posições perante as diversas circunstâncias, como historicamente já fizera antes, no final dos anos 50, quando da publicação de ?em>Depoimento?[7]

Trata-se também de uma reação muito diferente do polêmico enfrentamento que ele travou com o projeto do novo auditório para o Parque do Ibirapuera em São Paulo, quando tentou efetuar uma alteração em sua marquise. Em meados dos anos 90, quando proferiu uma aula magna na FAU-USP, Oscar Niemeyer encerrou seu discurso com a última obra que pautava o debate corrente no campo, demarcando sua vivaz presença. Naquela ocasião, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói foi a obra que arrematava sua trajetória, fato equivalente com o que ocorreu no dia 29 de maio, quando ele encerrou mais uma exposição sobre sua própria trajetória perante alunos, familiares, imprensa e autoridades, mostrando a segunda versão para a Praça da Soberania. Qual será a próxima obra ou o próximo grande projeto a integrar essa trajetória? Isto é impossível saber, mas ao que tudo indica, enquanto ele, Oscar Niemeyer, estiver projetando e vislumbrando suas novas arquiteturas, fato seguro é que permanecerá distante da unanimidade.

A produção  recente do arquiteto nos últimos dez, quinze anos demonstra que Oscar Niemeyer permanece envolvido com demandas e programas complexos, tais como: universidades, centros administrativos ou complexos culturais de múltiplo uso, museus… São em grande parte projetos que correspondem a um ?em>tema mais forte?segundo ele, exigindo arquiteturas de caráter representativo, cívico ou com uma abrangência urbana de caráter e escala monumental. Para resolver tais edifícios, Niemeyer assinala a permanência de suas estratégias projetuais, especulando, depurando, reforçando e ampliando o seu reconhecido repertório formal. Além das superfícies preponderantemente secas que idealmente embasam as obras, muitas cúpulas, blocos ou edifícios pavilhonares, marquises e rampas predominam nesta produção, sendo articulados e agenciados para resolver mais a plasticidade do conjunto que a diversa gama de programas que devem abrigar. Os croquis de Niemeyer, que antes enunciavam estrutura e forma a um só tempo, agora cederam lugar às imagens produzidas pela computação gráfica, que direta e figurativamente constroem a própria imagem do fato arquitetônico. Contudo, o concreto se mantém como o material inerente ao seu projetar. Sendo hoje  preponderantemente branco, o concreto possibilita a Oscar Niemeyer definir as soluções formais, os vãos, os balanços e as dimensões que lhe são rotineiras: 50m, 200m, 300x300m, 150m de altura, etc.

Reiteradamente, a forma emerge como índice mais evidente e assumido de seu discurso, constituindo-se como uma chave de acesso específica para compreender a formulação de seu raciocínio construtivo, formal e simbólico. Oscar Niemeyer reforça a questão da forma como sendo a questão praticamente única e exclusiva da arquitetura. Sua fala de praxe defende que ?em>arquitetura é invenção?[8] e enfatiza que o controle sobre a forma é o problema projetual a ser enfrentado. Indiretamente, Niemeyer parece considerar secundárias as prementes circunstâncias do projetar para as quais concorrem as novas tecnologias construtivas, as legislações, os novos materiais, as demandas sos programas arquitetônicos contemporâneos, os suportes e linguagens de produção e representação do projeto, as questões urbanas, as questões ambientais, as especificidades sociais e as oportunidades políticas. Deste modo, seu discurso lança indagações sobre como produzir tecnologicamente, como explorar simbólica e plasticamente, como conceber as formas —novas e outras formas. Em meio às decisões excludentes e às subordinações que regem o ato de projetar —ou seja, elaborar a invenção arquitetônica?a forma continua a ser a questão fundamental que Oscar Niemeyer propõe e deixa a todo o campo, para além da crônica de uma praça anunciada, efetivamente.


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notas

[1] Trata-se do título do texto de apresentação que acompanha o projeto que está na  exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta no dia 28 de maio na Galeria Anna Maria Niemeyer, com visitação até 31 de julho. Note-se que este novo desenho e o texto não constam do livro homônimo, lançado nesta mesma ocasião.

[2] Deve ser notado que na proposição apresentada na exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta no dia 27 de maio na Galeria Anna Maria Niemeyer, a última frase do texto que acompanha o projeto indica uma altura de 30m: ?em>O monumento terá trinta metros de altura?(sic).

[3] Trata-se de uma frase que acompanha o desenho integrante da exposição ?em>Oscar Niemeyer 1999-2009?aberta em 27/maio de 2009 na Galeria Anna Maria Niemeyer. Grifos adicionais.

[4] Sobre a Plataforma Rodoviária, adianto que há um artigo em elaboração sobre ela.

[5] Vide ?em>Praça de Niemeyer sai dos planos? Correio Braziliense, 31/maio/2009, p.31.

[6] Vide Correio Braziliense, 29/maio/2009, p.25.

[7] Vide Módulo nº.09, fev/1958. pp.03-06.

[8] Frase proferida por Niemeyer novamente em sua aula, no dia 29/maio/2009.


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referências bibliográficas

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Correio Braziliense. Edições: 29/05/2009; 30/05/2009 e 31/05/2009;

NIEMEYER, Oscar. Quase memória: viagens, tempos de entusiasmo e revolta ?1961-66. Rio de      Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1968.

NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura: 1937-2004. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2004.

NIEMEYER, Oscar. Oscar Niemeyer ?1999-2009. Rio de Janeiro: &Letras, 2004.

ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Arquitetura em transe. Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e         Lina Bo Bardi: nexos da arquitetura brasileira pós-Brasília (1960-85). São Paulo: FAU-USP, 2007. Tese de Doutorado.

STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Brasília:   EDUnB, 2003.

TAFURI, Manfredo. Teoria e história da Arquitectura. Lisboa: Editorial Presença. 1988.

TELLES, Sophia da Silva. Arquitetura Moderna no Brasil: o desenho da superfície. São Paulo: FFLCH-        USP, Dissertação de Mestrado, 1988.

VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura       de Oscar Niemeyer (1935-1998). São Paulo/FAU-USP, Tese de Doutorado, 2000.

XAVIER, Alberto (Org.). Depoimento de uma geração. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.


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Eduardo Pierrotti Rossetti

Arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador-pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

]]> //28ers.com/2009/06/17/oscar-niemeyer-alem-da-cronica-de-uma-praca-anunciada/feed/ 2 2932 Oscar Niemeyer – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/10/niemeyer-nao-dorme-nos-louros/ //28ers.com/2009/06/10/niemeyer-nao-dorme-nos-louros/#comments Wed, 10 Jun 2009 14:35:57 +0000 //28ers.com/?p=2879 Continue lendo ]]> Sobre o projeto da Praça da Soberania, de Oscar Niemeyer.

Paulo Ormindo de Azevedo

Desde a construção de Brasília não se discutia tanto na mídia arquitetura e urbanismo como agora. O responsável por este fato é um rebelde de 101 anos. Independente do que possa ocorrer, a discussão já valeu à pena. Esta polêmica remete a outra travada em 1985, quando o governador José Aparecido convidou os principais arquitetos que projetaram Brasília – Lucio, Niemeyer e Burle Marx – para reverem o Plano Piloto depois de 20 anos de regime militar. Lucio respondeu com o documento “Brasília Revisitada? onde aconselhava a ocupação de áreas anteriormente consideradas non aedificandi e outras modificações.

A polêmica foi muito semelhante à atual. Pode o autor de um projeto alterá-lo? Sim, especialmente no caso de uma cidade, que é um organismo vivo e reflete os embates sociais ao longo da historia. Tem razão Niemeyer ao dizer que todas as cidades sofreram modificações e que “Brasília ainda vai passar por muitas delas? Depois de muita discussão as propostas de Lucio foram transformadas em lei e Brasília, sem perder seu valor, foi inscrita, em 1987, na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.

soberania-perspectiva-2A bola da vez é a proposta de Niemeyer, do inicio de 2009, de construção da Praça da Soberania com um obelisco de 100 m. A reação foi imediata, movida em grande parte por uma dissimulada “oscar-jeriza?que tem varias origens. Uma delas muito antiga de caráter ideológico, o monumentalismo de sua obra remanescente do autoritarismo da Era Vargas, teorizado por Joaquim Guedes[1], e que reflete o embate entre as escolas arquitetônicas carioca e paulistana. Outra simplesmente de disputa de mercado de trabalho, como fica evidente na carta de Sylvio de Podestá[2], de 2003, e na irônica nota de Julio Daio Borges na revista Piauí de junho de 2009.

Mas vamos convir que a arquitetura não-oficial de Brasília é o que existe de mais provinciano em todo o país e se não fosse o gênio de Niemeyer, a nossa capital não passaria de uma Palmas, salvo o plano. O fato é que se organizou uma espécie de cruzada digital de defesa da terra santa, como se Niemeyer quisesse destruir o Plano Piloto. Não se discutiu em nenhum momento o mérito da proposta, senão o fato de Brasília ser tombada.

O projeto de Niemeyer é de fato, a nosso ver, um complemento e uma correção. Ele procura criar um contra-ponto ao Congresso na outra extremidade da Esplanada dos Ministérios, a meio caminho da torre de televisão, reforçando a escala monumental da cidade, e integrando os dois núcleos de equipamentos culturais separados pela esplanada. Este esquema vem remotamente de Luxor e é o mesmo utilizado por L’Enfant no Mall de Washington, com a seqüência Capitólio, o grande obelisco e o Lincoln Memorial. Ainda em 1987 a Prefeitura de Paris realizou um concurso para criar um marco e integrar a nova zona corporativa de La Defense á cidade, reforçando a visual Louvre, obelisco da Concórdia, Champs Élysées e Arco do Triunfo. Ganhou o dinamarquês Otto von Spreckelsen com um monumental arco de 110 m, que em nada descaracterizou Paris, só a valorizou.

A questão não é o fato de Brasília ser ou não tombada, senão a implementação do tombar, oposto ao de “classificar? ou promover, usado em todo mundo, arcaísmo que tem sua origem no Decreto 25 de 1937, elaborado na urgência de proteger imagens, igrejas e palácios barrocos do ciclo do ouro. Mas os inspiradores dessa legislação, Mario de Andrade, Rodrigo Melo Franco e Lucio Costa, eram intelectuais que tinham um olho no passado e outro no futuro e consolidariam o Modernismo no Brasil. Se nas décadas de 1940 a 1960 tivéssemos a burocracia preservacionista que temos hoje no plano federal e estadual, não seria construída a Pampulha, o conjunto Pedregulho, o Parque do Flamengo, nem os calçadões da Av. Atlântica de Burle Marx, obras primas do século XX.

Neste sentido, Niemeyer tem todo o direito de protestar e xingar contra um instrumento que foi usado a pretexto de preservar sua obra e de Lucio e acabou o censurando. O que desqualifica Brasília não é o obelisco proposto, são os favelões satélites, como ele disse, e os 180 loteamentos fechados em áreas publicas verdes da cidade. Segregação de excluídos e auto-segregação elitista, que os Amigos de Brasília tentam ignorar. Diante dos protestos ruidosos da militância, o Governador José Roberto Arruda recuou alegando falta de recursos. Niemeyer elegantemente publicou, em 04/02/09, uma carta em que expressa a esperança de que no futuro sua obra seja construída.

Soberania-Perspectiva-1Mas tinha razão o embaixador André Correia Lago, “os gênios jamais jogam a toalha? titulo de uma entrevista dada ao Estado de São Paulo, em 07/02/09, em que traça um perfil muito lúcido da crise em que se debatem os arquitetos brasileiros, hoje. No final do mês de maio, Niemeyer voltou a fustigar com uma segunda versão do projeto, reaquecendo uma polemica que já deu um fruto, a criação de uma comissão de alto nível para cuidar do Plano Piloto, que deve ser preservado, mas não pode ser mitificado nem virar um museu dos anos 50.


notas

1 Monumentalidade x cotidiano: a função publica da Arquitetura, in Arquitextos n. 071.01, Portal Vitruvius, em 09/06/09.

2 Carta aberta ao arquiteto Oscar Niemeyer, in Arquitextos n. 40, Portal Vitruvius, em 09/06/09.

Paulo Ormindo de Azevedo

Professor titular da UFBa, consultor da UNESCO, membro do Conselho Consultivo do IPHAN e do Conselho Nacional de Política Cultural, Presidente do IAB-Ba.

Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc.

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Oscar Niemeyer – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/05/29/oscar-niemeyer-propoe-segundo-projeto-para-a-praca-da-soberania/ //28ers.com/2009/05/29/oscar-niemeyer-propoe-segundo-projeto-para-a-praca-da-soberania/#comments Sat, 30 May 2009 00:22:11 +0000 //28ers.com/?p=2672 Continue lendo ]]>

Soberania-Perspectiva-2Quatro meses após desistir do debate
sobre a Praça da Soberania, o arquiteto
realiza nova proposta paro mesmo local.

Oscar Niemeyer apresentou ao público hoje nova proposta para a Praça da Soberania em Brasília, na Esplanada dos Ministérios. O projeto substitui aquele elaborado em janeiro pelo arquiteto, quando gerou intensa discussão em torno de sua realização. Em 4 de fevereiro, com a publicação do texto Decisão, o arquiteto desistira do debate, advertindo entretanto que continuaria a desenvolver o projeto “na esperança, quem sabe, de um dia a sua realização tornar a ser cogitada”.

Soberania-Perspectiva-1A publicação do projeto hoje, na primeira página do jornal local Correio Braziliense, foi articulada com outras duas ações bastante enérgicas de Niemeyer no sentido levar adiante imediatamente a idéia. A primeira foi o lançamento do quarto número da revista Nosso Caminho – editada pelo arquiteto, seus amigos e colaboradores mais próximos – com a publicação do projeto original concebido para a Praça da Soberania. A segunda foi a realização de uma palestra para estudantes e professores de arquitetura da Universidade de Brasília, em pleno Caminho Oscar Niemeyer – um conjunto de monumentos projetados por ele em Niterói. A palestra foi concluída com uma exposição do novo projeto para a Praça da Soberania.

Conforme sugerido pela reportagem do Correio Braziliense, Niemeyer identificaria nos professores da Universidade de Brasília os principais críticos de seu projeto. Na semana passada, através do arquiteto João Filgueiras Lima – o Lelé -, Niemeyer convidou os alunos da universidade à palestra na Escola de Humanidades, que funciona no Caminho Oscar Niemeyer – seu maior conjunto de obras recentes. Mais de cinquenta estudantes e docentes se dirigiram a Niterói para ouvir o arquiteto.

A ação coordenada dessa sexta foi apenas o coroamento de uma semana bastante movimentada para Niemeyer. Na última quarta-feira, no jornal Folha de S.Paulo, ele anunciou a conclusão de um anteprojeto para a Biblioteca Árabe/Sul-Americana em Argel, capital da Argélia, com mais de 45 mil metros quadrados, bem como uma torre e um centro de convenções adicionais no ainda inconcluso Caminho Oscar Niemeyer. No mesmo dia, na galeria de sua filha Anna Maria, foi lançado o livro Oscar Niemeyer 1999-2009.

Em entrevista ao Correio Braziliense, o arquiteto reafirma os argumentos anteriormente usados para defender seu projeto e passa a explicar a nova proposta. Em lugar de uma grande edificação curva transversal à Esplanada, agora são dois blocos longitudinais, encostados às vias. Foi mantido o obelisco do Monumento ao Cinquentenário de Brasília, deslocado do eixo central e  reduzido para 50 metros de altura – metade das dimensões originais. Niemeyer conclui: Assim é mais acessível, mais barato, mais bonito até. A solução que encontrei é tão mais simples de fazer. A questão da visibilidade que eles exigiram de poder olhar da Rodoviária à Praça dos Três Poderes não será mais problema. Ficou livre. Eu mudei a posição dos prédios, vai ser bem mais fácil de construir mesmo. O estacionamento ficou independente de tudo, embaixo da avenida de pedestres.

Matéria elaborada com base em notícias veiculadas
no Correio Braziliense (29/05/2009) e na Folha de S.Paulo (27/05/2009).

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Oscar Niemeyer – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/03/09/congresso-nacional-da-documentacao-tecnica-a-obra-construida/ //28ers.com/2009/03/09/congresso-nacional-da-documentacao-tecnica-a-obra-construida/#comments Mon, 09 Mar 2009 18:28:04 +0000 //28ers.com/?p=2397 Continue lendo ]]> congressonacional-12Elcio Gomes da Silva  | José Manoel Morales Sánchez

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1. introdução

As pesquisas históricas e as diversas abordagens relacionadas à caracterização formal e compositiva do Congresso Nacional, um dos Palácios da Praça dos Três Poderes, constituem-se referências para o entendimento do edifício, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e construído em Brasília entre 1958 e 1960. Conquanto haja farta produção encontrada em publicações que fazem menção a estes aspectos do conjunto arquitetônico, identifica-se a escassez de estudos que tomem por base as fontes primárias de documentação técnica e realizem a necessária confrontação deste material com as edificações: o Edifício Principal e os edifícios Anexos.

As investigações realizadas com base nesta constatação, conduzidas como parte da pesquisa vinculada ao curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília – FAU-UnB, têm apresentado resultados em duas vertentes que contribuem para o entendimento do objeto: uma relacionada à preservação dos bens arquitetônicos e outra vinculada aos registros da historiografia existente. Em ambos os casos, os passos iniciais se baseiam nos estudos fundamentados em documentação cadastral disponível e complementados por levantamento físico dos edifícios.

Na primeira vertente observa-se que um dos pontos de entendimento comum a respeito da Preservação do Patrimônio Edificado[2] relativo à Arquitetura Moderna no Brasil é o de que, preliminarmente à definição das intervenções, sejam quais forem, é necessário amplo conhecimento dos edifícios[3]. A respeito do assunto, a ausência de conhecimento detalhado das características edílicas do Palácio do Congresso, tem deixado uma lacuna nas informações sobre a técnica construtiva ali existente. A falta destes subsídios, devidamente consolidados em documentação sistematizada, é evidenciada no necessário embasamento das decisões que conservem a feição e a função originais da edificação ou na fundamentação do contraditório em ações que conspiram contra a conservação da obra.

Em relação à historiografia existente, identifica-se que as abordagens e os registros encontrados em livros e publicações periódicas especializadas, tanto nacionais quanto internacionais, têm ênfase na análise geral do partido e trazem pouca informação resultante da consulta em fontes primárias. Uma das conseqüências deste fato pode ser notada nas representações gráficas que se utilizam das mesmas bases de 1957 sem que houvesse uma comparação destas com os documentos técnicos e com a obra construída. A falta de uma revisão crítica destas fontes bibliográficas fez com que indicações equivocadas se repetissem em várias abordagens utilizadas como referência em produções acadêmicas.

A partir destas constatações prévias, serão apresentados os resultados preliminares da confrontação realizada entre projetos elaborados e obra construída do Congresso Nacional, tendo por base a documentação original dos desenhos técnicos produzidos no período inicial da construção de Brasília. As análises têm como fundamentos as vertentes anteriormente descritas e é baseada em três tipos de documentos: os Anteprojetos de 1957, o conjunto reconhecido como Projeto para Execução[4] elaborado entre 1957 e 1960, e a obra construída, cuja conclusão avança no ano de 1960.

2. preservação do patrimônio e conhecimento edilício

Em meio às comemorações do centenário do arquiteto Oscar Niemeyer, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural ratificou a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN de inscrever no Livro do Tombo um conjunto que contemplou trinta e cinco prédios e monumentos criados pelo arquiteto em nove cidades do País[5]. O Palácio do Congresso Nacional faz parte deste conjunto e, a partir desta iniciativa, passa a ser considerado Patrimônio Artístico que precisa ser preservado em seus aspectos conceituais e materiais. Em que pese a importância do efeito legal, a eficácia de tal ação depende das bases técnicas para que a preservação seja viabilizada e estas informações, que se constituem nas orientações gerais combinadas com a sistematização das partes do objeto concreto, não se encontram consolidadas.

Destaca-se que, em relação às orientações gerais, as características específicas da Arquitetura Moderna Brasileira e o relativo curto período de existência das edificações representam alguns dos desafios para agrupar de forma consensual as bases e as diretrizes para a elaboração dos Projetos de Preservação. No entanto, o conhecimento das técnicas construtivas edilícias, incluindo a ciência da interação entre materiais e processos envolvidos, tem sido considerado um dos pré-requisitos para a Preservação do Patrimônio Edificado. A orientação consta das instruções de Programa do Governo Federal[6] e se inclui nos debates dos recentes Seminários de Documentação e Conservação do Movimento Moderno – DOCOMOMO[7]. Neste último caso, trata-se especificamente da intervenção no patrimônio moderno, que tem representado preocupações na prática profissional face ao desafio de conciliar as necessárias modificações com a preservação nas obras representativas desta fase.

Corroborando este senso compartilhado e as dificuldades delineadas, nota-se, na atuação relacionada ao Congresso Nacional, a necessidade de sistematizar as informações sobre os processos técnicos construtivos adotados – entendidos como a expressão dos valores elegidos pelo arquiteto – para que sirvam como subsídios nas intervenções que ocorrem nos edifícios. Como solução para suprir esta exigência, entende-se que as atividades de leitura e de conhecimento das características das edificações – obtidas por meio de vistorias, levantamentos físicos, levantamento cadastrais, além de registros iconográficos e fotográficos – podem contribuir para o mapeamento destes processos que constam nos documentos de projetos e nos próprios edifícios.

A leitura dos documentos que instruem o Tombamento, por seu turno, evidencia a necessidade destes estudos com base na abordagem da técnica construtiva. Pois, embora os documentos se constituam de importante embasamento cognitivo para as obras, sobretudo na configuração do valor artístico, observa-se que a compreensão e decodificação dos sistemas da construção, essenciais nas ações de preservação a serem conduzidas pelos órgãos responsáveis, não foi feita. Depreende-se que esta tarefa carece do trabalho de pesquisa e das avaliações que complementem o conjunto de instruções já elencadas.

O sentido geral das obras de Oscar Niemeyer reside no modo particular pelo qual o arquiteto expressa o caráter libertário próprio a toda obra de arte. O belo conduzido pela imaginação poética, determina por antecipação a dimensão de um tempo e de um espaço maiores que os do presente e do imediato […] [8]

3. aspectos da documentação técnica

Como parte das ações voltadas para complementação destes dados, face o contexto descrito, uma das atividades empreendidas trata dos aspectos relativos à documentação técnica existente.  Esta documentação agrega as informações de projeto que registram os atributos funcionais, formais e técnicos[9] considerados na época para as edificações e serve de ponto de partida para os estudos e investigações pertinentes ao conhecimento das obras.

As considerações acerca destes aspectos na documentação do Congresso Nacional são resultantes da análise conjunta do mesmo tipo de registro relacionado aos demais Palácios da Praça dos Três Poderes: o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Para cada um dos edifícios, a abordagem teve como primeiro passo a delimitação das etapas na produção técnica e das variações verificadas em projetos, na seqüência tratou-se de comparar as versões ocorridas na concepção e, por fim, buscou-se correlacionar as atividades a fim de desvelar parte dos métodos que permearam a tarefa projetual.

Nos trabalhos precedentes para o caso específico, foram realizados o mapeamento e a organização das fontes primárias que tratam do Palácio. Identificou-se que, apesar das dificuldades e condições encontradas na época para a manutenção destas peças gráficas[10], atualmente a documentação encontra-se íntegra nos volumes de projetos, ainda que sejam notados alguns intervalos na seqüência numérica. Parte do material está relacionado ao Fundo Novacap[11] e a documentação mais recente das intervenções faz parte do acervo do Centro de Informação e Documentação da Câmara dos Deputados.

Do agrupamento de documentos a serem considerados, destaca-se que as etapas de elaboração as quais precederam a construção podem ser reunidas em dois conjuntos de documentação gráfica. O primeiro nominado de Estudos Preliminares (Figura 1), segundo Katinsky, se constitui de mais de trinta variações realizadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer e que encontram-se representadas e analisadas em pesquisa de livre-docência[12]. O segundo, com base no qual o assunto será tratado, pode ser identificado no total de desenhos técnicos que caracterizam a evolução de etapas após a definição do partido. Este conjunto, que é composto pelos projetos de arquitetura, projetos de estruturas e demais projetos complementares, constitui fonte primária para a pesquisa em andamento e encontra-se em fase de catalogação e recuperação na Seção de Patrimônio Histórico e Arquitetônico da Câmara dos Deputados.

Figura 1 ?Parte dos Croquis de Estudos Preliminares para o Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1957.

Figura 1 ?Parte dos Croquis de Estudos Preliminares para o Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1957.

3.1. etapas e variações

Passo preliminar na análise da documentação localizada, foi a identificação dos tipos de projetos, das etapas desenvolvidas e das variações ocorridas, aspectos que retratam as mudanças no ideário até a solução final. Embora se registre a existência de desenhos de instalações e de outros planos complementares, optou-se por delimitar o exame à documentação relativa aos projetos de arquitetura e de estruturas, no entendimento de que estas atividades são definidoras das intenções do arquiteto para as obras[13]. Com base nesta premissa, foi possível comprovar que as fases reconhecidas nos demais Palácios da Praça dos Três Poderes, se encontram definidas também no Congresso Nacional (Tabela 1).

Tabela 1 ?Desenvolvimento das etapas de projetos e da execução da obra.

Tabela 1 ?Desenvolvimento das etapas de projetos e da execução da obra.

Para o caso em estudo, a descrição dos produtos e os conteúdos das fases do Projeto de Arquitetura podem ser sintetizados nas seguintes etapas:

  • Anteprojetos – constituem-se de desenhos originais produzidos em 1957, com técnica de grafite sobre papel vegetal. Os conjuntos são compostos de plantas, com lançamento preliminar do programa, e cortes em escala não superior a 1:200. Esta etapa conta com duas versões, aqui denominadas Anteprojeto 01 e Anteprojeto 02, que serão detalhadas mais adiante;
  • Projeto – desenhos originais produzidos entre 1957 e 1960, técnica grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Trata-se de aprofundamento nos estudos de anteprojeto com a ampliação de determinados desenhos. Possivelmente os produtos desta etapa foram encaminhados para o lançamento dos projetos complementares. As ampliações de desenhos ocorreram em escala 1:100 e indicam revisões e avanços nas propostas lançadas. Este conjunto de documentos apresenta versões diversas de um mesmo desenho, decorrentes principalmente das alternativas para o programa, como no caso em que se identifica para a planta do pavimento Semi-enterrado vinte e seis versões elaboradas;
  • Alvenaria – desenhos originais produzidos entre 1958 e 1960, grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Esta etapa apresenta as intenções lançadas na fase de Projeto complementadas com as respectivas compatibilizações provenientes dos projetos complementares. Da mesma forma que na etapa anterior são encontradas várias versões com o mesmo objetivo, no entanto, as versões para esta fase não se limitam às definições programáticas em desenhos de planta. Existem versões de cortes diversos com o objetivo de incorporar os resultados das outras atividades de planejamento, notadamente das soluções estruturais;
  • Esquadrias – desenhos originais, produzidos entre 1958 e 1960, grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Representam os intentos para as fachadas e esquadrias internas, com indicações de configuração das vedações verticais em pano de vidro, dimensionamentos gerais e detalhes em escala 1:1;
  • Detalhes Diversos – desenhos originais, produzidos entre 1958 e 1960, grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica. Constitui-se de etapa que contempla detalhamentos para várias partes do edifício, tais como: vistas ampliadas de sanitários, copas e cozinhas; indicações de revestimentos e acabamentos em metal e madeira; detalhes de iluminação e forros, dentre outros.

Para melhor entendimento do processo ocorrido, cabe relacionar as etapas de projeto, transcritas nos documentos da época, com as nomenclaturas da prática projetual atual advindas dos instrumentos normativos de Elaboração de Projetos de Edificações[14]. A partir desta verificação, percebe-se que o conteúdo das fases de Anteprojeto é correlato com o previsto na descrição normativa para o mesmo termo, já os produtos das fases denominadas Projeto, Alvenaria, Esquadrias e Detalhes Diversos se aproximam da definição de Projeto para Execução, que trata da representação final das informações técnicas da edificação e de seus elementos[15].

A documentação relativa aos Projetos de Fundações e Estruturas se constitui dos desenhos originais, com técnica de grafite sobre papel vegetal, e pranchas em cópia heliográfica[16]. Nota-se a ausência de datas em grande parte das pranchas de estruturas[17]. Constitui-se dos projetos assinados pelo engenheiro Joaquim Cardozo, correspondentes à estrutura do Edifício Principal – desenhos de formas, armação e detalhes – e à parte dos Anexos em concreto, visto que estes edifícios possuem estrutura mista: pilares e vigas metálicas revestidas por concreto. Além de encontrar-se completa em seu conjunto, representa leitura complementar essencial na caracterização da arquitetura, não só pela relação entre estas disciplinas que concorrem para a execução da obra, mas também pelo método de trabalho indicado, tratado mais adiante.

3.2. versões do projeto de arquitetura

A fim de referenciar as versões de projetos do Congresso Nacional, cabe caracterizar em linhas gerais a obra definida pelo Projeto para Execução analisado. O conjunto edificado tem a função de abrigar os dois órgãos do legislativo sem que haja interferência na independência das Casas. Além da ocupação compartilhada, o programa foi distribuído em duas partes distintas – os plenários e os edifícios administrativos. O volume prismático, Edifício Principal abriga as funções legislativas de apoio aos plenários e serve de embasamento para as cúpulas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Como parte da composição principal, os Anexos[18] de cada Casa configuram as duas torres de vinte e oito pavimentos para serviços administrativos e escritórios.

As etapas que levaram a esta configuração final da arquitetura são detalhadas adiante com base nos três conjuntos de documentos que as definem: Anteprojetos 01 e 02, Projeto e Alvenaria. A característica comum a essas etapas é a confirmação das definições gerais do partido, relacionadas à composição e à volumetria, resultantes da fase de Estudos Preliminares. As diferenças encontram-se na distribuição programática e nas soluções da técnica construtiva para viabilizar a execução do partido e a construção da obra.

3.2.1. anteprojeto 01

Conjunto com nove pranchas de desenho, sem indicação de data, provavelmente elaborados entre janeiro e julho de 1957, composto de planta de situação, plantas dos pavimentos em escala 1:500 e Cortes em escala 1:200 e 1:500. Esta proposta não consta das publicações previamente consultadas e representa uma primeira apropriação do programa com base no partido escolhido.

Figuras 2 e 3 ?Anteprojeto 01 - Corte esquemático do Congresso Nacional |  Situação. 1957.

Figuras 2 e 3 ?Anteprojeto 01 - Corte esquemático do Congresso Nacional | Situação. 1957.

A implantação já representava os principais elementos na configuração em que seriam construídos: o Edifício Principal com as cúpulas dos plenários e as torres de escritórios dos Anexos (Figura 3). A principal característica que distingue esta proposta da versão final é a previsão de um espaço Semi-enterrado denominado Grande Auditório, descrito como área para Televisão e público, localizado em frente ao Congresso, na área que atualmente abriga o jardim inclinado defronte à fachada oeste (Figuras 2 e 3).

O Congresso tinha um grande auditório pra público, […], pra assembléias populares, assim, que o povo fosse lá em vez de ficar nas galerias (sic), […]. Porque você repara que o terreno é mais baixo no meio, entre as duas pistas, então ali seria um grande auditório, o jardim passava no nível das pistas e embaixo seria um grande auditório pra assembléia do povo. Isso foi abandonado depois, evolução natural do projeto.[19]

O pavimento Semi-enterrado previa passagem de veículos, Chapelaria e estacionamentos, além da circulação de ligação às torres dos Anexos. Os acessos ocorreriam pelas fachadas oeste e leste e as rampas de veículos no edifício dar-se-iam pelas fachadas norte e sul. Esta configuração foi modificada na versão executada.

O pavimento Térreo se caracteriza como nível de acesso ao Edifício Principal, com duas circulações que ligam a espaços denominados Hall de Imprensa e Hall de Público, este último a partir do plano inclinado frontal que permitiria acesso ao grande hall de elevadores (Figura 4). O pavimento que contava com um espaço de pé-direito duplo, configurado por mezaninos na fachada oeste e leste, lembra a solução adotada para o Palácio do Planalto, com a presença de um elemento marcante definido pela rampa em curva.

Figura 4 ?Anteprojeto 01 ?Planta do pavimento Térreo. 1957.

Figura 4 ?Anteprojeto 01 ?Planta do pavimento Térreo. 1957.

O nível denominado Sobreloja é configurado pelos planos que definem o vazio dos mezaninos, o primeiro caracteriza a circulação de público às galerias, o segundo delimita os espaços para áreas de atividade do legislativo e apoio aos plenários. A rampa na fachada oeste, além de permitir acesso à plataforma das cúpulas, possuía um lance para o mezanino de circulação do público para as galerias (Figura 2), solução que seria modificada na versão final, na qual este lance passaria a dar acesso ao pavimento Térreo.

3.2.2. anteprojeto 02

Este conjunto, que se constitui de sete pranchas de desenhos datados de julho de 1957, combinado com desenhos da fase Projeto, foi a principal base para a divulgação do projeto[20] e referência identificada em várias publicações. Apresenta-se com produtos similares aos do estudo anterior, com plantas dos pavimentos em escala 1:200. A proposta mostra-se mais próxima do plano final adotado, em termos de distribuição do programa. As exigências programáticas repercutiram no adensamento da ocupação, o que provavelmente levou à eliminação dos mezaninos inicialmente previstos, optando-se pela elaboração de planos em seminíveis para ainda caracterizar um espaço nobre de recepção, denominado Hall Geral para público, atual Salão Negro.

No pavimento Semi-enterrado (Figura 5) foram mantidas as funções gerais, nota-se que o espaço Salão de Estar dos Deputados e Senadores, nesta proposta se integraria visualmente com a Praça dos Três Poderes. No acesso de veículos observa-se que, embora a via se encontre na locação aproximada da executada, a entrada é proposta pela fachada sul e norte, medida que iria ser alterada para acesso principal pela fachada oeste.

A rampa de público na fachada oeste passa a se ligar ao pavimento Térreo (Figura 6), que é confirmado como acesso de público por meio do Hall Geral, que por sua vez faculta um dos caminhos à circulação para as galerias. Também neste nível estão presentes os espaços de Hall de Imprensa para cada Casa e a conformação das vedações dos plenários que se encontra próxima da definitiva. A proposta do Salão de Estar também é descrita para o pavimento, em posição análoga à do nível inferior e contemplava a integração visual pretendida, que deixou de existir após a expansão ocorrida no Edifício Principal em 1970.

A vista da Praça dos Três Poderes que do antigo salão se descortinava desapareceu, mas a arquitetura externa do Palácio foi preservada, e com tanto apuro que ninguém percebe essa modificação que, como arquiteto, sempre lamentei. [21]

No nível denominado Esplanada passou a existir um corredor que liga os dois plenários e define a Circulação de público para as Galerias (Figura 7). Além de acessível pelo Hall Geral, este espaço possuía entrada a partir da laje de embasamento. Nas representações em desenho esta circulação se encontra acima do perfil normal da plataforma sob a qual se assentam as cúpulas. A solução indicada no corte longitudinal (Figura 17) criava uma linha de cumeeira (Figura 18) definida por dois planos inclinados que conflitavam com a proposta pretendida, na qual os volumes característicos do partido pousam sem interferências sobre uma superfície regular.

Figura 5 ?Anteprojeto 02 ?Edifício Principal ?Pavimento Semi-enterrado | Pavimento Térreo | Esplanada. 1957.

Figura 5 ?Anteprojeto 02 ?Edifício Principal ?Pavimento Semi-enterrado | Pavimento Térreo | Esplanada. 1957.

3.2.3. projeto

A etapa denominada Projeto foi iniciada em setembro de 1957, se estendeu em fase posterior a 1960[22] e avança além da inauguração de Brasília. Foram localizadas, até o momento, sessenta e três pranchas de desenhos, além das variações. Configura-se no aprofundamento das premissas esboçadas no Anteprojeto 02, redesenhadas em documentos que correspondem à ampliação da escala. Percebe-se que o conjunto edificado passou a ser tratado em agrupamentos distintos de desenvolvimento: o primeiro se ocupou das soluções para o Edifício Principal – com destaque para os desafios da técnica vinculada ao uso do concreto – e o segundo tratou do desenvolvimento dos Anexos.

No Edifício Principal, os pavimentos Semi-enterrado, Térreo e Esplanada se encontram com os espaços em configuração aproximada da versão final, a distribuição geral sofreria pequenas alterações, resultantes da adequação de programa apenas estimada inicialmente[23], que não destoam do lançamento definido no Anteprojeto 02. No encaminhamento dos pavimentos é consolidada a proposta dos seminíveis que fazem a transição entre a fachada oeste, com Hall Geral apresentando pé-direito mais elevado, e a fachada leste voltada para a Praça dos Três Poderes.

Encontra-se representada, nas peças gráficas da fase inicial desta etapa, a interferência identificada na fase do Anteprojeto 02, entre a Circulação de público para as Galerias e as cúpulas. Fato que pode ser observado na ampliação do corte longitudinal e na indicação dos cortes transversais elaborados em 1957 (Figuras 8, 9 e 10) além de ser confirmado nos desenhos de fachada (Figura 11). Estes cortes transversais foram utilizados na primeira publicação completa do projeto em revista especializada[24]. A alteração da interferência tem a primeira ocorrência em documentos também desta fase, a partir de setembro de 1958.

O edifício dos Anexos foi objeto de avanços na proposta mantendo sua configuração geral. Chama atenção a previsão de combogós para as fachadas entre as duas lâminas que, ainda nesta fase, ganhariam esquadrias nos mesmos moldes daquelas propostas para as fachadas sul e norte externas.

Figuras 8, 9 10 e 11 ?Etapa Projeto |Corte Transversal ?Senado Federal |Corte Transversal ?Circulação para Galerias | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados | Trecho Fachada Oeste ?Cúpula da Câmara dos Deputados. 1957.

Figuras 8, 9 10 e 11 ?Etapa Projeto |Corte Transversal ?Senado Federal |Corte Transversal ?Circulação para Galerias | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados | Trecho Fachada Oeste ?Cúpula da Câmara dos Deputados. 1957.

3.2.4. alvenaria

A etapa denominada Alvenaria, ocorreu entre setembro de 1958 e dezembro de 1959, tendo sido localizados, até o momento, quinze pranchas de desenhos, além das variações. Os desenhos apresentam-se com maior riqueza na representação e com informações detalhadas de dimensões e acabamentos. Os pavimentos do Edifício Principal são representados conforme a segmentação definida pelas duas juntas de dilatação que interrompem os duzentos metros de comprimento do prédio. As compartimentações nos pavimentos ainda seriam objetos de pequenas modificações durante o processo.

Nas peças gráficas do Edifício Principal, chamam a atenção as propostas de brise vertical para a fachada oeste, que não foi executada, e de uma linha de combogós, paralela às esquadrias nas fachadas sul e norte, também não executada. No caso desta última, constata-se que o arrimo executado e o avanço da plataforma configuravam proteção necessária para estas fachadas. A fachada oeste, no entanto, sem a adoção de outra medida, ficou desprovida de sistema de proteção.

3.3.  metodologia do desenvolvimento de projetos

A análise conjunta dos projetos de arquitetura e estruturas dos Palácios na Praça dos Três Poderes nos permite deduzir a existência de um método de trabalho entre as equipes envolvidas, caracterizado pela estreita e, em muitos casos, indissociável relação existente entre decisões provenientes da arquitetura e encaminhamentos adotados nas soluções de estruturas. Corroboram esta percepção as referências de atuação dos responsáveis pelo desenvolvimento de cada atividade: o arquiteto Nauro Esteves, no projeto de arquitetura, e o engenheiro Joaquim Cardozo, nos projetos de estruturas.

O arquiteto Nauro Esteves, responsável pelos trabalhos de desenvolvimento do escritório de Oscar Niemeyer, era o coordenador das atividades técnicas dos projetos, fato comprovado pela sua assinatura em quase todas as peças gráficas do Congresso – arquitetura, estruturas e instalações.

[…] eu sempre fui o coordenador de arquitetura e urbanismo, com diversos nomes, mas sempre fui eu. Sempre, desde o primeiro dia até eu sair. Então os projetos sempre eram aprovados por mim. Os da iniciativa privada e os projetos do governo eram todos visados por mim, porque eu era o coordenador. Então, todos passaram na minha mão. [25]

O registro da participação de Nauro em outras funções projetuais estendeu a atuação da arquitetura para além dos desenhos desta disciplina e fez com que informações não identificadas nesta atividade de projeto estivessem presentes em outros desenvolvimentos. É o que se nota no caso da laje de cobertura que define a plataforma de base dos plenários no Congresso, aparentemente modificada durante a execução do plano estrutural, e na definição para a tangente da cúpula da Câmara dos Deputados, conforme os dizeres de Oscar Niemeyer[26]. Comprovação correlata é encontrada nos projetos para o Palácio do Planalto, no qual as decisões de calhas e caimentos da cobertura foram somente localizadas no planejamento de formas da laje de cobertura. Outro registro no mesmo edifício são as alternativas para as passagens de tubos de águas pluviais nos pilares, repertório sugerido por Joaquim Cardozo para escolha mais adequada da arquitetura e das instalações.

No Congresso Nacional este aspecto é evidenciado na mudança ocorrida para o planejamento da plataforma de embasamento das cúpulas. Trata-se da alteração ocorrida no projeto de arquitetura, entre as etapas de Projeto e Alvenaria, referente ao posicionamento da Circulação de público para as Galerias da Câmara e do Senado. O fato desperta interesse devido à combinação entre duas constatações: a primeira é a verificação, em arquitetura, do intervalo existente entre a última versão dos desenhos de corte para a solução prévia, janeiro de 1958, e a primeira versão que contempla a mudança na intenção, setembro de 1958. A segunda é a de que ocorreu em período próximo[27] o registro de documentos em fase avançada do projeto de estruturas para o trecho em questão, com a existência de detalhamento de armação de vigas da terceira laje na previsão definitiva que seria adotada (Figura 16).

Esta averiguação suscita a questão sobre até que ponto as equipes de desenvolvimento interagiam entre si e indicavam caminhos nessa relação entre arquitetura e engenharia em busca da melhor decisão para os problemas enfrentados. No caso do engenheiro Joaquim Cardozo essa interação parece ter existido a despeito da elaboração dos projetos ter ocorrido no escritório do Rio de Janeiro, enquanto a equipe de arquitetura desenvolvia os projetos em Brasília. As fases atuais da pesquisa, configuradas pela análise aprofundada dos documentos combinada com o levantamento físico, poderão contribuir para o entendimento desta questão.

[…] em Brasília nós tínhamos 15 pranchetas; arquitetos e desenhistas eram 15, mais o pessoal da instalação elétrica, hidráulica, etc., que era aqui. Concreto, só concreto que ficou no Rio, porque o Joaquim Cardozo tinha muita idade, não pôde vir pra Brasília. Então o escritório de concreto nosso ficou no Rio. [28]

4. historiografia

O cotejamento da documentação técnica com as informações contidas no conjunto de obras escritas sobre o Congresso Nacional permitiu identificar duas questões que se referem à historiografia existente. A primeira se vincula ao assunto do conhecimento edilício e ao diagnóstico sobre a disponibilidade de instruções a respeito da técnica construtiva, obtidas a partir da confrontação entre documentação e obra construída. A segunda trata da necessária revisão de representações gráficas utilizadas como referências para pesquisas e publicações.

Em relação à primeira questão, aponta-se a necessidade de confrontação entre os documentos técnicos e a obra executada a fim de empreender a análise dos sistemas construtivos e dos materiais, com o propósito de complementar um assunto cujo detalhamento tem pouca ocorrência nas referências utilizadas. Em um dos livros que aborda a obra de forma pormenorizada, Bruand deixa claro que não se detém nas questões do conhecimento das técnicas construtivas com a seguinte justificativa:

[…] a arquitetura brasileira tem empregado em seu conjunto procedimentos bastante simples, cujos princípios podem ser facilmente compreendidos por um leigo; além do mais, não pretendíamos entrar em detalhes quanto às técnicas empregadas, interessando-nos estas somente na medida em que possibilitam, explicam ou condicionam a concepção formal […] [29]

Linha de abordagem análoga tem prevalecido na maioria das publicações, nas quais as incursões sobre detalhes da técnica construtiva tratam, em alguns casos, da descrição dos elementos de revestimentos e em outros apresentam enfoque nos aspectos estruturais[30]. Nestas ocorrências os estudos têm sido conduzidos com base em fontes secundárias, documentação publicada em periódicos ou livros, e em nenhum dos casos ocorre referência às fontes primárias sobre os edifícios ou ao levantamento físico da obra construída, que possibilitariam estudo detalhado do assunto.

No tocante à segunda questão, verifica-se que em diversas ocorrências de pesquisa e de publicações as representações gráficas não correspondem à obra executada. Percebe-se que este problema é resultante da repetição de desenhos sem que houvesse a consulta às fontes primárias dos documentos técnicos ou a confrontação com o objeto construído.

A divergência entre informações gráficas e obra construída é reconhecida em dois pontos: o primeiro se refere à diversidade nas plantas dos níveis, ocorridas entre as etapas, e o segundo diz respeito à solução definida para a plataforma que serve de base para as cúpulas. De forma distinta das variações programáticas para compartimentação, ocorridas nos pavimentos e que não representam impacto no partido proposto, a configuração do projeto indicada nos cortes para o nível da plataforma do Edifício Principal – denominado Esplanada e que define a Circulação de público para as Galerias dos plenários – corresponde a uma interferência no desígnio pretendido por Oscar Niemeyer.

Esta ocorrência é verificada na referência basilar para as diversas publicações sobre os edifícios que se encontra na Revista Módulo[31] de 1958. No periódico ocorre a primeira publicação completa do projeto[32], incluindo fotos de maquete, croquis, texto explicativo e desenhos técnicos de plantas dos pavimentos e de cortes do edifício. Conforme mencionado anteriormente, estas representações técnicas foram produzidas a partir da combinação dos produtos de duas etapas: as plantas dos pavimentos Semi-enterrado, Térreo e o corte longitudinal têm origem no Anteprojeto 02, a planta do pavimento Esplanada e os cortes transversais são da fase inicial da etapa Projeto.

Figura 12 ?Croqui do Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1987.

Figura 12 ?Croqui do Congresso Nacional. Oscar Niemeyer. 1987.

Neste conjunto de desenhos o projeto para o nível de base das cúpulas não condiz com a versão final definida, trata-se de uma proposta que foi alterada por apresentar interrupção na percepção dos elementos de destaque e na permeabilidade visual que se pretendia (Figuras 17 e 18). No caso, nota-se que o teto da Circulação de público para as Galerias se encontrava em nível acima do embasamento definido, com isso gerava uma linha de cumeeira situada a 1,70m acima do plano de base (Figura 9). Esta elevação criava um volume que interferia tanto no Senado quanto na Câmara (Figura 18). A previsão representava um obstáculo à intenção do arquiteto de proporcionar a vista que hoje se estende em profundidade, além do edifício, acima da esplanada, entre as cúpulas[33] (Figura 12). Destaca-se que as fotos da maquete não permitem antever esta interferência, pois ela foi executada considerando uma plataforma contínua sobre a qual os volumes se assentavam, ou seja, o modelo não corresponde ao desenho técnico representado.

A proposta final para o caso apresenta a circulação de público totalmente integrada à plataforma (Figura 14). Neste planejamento a cota da laje de teto do espaço passou a corresponder ao nível de base das cúpulas (Figuras 13 e 15), eliminando, assim, a interferência outrora identificada Era a solução pretendida, ilustrada em croquis, explicada nos textos como manifestação da intenção do arquiteto e a que foi de fato executada (Figuras 19 e 20).

Figuras 13, 14, 15 e 16 ?Etapa Alvenaria ?Corte Transversal ?Senado Federal, 1959 | Corte Transversal ?Circulação para Galerias, 1958 | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados, 1959 | Armação de viga na Circulação para Galerias, 1958.

Figuras 13, 14, 15 e 16 ?Etapa Alvenaria ?Corte Transversal ?Senado Federal, 1959 | Corte Transversal ?Circulação para Galerias, 1958 | Corte Transversal ?Câmara dos Deputados, 1959 | Armação de viga na Circulação para Galerias, 1958.

Figuras 17 e 18 ?Anteprojeto 01 ?Corte Longitudinal | Plataforma das cúpulas - simulação da volumetria. 1957.

Figuras 17 e 18 ?Anteprojeto 01 ?Corte Longitudinal | Plataforma das cúpulas - simulação da volumetria. 1957.

Figuras 19 e 20 ?Projeto Executado ?Corte Longitudinal | Maquete da plataforma das cúpulas, conforme executado. 2008.

Figuras 19 e 20 ?Projeto Executado ?Corte Longitudinal | Maquete da plataforma das cúpulas. 2008.

A cúpula da Câmara dos Deputados demandava um estudo cuidadoso que a deixasse com que apenas pousada sobre a esplanada, isto é, a cobertura do prédio; o mesmo acontecia com esta última, cujo topo é tão fino que ninguém imagina constituir, internamente a galeria do público que liga os dois plenários.[34]

Figuras 21 e 22 - Croqui da Cúpula da Câmara dos Deputados | Croqui da Circulação para as Galerias. Oscar Niemeyer. 1987.

Figuras 21 e 22 - Croqui da Cúpula da Câmara dos Deputados | Croqui da Circulação para as Galerias. Oscar Niemeyer. 1987.

Atribui-se a ocorrência inicial da inconsistência aos fatos simultâneos condensadas no período entre 1958 e 1960, com destaque para a urgência na elaboração de projetos, a necessidade de divulgação na mídia especializada, a estratégia política de publicidade para as obras e a execução da construção em tempo exíguo. Neste contexto, não se trata de equívoco na representação por parte do arquiteto, uma vez que a intenção expressa era clara, mas da utilização da documentação que estava disponível no momento, ainda que em nível preliminar. A reprodução sistemática dos dados[35], sem que houvesse a atualização das informações e adequação à obra imaginada e executada, é que pode ser configurada como um lapso da historiografia, fato relevante ao verificarmos que estas informações têm servido de referência para pesquisas e para investigações sobre o objeto.

5. conclusões

Os resultados preliminares das investigações em desenvolvimento sobre o Palácio do Congresso Nacional confirmam a importância da pesquisa em arquitetura baseada em fontes primárias e ratificam a relevância do tipo de exame que explica a obra em seus elementos constituintes. Estas ações podem contribuir para uma análise que acrescente informações às interpretações compositivas e formais já existentes, com a pretensão de uma abordagem distinta da mitificação que Montaner[36] afirma existir em torno da figura, do estilo e das obras de Oscar Niemeyer.

As descrições e as questões apresentadas são conseqüências do trabalho de pesquisa e investigação empreendido com base no contexto descrito: a condição legal de Preservação, a indicação sobre a importância do conhecimento edilício e as constatações relacionadas à carência de informações sobre as características construtivas do Palácio. Neste primeiro momento, conforme ilustrado, a consulta em fontes primárias, além de delimitar as bases para o avanço dos estudos, serviu para a revisão de dados existentes nas obras escritas sobre a edificação.

As avaliações demonstradas neste artigo foram conduzidas como parte da pesquisa que tem como objeto a arquitetura da Praça dos Três Poderes, com ênfase nos Palácios do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Os desdobramentos futuros do assunto buscarão o aprofundamento nas duas vertentes apontadas inicialmente. Na primeira, trataremos da identificação e da definição de parâmetros analíticos para entendimento das obras e na sistematização de suas principais características construtivas, visando a Manutenção e Preservação dos bens arquitetônicos. Na segunda, as leituras empreendidas da documentação técnica permitirão complementar as informações da historiografia ou servirão de base para a revisão de dados existentes, como no caso que se verificou para o Palácio do Congresso Nacional.


notas

[1] Este texto foi apresentado originalmente no 1º Seminário Latino-Americano Arquitetura e Documentação, em Belo Horizonte, em setembro de 2007.

[2] São adotados preferentemente os conceitos e definições indicados nos cadernos técnicos elaborados pelo Ministério da Cultura – Instituto do Programa Monumenta para Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural.

[3] Tema tem sido objeto de discussão e de estudos em eventos recentes, tais como os Seminários de Documentação e Conservação do Movimento Moderno – DOCOMOMO.

[4] Para as análises realizadas, considerou-se como Projeto para Execução o conjunto de documentos que configuram as etapas do projeto de arquitetura denominadas: Projeto, Alvenaria, Esquadrias e Detalhes Divesos.

[5] Cf. RODRIGUES. Iphan tomba 35 obras de Niemeyer. Estado de São Paulo, 07 dez. 2007. Caderno Metrópole, in: //www.cultura.gov.br/site/2007/12/07/iphan-tomba-35-obras-de-niemeyer/.>. Acesso em 31 jul. 2008.

[6] Monumenta, programa de recuperação do patrimônio cultural urbano brasileiro, executado pelo Ministério da Cultura e financiado pelo BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.

[7] DOCOMOMO – Documentation and Conservation of buildings, sites and neighborhoods of the Modern Movement é uma organização não-governamental fundada em 1988, com representação em mais de quarenta países, cujos objetivos são a documentação e a preservação das criações do Movimento Moderno na arquitetura, urbanismo e manifestações afins.

[8] BRASIL. Processo de Tombamento do Conjunto Arquitetônico de Oscar Niemeyer em Brasília, p.31.

[9] Cf. ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13531: Elaboração de projetos de edificações – Atividades Técnicas, p.5.

[10] O arquiteto Nauro Esteves relata incêndio que quase dizimou a documentação elaborada na época,  in: ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p. 7.

[11] O Fundo NOVACAP integra o acervo do Arquivo Público do Distrito Federal e consiste de documentos, filmes e negativos fotográficos que registram a construção de Brasília e seus antecedentes – Missão Cruls – desde 1892 até 1960.

[12] Cf. KATINSKY. Olhar arquitetura. in: ARTIGAS. Caderno dos riscos originais: projeto do edifício da FAU-USP na Cidade Universitária, 142p.

[13] Cf. NIEMEYER, Depoimento. In: MÓDULO, n.º 9, 1958, p.5.

[14] Cf. ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13531: Elaboração de projetos de edificações – Atividades Técnicas, p.4.

[15] Ibidem.

[16] Parte destas cópias correspondem às pranchas de desenhos do cimbramento, executadas por uma das empreiteiras contratada para a obra,  a Companhia Constructora Nacional S/A, do Rio de Janeiro.

[17] Identifica-se desenhos de locação datados de novembro de 1957 e parcela da documentação produzida em 1958 e 1959.

[18] O termo Anexos é tratado para definir o Anexo I da Câmara do Deputados e Anexo I do Senado Federal, as duas torres de vinte e oito pavimentos que compõem o conjunto originalmente projetado em 1957. Informações adicionais sobre os demais edifícios anexos de cada Casa podem ser consultadas em SILVA et SÁNCHEZ, Arquitetura dos Anexos na Praça dos Três Poderes – O caso do Congresso Nacional. 2007.

[19] ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p. 20.

[20] Publicados nos periódicos: BRASÍLIA: Novacap, n.º 7, 1957. p. 8-11 e MÓDULO, n.º 9, 1958. p.14-21.

[21] NIEMEYER, Minha Arquitetura, p.45.

[22] Foram identificados documentos com esta classificação datados de julho de 1960, a partir deste ano os desenhos referem-se a modificações pontuais de compartimentação e leiaute.

[23] Cf. NIEMEYER. Minha Arquitetura, p.43-45.

[24] COSTA et NIEMEYER. Praça dos Três Poderes e Palácio do Congresso Nacional. In: MÓDULO, n.º 9, 1958, p.14.

[25] ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p.34.

[26] Cf. NIEMEYER. Problemas da Arquitetura 6 – O Problema Estrutural e a Arquitetura Contemporânea. In: Módulo. Rio de Janeiro, n.57, p.96.

[27] O desenho representado pela Figura 16 indicada, a prancha CA 342-1, não apresenta registro de data, no entanto, o documento seguinte, a prancha CA 343-1, tem anotação de data no mês de outrubro do mesmo ano.

[28] ESTEVES. Depoimento – Programa de História Oral, p.9-10.

[29] BRUAND. Arquitetura Contemporânea no Brasil, p.7.

[30] VASCONCELLOS, Concreto armado Arquitetura Moderna Escola Carioca, p.275-282.

VASCONCELOS, Concreto no Brasil: recordes, realizações, história, p.91-98.

[31] MÓDULO, n.º 9, 1958, p.14-21.

[32] O projeto foi publicado anteriormente, na Revista Brasília, n. 7, em julho de 1957, no entanto, as representações se limitam a fotos da maquete e a dois cortes.

[33] NIEMEYER. Forma e função na arquitetura moderna. In: Módulo. Rio de Janeiro, n.21, p.2-7.

[34] NIEMEYER. A Concepção Arquitetônica do Palácio do Congresso Nacional, in : BRASIL. Câmara dos Deputados: instalações e serviços, p.9.

[35] O desenho do corte longitudinal é identificado nas seguintes publicações da Referência, por ordem cronológica:

REVISTA. Acrópole, n.° 256/257, Brasil, 1960, p.75;

SPADE et TUTAGAWA. Oscar niemeyer. New York, 1969, p.70;

MONDADORI. Oscar Niemeyer. Italia, 1975, p.184;

GOROVITZ. Brasília, uma questão de escala. Brasília, 1985, p.45.

VASCONCELOS, Concreto no Brasil: recordes, realizações, história. Brasil, 1985, p. 97;

MAYER.  A linguagem de Oscar Niemeyer, Brasil, 2003, Anexo B;

VASCONCELLOS, Concreto armado Arquitetura Moderna Escola Carioca.  Brasil, 2004, p. 282.

[36] “[…] existe realmente tal mitificação sobre sua figura no Brasil, razão por que ainda não há livros bons e críticos o suficiente sobre ele. Continuam dominando os panegíricos sentimentais e nacionalistas.” MONTANER. In: GIOIA. É simplista reduzir a arquitetura brasileira a Niemeyer, diz crítico. Folha de São Paulo. Ilustrada. 12 dez. 2007.

referências

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BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Divisão de Publicações. Bibliografias 3: Brasília.  Brasília: Câmara dos Deputados, 1972. 1078p.

BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto do Programa Monumenta. Manual de elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural. Brasília: Ministério da Cultura, Instituto do Programa Monumenta, 2005. 76p.

BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo de Tombamento do Conjunto Arquitetônico de Oscar Niemeyer em Brasília. Brasília, 2007. 78p.

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ESTEVES, Nauro Jorge. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989. 40p.

GOROVITZ, Matheus. Brasília, uma questão de escala. São Paulo: Projeto, 1985. 72 p.

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KATINSKY, Júlio. Olhar arquitetura. in: ARTIGAS. Caderno dos riscos originais: projeto do edifício da FAUUSP na Cidade Universitária.  São Paulo, 1968. 142p.

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MAYER, Rosirene. A linguagem de Oscar Niemeyer 2003.  197 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura, Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.

MONTANER, Josep Maria. In: GIOIA, Mario. É simplista reduzir a arquitetura brasileira a Niemeyer, diz crítico. Folha de São Paulo. 12 dez. 2007, Caderno Ilustrada.

NIEMEYER, Oscar. Depoimento. Módulo, Rio de Janeiro, n. 40, p.3-6, set. 1975.

______. Minha arquitetura. Rio de Janeiro: Revan, 2000. 112p.

______. Minha experiência em Brasília. Rio de Janeiro: Vitória, 1961. 87p.

______. Oscar niemeyer. Trad. Di Luciano Di Pietro e Gianni Rizzoni.- Milão: A. Mondadori, 1975. 511 p.

REVISTA e o título, Acrópole – Brasília. São Paulo: M Grunewald n. 256/257, abr. 1960.

REVISTA e o título, Brasília: Revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital. Brasília: Novacap, n. 7, Jul. 1957.

REVISTA e o título, Módulo. Rio de Janeiro. n. 9,  Jul. 1958.

______. Módulo. Rio de Janeiro. n. 21, Dez. 1960.

______. Módulo. Rio de Janeiro. n. 57, Fev. 1980.

RODRIGUES, Alexandre – Iphan tomba 35 obras de Niemeyer. Estado de São Paulo,

07 dez. 2007. Caderno Metrópole, in:  //www.cultura.gov.br/site/2007/12/07/iphan-tomba-35-obras-de-niemeyer/.

SPADE, Rupert; TUTAGAWA, Yukio. Oscar Niemeyer. New York: Simon & Schuster,  1969. 305p.

SILVA, Elcio Gomes da; SÁNCHEZ, José Manoel Morales, Arquitetura dos Anexos na Praça dos Três Poderes – O caso do Congresso Nacional. In: Seminário do.co,mo.mo_Brasil, 7., 2007, Porto Alegre. Anais do 7º Seminário do.co,mo.mo_Brasil, o moderno já passado o passado no moderno : reciclagem, requalificação, rearquitetura. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2007. 1 CD-ROM.

VASCONCELLOS, Juliano Caldas de.   Concreto armado Arquitetura Moderna Escola Carioca: levantamentos e notas. 2004. 313f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura, Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

VASCONCELOS, Carlos Augusto de. Concreto no Brasil: recordes, realizações, história. 2.ed. São Paulo: Pini, 1992. 277p.

fontes das figuras

Figura 1

HUG, Alfons et SALLES, Evandro. Revendo Brasília. Brasília: Goethe Institut/Fundação Athos Bulcão, 1994. p.24.

Figura 2

Congresso Nacional ?Brasília – Ante Projeto 1:500 – Corte Longitudinal Esquemático.

Figura 3

Congresso Nacional ?Brasília – Ante Projeto 1:1000 – Situação.

Figura 4

Congresso Nacional ?Brasília – Ante Projeto 1:500 – Térreo.

Figuras 5, 6 e 7

REVISTA Módulo. Rio de Janeiro. n. 9,  Jul. 1958. p. 21.

Figura 8

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 8-4 – Congresso Nacional – Projeto – Secção Transversal ‘CC’. DUA NOVACAP, 1036. Esc. 1:100. Brasília, 10.12.1957.

Figura 9

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 7-5 – Congresso Nacional – Projeto – Secção Transversal ‘BB’. DUA NOVACAP, 1042. Esc. 1:100. Brasília, 12.12.1957.

Figura 10

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 6-4 – Congresso Nacional – Projeto – Secção Transversal ‘AA’. DUA NOVACAP, 1033. Esc. 1:100. Brasília, 9.12.1957.

Figura 11

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 12-1 – Congresso Nacional – Projeto – Fachada Este. DUA NOVACAP, 1256. Esc. 1:100. Brasília, 12.2.1958.

Figuras 12, 21 e 22

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Divisão de Publicações. Bibliografias 3: Brasília.  Brasília: Câmara dos Deputados, 1972. p. 9.

Figura 13

BARROSO, Sabino Machado. CN 12-3 – Congresso Nacional – Alvenaria – Secção Transversal Plenário do Senado. DUA NOVACAP B 952. Esc. 1:100.Brasília,  10.4.1959.

Figura 14

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 8-2 – Congresso Nacional – Alvenaria – Secção Transversal 2ª Junta. DUA NOVACAP, B 464. Esc. 1:100. Brasília, 23.12.1958.

Figura 15

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 9-1 – Congresso Nacional – Alvenaria – Corte Plenário Câmara. DUA NOVACAP, B 1006. Esc. 1:100. Brasília, 18.4.1959.

Figura 16

CARDOZO, Joaquim; ESTEVES, Nauro Jorge.  CN-CA 342-01 – Concreto – 2ª Laje – 2ª Junta – Vigas Armação. DAU NOVACAP, B013962.  Brasília, Brasília, 1958.

Figura 17

ESTEVES, Nauro Jorge. CN 5-2 Congresso Nacional – Anteprojeto – Corte Longitudinal . DAU NOVACAP, Nº 498. Brasília, 16.07.1957.

Figura 18

Plataforma das cúpulas – simulação da volumetria para o Anteprojeto 01. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.

Figura 19

Projeto Executado – Corte Longitudinal. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.

Figura 20

Maquete da plataforma das cúpulas, conforme executado. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.

As Figuras 2, 3, 4, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17 e 19 são reproduções elaboradas a partir dos documentos originais de projetos. Desenho em formato eletrônico DWG: Elcio Gomes da Silva. Brasília, Ago. 2008.


Elcio Gomes da Silva

Arquiteto e urbanista (UnB, 1995), Doutorando em Arquitetura e Urbanismo (UnB), arquiteto da Câmara dos Deputados.

José Manoel Sánchez

Engenheiro Civil (UnB, 1979), Doutor em Estruturas e Construção Civil (UnB, 2003) e Professor Adjunto da Universidade de Brasília-UnB.

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