Pr谩tica Profissional – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Sat, 20 Jun 2009 22:48:35 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Pr谩tica Profissional – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Pr谩tica Profissional – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/06/11/sobre-projetos-executivos-e-detalhes/ //28ers.com/2009/06/11/sobre-projetos-executivos-e-detalhes/#comments Thu, 11 Jun 2009 06:02:26 +0000 //28ers.com/?p=2897 Continue lendo ]]>

NBR6492-DETALHESDanilo Matoso Macedo

A partir da próxima matéria, a seção Projetos e obras da revista mdc passará a disponibilizar arquivos com o Projeto Executivo ?ou Projeto de Execução ?completo. Entendemos que, com isso, amplia-se significativamente a relevância do material publicado. Ao acrescentar informação sobre as técnicas projetuais e construtivas adotadas na feitura da obra, procuramos trazer alguma contribuição ao delineamento de novos horizontes na crítica e de historiografia de nossa prática arquitetônica atual. Esperamos que uma nova crítica se forme e que nossa teoria se renove a partir da sistematização e da transmissão didática de um campo de conhecimento que até hoje tem sua cultura reproduzida quase que exclusivamente pela prática nos escritórios ?ao menos no Brasil. Esse medievalismo cultural da arquitetura talvez mereça aqui uma pequena digressão, necessária à explicitação de nossas intenções.

arquitetura é invenção ?de problemas?

Entablamento e capitel jônico, segundo o tratado de Vignola (1562)

Entablamento e capitel jônico, segundo o tratado de Vignola (1562)

Desde o surgimento, no século XV, do livro de arquitetura tal como o conhecemos hoje, nossa disciplina vem sendo transmitida majoritariamente por meio de textos, gravuras ou fotos naturalistas e desenhos técnicos simplificados de modo a caber nos formatos dos livros. Substituíam-se, e principalmente complementavam-se, com isso, os códices das corporações de ofício e as lições práticas por tratados de arquitetura concebidos e editados quase que à guisa de literatura. A cultura do livro impresso multiplicável foi componente ativo da revolução humanística da Idade Moderna no mundo ocidental. E as conseqüências da difusão arquitetônica completamente dissociada de qualquer contato direto com os edifícios, por assim dizer, prototípicos, levou em muitos casos à redução do escopo de nossa disciplina ao que pode ser transmitido por meio de livros e revistas: textos, imagens naturalistas e desenhos técnicos esquemáticos simplificados de escala reduzida. Os tratados da Renascença definem as “ordens?de arquitetura (colunas, capitéis, lintéis etc.) carentes de peso material. De que são feitos? Madeira, mármore, pedra, tijolo, estuque? Como são feitos? Por quem? Com que instrumentos? A que preço? Os livros não nos dizem. [1]

Com isso, a profissão e o profissional deslocavam-se do canteiro de obra dos artesãos para as côrtes dos nobres, dos intelectuais e sobretudo dos artistas. O desenho erudito desenvolvido junto à geometria descritiva acaba por se relacionar mais às especulações matemáticas e científicas do Iluminismo que à manufatura de edifícios e de seus componentes construtivos. Estes têm sua conformação ajustada à base de cinzéis, lixadeiras, desempenadeiras, sarrafos, gabaritos e outros instrumentos rudimentares para os quais as geometrias complexas advindas de equações espaciais fazem pouco sentido. Como nos lembra Alfonso Corona Martínez, os arquitetos do Renascimento inventaram uma competência profissional a partir dos meios de representação, ao dar importância maior aos problemas formais, de tal modo que estes somente poderiam ser resolvidos pelos arquitetos com o emprego de seu novo instrumental.[2]

As conseqüências e conflitos desse deslocamento da profissão até hoje se fazem sentir quando as soluções formais dos arquitetos deslocados do canteiro precisam ser construídas com integridade de modo a resistir às intempéries e à passagem do tempo. A cisão entre o canteiro e o desenho é problema antigo discutido repetida e exaustivamente a cada geração desde aqueles tempos. Entricheiram-se, de um lado, os arquitetos que vivem de textos, palestras e publicações em revistas, e de outro lado aqueles que vivem de produzir desenhos destinados à construção. Os argumentos de cada parte são repetitivos e talvez não valha a pena aqui mencioná-los senão em seus mais conhecidos pares dialéticos: teoria versus prática, “arquitetura do espetáculo?versus “arquitetura comum? artistas versus pedreiros, estrelas versus operários etc. Já lembramos recentemente[3] que, enquanto primeiro grupo goza de maior prestígio social, o segundo grupo projeta e constrói mais. Fosse a convivência entre estes grupos pacífica, e talvez nossas cidades houvessem sido construídas pelos arquitetos e urbanistas. A realidade, entretanto, é bastante distinta. Enquanto mestres de obras e técnicos em edificações efetivamente materializam nossas metrópoles ?que se expandem via de regra pelos bairros de classe média-baixa e baixa ?os arquitetos digladiam-se pela primazia da execução de poucos monumentos, edifícios públicos, moradias e escritórios das classes mais altas ?e vez por outra ou conjuntos habitacionais assistencialistas.

Essa inserção social e esse campo de atuação restritos descendem claramente daqueles construídos pelos arquitetos renascentistas ?e do que se convencionou chamar de arquitetura a partir de então, em oposição à mera construção[4]. Ocorre que, com a expansão das classes médias e a proliferação de arquitetos nesses extratos sociais intermediários, o número de profissionais excluídos é crescente. E mesmo os excluídos não se ocupam de tratar com competência dos seus problemas mais próximos: os edifícios das periferias (os responsáveis por mais de 70% da mancha urbana de nossas metrópoles). O motivo é muito simples: não foram preparados para fazê-lo. Aprenderam nas faculdades ?e lêem nas revistas e livros de arquitetura ?soluções para problemas que, ou não existem efetivamente, ou não lhes dizem respeito. Do mesmo modo, voltando aos dois grupos antagônicos, as estrelas costumam esbanjar uma despreocupação olímpica com a construção, uso e manutenção de seus edifícios, enquanto os técnicos pavoneiam-se ingenuamente de sua ignorância total sobre qualquer questão humanística que vá além do carisma de que usam para convencer seus clientes.

A história nos ensina que estes grupos não se reconciliarão. Preferimos, por isso, uma via alternativa, que teorize sobre os aspectos práticos e que cobre relevância social direta das problematizações teóricas. Se o arquiteto de escritório trata de desenhos técnicos e de técnicas construtivas, sobre eles também nos devemos debruçar em busca de constantes, princípios, valores e métodos passíveis de sistematização ?em busca da própria teoria ?e transmissão para as gerações futuras. Na mão inversa, se o arquiteto de revista trata de publicações, de livros, palestras e exposições, que elas digam respeito ao menos a soluções efetivas para os problemas de seu tempo, e não de frívolas questões endógenas.

a competência do arquiteto

Em nossa sociedade, arquitetos que projetam – e não possuem empreiteiras ?extraem seu sustento da entrega de desenhos. Mesmo que acompanhados por maquetes e textos, são os desenhos o cerne da documentação comercializada. Nesse sentido, o desenho é uma mercadoria como outra qualquer: possui seu valor intrínseco e seu valor como índice de uma obra que será construída. Mesmo que acompanhados pela carga simbólica conotada pela griffe do autor ?evidentemente parte do produto em questão ? são os desenhos que conectam criador e obra construída. Comprovam estes argumentos os croquis , os riscos originais que todos fazem questão de publicar junto aos projetos.

Existem definições claras sobre a natureza dos desenhos arquitetônicos. Segundo a Norma Brasileira, o projeto de arquitetura é elaborado nas seguintes etapas: levantamento de dados, programa de necessidades, estudo de viabilidade, estudo preliminar, anteprojeto (ou de pré-execução), projeto legal, projeto básico (opcional, voltado para órgãos públicos), e projeto para execução [ou Projeto Executivo] de arquitetura.[5] Este último é definido como etapa destinada à concepção e à representação final das informações técnicas da edificação e de seus elementos, instalações e componentes, completas, definitivas e necessárias à licitação (contratação) e à execução dos serviços de obra correspondentes.[6] A Tabela de Honorários do Instituto dos Arquitetos do Brasil[7] foi feita a partir dessas etapas. Enquanto se atribui um valor de 10% a 15% ao Estudo Preliminar, o Projeto Executivo corresponde a 50% da remuneração. Voltaremos a esta relação proporcional em seguida.

A responsabilidade do projetista sobre a obra construída é tanto maior quanto maior for a correspondência entre seus desenhos e a edificação concreta. Na prática atual, entretanto, esta constatação opõe-se ao senso comum corporativo corrente entre nós de que o arquiteto é dirigente da edificação. Assim o seria se sobre ela tivéssemos responsabilidade total ?o que não é o caso em nosso país. A obra construída é produto coletivo de todos os projetistas e de responsabilidade principalmente do construtor, e nesse grupo o arquiteto comumente assume apenas o peso do papel secundário que lhe cabe (vegetal, manteiga ou sulfite).

Indo mais além na argumentação, em nosso país não temos notícia de acionamento legal de algum arquiteto ou escritório de arquitetura devido a erros de projeto. Normalmente, a culpa por problemas em edificações recai sobre os empreiteiros e engenheiros projetistas, devido a problemas construtivos e a falhas nas instalações. No Brasil, o arquiteto ?o mesmo a encabeçar a ficha técnica em revistas, relegando aos demais os papeis de coadjuvantes ?não é responsabilizado por praticamente nada. Convido o leitor a vasculhar sua memória e a encontrar exemplos recentes de arquitetos considerados publicamente responsáveis por desabamentos, patologias estruturais e mesmo por acidentes de trabalho e enfermidades em moradores de seus edifícios. Verá que não se ouviu falar dos arquitetos. Os engenheiros em alguns casos foram presos ou execrados publicamente, porque deles efetivamente era a responsabilidade pelas decisões críticas.

Não nos enganemos atribuindo ao arquiteto contemporâneo uma competência que na prática não lhe cabe: o produto concreto imediato de seu trabalho são os desenhos, que são valorados por sua qualidade comunicativa e pelo que resulta dela ?a obra construída entendida em seu sentido meramente plástico. O desenvolvimento e detalhamento construtivo relevante de um projeto, para além das aparências portanto, implica em assumir mais responsabilidades. Ao assumir plenamente o encargo do projeto executivo, do detalhamento e da integração e compatibilização de projetos complementares, o arquiteto amplia consideravelmente o seu crédito efetivo pela obra construída ?e consequentemente seu campo potencial de atuação. Saber desenvolver e representar um projeto para execução deságua assim em mais competências profissionais.

Feita esta constatação, torna-se desconcertante o descaso do métier da arquitetura e engenharia brasileiras para com as convenções de desenhos. As normas são escassas[8], as disciplinas universitárias de desenho técnico são consideradas instrumentais (ou não finalísticas) e chega a ser um milagre que alguma comunicação efetivamente ocorra por meio de uma linguagem tão carente de gramática. Tanto nas engenharias quanto na arquitetura, a disciplina de desenho técnico foi reduzida a um reles semestre letivo, e o desenho técnico tem seu aprendizado nos estágios de escritório e marginalmente nas disciplinas de projeto.

As disciplinas de projeto e as demais disciplinas dos cursos universitários parecem tratar de tudo, menos do desenvolvimento de projetos nas sucessivas etapas necessárias à execução da obra. A prática dos escritórios de arquitetura é quase que integralmente composta pelo desenvolvimento de projetos de aprovação, de projetos executivos, de detalhamentos e de desenhos adicionais necessários à execução. Na verdade, vemos que a proporção valorativa sugerida pela Tabela de Honorários do IAB certamente sobrevalorizou as fases iniciais do projeto devido à carga simbólica da criação artística. A prática mostra que a relação estritamente quantitativa reduziria significativamente o valor daquelas. Um estudo preliminar desenvolvido em duas semanas tem seu desenvolvimento e obra arrastados por anos a fio, mas não se aprende sobre como lidar com isso nas universidades e pouco se discute sobre esta prática em nossas revistas e livros de teoria e história. Como observou John Summerson,

Ele [o arquiteto moderno], por diversos motivos, saiu de seu papel, deu uma olhada na cena ao seu redor e tornou-se obcecado não com a importância da arquitetura, mas com a relação da arquitetura com outras coisas. Isso é exatamente o que ocorreu.O arquiteto saiu de si mesmo, como se fosse uma segunda pessoa a sair da primeira num filme psicológico. Ele (prosseguindo momentaneamente com esta metáfora) deixou sua primeira personalidade na prancheta e assumiu a segunda (a personalidade ‘viva? numa volta ao mundo contemporâneo ?pesquisa científica, sociologia, psicologia, engenharia, as artes e diversas outras coisas.  Ao retornar à prancheta, sua primeira personalidade lhe parece constrangedora e extremamente desinteressante. Ali está ele desajeitadamente sentado, recendendo levemente a “estilos? Então a segunda personalidade senta-se ao lado dele e dolorosamente guia sua mão.[9]

Por bizarro que possa parecer, esta espécie de dupla personalidade do arquiteto não é exceção. Comprova isso o descompasso entre o que consta em nossa historiografia e o que de fato correspondeu à prática edilícia das sociedades ali descritas. Em alguns momentos, o ethos de uma personalidade invade os domínios da outra. É então que o arquiteto imbuído da cobrança social pela invenção ?no sentido lato ?torna-se incapaz de obedecer às mais simples convenções.[10]

o desenho arquitetônico, suas convenções e detalhes

Ocorre que, no Brasil, cada escritório de arquitetura inventa suas próprias convenções gráficas.  Aqueles encarregados de construir as obras devem aprender a ler o idioma de cada escritório, transformando-se em verdadeiros poliglotas iconográficos. De fato, se engenheiros civis, mestres-de-obras, serralheiros e marceneiros[11] acabam por aprender algo desse código na prática, o fazem de tanto sentirem no bolso as conseqüências de seus erros de interpretação. E se não aprendem a ler os desenhos, aprendem a conversar sobre eles minuciosamente com o arquiteto na obra.

Nessa babel, os arquitetos também padecem, já que dependem de engenheiros para desenvolver os projetos complementares. Os engenheiros ?sobretudo os ligados às instalações ?embora sejam bastante mais afeitos a seguir convenções de símbolos e metodologias de representação, tendem a tratar o desenho técnico mais como diagrama simbólico que como desenho figurativo. Dessa falta de compreensão das características físicas e dimensões da coisa tratada nascem os problemas de compatibilização ?cuja solução ou bem fica a cargo do arquiteto ou bem fica a cargo do empreiteiro ?onde tubos descem aparentes fachada abaixo, máquinas não cabem nos vãos destinados a elas, equipamentos ficam sem visita para manutenção etc.  A situação agravou-se ainda mais com o advento dos sistemas de CAD ?Computer Aided Design. No computador, a representação digital possui múltiplas possibilidades de elaboração, que resultam aparentemente num mesmo desenho impresso. O intercâmbio de arquivos entre engenheiros e arquitetos dentro desse universo infindável de variáveis é praticamente impossível sem uma padronização estrita do modo de trabalho. Evidentemente, a maior parte dos escritórios brasileiros de engenharia  e arquitetura ignora ou despreza olimpicamente os poucos padrões existentes.[12]

Mais uma vez, a origem dessas mazelas está na carência de conhecimento sistematizado sobre o tema em nosso país. Os arquitetos aprendem a desenhar estudos preliminares na faculdade e passam a vida folheando e estudando revistas e livros com plantas na escala de 1:500, e dali extraindo seus parâmetros de trabalho. Mesmo as revistas técnicas ?como a brasileira Techné, a alemã Detail ou a espanhola Tectónica ?limitam-se a exibir diretamente os detalhes da escala 1:1, passando ao largo das plantas, cortes e fachadas do projeto executivo, por uma simples impossibilidade material de publicar uma revista em formato A0. Estes desenhos gerais, os mais importantes de todo o projeto, onde todos os detalhes, eixos, especificações e dimensões estão indicados e mapeados, simplesmente não são publicados em tamanho legível. Enquanto isso, esquadrias e grampos de fixação de granito são reproduzidos ad nauseam.

À esquerda, detalhe do catálogo da Alcoa para pano de vidro. À direita, detalhe publicado no especial 'Detalles' da revista argentina Summa (dez.2004)

À esquerda, detalhe do catálogo da Alcoa para pano de vidro. À direita, detalhe publicado no especial 'Detalles' da revista argentina Summa (dez.2004)

Nesse ponto, o problema ganha nova complexidade, pois esbarramos no conflito entre a prática arquitetônica estrangeira e a brasileira. A representação do detalhe ampliado de vedação tem sua origem nas wall-sections norte-americanas ?desenhos autônomos que convencionalmente sintetizam o desempenho da vedação do edifício. São parte das convenções gráficas que os arquitetos são obrigados a dominar para obter seu diploma na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos. Se nesses países as normas existem e são cumpridas, no Brasil as normas rareiam e são ignoradas. Lemos os desenhos nas revistas estrangeiras e copiamos os seus cacoetes e seus detalhes ?as wall-sections que não fazem sentido algum em alvenaria de tijolos ?/em>, no que muitas vezes se torna um tecnicismo inútil e um detalhismo perfeitamente dispensável. Um exemplo clássico desse tipo de prática corrente entre nós é a insistência que se tem em publicar os detalhes de caixilharia de alumínio, quando é sabido que as montagens desses perfis extrudados de grande complexidade é inteiramente determinada pelas linhas criadas pela indústria. Escolhido o modelo da esquadria, trata-se simplesmente de uma montagem de detalhes padronizados sobre os quais o arquiteto e o engenheiro têm pouca ou nenhuma influência.

A causa para este tipo de vício, mais uma vez, tem suas origens na própria afirmação da autonomia do campo arquitetônico. Como bem nos lembra Sérgio Ferro: a coisificação desta verborragia analítica não pedida só é explicável (…) pela urgência de iludir o próprio esvaziamento.[13] Além dos detalhes inúteis, incluem-se na crítica de Sérgio Ferro também os detalhamentos superabundantes. Nesse campo, de identificação mais dificultosa, incluem-se sobretudo os defensores da industrialização na construção ?que de tanto buscar novos padrões acabam simplesmente por inventar todo um novo sistema semi-industrial a cada projeto. Nesse vício incorrem muitos dos que são admirados pelo domínio da técnica construtiva: inventam detalhes complexos, supostamente indicativos de alta tecnologia, que serão de execução difícil, dispendiosa e de desempenho duvidoso. Um bom exemplo é o que Peter Blake chamou, há mais de trinta anos, de celebração da junta:

(…) em certos tipos de construção com painéis ou outros tipos de pré-fabricação, a junta entre as partes ?aquela infinitamente problemática e infinitamente multiplicada junta, a causa de vazamentos, empenamentos, corrosão, desbotamento, de muita confusão, preocupação e trabalho ?essa junta insignificante simplesmente não era recoberta e ocultada da melhor maneira possível; ela era intrincadamente articulada, interminavelmente expressada, voluptuosamente discutida pelos críticos e masoquisticamente celebrada. [14]

da prática à teoria do desenho

É desejável, portanto, que nos debrucemos mais detidamente sobre os desenhos e especificações que resultam nas obras construídas que admiramos, de modo a lhes conhecer os pormenores que tornaram possíveis a comunicação com os executores e sua feitura a contento. Se nosso produto de trabalho é o desenho, é natural e desejável que nos detenhamos com mais vagar na reflexão acerca do que nos consome mais tempo e esforço ?o Projeto Executivo e a obra ?que nos valores artísticos emanados dos Desenhos de Apresentação constantes nos estudos preliminares feitos em uma semana. É natural que desejemos desenvolver uma espécie de “Teoria do Projeto Executivo? ou “Teoria do Desenho?em>.

É nesta documentação, em sua clareza, em sua capacidade de comunicação e síntese de idéias, que está um dos fatores indicativos de um bom projeto de arquitetura ?e frequentemente de uma boa obra executada. Se a construção, por suas avantajadas dimensões, forçosamente é composta por vários elementos e componentes, é no modo como ordenamos esta composição e conciliamos as partes e materiais que está o cerne de nosso labor. É no desenvolvimento de cada parede, de cada janela, onde os valores fundadores do projeto são testados e reavaliados, e as partes questionam de volta o autor sobre a pertinência do todo. É nessa retórica do jogo construtivo que se determina a medida de coesão e integridade de uma obra, e consequentemente sua durabilidade ?preocupação premente em tempos de escassez de recursos não-renováveis.

Para ser levado à execução, um projeto passa por uma ampliação de escala, pela divisão do todo em partes sucessivamente menores, representadas em elevações, seções e perspectivas devidamente especificadas. Se este conjunto de desenhos é coeso em sua ordenação e homogêneo em sua representação, sua compreensão é enormemente facilitada. Ao representar plantas, cortes e fachadas do conjunto da edificação, o arquiteto escolhe os elementos e componentes cujo custo, complexidade ou importância para o conjunto requerem desenho ampliado. A partir dessa escolha inicial, o detalhamento é agrupado normalmente em sua ordem de execução e importância, em pequenos conjuntos autônomos que podem ser enviados a sub-empreiteiros. Esta aparente autonomia do detalhe exige um estrito controle do autor de modo a harmonizar os próprios elementos entre si, mantendo a unidade do conjunto e a coesão dos conceitos desenvolvidos.

Quando se desenvolve um projeto plenamente e se acompanha sua execução, cai por terra o mito do projeto ideal surgido platonicamente na cabeça do arquiteto a priori, do qual a matéria seria apenas um pálido reflexo. É ali, na lida com as coisas concretas, suas vontades, suas afinidades e limitações, que surgem as invenções duradouras.  Dentro desta visão, o conceito original do edifício, normalmente entendido como uma declaração inicial de intenções por seu autor, converte-se em objeto de diálogo com a realidade mediado pelo desenho, conforme nos explica Carlos A. Leite Brandão, para quem

nem o conceito é da pura ordem da subjetividade e da teoria, nem o projeto e a obra são da pura ordem da objetividade e da prática empírica. O conceito se faz na própria representação e na própria construção. E para o crítico interessa compreender os conceitos nessa fala do projeto, e não na idéia original do autor, a qual creio sempre permanecer inacessível, inclusive ao próprio autor. O conceito está na obra e no projeto, e não na subjetividade do arquiteto. Ele mora no desenho, na maquete ou na imagem virtual – e não no pensamento do autor ou no contexto sócio econômico – e é lá, em primeiro lugar, que ele deve ser perseguido pelo crítico ou intérprete. Essa representação, portanto, não é a mera perseguição de uma idéia que sempre insiste em fugir, mas um dos momentos em que o próprio conceito se formula[15]

O desenho de execução, portanto, vai além da apresentação de uma idéia. Ele é sua representação, e como tal estabelece uma relação dialética e dinâmica com ela.

A tecnologia digital rompeu a barreira imposta originalmente pelo meio do livro impresso. Hoje, pode-se publicar arquivos de pranchas inteiras de desenho no mesmo espaço em que antes se apresentava um texto e alguns diagramas. Com essa nova possibilidade, um novo campo de valoração da obra publicada vem à tona. É possível testemunhar o modo pelo qual o arquiteto comunicou-se com os executores, é possível aferir o grau de realização das intenções originais, é possível aprender com os erros e triunfos dos colegas, trazendo à tona um campo de conhecimento tão vital e tão esquecido pela cultura de nosso campo. Num momento futuro, talvez alguma tecnologia de CAD/CAM substitua o velho desenho técnico, mas esta é uma outra discussão…


notas

[1] Renaissance treatises define architectural “orders?(columns, capitals, lintels, etc.) that are singularly lacking in material weight. What are they made out of? Wood, marble, stone, brick, stucco? How are they made? By whom? With what instruments? At what price? The books don’t tell us. Carpo, Architecture in the Age of Printing, 7.

[2] Martínez, Ensaio sobre o projeto, 15.

[3] Macedo, “Deixar de pensar no estilo.?/p>

[4] A passagem de Sylvia Ficher explica a conotação desta expressão, tão recorrente na teoria da arquitetura: “Quando nós falamos em arquitetura clássica, somos nós que falamos em arquitetura clássica, que adjetivamos o termo arquitetura. Até meados do século XVIII, quando se dizia arquitetura ?obviamente estou me referindo ao contexto ocidental, europeu ?não era preciso adjetivar: arquitetura queria dizer arquitetura clássica, caso não fosse clássica, não era arquitetura. E não apenas quando se tratava de edifícios de exceção. Se uma edificação não é clássica, não é arquitetura: é uma construção. É por essa razão que ainda se fala uma bobagem dessas: ?strong>mera construção?#8230; […] O caso brasileiro é extremo. Ou seja, mais ainda do que nos Estados Unidos ou na Europa, aqui, naquele momento ?no nosso caso, da década de quarenta em diante ?Arquitetura é Arquitetura Moderna. Se não é Arquitetura Moderna, não é Arquitetura, tout court, não é entendida pelos arquitetos como Arquitetura: é construção […]?/em> in Ficher, “Reflexões sobre o pós-modernismo,?5.

[5] Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 13532/1995, 3.

[6] Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 13531/1995, 2.

[7] Instituto de Arquitetos do Brasil, Tabela de Honorários.

[8] Atualmente, a única norma da ABNT específica de desenho arquitetônico é a NBR 6492/1994 ?Representação de projetos de arquitetura.

[9] He has, for some reason or another, stepped out of his ‘rôle? taken a look at the scene around him and then become obsessed with the importance not of architectures, but of the relation of architecture to other things. This is exactly what happened. The architect has walked out of himself, rather like a second personality is seen to walk out of the first in a psycological film. He has (to pursue this metaphor for a moment), left the first personality at the drawing board and taken the second (the ‘live?personality) on a world-tour of contemporary life ?scientific research, sociology, psychology, engineering, the arts and a great manu other things. Returning to the drawing-board he finds the fist personality embarrassing and profoundly unattractive. There he stubbornly sits, smelling slightly of ‘the styles? So the second personality sits down beside him and painfully guides his hand. In Summerson, “The mischievous analogy,?197.

[10] A seguinte anedota ilustra bem o lamentável quadro de confusão mental de alguns de nossos colegas nesse sentido. Certa vez, participando de uma banca de um Trabalho Final de Graduação em arquitetura, advertimos que o aluno não havia dotado um edifício de seis pavimentos de escadas protegidas contra incêndio, em desacordo com as normas vigentes. Seu orientador saiu em sua defesa, afirmando: ?em>as regras estão aí para serem quebradas?

[11] Convém lembrar que, ao contrário dos engenheiros, a maioria ?senão a totalidade ?dos operários da construção civil carece de instrução formal no que concerne à elaboração e interpretação de desenhos técnicos, suas convenções e suas técnicas.

[12] Cf. Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura – AsBEA. Diretrizes gerais para intercambialidade de projetos em CAD: integração entre projetistas, construtoras e clientes. Organizado por Henrique Cambiaghi, São Paulo: Pini, 2002.  199p.

[13] Ferro, “Arquitetura nova,?55.

[14] (…) in certain kinds of panelized or otherwise prefabricated buildings, the joint between parts ?that endlessly troublesome and endlessly multiplied joint, the source of leaks, of buckling, of corrosion, of discoloration, of much fuss and bother and expense ?this miserable joint was not merely not covered up and done away with as best as possible; it was intricately articulated, interminably expressed, volubly discussed by the critics, and masochistically celebrated. In Blake, Form Follows Fiasco, 61.

[15] Brandão, “Linguagem e arquitetura: o problema do conceito.?/p>


referências bibliográficas

Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13531 : Elaboração de projetos de edificações – atividades técnicas. Rio de Janeiro, 1995.

——? NBR 13532 : Elaboração de projetos de edificações – Arquitetura. Rio de Janeiro, 1995.

Blake, Peter. Form follows fiasco: why Modern Architecture hasn’t worked. Boston / Toronto: Little, Brown, 1977.

Brandão, Carlos Antônio Leite. “Linguagem e arquitetura: o problema do conceito.?Interpretar Arquitetura, Novembro 2000. //www.arquitetura.ufmg.br/ia/.

Carpo, Mario. Architecture in the age of printing: orality, writing, typography, and printed images in the history of architectural theory. Traduzido por Sarah Benson. Cambridge, Mass: MIT Press, 2001.

Ferro, Sérgio. “Arquitetura nova.?In Arquitetura e trabalho livre, 47-58. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

Ficher, Sylvia. “Reflexões sobre o pós-modernismo.?MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Março 9, 2007.

Instituto de Arquitetos do Brasil. Tabela de Honorários : condições de contratação e remuneração do Projeto de Arquitetura da edificação. //www.iab.org.br.

Macedo, Danilo Matoso. “Deixar de pensar no estilo.?MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Janeiro 19, 2009. //28ers.com/2009/01/19/deixar-de-pensar-no-estilo/.

Martínez, Alfonso Corona. Ensaio sobre o projeto. Traduzido por Ane Lise Spaltemberg. Arquitetura e Urbanismo. Brasília: Unb, 2000.

Summerson, John. “The mischievous analogy.?In Heavenly mansions and other essays on architecture, 195-218. New York/London: W. W. Norton, 1963.


danilo matoso macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

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Fernando Luiz Lara

Há algumas semanas atrás me foi perguntado (por uma importante editora de arquitetura no Brasil) qual seria a raiz de uma visível diferença qualitativa entre a arquitetura que se faz hoje na Argentina e no Chile e aquela que se executa no Brasil. A dificuldade de responder a esta questão e a leitura do texto de Danilo Macedo sobre “deixar de pensar no estilo” me fizeram voltar a este texto que comecei a escrever cinco anos atrás e que retomo agora como forma de elaborar menos uma resposta e mais uma série de outras perguntas que nos ajudem a entender esta diferença. Depois de termos indubitavelmente a melhor arquitetura das Américas nos anos 40 e 50, parecemos condenados a erguer edifícios apressados e simplistas enquanto nossos vizinhos do sul esbanjam elegância e apuros nos detalhes.

Acho que a descrição acima é exagerada e talvez até injusta dado que o pouco que vemos pelas revistas impressas ou eletrônicas representa o melhor do melhor dos edifícios do cone sul enquanto passamos nossos dias em apartamentos, shopping centers e edifícios corporativos cuja lógica é a da maximização do lucro em detrimento da qualidade dos espaços. Mas onde há fumaça há fogo e apesar de termos uma economia muitas vezes maior que nossos hermanos, é inegável que a cultura arquitetônica média de portenhos, rosarinos e santiaguinos é bem maior que a nossa.

Para indicar um caminho que nos leve a possíveis respostas acredito que uma das principais diferenças seja a forma como arquitetos brasileiros tratam a própria disciplina (com desconfiança) em contraponto ao apuro com que argentinos e chilenos se dedicam ao nosso campo de conhecimento. Segundo Macedo1, brasileiros seriam avessos a padrões normativos, seríamos basicamente indisciplinados por natureza.

É certo que a arquitetura assistiu no final do século XX ao nascimento da sociedade da informação a um incremento significativo do corpo de sua própria disciplina. As transformações socio-econômicas decorrentes induziram a formação de um campo do conhecimento que passa a coexistir com a porção aplicada (ou prática) da arquitetura. Tal disciplina na verdade já vinha se materializando desde o início do século passado, com o advento do Movimento Moderno e seu desafio epistemológico de conciliar o subjetivismo da criação artística com um embasamento empírico-científico. Quando examinamos nossa genial Arquitetura Moderna Brasileira vemos exatamente este equilíbrio entre embasamento disciplinar e liberdade de criação.

Jean Nicolas Louis Durand, Elements of Building, 1823.Na verdade, a academia francesa de Beaux-Art já buscava, em meados do século XIX, uma ordenação do método projetivo que seria efetivamente alcançada com a formatação do processo compositivo a partir do parti. Em outro jogo de palavras, o nascimento da arquitetura como disciplina e campo específico do conhecimento (Laugier, Ledoux e Boulee) decorre da necessidade de se disciplinar (no sentido mesmo de controlar) a prática de projetação do espaço construído. Ocorre que esta disciplina Beaux-Art foi sendo progressivamente relaxada até se tornar o jogo vazio de ornamentação denunciado por Adolf Loos.

Disciplinada por excelência, a Bauhaus consolida, no inicio do século XX, várias das experimentações da vanguarda artística e arquitetônica num projeto pedagógico rigoroso que marca a mudança de uma prática semi-sublime para uma prática disciplinada. Esta disciplina ou método deveria criar (como efetivamente ocorreu) uma arquitetura nova para os novos clientes e seus novos programas, usando novos materiais e diferente dos estilos tradicionais. No programa da Bauhaus, é como se a intuição fosse preparada por um conhecimento prévio e bem estruturado.

No entanto, segundo nos lembra Carlos E. Comas2, o processo de projeto modernista, herança da Bauhaus, era ainda baseado em dois postulados que se excluem mutualmente: o funcionalismo e o gênio criador. Enquanto o funcionalismo (ou a novidade dos novos processos) imperou como discurso hegemônico, o subjetivismo da criação artística pode atuar com relativa liberdade, principalmente porque o funcionalismo que dava à prática da arquitetura o necessário embasamento empírico científico, encobrindo uma praxis muito menos enrijecida que seu discurso. Era como se o discursos funcionalista e racionalista protegessem e legitimassem o arquiteto que continuava operando com graus variados de subjetividade. Neste sentido a obra de nosso mestre maior, Oscar Niemeyer, é absolutamente exemplar.

Mas bastou o discurso funcional/racionalista entrar em crise nos anos 60 para o processo inteiro revelar suas contradições. Podemos perceber que os que discursavam sobre a arquitetura estavam até muito mais entusiasmados com a idéia funcional-racionalista pelo suporte pseudo-científico que esta narrativa emprestava à arquitetura enquanto os que faziam arquitetura continuavam a exercitar suas liberdades criativas nas brechas (e sob as barbas) deste mesmo discurso funcional-racionalista.

Posteriormente o descontentamento com um número enorme de edificações do pós-guerra que escondiam sua mediocridade atrás deste mesmo discurso funcional/racionalista levou os arquitetos de destaque a, num primeiro momento, rever este discurso enfatizando a necessidade de incremento do potencial expressivo/significativo gerando as idéias tardo-modernas de Louis Kahn, Team X, estruturalismo holandês, Kenzo Tange e de novo Oscar Niemeyer que podia enfim celebrar sua exuberância formal sem precisar justificar que a curva sensual era o menor caminho entre dois pilares. Nikolaus Pevsner, em 1961, já percebia a Pampulha como uma das rupturas fundamentais entre o discurso e a prática modernista.

O que se percebe no caso brasileiro (tanto nas escolas quanto nos escritórios) a partir dos anos 70 é o abandono gradual e por fim total de qualquer organização disciplinar, restando apenas o mito da criatividade e a idéia nociva de que em arquitetura “vale tudo”. Eu mesmo nunca vou me esquecer de um professor que no final dos anos 80 me deu um 100 em projeto mas não me ensinou nada, repetindo ad nauseum que meu projeto era bacana e que só de olhar meus desenhos ele já sabia que tudo “batia legal”. Pergunto-me quantos desses ainda não existem por aí enquanto na Argentina e no Chile é muito comum ser reprovado em bancas de projeto.

Neste ponto de crise ou inflexão algumas respostas parecem surgir para nortear o debate ou a possível busca de soluções. Um livro publicado em 2001 pelos professores Norte-americanos Julia Robinson e Andrew Piotrowski chamado, não coincidentemente The Discipline of Architecture, levanta várias questões pertinentes à autonomia da disciplina da arquitetura. Logo na introdução os editores destacam que o aumento exponencial da interdisciplinariedade ocorrido a partir das últimas 3 décadas do século XX, a ponto de se tornar a vedete do pensamento contemporâneo, exige uma melhor definição da arquitetura como disciplina, para justamente poder se colocar frente a esta interdisciplinariedade.3

Em outro texto interessante desta coletânea, Thomas Fisher (diretor da escola de arquitetura de Minessota e ex-editor da saudosa Progressive Architecture) chama atenção justamente para a arquitetura como uma profissão que vem sendo ameaçada pela diminuição de seu papel social. Como possíveis saídas desta crise, Fisher coloca, além da óbvia urgência de enfatizar o papel social da arquitetura (1), a necessidade de constituir a base do conhecimento da disciplina (2), de articular os valores e as habilidades específicas (3) e de incentivar a participação de um grupo mais diverso de pessoas (4).

Dentre estas quatro recomendações principais, escolho a segunda e a terceira como objeto de análise. Refletindo sobre a base do conhecimento da arquitetura, percebo que se por um lado a disciplina da arquitetura toma emprestado de outras áreas do conhecimento seus paradigmas e suas metodologias, por outro lado adia indefinidamente a formação de um corpo central de teorias e métodos, ficando apenas com o corpo periférico de teorias auxiliares e seus resultados quase sempre frustrantes. Aqui sou eu quem toma emprestado de Imre Lakatos suas idéias sobre a substituição de paradigmas na construção do conhecimento4. Segundo este autor, seriam por demais simplificadas tanto a idéia de Karl Popper segundo o qual as teorias seriam descartadas assim que surgissem fatos que desafiassem suas premissas, como também a idéia de Thomas Kuhn segundo o qual este processo se daria em grandes blocos de revoluções da ciência. Lakatos tenta demonstrar que na verdade os proponentes ou defensores de uma teoria qualquer estabelecem com o passar do tempo um cinturão protetor (protective belt) de paradigmas secundários em torno do cerne da teoria e seus paradigmas principais. Desta maneira cada vez que um fato novo põe em xeque tal teoria os paradigmas secundários seriam atingidos podendo ser descartados ou modificados mas protegendo a razão de ser principal da formulação teórica em questão.

Minha proposta para discussão é que no Brasil em particular operaríamos de forma muito parecida com a metáfora de Lakatos, com o instrumental da disciplina no papel de núcleo central e os discursos explicativos e/ou as interações com outros campos do conhecimento fazendo o papel de cinturão protetor. Toda vez que a arquitetura é atacada ou se mostra em crise, trocamos de discurso (de funcionalista para estruturalista para metabolista para contextualista para deconstrutivista) e tentamos assim preservar, na melhor das hipóteses, os procedimentos de um fazer arquitetônico que na verdade já chega perto dos 85 anos tendo sido reformulado pela última vez na Bauhaus em 1919. Danilo Matoso5 demonstra que essa variação estilística esconde na verdade um processo de projeto esvaziado e basicamente irresponsável.

Quando comparo o que escuto de colegas argentinos ou chilenos com o discurso comum das escolas brasileiras vejo que os vizinhos estão sempre muito preocupados com o cerne do conhecimento arquitetônico: a materialidade, investigações tectônicas, a transformação de idéias em espaços. Tudo isso reforçado pelo rigor de um desenho organizado e disciplinado. É importante notar que a base de comparação é injusta uma vez que os estrangeiros convidados a participar de bancas aqui em Michigan onde ensino são profissionais já consagrados enquanto que minha experiência brasileira passa por todo tipo de escola e colegas dos mais variados graus de preparo e/ou talento. Mas importa deixar claro a todos os alunos brasileiros que a genialidade de um croqui só se transforma em genialidade espacial depois de intensamente trabalhada pelo desenho e pelo entendimento da materialidade, e que programas de visualização digital não substituem o conhecimento técnico da tecnologia da construção.

A necessidade paradoxal de conciliar uma base científica (que deveria fazer o papel de objetividade) com uma ação criativa (que deveria ser a porção subjetiva), me parece ser a questão central, o questionamento permanente deste núcleo duro de teorias, métodos e valores, que atenderia ao desejo de uma cientificidade (ainda que parcial), deixando os arquitetos livres para interpretarem criativa e subjetivamente cada problema diante deles colocado. É isso que vejo de forma mais equilibrada nas melhores escolas de arquitetura.

Voltando ao problema pelas palavras de Donald Schon,

se damos prioridade às regras, fica difícil explicar como acontecem as novas idéias. Se damos prioridade à intuição, às percepções e aos julgamentos subjetivos, fica difícil explicar como projetistas constróem repertórios de conhecimentos largamente utilizáveis. Projeto arquitetônico seria então uma prática híbrida em que a solução de problemas necessária para a construção de edifícios funcionais se sobrepõe e interage com o desenvolvimento de obras de arte arquitetônicas.6

Eu não tenho dúvidas de que a dedicação e o rigor projetual ensinado nas escolas argentinas e chilenas fazem toda a diferença, propiciando uma prática arquitetônica mais consciente, edifícios mais elaborados e uma cultura arquitetônica mais sólida.

Em resumo o que percebo é a necessidade de se investir antes na autonomia da arquitetura como prática e campo do conhecimento, disciplinando-a, e disciplinando a nós mesmos. Só uma disciplina forte pode contribuir para a tão celebrada interdisciplinaridade. E só um processo de projeto disciplinado e consciente de seus detalhes, custos e pertinência de soluções pode gerar uma arquitetura melhor, independente de clientes iluminados ou orçamentos generosos.


notas

1 MACEDO, 2009.

2 COMAS, 1986.

3 PIOTROWSKI & ROBINSON, 2001

4 LAKATOS, 1978

5 MACEDO, 2009.

6 SCHON, 1988.

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Fernando Luiz Lara
Arquiteto pela UFMG e PhD em arquitetura pela University of Michigan, onde é atualmente professor de projeto e teoria do projeto.  Entre diversos artigos em revistas e periódicos especializados destacam-se os livros Projetar – desafios e consquistas da pesquisa e do ensino de projeto, Rio de Janeiro: EVC, 2003 (co-editado por Sonia Marques) e The Rise of Popular Modernist Architecture in Brazil, Gainesville: University of Florida Press, 2008. Fernando Lara também mantém ativa sua prática de arquitetura através do Studio Toró (www.studiotoro.org) e sua crítica semanal no blog parede de meia (www.parededemeia.blogspot.com).

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Considerações sobre o ofício da arquitetura no Brasil

Pia Batismal na Capela de Santana do Pé-do-Morro - Ouro Branco (Éolo Maia,1980)

Danilo Matoso Macedo


[1]

Para que a nossa arquitetura tenha seu cunho original, como o tem as nossas máquinas, o arquiteto moderno deve não somente deixar de copiar os velhos estilos, como também deixar de pensar no estilo. O caráter da nossa arquitetura, como das outras artes, não pode ser propriamente em estilo para nós, os contemporâneos, mas sim para as gerações que nos sucederão. A nossa arquitetura deve ser apenas racional, deve basear-se apenas na lógica e esta lógica devemos opô-la aos que estão procurando por força imitar na construção algum estilo.

Gregori Warchavchik[2]

a ilusão da arquitetura sem estilo

Pode-se dizer que há cem anos almejou-se pôr fim à relação de dependência que a arquitetura tinha para com os estilos artísticos e para com os sistemas simbólicos deles derivados. Dentre todas as tentativas daqueles grupos mais ou menos articulados no ocidente talvez nenhuma tenha fracassado tão retumbantemente quanto esta, enunciada em praticamente todos os manifestos de então considerados modernos. De fato, não apenas persistiram os estilos históricos, como outros estilos foram criados a despeito e, sobretudo, a partir da prática daqueles arquitetos. Em que pese a queixa de Anatole Kopp,[3] a Arquitetura Moderna nunca deixou de tratar dos estilos: ao contrário, reforçou neles o foco do discurso arquitetônico.

Mais que criar um novo estilo, no Brasil, o discurso moderno esteve fortemente ligado à legitimidade da prática profissional – “no nosso caso, da década de quarenta em diante – Arquitetura é Arquitetura Moderna. Se não é Arquitetura Moderna não é Arquitetura, tout court.”[4] Não bastasse a hegemonia do estilo moderno no Brasil, seu questionamento, a partir da década de 1960, exacerbou justamente os aspectos relacionados às feições externas das construções. Parecia não haver escapatória: a prática de Arquitetura Moderna ou Pós-moderna era simplesmente uma questão de estilo.

Grande Hotel Araxá (Luiz Signorelli, 1936), Fonte Andrade Júnior (Francisco Bolonha, 1945), Paisagismo de Roberto Burle-Marx

Grande Hotel Araxá (Luiz Signorelli, 1936), Fonte Andrade Júnior (Francisco Bolonha, 1945), Paisagismo de Roberto Burle-Marx. Foto: Danilo Matoso

Até hoje, as publicações de arquitetura concentram-se neste aspecto. E defendem-no os arquitetos com unhas e dentes em encarniçadas disputas intelectuais – nos seminários acadêmicos – e profissionais – nos concursos de arquitetura. Discute-se, nas obras, o minimalismo, o modernismo, o pós-modernismo e qualquer novo “ismo” que vier a surgir – quanto maior a aproximação entre réplica e protótipo estilístico, melhor. Este argumento pode ser facilmente verificado em qualquer revista de arquitetura com mais de vinte anos de idade: veremos a sucessão do historicismo, do deconstrutivismo, do minimalismo, culminando hoje no pseudo-futurismo[5], no neo-modernismo holandês[6] – ainda carentes de denominação. Sabe-se, certamente, que não se verá hoje uma casa de Michael Graves na revista espanhola AV: o estilo pós-moderno saiu de moda.

Sabemos, entretanto, que a construção envolve mais que estilo. Envolve todas as questões de que se ouve falar desde o primeiro ano no curso de arquitetura, mas que são relegadas a segundo plano ao longo da carreira profissional pela maioria de nós: custo, processo de contratação do arquiteto, dos demais projetistas e do construtor, tempo de obra, técnicas construtivas, compatibilidade e durabilidade dos materiais etc.

No campo da construção, a arquitetura é demandada sobretudo quanto à integridade e durabilidade dos objetos propostos. A integridade, em oposição à tendência dos materiais à desagregação, é um dos bodes expiatórios das vanguardas do século XX. A luta das vanguardas contra a integridade tradicional dos edifícios – associada aos historicismos – culminou na paradoxal associação, recentemente promovida no métier, entre falta de integridade e boa arquitetura[7]. Arquitetura envolve ainda durabilidade. E durabilidade nos exige pensar além da última moda, além dos estilos passageiros, afinal o edifício vai durar mais que eles. A durabilidade contém, em si, dois outros importantes fatores derivados: a economia de recursos para reforma e manutenção, e a adaptabilidade do edifício a diversos usos.[8] São critérios objetivos de concepção e análise de projeto que raramente vêm à tona no discurso arquitetônico, e aos quais, ao fim e ao cabo, todo estilo presta contas.

Não há dúvidas de que, não apenas a arquitetura ainda é pensada em termos de estilo, como também esta é a discussão majoritária em nosso campo. É a discussão de estilo que subjetiviza todo e qualquer juízo de valor acerca de uma obra. E, se por um lado ela tem gerado a exaltação de profissionais e edificações de mérito duvidoso, por outro lado é o que assegura ao campo arquitetônico sua reserva de mercado. O estilo está no cerne do capital simbólico[9] que acaba por resguardar o lugar social dos profissionais. Pode-se facilmente constatar este fato na arrogância de qualquer estudante de arquitetura de primeiro ano, que acredita serem aqueles dois semestres de estudo, no campo da história da arte, suficientes para garantir-lhe competência e capacidade de discernimento superiores aos de qualquer engenheiro com cinqüenta anos de ofício. No Brasil, entretanto, os efeitos desta exclusão sistemática dos demais temas são mais perversos.

rebeldes sem causa

Ocorre que, na Europa, Estados Unidos, Canadá, e mesmo no Chile, Argentina ou Uruguai[10], a arquitetura é profissão bastante regulamentada – e as cidades são melhor construídas, diga-se de passagem. A regulamentação significa, principalmente, que naqueles países a prática de arquitetura segue diversos padrões normativos expressos tanto na legislação quanto nas normas técnicas elaboradas pela própria corporação. Significa ainda que um arquiteto com trinta anos de experiência não possui a mesma habilitação profissional que um recém-formado, coisa que ocorre no Brasil – onde ambos estão habilitados legalmente a assinar o projeto de um aeroporto internacional. Aqui, ao ouvir falar de normas, alguns colegas gabam-se de desconhecê-las. Afinal, um artista não conhece normas: tem coisas mais importantes de que se ocupar – como a feição minimalista, colonial, deconstrutivista ou holandesa de seu projeto. Se nos países mencionados o arquiteto orgulha-se de assumir para si a responsabilidade do projeto – e por isso cerca-se das normas, das leis e dos seguros profissionais -, no Brasil os arquitetos orgulham-se em não assumir responsabilidade alguma. Não nos responsabilizamos pela construção nem pela eficiência, pela integridade ou durabilidade do artefato entregue e, consequentemente, negligenciamos as gerações do futuro obrigadas, enfim, a lidar com palácios de papel e com as cidades caóticas que legamos.

As normas – a própria base do Estado Democrático de Direito, o cerne do contrato social -, que permitiriam uma convenção profissional: são elas as grandes negligenciadas pela arquitetura nacional.[11] Conta-se nos dedos das mãos as normas da ABNT diretamente ligadas à arquitetura.[12] Basta dizer que até hoje não possuímos sequer uma norma de Projeto Executivo e compatibilização de projetos, e que o grande manual de medidas e padrões usado em escritórios brasileiros – o Neufert [13]–  foi feito na Alemanha há mais de sessenta anos.

Alojamentos da UnB feitos usando sistema padronizado de construção (Sérgio Rodrigues, 1962)

Alojamentos da UnB feitos usando sistema padronizado de construção (Sérgio Rodrigues, 1962). Foto - Danilo Matoso

No Brasil não há padronização de materiais, de medidas, de metodologia de projeto ou de sistemas construtivos. Não há padrões organizacionais para os escritórios de arquitetura, improvisados em ateliês semi-domésticos, e não há padrões sérios de contratação de serviços de arquitetura – onde os próprios arquitetos trabalham ilegalmente. Os parâmetros de desempenho técnico restringem-se aos mirrados códigos de edificações – a maioria elaborada por engenheiros há pouco menos de cem anos – determinando cones de iluminação, tamanho mínimo de aberturas e de cômodos. Há poucos e louváveis estudos objetivos em nosso país sobre o custo das decisões arquitetônicas[14] . Os aspectos estéticos, formais, simbólicos e sobretudo estilísticos dos edifícios são, entretanto, pisados e repisados em publicações, seminários, bienais, e nos cursos de pós-graduação.

Evidentemente, a prevalência deste tipo de abordagem estilística em nosso meio deve-se às vantagens simbólicas de dominar este tipo de discurso – mesmo que apenas intuídas por alguns dos nossos inadvertidos colegas. Quanto mais mágica e inexplicavelmente irracional uma decisão de projeto se torna, maior a fatia do mercado reservada pelo seu hermetismo.

Há, entretanto, um mercado restrito para esta prática, na qual a simples presença do arquiteto torna um objeto magicamente significativo: é o mercado das pessoas de poder e gosto[15]. A consequência deste afunilamento é a restrição das demandas deste grupo àqueles que, originalmente, já pertencem a ele: os próprios arquitetos de poder e gosto. Que fique claro: a arquitetura no Brasil – e na maior parte do mundo – é atividade reservada aos provenientes de famílias ricas, poderosas ou tradicionais – não necessariamente nesta ordem. E, evidentemente, há exceções que confirmam a regra. Um breve estudo da biografia de nossos ídolos maiores – os arquitetos da chamada Escola Carioca[16], mostrará que, mesmo em se tratando de comunistas, alguns são mais iguais que outros.

É de se suspeitar que, no cerne de nossa alma colonizada, aqueles que detêm maior poder e gosto são os estrangeiros – preferivelmente os europeus. Daí o modo acrítico com que abrimos avidamente as revistas e livros de nossos colegas do hemisfério norte. Daí o modo submisso com que dedicamos nossas pesquisas às dores e penas que afligem os arquitetos norte-americanos ou ingleses, deixando praticamente desconhecidos e abandonados os arquitetos e edifícios que fizeram e fazem as cidades brasileiras.

Os arquitetos europeus e norte-americanos preocupam-se com estilo, hoje, por não haver assunto melhor de que tratar: a profissão em seus países está reconhecida e normatizada, a indústria oferece diversos novos materiais com garantia de execução; as cidades possuem infra-estrutura urbana, transporte e teto para todos. Para um arquiteto americano, submeter-se às normas e convenções é condição para o exercício profissional, e a fuga das normas é um saudável exercício de invenção e rebeldia. E, ao copiar-lhe a atitude, o arquiteto brasileiro torna-se apenas um rebel without a cause…

construindo barato

Mas não apenas o processo de produção é diferente. Os objetos, aqui e lá, também são diversos entre si. A inclemência de seus invernos levou os europeus e norte-americanos a construir paredes e janelas que são verdadeiras máquinas de isolamento entre ambientes interno e externo. São máquinas cujo desempenho depende da qualidade dos acabamentos, das soluções de encaixe etc. E se uma máquina falha, a responsabilidade pelos danos causados é do arquiteto. Aqueles que já tiveram contato com a prática de arquitetura nos Estados Unidos, por exemplo, sabem do valor que o profissional prancheteiro norte-americano dá a uma wall-section: o âmago de sua solução e de sua profissão. Por isso, o processo construtivo nesses países é substancialmente mais caro e elaborado que no Brasil. Em nosso país, o clima ameno permite soluções construtivas simples, pouco estanques e pouco elaboradas. Nos trópicos, para usar a figura lembrada por Angelo Bucci em suas palestras: se alguém dormir na praça, não morre de frio. Faz sentido, portanto, sermos menos criteriosos quanto às vedações, quanto aos acabamentos, e quanto à performance dos materiais no que tange ao isolamento e à resistência às intempéries mais brandas[17]. Não se justifica, entretanto, o desleixo com que tratamos a qualidade construtiva em nosso país.

São valores diametralmente distintos, os deles e os nossos, que não deveriam ser confundidos e misturados, como o são diariamente. São profissionais diferentes em sua inserção social, que produzem objetos diferentes para sociedades e lugares diferentes.

Camadas constituintes das paredes externas da Fundação Iberê Camargo - Porto Alegre (Álvaro Siza, 1998)

Camadas constituintes das paredes externas da Fundação Iberê Camargo - Porto Alegre (Álvaro Siza, 1998). Foto: Danilo Matoso

Dois exemplos recentes ilustram bem o exposto: a Cidade da Música, no Rio de Janeiro – projeto do francês Christian de Portzamparc e a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre – projeto do português Álvaro Siza. Ambas foram construídas quase inteiramente com concreto – a segunda, com concreto branco (ou seja: com cimento, areia e brita brancos e com aço galvanizado nas armaduras). Os peitoris desta foram feitos de mármore branco grego com espessura de cinco centímetros. Todo o interior do edifício foi revestido com  estrutura metálica e coberto com painéis de gesso acartonado, dentro dos quais corre uma serpentina que auxilia no controle de temperatura. Evidentemente, o resultado é impressionante. Como também o é o da análoga Cidade da Música (construída por dez vezes o custo normal do metro quadrado vigente no país). Nem a Oscar Niemeyer ou a Paulo Mendes da Rocha – nossos dois Pritzker – teria sido dada tamanha liberdade orçamentária. É claro: o maior capital simbólico, para nós, ainda é o dos estrangeiros.

Casa de Cora Coralina na cidade de Goiás Velho (século XVIII).

Casa de Cora Coralina na cidade de Goiás Velho (século XVIII). Foto - Danilo Matoso

Nossa boca está torta pelo cachimbo da pobreza e – mesmo sendo um país rico – somente sabemos projetar e construir mal. Nossos prédios necessitam de reformas significativas com menos de dez anos de vida: os revestimentos de fachadas despencam, a impermeabilização invariavelmente vaza, as portas e janelas emperram, as telhas voam com o vento… É possível, porém, atribuir qualidade construtiva a objetos de pouco valor diretamente agregado. Foi esta a façanha da arquitetura urbana do Brasil colonial, por exemplo, que inspirou os melhores dos nossos modernos. Não seria possível, portanto, uma arquitetura de qualidade pensada segundo nossos próprios parâmetros construtivos?

Se os exemplos em apreço nos ensinam algo, é que carece totalmente de sentido acreditarmos realmente que o que se publica em revistas internacionais – e consequentemente em revistas nacionais – pode ser transposto diretamente para nossa realidade. Repetimos: são problemas diferentes de profissionais diferentes, em profissões diferentes, num contexto material o mais diverso possível.

campo profissional e sociedade

O ciclo do auto-engano tem início cedo. Normalmente, o estudante de arquitetura médio já entra na faculdade acreditando que, se tiver a chance, será o novo Niemeyer: que será capaz de comover a todos com seu talento e com a força de sua arquitetura, e que construirá os monumentos de sua geração – a questão de estilo é também uma questão de ética pessoal[18]. Em seguida vem a primeira doutrinação: o estudo de história da arte como base para a história da arquitetura. Esta última, evidentemente, ensinada como história dos estilos. A missão do jovem arquiteto? Descobrir o estilo verdadeiro correspondente à sua época [19]. Via de regra, tal é a meta de nossos colegas. Daí a sede pelo original, pelo novo – com a vantagem de ser menos trabalhoso que buscar seu próprio zeitgeist estudando história e proporções clássicas (mérito e esforço de alguns arquitetos das décadas de 1970 e 1980).

Não mencionamos nossas escolas e estudantes ao acaso. A diferenciação mítica entre inventor e construtor

tem origem justamente no surgimento do ensino institucional, como preconizado na Academie Royale d’Architecture, criada por Colbert em 1671. Voltado para a formação dos architectes du roi – aqueles indivíduos encarregados do projeto e execução das obras públicas do reino de Luís 14 – e eivado por uma doutrina neoplatônica, esse ensino iria contribuir para a dissimulação da importância dos aspectos práticos da construção, enfatizando mais o caráter estético e formal das obras de arquitetura, deixando implícita sua concepção da profissão.[20]

Da chegada da Missão Francesa ao Brasil, e com ela a concepção da Arquitetura Brasileira como exercício de estilo, já se passaram quase dois séculos. E até hoje a poucos ocorre que a questão aqui é anterior. Não percebemos que, antes de nos preocuparmos com estilo, deveríamos preocupar-nos com atender à sociedade a que pertencemos. Em lugar de acotovelarmo-nos tentando construir uns poucos monumentos, edifícios comerciais e casas de elite, deveríamos tentar padronizar e simplificar métodos de projeto e construção, de modo objetivo e duradouro. Profissionais carentes de capital simbólico internacional – a maioria de nós – teriam assim instrumental técnico para atender às comunidades de classe média e classe baixa – a que muitos pertencemos. São as regras, as normas simples, da boa técnica de projetar e construir que servem às demandas dessas pessoas.

Já apontamos, em outro texto[21], que basta um passeio pelo Google Earth para constatar que no mínimo 70% de nossas cidades foram construídas na ilegalidade, sem assistência técnica alguma de engenheiro ou arquiteto. A estatística que intuímos foi confirmada em reportagem veiculada recentemente na televisão sobre materiais de construção[22], mostrando que “23% dos produtos vão para grandes obras e 77% para as pequenas construções e reformas”. As grandes obras, não devem ser confundidas com os Grands Travaux: são simplesmente aquelas obras feitas por construtoras que contratam arquitetos, e para quem estes aprendem a trabalhar, como veremos adiante.

Aquele cliente médio, responsável pela construção efetiva de nossas cidades, nos propõe um desafio muito simples: ajudá-lo a planejar e a construir sua edificação. Para tanto, o profissional adequado é aquele que projeta, orça a obra e, preferivelmente, constrói a edificação. Aquele que se limita ao desenho arquitetônico força o cliente a contratar mais mão-de-obra, a resolver mais problemas – normalmente inventados por ele mesmo – e a consumir mais recursos. De fato, a legislação brasileira[23] permite ao arquiteto realizar o cálculo estrutural e os demais projetos complementares da maioria absoluta das tipologias edilícias que constituem nossas cidades. E poderíamos fazê-lo: realmente poderíamos assumir para nós essa responsabilidade. Deparamo-nos, entretanto, com dois problemas bastante difíceis de contornar.

O primeiro é nossa formação deficiente e nossa simples desqualificação para projetar e construir a íntegra de uma edificação – embora tenhamos habilitação legal para fazê-lo: as matérias ditas técnicas estão sendo gradualmente extintas dos cursos de arquitetura; as cadeiras de projeto, por sua vez, deveriam chamar-se cadeiras de anteprojeto, pois não costumam ir além dessa fase de desenvolvimento que – todo arquiteto sabe – não ocupa mais que 5% do trabalho e esforço destinado à elaboração de um projeto completo de uma edificação. As cadeiras de anteprojeto – adotemos a pecha – ensinam o arquiteto a enganar-se a si mesmo e a acreditar realmente que aqueles valores estilísticos ali elencados são relevantes para a cidade e a população. Afinal, enganando a si mesmo fica mais fácil enganar aos demais – é o capital corporificado[24] que auxilia na construção da idéia de magia e intangibilidade nos valores da profissão. Acresce que, mesmo quando aprendem a desenvolver projetos e detalhá-los, os estudantes são treinados para projetar dentro de um sistema produtivo relacionado a grandes edifícios – onde o arquiteto é responsável apenas pelo projeto arquitetônico, deixando as instalações, a estrutura e, é claro, a construção, a cargo de terceiros. Quando este sistema é transposto do mundo acadêmico para a realidade do jovem arquiteto, há um conflito. O Brasil é carente de um sistema coeso de grandes escritórios – supostamente, os que são encarregados das grandes obras – onde aquele conhecimento restrito e segmentado é útil. A regra, portanto, é que o jovem arquiteto abra seu próprio escritório com outros colegas, onde se dedicará a pequenos projetos residenciais e de reformas – os 77%. Carente de instrução, o arquiteto aplicará os métodos de projeto descentralizados que aprendeu – envolvendo vários profissionais – a objetos pequenos, levando ao cliente a necessidade de contratar engenheiros para realizar o trabalho que poderia ser executado integralmente, com mais economia, celeridade e competência, pelo próprio arquiteto. De fato, há aqui um conflito entre o sistema de crenças que norteia e legitima a atuação profissional do arquiteto e a prática cotidiana de trabalho, determinada pelas condições de mercado.[25]

O segundo problema, relacionado ao primeiro, diz respeito justamente ao lugar social do construtor – hoje inferior ao do artista/projetista. Afinal, a maioria de nós, senão todos, gostaria de atingir o mais elevado status social possível. Portanto, não seria um bom conselho ao arquiteto médio de hoje incentivá-lo ao domínio total do processo de produção das edificações. Certamente, é mais atraente a ilusão de que se trabalha com invenções, em lugar das convenções implicadas por uma prática padronizada.[26] Ilusão porque não há nada mais convencional que os processos culturais de inovação e de modas. Arquitetos fora destas convenções da invenção, por assim dizer, – todas ligadas ao estilo – não conseguem publicar projetos nem vencer concursos. É impossível hoje em dia publicar, em revistas como a AU ou a Projeto, uma residência neocolonial – por exemplo. Já nas revistas que a população compra, a história é bastante diferente, todos sabemos.

pensamento, técnica e conhecimento arquitetônico

Costuma-se objetar a nosso ponto de vista qualificando-o de tecnicista, ou de burocrático. Argumenta-se que, com tantas regras e normas, não se ensinaria os alunos a pensar. É evidente que o conceito de pensamento desses críticos é bastante restrito. Acreditam eles, realmente, que a reflexão só tem lugar na forma de texto e no seio da escrita filosófica. Todo aquele com alguma experiência de projeto e construção sabe das dificuldades conceituais que envolvem o dia-a-dia do ofício, das centenas de pequenas e grandes decisões que devemos tomar para desenvolver uma construção. São as pesquisas materiais e as reflexões sobre as aptidões entre elas que permitem ao arquiteto conciliar num mesmo lugar vários componentes, e transformá-los em espaço construído. Não há porque qualificá-las num patamar inferior ao agrupamento de palavras para escrever um artigo teórico. São, por exemplo, questões de compatibilização entre dimensões, de afinidade entre materiais, de sua resistência, do encaixe de uma esquadria para que a água não escorra para dentro do edifício, de uma simples e corriqueira solução de sanitários públicos que não cause constrangimento aos usuários. Tudo isso é matéria passível de construção cultural, de teorização, aprofundamento, e normalização – como se faria com a prática em qualquer outra profissão.

Mas para o arquiteto só existem a história dos estilos e as teorias que as legitimam. Aqueles temas “pragmáticos” são comumente relegados a segundo plano em pesquisas acadêmicas e mesmo nas publicações especializadas em projeto, onde habitam em suplementos técnicos – impressos em papel-jornal – e junto à publicidade de materiais.

E mesmo dentro da história dos estilos, é notável a incompetência de nosso campo para construir uma historiografia real e objetiva de nossas próprias cidades. Conforme já apontamos, os arquitetos e obras nacionais são solenemente ignorados na maioria das pesquisas de fundo histórico. Estas subordinam toda a nossa evolução a movimentos e estilos estrangeiros, sem tomar conhecimento de sua realidade mais próxima. A pouca história da arquitetura do século XX que construímos, por exemplo, insiste em que os estilos neocolonial, e Art-Déco foram preparações para o moderno (falam até em proto-moderno), e que já se extinguiram, segundo a ordem natural das coisas. Um passeio por qualquer bairro de classe alta prova que os estilos históricos continuam bem requisitados e construídos – em casas e edifícios inteiros residenciais. Entretanto, carentes de historiografia oficial e de análise crítica[27], cada vez mais decaem em qualidade construtiva e conceitual. Aquele que optar pelo uso de um capitel, por exemplo, deverá adquirir pré-fabricados de gesso totalmente desvinculados dos modelos originais e carentes de integridade material. Evidentemente: usar capitel hoje em dia não é tarefa para arquiteto. O arquiteto, esse sim, fará um tremendo esforço para executar um rodapé embutido, um pano de vidro – para depois recobri-lo com brises -, uma parede fora do esquadro ou qualquer outro elemento dos estilos moderno ou deconstrutivista. “Era a solução natural que a técnica sugeria…” – ressoa o conhecido mantra

Não queremos, com isso, atacar nossa arquitetura moderna ou diminuir suas conquistas. Ao contrário: sugerimos aqui que a produção arquitetônica de nosso país seja estudada segundo seus próprios valores, construídos sobre sua própria história material. A partir desta abordagem de sentido amplo, a adoção de cada estilo passa a ser simplesmente uma questão de hábito, de ofício, passado de geração em geração. Como bem nos lembra Álvaro Puntoni: não abdicar de uma inteligência construída talvez seja o ponto de partida para o estabelecimento de um possível e desejável denominador comum na Arquitetura Contemporânea Brasileira.[28] Se um arquiteto aprende a projetar e construir bem em determinado estilo, ou modo, é mais produtivo que suas invenções ocorram no seio daquela linguagem. Afinal, fazer experimentalismo com bens alheios é, no mínimo, inconveniente. Convido a todo aquele que suspeitar de alguma mesmice excessiva derivada da hegemonia de alguma escola arquitetônica[29] a visitar um subúrbio metropolitano e constatar que, certamente, a monotonia do que se vê nas revistas não poderá ser encontrada nas ruas – palco natural da pluralidade.

rumo à maioridade

Andaimes para execução de forro durante as obras do Museu da República - Brasilia (Oscar Niemeyer, 1999)

Andaimes para execução de forro durante as obras do Museu da República - Brasilia (Oscar Niemeyer, 1999). Foto: Danilo Matoso

Somos um país com diversidade de pensamento e riqueza suficiente para pôr fim a este complexo de inferioridade colonizado, que nos coloca sempre em condição de dependência conceitual para com os arquitetos estrangeiros.[30] Dentre os muitos legados de Oscar Niemeyer à arquitetura nacional, talvez o mais relevante seja a demonstração de que não devemos e não precisamos nos colocar em condição de inferioridade em relação aos mestres europeus ou norte-americanos. Ao contrário: devemos criar os valores e as condições culturais próprios para reconhecer e apreciar nossos mestres também e, sem xenofobia, aprendermos a dialogar em pé de igualdade com a cultura arquitetônica global. Para isso, antes de tudo, é necessária a produção de conhecimento a partir do que a sociedade espera de nós: que saibamos construir nossas próprias moradas.

Nesse sentido, e a modo de encerramento, convém apontar alguns fatores que podem ser decisivos para uma mudança radical de pensamento pela comunidade de arquitetos – projetistas e pesquisadores.

No campo da prática profissional, as oportunidades que se afiguram são únicas. A nova Lei de Assistência Técnica Gratuita[31] enseja a formação de profissionais com perfil diferenciado, capazes de atender às demandas mais imediatas da população. Por sua vez, a iminente criação do Conselho Federal de Arquitetura, sugere a possibilidade de se estabelecer uma nova e mais extensiva regulamentação das atividades do arquiteto, favorecendo sua qualificação como projetista e construtor plenos, e não apenas projetista de arquitetura. Vem ao encontro disso a explosão de cursos de arquitetura no Brasil, tornando-o “um dos países com maior número de arquitetos registrados“, apresentando “o maior número de escolas de arquitetura do mundo (…) o que significa que a quantidade de arquitetos tende a crescer ainda mais rapidamente.”[32]

No campo da pesquisa acadêmica, as novas demandas do Ministério da Educação quanto à produção dos pesquisadores nas Universidades tem levado a um aumento significativo no número de seminários e publicações. Cabe agora por um fim à repetição do que se diz alhures e à subordinação incondicional de nossa prática à estrangeira: cabe realizar levantamentos de campo, inventários, medições, pesquisa em documentação primária e outras atividades que lidem com a arquitetura a partir de fontes primárias, e não com publicações e textos alheios.

É preciso operar uma mudança nas expectativas que os arquitetos brasileiros têm de seu ofício, voltando-o para o atendimento de sua própria sociedade, e não para a comunidade arquitetônica internacional. Desta, esperam os aplausos. Mas só receberão outros arquitetos – e ávidos por trabalho.


notas

[1] Dedico este texto aos meus colegas de ofício – em todos os sentidos: Alexandre Brasil, André Prado, Bruno Santa Cecília, Carlos Alberto Maciel, Fernando Maculan, Humberto Hermeto e Pedro Morais.

[2] WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da Arquitetura moderna (1925). In BARDI, Pietro Maria. Warchavchik e as origens da arquitetura moderna no Brasil. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo “Assis Chateaubriand”, 1971.  s/n (grifo nosso)

[3] KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. Nobel/Edusp, 1990.  253p.

[4] FICHER. Sylvia. Reflexões sobre o pós-modernismo. MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, n.4, p.5. nov.2007. Entrevista a Danilo Matoso.

[5] Por pseudo-futurismo englobo a arquitetura que tenta criar alegorias aerodinâmicas de uma arquitetura “futura”: projetos do escritório Future Systems, de Zaha Hadid etc.

[6] Mecanoo, MVRDV e, é claro, Rem Koolhaas.

[7] Veja-se as obras de Rem Koolhaas e a maioria dos seus seguidores, como MRVDV. Veja-se ainda o texto:  KAPP. Silke. Contra a integridade. MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, n.2, p.8-10. fev.2006.

[8] Ironicamente hoje em dia o discurso da sustentabilidade em arquitetura poucas vezes passa pela durabilidade, mas sim pelo uso indiscriminado de máquinas de “economia energética” associadas a edifícios feitos com materiais carentes de gravitas e, a rigor, perecíveis – como os revestimentos de alumínio, vidro laminado e madeira: é o greenwash promovido pela arquitetura Echo-tech. Veja-se, a este respeito: SOBREIRA, Fabiano. “Concursos e sustentabilidade: os riscos da onda verde“. In Portal Concursos de Projeto. 16 dez.2008. Disponível em: < www.concursosdeprojeto.org >. Acesso em: 15 jan.2009.

[9] Termo bourdiano conforme desenvolvido, para o campo arquitetônico em STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Traduzido por Lenise Garcia Barbosa. Arquitetura e Urbanismo. Brasília: Unb, 2003. p.76-82

[10] Um bom indicador: na maioria destes países há exame de ordem para se exercer a profissão. No caso Norte-Americano, antes de prestar exame, são obrigatórios dois anos de prática supervisionada em escritório credenciado (Cf. www.aia.org) . O exame de ordem é baseado exclusivamente nos conhecimentos técnicos de projeto e construção. Cf. //www.ncarb.org.

[11] As raízes do descaso brasileiro para com tudo o que diga respeito a normas, regulamentações ou sentimento de coletividade vão além das questões específicas da arquitetura e já foram suficientemente exploradas há tempos em estudos sociológicos como o de Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil: Pouco importa aos nossos colonizadores que seja frouxa e insegura a disciplina fora daquilo em que os fresos podem melhor aproveitar, e imediatamente, aos seus interesses terrenos. Para isso também contribuiria uma aversão congênita a qualquer ordenação impessoal da existência” in HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Edição Comemorativa – 70 anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.  p.112.

[12] Talvez as únicas a regulamentar diretamente o processo de projeto sejam as NBRs 6.492/1994, 13.531/1995 e 13.532/1995.

[13] NEUFERT, Ernst. A arte de projetar em arquitetura: princípios, normas e prescrições sobre construção, instalações, distribuição e programa de necessidades, dimensões de edifícios, locais e utensílios. 5 ed. Barcelona: Gustavo Gili, 1976.  431p.

[14] MASCARÓ, Juan Luis. O custo das decisões arquitetônicas. 3 ed. Porto Alegre: JLM, 2004.  180p.

[15] Cf. STEVENS, O círculo privilegiado. p.105.

[16] Oscar Niemeyer, por exemplo, é neto de ministro da Suprema Corte. Lucio Costa nasceu em Toulon, França. Ambos pertenciam à aristocracia carioca.

[17] Cf. SANTA CECÍLIA, Bruno. “Tectônica moderna e construção nacional“. MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.1, p.6-9. jan.2006.

[18] Nos EEUU, o arquétipo deste personagem heróico chama-se Howard Roark e protagoniza o famoso romance de Ayn Rand: The Fountainhead. A autora conta que o personagem foi baseado na vida de Frank Lloyd Wright.

[19] A respeito dos estilos no ensino de projeto, ver SOBREIRA, Fabiano. “A desconstrução do princípio. Ensaio sobre o ensino do projeto de arquitetura.” Portal Vitruvius – Arquitextos – Texto Especial, no. 147 (Abril 2008). //www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp467.asp.

[20] FICHER, Sylvia. “Mitos e perspectivas: profissão do arquiteto e ensino de arquitetura.” Revista Projeto, São Paulo, n.185, p.79. maio 1995.

[21] MACEDO, Danilo Matoso. “Algumas funções públicas da arquitetura.” MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.2, p.14-21. fev.2006.

[22] Site G1. “Setor de material de construção deve crescer 10% em 2008,” Junho 17, 2008. //g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL604253-9356,00-SETOR+DE+MATERIAL+DE+CONSTRUCAO+DEVE+CRESCER+EM.html.

[23] As atribuições profissionais do Arquiteto são definidas na mesma resolução do CONFEA que a dos engenheiros- Resolução 1.010/2005- ao contrário do que reza o mito popular sobre editícios de três pavimentos e similares.

[24] Cf. STEVENS. O círculo privilegiado, p.77.

[25] In: DURAND, José Carlos Garcia. A profissão de arquiteto: estudo sociológico. Rio de Janeiro: CREA-5a. Região, 1974. p. 3.

[26] Para a oposição entre invenção e convenção, cf. VENTURI, Robert. Complexity and Contradiction in Architecture. New York: Museum of Modern Art; distributed by Doubleday, Garden City, N.Y, 1966. p.41-44.

[27] Cf. PUPPI, Marcelo. Por uma história não moderna da arquitetura brasileira : questões de historiografia. Pandora. Campinas:  Pontes/ Associação dos Amigos da História da Arte/ CPHA/IFCH, 1998. 190p.

[28] PUNTONI, Álvaro. “Pensando em escolas.” MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.2, p.12. Fev.2006.

[29] Crítica comum à chamada Escola Paulista, de casas: Quatro pilares, duas empenas cegas de concreto, átrio interno e pavimentos desnivelados.

[30] Anedotas recentes a respeito de nossa submissão a arquitetos estrangeiros são narradas por José Eduardo Ferolla em FEROLLA, José Eduardo. Globo alisado ou globo azulado. MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo. Jan.2009. Disponível em: <www.28ers.com >. Acesso em 13 jan.2009.

[31] CfAssistência técnica gratuita agora é lei . in MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo.Belo Horizonte/Brasília, Jan.2009. Disponível em: <www.28ers.com >. Acesso em 13 jan.2009.

[32] MACIEL, Carlos Alberto. “Modernidade ainda que tardia.” MDC – Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.1, p. 4-5, jan.2006.

danilo matoso macedo
 Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004).

contato: correio@danilo.28ers.com | www.danilo.28ers.com

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Pr谩tica Profissional &#8211; mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2009/01/02/assistencia-tecnica-gratuita-agora-e-lei/ //28ers.com/2009/01/02/assistencia-tecnica-gratuita-agora-e-lei/#comments Fri, 02 Jan 2009 18:42:16 +0000 //28ers.com/?p=700 Continue lendo ]]> Foi promulgada em dezembro a lei 11.888/2008, que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Na prática, a lei significa a criação de um sistema de financiamento público para a remuneração do trabalho de arquitetos, urbanistas e engenheiros envolvidos no projeto e administração de habitação de baixa renda.

Google Maps
Vila Estrutural – Distrito Federal. Fonte: Google Maps

A lei é fruto de uma iniciativa do arquiteto e então Deputado Federal Clóvis Ilgenfritz juntamente com o IAB-DN em 2001. O presidente do IAB à época – arquiteto Haroldo Pinheiro – explica a mdc que a idéia surgiu na década de 1970, quando um grupo de arquitetos gaúchos – dentre os quais Ilgenfritz e Carlos Maximiliano Fayet – organizou-se em busca de patrocínio para levar a cabo o que então foi batizado de ATME – Assistência Técnica à Moradia Econômica, tendo realizados diversas obras. Em 2006, o também arquiteto e Deputado Federal Zezéu Ribeiro – com o apoio de diversas associações de classe –  iniciou o projeto de lei agora aprovado e promulgado.

A lei prevê diversas maneiras de se realizar a assistência técnica. O serviço poderá ser prestada tanto diretamente por profissionais servidores públicos, como também por integrantes de equipes de ONGs,   profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com atuação na área, e até mesmo por profissionais autônomos ou integrantes de equipes de pessoas jurídicas, previamente credenciados, selecionados e contratados pelos órgãos públicos.

Segundo Haroldo Pinheiro, os recursos federais para a assistência técnica pública deverão ser canalizados através da Caixa Econômica Federal. Os profissionais locais deverão procurar os governos estaduais e prefeituras, que realizarão os convênios e termos de parceria para viabilizar a prestação de serviços.

Trata-se de importante iniciativa que pode alterar radicalmente o perfil profissional da arquitetura e engenharia no país. Cabe agora aos arquitetos e urbanistas agir em organizações e grupos para construir esta nova realidade.

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 A atividade do arquiteto, como a maior parte das atividades humanas, necessita de seus motivos, de suas metas e balizamentos; e estabelecer e validar alguns deles é o que me proponho a fazer aqui, discutindo funções públicas da arquitetura. Peço ao leitor o indulto pela pretensão talvez desmesurada da tentativa de abarcar tema tão amplo em espaço tão reduzido, ficando a ressalva da inevitável necessidade de omissão de assuntos correlatos ?da qual sou consciente.

O espaço edificado constitui, por sua própria natureza, objeto cultural. Seria difícil ao indivíduo construir sem o aporte histórico-cultural de técnicas construtivas. Tratando-se do espaço construído segundo as tecnologias hoje difundidas ?tijolo, madeira aplainada, aço, cimento, areia etc ? o aporte de insumos que somente uma sociedade organizada é capaz de produzir é imprescindível. Portanto, a construção do espaço edificado é, forçosamente, um produto social. Mais que isso: o espaço edificado não apenas é conformado como também conforma a sociedade em que vivemos, pois a História não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social [1].

Esta interdependência forçosa entre espaço construído e sociedade suscita a indagação acerca da natureza de propriedade do primeiro dentro da segunda: quais os limites entre espaço construído público e privado, tratados como bens?

A Economia define a existência de bens públicos como uma falha de mercado onde o Estado deve naturalmente atuar:

Os bens públicos são aqueles cujo consumo/uso é indivisível ou ‘não-rival? Em outras palavras, o seu consumo por parte de um i­ndivíduo ou de um grupo social não prejudica o consumo do mesmo bem pelos demais integrantes da sociedade. Ou seja, todos se beneficiam da produção de bens públicos mesmo que, eventualmente, alguns mais do que outros. São exemplos de bens públicos: bens tangíveis como as ruas ou a iluminação pública; e bens intangíveis como justiça, segurança pública e defesa nacional.
 Outra característica importante é o princípio da ‘não exclusão? no consumo destes bens. De fato, em geral, é difícil ou mesmo impossível, impedir que um determinado indivíduo usufrua de um bem público [2].

Estritamente, esta definição de bem público não define o espaço construído como coisa pública. Ao contrário, os imóveis são os bens privados quase que por antonomásia. Há, entretanto, aspectos do espaço construído que, acredito, são bens públicos ?no sentido econômico. São eles tanto a paisagem da vida social como o registro histórico-cultural da sociedade.

Como paisagem da vida social, temos como construções mais óbvias as ruas, praças, calçadas, parques e outros elementos urbanos: são espaços construídos de domínio público claramente definido. Afinal, pagamos aos nossos municípios impostos investidos em sua construção e manutenção. São os chamados bens de uso comum do povo [3].

Ainda como paisagem da vida social urbana, temos o conjunto de edificações de propriedade pública e privada que compõem as nossas cidades juntamente àqueles bens de uso comum do povo. Tenham sido elas construídas sob a égide de regulamentações urbanísticas ou a sua revelia, as edificações constituem a imagem da cidade, definem seus referenciais, adensam ou esgarçam o tecido urbano e seus fluxos de pessoas e veículos, dentre tantas outras interações de ordem coletiva.

A sobreposição e convivência temporal destes cenários construídos compõem parte da memória das culturas das sociedades, refletind­o, criando e ratificando seus valores como coisas autônomas que estes espaços construídos são. Para as gerações futuras, esse patrimônio é registro de sua própria história pregressa, a ser interpretada de acordo com os valores a elas contemporâneos.

Se estes aspectos essenciais do e­spaço construído emprestam-lhe um caráter e­minentemente público, cabe perguntar do papel desempenhado pela profissão do arquiteto na produção desse espaço. Afinal, se 70% da produção de moradia no País está fora do mercado formal [4], o arquiteto-projetista de edifícios talvez seja responsável por uma parcela quantitativamente pouco significativa do espaço construído da sociedade de nosso país. Convido o leitor a debruçar-se sobre o mapa de qualquer das grandes metrópoles brasileiras, delimitando as áreas e pontos de interesse da cultura arquitetônica local: os edifícios e casas que são publicados em revistas, que estão em nossas exposições, que recebem prêmios de nossos institutos. Mesmo em termos planimétricos, a porcentagem constatada será seguramente bastante inferior aos 30% restantes da estatística acima.

Isso não é novidade. Em 1946, Oscar Niemeyer já dizia que:

(…) se examinamos nossa atividade profissional objetivamente, constatamos que ela se limita exclusivamente à solução do problema arquitetural de edifícios isolados, públicos, ou de casas de burgueses. Em suma: as construções que, logicamente, deverão ser eliminadas de um ‘plano diretor?exato e definitivo que englobe sem distinção a todos os problemas arquiteturais de nossas cidades e de nosso país. [5]

Na verdade, atender somente às elites das sociedades e ao Estado é talvez uma das c­­a-racterísticas primordiais da profissão: a antiga função social do arquiteto era produzir edifícios de poder e gosto para pessoas de poder e gosto [6].

Garry Stevens define este valor de gosto em jogo na dinâmica da profissão como capital s­imbólico. Apoiado no referencial teórico de Pierre Bourdieu, o arquiteto australiano afirma que não estão em foco aqui os objetos produzidos ?as edificações, projetos etc. ?mas a perpetuação de um sistema onde a classe dominante mantém fechado o espaço social e transmite poder e privilégio através das gerações erigindo barreiras simbólicas em torno de si mesma [7]. Para este autor, a sobreposição de paradigmas dentro do campo da arquitetura, historicamente, trata-se apenas do jogo endógeno de substituição de um valor de capital simbólico de uma geração ascendente frente à geração anterior. Sua finalidade essencial m­antém-se a mesma: perpetuar o sistema de divisão de classes através de uma estrutura simbólica de gosto. Os sucessivos movimentos arquitetônicos teriam sempre na essência de seu discurso a negação de valores de uma g­eração em prol dos valores da geração seguinte, legitimando a autonomia do campo ao mesmo tempo em que se cria um novo conjunto de valores simbólicos. Assim, por exemplo,

a história do Movimento Moderno é precisamente a história das tentativas afinal vitoriosas da vanguarda de desvalorizar completamente o capital ‘beaux-arts?em favor do seu próprio capital [8].

Sabemos que, de fato, o desejo (frustrado) de atender diretamente a toda a sociedade, tendo todas as classes por clientes, foi inculcado na cultura arquitetônica pelas vanguardas modernas do início do século XX, a partir da ação do Deutsche Werkbund [9], bem como das vanguardas artístico-revolucionárias russas e sua ampla influência em figuras de proa da arquitetura européia, como Walter Gropius, Mies van der Rohe [10] e Le Corbusier [11].

Mais que substituir os valores simbólicos a­nteriores, os arquitetos modernos tinham diante de si o dever de manter a autonomia do campo arquitetônico. Ou seja: a tarefa de preservar íntegra a prerrogativa exclusiva do arquiteto em produzir edifícios de poder e gosto para pessoas de poder e gosto [12]. Para Stevens,

os modernistas conseguiram evitar qualquer ameaça à sua autonomia intelectual pelo simples expediente de ignorar aqueles para quem afirmavam estar projetando.

São célebres as anedotas acerca das inconveniências tecnológicas da impermeabilização da Villa Savoye (Le Corbusier, 1929) [13], e em como elas foram solenemente ignoradas por seu autor durante um bom tempo. É notório t­ambém como a afluência de um grande n­úmero de turistas-arquitetos tornou impossível o uso privativo das casas Farnsworth (Mies van der Rohe, 1946) e Falling Water (Frank Lloyd Wright, 1936). Ao fim e ao cabo, os a­rquitetos modernos ?tanto quanto os de o­utras gerações ?projetavam para outros a­rquitetos, não para seus clientes e muito menos para o povo. As obras arquitetônicas nesse sentido são instrumentalizadas de modo a viabilizar a ascensão social do arquiteto dentro de seu campo de batalha: o campo arquitetônico.

Não pretendo com esta constatação promover qualquer tipo de ataque à brilhante geração de arquitetos modernos ?dentro do Brasil, talvez os mais relevantes até hoje. Afinal, diferentes gerações usaram de expedientes similares ou até bastante menos nobres para ascender a determinado status cultural. Veja-se, por exemplo, os artifícios de ironia e cinismo ocultando a simples ausência de programa conceitual em diversos setores da crítica arquitetônica desde os anos de 1970 até hoje.

Ao contrário, a autonomia conseguida pelo campo arquitetônico durante o Movimento Moderno hoje é legítima. Afinal,

nenhuma área do campo cultural restrito (tais como a escultura, a poesia, a pintura, a música) está tão amarrada a outros campos sociais e é, portanto, menos autônoma. A tremenda tensão que isso cria no interior da arquitetura manifesta-se em uma variada sintomatologia: a teoria arquitetônica nunca se recuperou da perda das [supostas] certezas do modernismo; os arquitetos preocupam-se com a sua perda de influência na indústria da construção; o sistema educacional parece inadequado; as associações profissionais estão destroçadas e sem rumo. [14]

Feitas estas ressalvas com respeito ao caráter elitista da arquitetura ocidental ?e não apenas brasileira, como afirmou Niemeyer ? perguntamo-nos se o caminho rumo ao estabelecimento de um ethos arquitetônico inclusivo está no sistemático atendimento, pelos arquitetos, das demandas de camadas menos favorecidas de seu povo. Niemeyer nos responde:

Sempre recusei este equívoco, essa idéia medíocre dos que insistem numa arquitetura ‘mais simples, mais ligada ao povo? (…) Para mim, essa idéia da simplicidade arquitetural é pura demagogia, discriminação inaceitável e, às vezes, uma timidez que só a falta de talento pode explicar [15].

Oscar e outros membros do Partido Comunista, como o próprio Vilanova Artigas [16], entrincheiraram-se no marxismo clássico por detrás de uma fé pré-keynesiana na inexorabilidade da revolução proletária com o colapso do capitalismo ?o que explica o teor da passagem anti-assistencialista de Niemeyer acima. Para eles, a revolução não se faz com a arquitetura, mas na luta e na militância política [17]. Ou seja: arquitetura pouco teria a ver com política.

E a resposta da maioria dos arquitetos para este impasse tem sido o dar de ombros. Desde a queda do construtivismo russo no regime de Stalin, e mesmo desde Brasília, ficou bastante claro que a arquitetura per se não mudará a sociedade. E foi o próprio Corbusier quem, paradoxalmente, nos afirmou que a revolução pode ser evitada. As tentativas assistencialistas de construção de modelos de habitação popular em substituição aos tugúrios e favelas têm sempre esbarrado no problema do aspecto plástico massificado, do distanciamento dos centros urbanos, da baixa qualidade dos materiais construtivos, do subdimensionamento dos cômodos, além dos problemas de ordem social gerados pela imposição da solução às comunidades [18].

Mas como dar de ombros para esta exclusão, diante do caráter público inerente à arquitetura exposto no início deste texto? E não é a própria arquitetura de Oscar um poderoso instrumento político habilmente aproveitado por governantes para reforçar a estrutura simbólica do poder ?desde Pampulha até suas últimas obras?

Buscar um ethos inclusivo para a atividade do arquiteto pode ter outro sentido que a ação a­ssistencialista ou a construção de monumentos públicos. O espaço construído, conforme vimos, comunga em sua essência com a sociedade que nele habita. Mas que ethos inclusivo seria este?

As saídas elaboradas pelos arquitetos a partir da década de 1960 estiveram, em sua maioria, ligadas à eliminação da lógica clássica de projeto e construção. Pode-se citar como exemplos as obras de Christopher Alexander [19], primeiro com a tentativa de geração da forma via raciocínio matemático, e depois com a criação de um método baseado em padrões espaciais racionalmente catalogados e selecionados intuitivamente pelo arquiteto a partir de uma integração pessoal com os clientes e com o lugar. O edifício, nesse processo é construído sem projeto. Há ainda a obra de Lucien Kroll, feita de modo participativo com os usuários, permitindo-lhes atuar como designers na etapa de projeto e alterar as obras à vontade após a sua execução. O resultado plástico é de uma aparente desordem “vernacular?[20].

No Brasil, ao menos no campo arquitetônico, talvez a voz mais ouvida tenha sido a de Sérgio Ferro, em seu célebre O canteiro e o desenho. Para Ferro, ao separar a capacidade de pensar a construção da capacidade de fazer a construção, o desenho (entendido como projeto) é instrumento de alienação a serviço do Capital.

Assim, para a obra, o desenho não é representação de um objeto de uso. Representa, ou melhor, impõe sincretismo ao trabalho parcelado que deixa esfarelado para preservar sua missão unificadora [21].

O que estas respostas têm em comum é a negação da ordem vigente para a proposição de outra. Embora Alexander e Kroll tenham pautado suas práticas por estes “sistemas alternativos?ao longo de quarenta anos, eles nunca superaram esta condição marginal, não chegaram a formar uma “escola?baseada em suas práticas. Já Ferro abandonou a arquitetura e passou a dedicar-se à pintura, tendo exercido influência indireta nos movimentos de mutirão dos anos 80, baseados em suas formulações, e liderados por ex-alunos seus [22]. E embora a prática seja efetiva para massas organizadas como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, a premissa de dedicação das horas vagas dos operários à construção diletante de sua própria casa segue sendo um paradoxo [23].

Negando o projeto, o desígnio [24], o instrumento social cuja elaboração está ao alcance de poucos, estes arquitetos abriram a guarda da autonomia de campo da arquitetura. Por abdicar desta característica de distinção social, deixando-a aberta à participação dos usuários, suas propostas naturalmente seriam vistas no máximo como um objeto de curiosidade pela maior parte dos integrantes do campo arquitetônico. Os alunos de elite das escolas de arquitetura – o lugar onde as ondas de renovação tomam corpo ?não abririam mão do capital simbólico que já possuíam.

O relativo fracasso das tentativas de supe-ração do paradigma clássico moderno de autonomia do objeto arquitetônico, como cons-truto íntegro, suscita nossa próxima questão: é possível abrir mão desta função de comando do arquiteto, dessa força designadora, na definição e construção do espaço social?

Voltemos com mais atenção aos aspectos públicos do espaço construído. É neles e no exame de suas relações dialéticas com o homem que estão as chaves do argumento.

O espaço urbano, por onde passam as ruas, parques, praças, como bens de uso comum do povo, definem em sua essência a noção que desenvolvemos de espaço da coletividade. É nessa construção de nosso cotidiano particular que encontramo-nos com nossos vizinhos, que fazemos nossas refeições e compramos nossos bens de consumo.

É na relação de comunicação com os bens de uso comum do povo que as edificações particulares se tornam coisa pública. Ao mesmo tempo, para além dos desejos individuais de seus construtores, os edifícios são destinados a existir por um longo tempo, constituindo forçosamente parte da paisagem de vida de gerações futuras.

Estas duas relações de alteridade para com a vontade particular daqueles que constroem ensejam a responsabilidade do indivíduo para com a coisa pública. Elas, a uma vez, individua­lizam o domínio público e publicizam o domínio privado. A arquitetura, vista sob este ponto de vista, está na construção desta fina membrana entre o espaço fechado e o aberto, entre o momento atual e o seguinte. Como nos lembra Niemeyer, com uma clareza de pensa­mento lapidar:

para nós, o ‘espaço arquitetural?é a própria arquitetura e para realizá-la nele interferimos interna e externamente, integrando-a na paisagem e nos seus interiores, como duas coisas que nascem juntas e harmoniosamente se completam [25].

É a arquitetura portanto tentativa de cons­trução do espaço social, de estabelecimento de diálogo entre as múltiplas vontades individuais e entre tempos diferentes. A compreensão do outro é o que torna o existir possível, o ensimesmado torna sua própria existência uma tarefa árdua [26].

Esta tarefa de compreensão do outro coloca-nos a premissa do estabelecimento de uma linguagem comum. E é na construção da potencialidade do objeto concreto como materialização desse campo de diálogo que reside a labuta daquele que constrói.

O espaço concreto deve ter então uma integri­dade material, uma determinada saúde plástica que o torne identificável e compreensível como instrumento de diálogo. Esta possibilidade de diálogo, per se, abre o campo semântico da obra tornando-a processo político. Não se trata aqui apenas de uma platônica autonomia formal [27].  Trata-se de coerência entre forma e possibilidades materiais do momento e da situação. Sem esta coerência, esta integridade própria da coisa em si [28], a construção fará sentido para menos pessoas.

Assume-se, com isso, que há valores c­oncretos próprios de cada situação, que p­odem ser transferidos para a construção de nosso ambiente. Este, como objeto que tem existência própria, dialoga com a própria sociedade que o criou em cada momento futuro. O grau de efetividade da arquitetura, nesse sentido, estaria diretamente ligado à abrangência de sua universalidade, de sua capacidade de comunicar, de fazer sentido para um número maior de pessoas. É essa capacidade que distingue, por exemplo, uma construção universal como o anexo da National Gallery (I.M. Pei, Washington, 1968).
São inúmeros os esforços teóricos de identificar uma estrutura lingüística comum à arquitetura ocidental: Norberg-Schulz, Charles Moore, Herman Hertzberger e outros assentaram uma sólida fundação nesse sentido. Acredito que a arquitetura de Oscar Niemeyer (na fase de 1957 a 1989), Álvaro Siza, Louis Kahn e I.M. Pei, por exemplo, são exemplos lapidares de síntese a partir desse tipo de princípio atemporal. O caráter clássico desse tipo de arquitetura não vem ao acaso. Como já foi dito, o Movimento Moderno não mudou o habitus elitizante da arquitetura, que a torna nossa atividade propícia à construção de monumentos:

Raro é o edifício não projetado por um arquiteto que represente os valores supremos de uma civilização. Isto tem sido verdade para templos, palácios, bibliotecas e prefeituras na Grécia, em Roma e na Europa do período da Renascença; e, mais recentemente, para museus, universidades, edifícios governamentais e sedes de corporações. O projeto dos grandes edifícios monumentais de projeção é o único domínio da arquitetura, seu mercado natural. Nenhuma outra profissão foi capaz de concorrer efetivamente neste mercado, seja no passado ou seja nos dias de hoje [29].

Entretanto, se há esta cultura ocidental a que todo bom artefato acaba prestando contas, há também, neste artefato, a incorporação de códigos sociais locais aos quais o arquiteto-cidadão local é capaz de atender. Ocorre aí a ruptura entre o campo arquitetônico e o campo social-comunitário em que ele se insere.

Para que o arquiteto construa, no espaço público, a ligação entre o mundo privado e o público; entre o tempo presente e outros tempos; entre cultura local e cultura global, é necessário que ele seja efetivamente parte daquela polis. Mas como isso é possível, num país onde apenas 24,9% da população possui formação mínima de nível médio? [30]

À primeira vista, a proliferação dos cursos de arquitetura no país, aliada a políticas públicas que garantam o acesso de membros de uma maior gama de classes sociais pode representar uma solução. Afinal, ao aumentar-se a diversidade social do elitizado curso de arquitetura, aumenta-se a capilaridade do campo arquitetônico dentro do tecido social, enriquecendo as possibilidades culturais do primeiro e melhorando a qualidade da arquitetura socialmente relevante do segundo.

A verdade, porém, é que mesmo em países onde o nível educacional é alto ocorre o pro­blema da elitização dos bens de capital simbólico, conforme nos atesta Stevens [31]. Surpreendentemente, a quantidade de a­rquitetos formados no mercado não interfere na quantidade de arquitetos de elite que a sociedade consegue suportar. Em estudo de séries históricas, Stevens demonstra que a razão entre a população e o número de arquitetos de elite ?ou gênios – manteve-se aproximadamente constante nos últimos quinhentos anos [32]. Esses arquitetos projetam os monumentos de sua geração.

Ocorre que o campo arquitetônico simplesmente exclui de seus valores simbólicos outras atividades que não projetar monumentos ou, o que é mais recorrente, projetar edifícios de uso cotidiano com a lógica e os valores de monumentos. Mais que isso, o arquiteto que não se dedica ao projeto de edifícios é considerado profissional de segunda categoria. Excluem-se assim aqueles que se especializaram em conforto ambiental, gestão de projetos, gestão pública, planejamento urbano, execução de obras, patrimônio histórico etc. Com o tempo, pelo menos em campos mais estabelecidos como o planejamento urbano e o patrimônio histórico, a recíproca tornou-se também verdadeira com relação aos próprios arquitetos projetistas.

Portanto, criar um ethos inclusivo para a atividade do arquiteto passa por criar um ethos inclusivo dentro do próprio campo arquite­tônico, diversificando-o [33]. É preciso que as escolas de arquitetura, a história e os meios de comunicação especializados passem a tratar da diversidade de possibilidades profissionais do arquiteto não como alternativas de trajetórias de mercado, mas também como estratégias simbolicamente válidas e não-excludentes entre si.

Não proponho, com isso, a desagregação da arquitetura ou sua segmentação em especialidades. Ao contrário: ampliando a gama de quali­ficações simbolicamente relevantes no campo profissional do arquiteto, abre-se o diálogo em condições de igualdade entre c­ampos de saber. Tomemos o exemplo dos meios de comunicação: no quadro de estreitamento de visão atual, raro é o artigo sobre arquitetura nos anais de encontros de urbanismo, e mais rara ainda é a discussão de planejamento urbano em periódicos de arquitetura. A construção do espaço social, com toda a carga de integridade material que ele deve possuir, é o denominador comum a todas as disciplinas ligadas à arquitetura.

Acredito que, em lugar de reduzir a autonomia do campo, esta diversidade disciplinar “humanística?amplia as suas fronteiras. E se, nas escolas de arquitetura, o ateliê de projeto é o local de transmissão do habitus elitista da construção de edifícios [34], que se criem ateliês ligados também às outras atividades. É preciso que se abra ao estudante a possibilidade de reali­zação pessoal e profissional através da arquitetura fora do já saturado campo da produção de objetos de gosto para pessoas de gosto.

Diversificando a matriz do campo a­rquitetônico, ele se tornará naturalmente mais permeável ao diálogo social participativo e não assistencialista. O arquiteto que se sente cidadão ?e não excluído ?no próprio campo arquitetônico terá possibilidades maiores de difundir uma cultura de cidadania no campo social que ele freqüenta. Terá, portanto, maiores possibilidades de criar objetos mais íntegros por dialogarem mais com a sociedade em que se inserem. Serão espaços construídos que promoverão o diálogo entre o bem comum e o bem privado de modo mais efetivo.

É na aceitação da diversidade e no diálogo que exercitamos esta espécie de humanismo lato sensu [35]. Não saberemos criar bons espaços públicos se não soubermos, antes de mais nada, constituir grupos coesos, abertos ao diálogo, dentro de nosso próprio campo. Para isso, é necessário ampliar os canais de comunicação internos, estabelecendo debates próprios da cultura arquitetônica. Rompendo-se o hermetismo dos valores de cada especialidade rumo a valores compartilhados por toda a comunidade arquitetônica, esta tende a aproximar sua linguagem à da sociedade: a arquitetura passa a ser socialmente relevante.

No caso brasileiro, especificamente, é preciso que aprendamos a analisar e extrair valores de nossa realidade mais próxima para criar este sentido de cultura. É necessário romper a estratégia pela qual se tenta afirmação no meio arquitetônico pela novidade conceitual e/ou formal, usando-a para atacar a prática e o pensamento locais. Darcy Ribeiro, em 1978, já nos alertava para este vício comum:

Lamentavelmente, em todos os campos, a maioria dos jovens especialistas se forma ignorando solenemente os esforços de autoconhecimento realizados no Brasil. Exilados espiritualmente em seu próprio país, filiam-se prontamente às escolas de moda no estrangeiro, passando a papaguear sua linguagem, a assumir suas poses, a penar suas angústias e a encarnar suas preocupações. Quando amadurecem como pesquisadores, convertem-se em verdadeiros “cavalos de santo?do sábio francês ou inglês do dia. [36].

Ao longo dos últimos quarenta anos, a crítica incondicional da geração atual vem destruindo as tentativas de formação cultural feitas pelas gerações anteriores, num círculo vicioso estéril.

Tome-se como exemplo a recente retomada dos valores da Arquitetura Moderna Brasileira. Se, por um lado, esta pesquisa parte do saudável preceito de entender os valores de nossa sociedade, por outro lado é preciso que não se percam as conquistas e descobertas das gerações das décadas de 1980 e 1990: o estudo dos valores clássicos e atemporais da arquitetura, a criação da noção de significado arquitetônico, a preocupação ambiental premente, dentre tantos avanços.

É preciso criar uma polis arquitetônica, definindo uma arquitetura lato sensu sem perder de vista os valores próprios de cada disciplina, para que saibamos contribuir para a formação de nossas cidades como espaços construídos materialmente íntegros e efetivamente públicos. Afinal, a profissão do arquiteto, ela mesma, ao ser não excludente, transforma-se num bem público.

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade (…). (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 05 out.1988. Art. 183, § 2º.)

referências bibliográficas

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FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. São Paulo: Projeto/IAB-SP, s/d [1979]. 112p.
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 STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Trad. Lenise Barbosa. Brasília: UnB, 2003. 272p.

notas

1.  SANTOS, 1979. p.10.
2.  GIAMBIAGI, 2000. p.24
3.  MEIRELLES, 2003. p.491.
4.  MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004. p.47
5.  si nous examinons notre activité professionnelle d´une façon plus objective, nous constatons, qu´elle se limite exclusivement à la solution du problème architectural d´édifices isolés, publiques, ou de maisons de bourgeois, bref: des constructions qui, logiquement, devraient être eliminées d´un ‘plan directeur?exact et définitif englobant sans distinction tous les probl`emes architecturaux de nos villes et de notre pays. In: NIEMEYER, 1946. p.90.
6.  STEVENS, 2003. p.244.
7.  STEVENS, 2003. p.84.
8.  STEVENS, 2003. p.91.
9.  Cf. FRAMPTON, Kenneth. The Deutsche Werkbund. In Modern Architecture: a critical history. 3ed.  London/New York: Thames and Hudson, 1992. p.109-115.
10. Esses dois participantes do Werkbund.
11. O capítulo Livrar-se de todo o espírito acadêmico de Précisions ilustra bem esta nova mentalidade. in LE CORBUSIER, Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. Trad. Carlos Eugênio de Moura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. p.35-45
12. William Curtis ainda nos diz: “While Le Corbusier was preaching the virtues of mass-production dwellings and the vision of a transformed modern city, he was supporting himself with a practice based largely upon the construction of private houses, artist’s studios and villas for the well-to-do. In the France of the 20’s, agencies for large scale urban reform were lacking. Even the small-scale Pessac experiment perhaps showed that Le Corbusier’s aesthetics were more suited to ‘cultured people?(as Rasmussen put it) than to workers: that the architect’s universal values were more classbound than he might have hoped. In the 1920s ‘Esprit Nouveau?was to become the cultural property of upper middle-class bohemia more than any other social group.?In: CURTIS, 2003. p.71.
13. “Alguns dias depois que a família Savoie [sic] havia se mudado para sua famosa casa, a cobertura da sala de estar começou a apresentar vazamentos. Eles ficaram muito aborrecidos e imediatamente chamaram Le Corbusier.
Quando este chegou, foi imediatamente levado para inspecionar os danos e sugerir uma solução. Ele ficou, por alguns segundos, observando fixamente a água. Finalmente, virou-se para os Savoie [sic] e pediu uma folha de papel em branco. Entregou-a a Le Corbusier. Corbu a colocou em uma mesa próxima, dobrou-a cuidadosamente e fez um barco de papel.
Caminhou até o centro da sala, inclinou-se e pôs o barco dentro d´água, disse au revoir e foi embora.”ANTONIADES, A.C. citado por STEVENS, 2003. p.102.
14. STEVENS, 2003. p.113
15. NIEMEYER, 1998. p.270
16. Para um desenvolvimento deste tema:
Na obra de Niemeyer,  cf. PEREIRA, Miguel Alves. Arquitetura, texto e contexto: o discurso de Oscar Niemeyer. Brasília: UnB, 1997. p. 148-153 e 163-171.
Na obra de Artigas, cf. ARANTES, 2002. p.39-48 e p.91-106
17. Cf. NIEMEYER, 1998. P.259.
18. “Em termos práticos, podemos destacar quatro tipos de postura que têm sido aplicados aos assentamentos espontâneos: remoção, relocação, compartilhamento e melhoria in loco.
(…)
A relocação (…), deslocando a população de baixa renda para conjuntos habitacionais construídos em massa nas periferias das grandes cidades, (…) é vista como ineficaz e anti-econômica (…), pois além de exigir uma grande concentração de recursos, a serem aplicados em curto espaço de tempo, exige também transformações abruptas no modo de vida e nos padrões de moradia. Conseqüentemente, boa parte dos moradores relocados acaba cedendo às pressões da especulação imobiliária, desfazendo-se do imóvel e ocupando novamente os assentamentos informais das áreas centrais, alimentando um ciclo vicioso.?In SOBREIRA, 2003. p.22.
19. Alguns de seus trabalhos mais recentes estão disponíveis na internet em <//www.patternlanguage.com/&gt; . Acesso em 08fev.2006.
20. Seus trabalhos estão disponíveis na internet em <//homeusers.brutele.be/kroll/&gt; . Acesso em 08fev.2006.
21. FERRO, s/d., p.16.
22. Cf. ARANTES, 2002. p.163.
23. Cf. ARANTES, 2002. p.213.
24. Cf. ARTIGAS, João Batista Vilanova. O desenho. In ______ . Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 1999. p.71.
25. NIEMEYER, 2001. p.36.
26. MARTINS, 2005. p.31.
27. Cf. KAPP, Silke. Por que teoria crítica da arquitetura? Uma explicação e uma aporia. In MALLARD, 2005. p.158.
28. Refiro-me aqui ao conceito de coisa em si desenvolvido por Heidegger em  HEIDEGGER, Martin. The Thing. in Poetry, Language, Thought. New York: Perennial Library. 1971, p. 165-183.
29. GUTMAN, Robert. Citado por STEVENS, 2003. p.103.
30. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004.
31. Cf. STEVENS, 2003. p.106.
32. Cf. STEVENS, 2003. p.170.
33. Neste ponto, Stevens aponta que a diversificação do campo continua mantendo o não-projetista em condição secundária no campo alternativo escolhido ?como patrimônio histórico, por exemplo. Entretanto, no Brasil, onde estas outras atividades dificilmente constituem um campo autônomo, o mesmo não aconteceria. Cf. STEVENS, 2003. p.251.
34. Cf. STEVENS, 2003. p.223-224.
35. Refiro-me aqui ao iluminado texto de Carlos Antônio Brandão:, para quem: “Talvez o nosso maior desafio, hoje, seja o de inventar um novo homem. Esse também foi o desafio fundamental dos humanistas no início do Renascimento. Antes de mais nada, eles tiveram de elaborar um “projeto?dos modelos de ser humano e de cidade, contrapostos aos homens e às cidades existentes, com seus valores, hábitos e modos de pensar e viver. Esse projeto recebeu o nome de Humanismo e a humanidade que ele descreve não existiu plenamente naquela época, nem antes nem depois.(…) Reflexão e ação fecundavam-se reciprocamente: verba e res permanecem tensionando-se, mas unidas, e o pensamento se traduz num artefato, num artefazer, numa ação destinada a melhorar o mundo ao redor.”BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Humanismo latu sensu. In MALLARD. 2005. p.22-61.
36. RIBEIRO, 1978. p.90.

danilo matoso macedo
Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004). Foi professor de projeto arquitetônico na Escola de Arquitetura da UFMG (2003) e no Curso de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB – Brasília (2003-2005). É Arquiteto da Câmara dos Deputados desde 2004. Participa de concursos nacionais e internacionais, tendo recebido premiações em diversos deles. Possui escritório próprio desde 1996.

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