Urbanismo – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com Mon, 29 Apr 2024 14:18:57 +0000 pt-BR hourly 1 //i0.wp.com/28ers.com/wp-content/uploads/2023/09/cropped-logo_.png?fit=32%2C32&ssl=1 Urbanismo – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com 32 32 5128755 Urbanismo – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/10/06/ceu-parque-do-carmo/ //28ers.com/2023/10/06/ceu-parque-do-carmo/#respond Sat, 07 Oct 2023 02:09:12 +0000 //28ers.com/?p=13419 Continue lendo ]]> SIAA ARQUITETOS + HASAA
9 minutos

CEU Parque do Carmo (texto fornecido pelos autores)

A construção de uma instituição educacional pública beneficia a comunidade que a rodeia, enquanto prestação de um serviço público fundamental, mas não necessariamente qualifica a urbanidade do lugar.

Fotografia: Carolina Klocker (aéreas) e Pregnolato & Kusuki

Não raramente projetos do gênero buscam uma segregação entre o espaço interior e a cidade ao redor, justificada pela intenção de proteger os estudantes dos estímulos da vida mundana, propiciando-lhes a concentração para os estudos. O programa municipal Território CEU parte de uma concepção oposta. O Centro de Educação Unificado integra-se a outros equipamentos públicos do bairro por meio do programa e da qualificação das ruas, calçadas e ciclovias que os conectam. No âmbito do lote, em especial no CEU Parque do Carmo, o projeto das edificações coexiste com o projeto de espaço público, mediados pelo desenho de implantação na quadra.

Fotografias: Carolina Klocker

Esta instituição é um sistema de agrupamentos funcionais. O primeiro é o educacional, composto pela creche e escola para a primeira infância. Em seguida há o núcleo cultural, com biblioteca, cineteatro para 250 pessoas, salas de artes, de música, de gravação e oficina digital. O conjunto esportivo é constituído por piscina semiolímpica coberta, quadra poliesportiva e sala de atividades. Por fim, o grupamento de múltiplo uso conjuga atividades de contraturno, da Universidade Aberta do Brasil (UAB), do Pronatec, do CRAS, do conselho gestor, entre outras.

Diagrama Axonométrico

Estes quatro agrupamentos funcionais materializam-se em três blocos distintos porém adjacentes. A implantação deles segue uma mesma direção, mas com deslocamentos a partir do eixo longitudinal (norte-sul) do lote, criando praças públicas que se relacionam com elementos do entorno imediato.

Plantas 1º, 2º e 3º pavimento, respectivamente

O futuro CEU é vizinho ao Parque do Carmo, na zona leste de São Paulo. A vegetação desta grande área verde ganha certa contiguidade com a praça de atividades delimitada pelo bloco educacional e de múltiplo uso e a fachada oeste da lâmina cultural. Com acesso pela outra rua que delimita o lote, temos a praça da cultura que reunirá alunos da escola existente em frente a ela, além dos frequentadores do CEU, assim tornando-se palco das atividades dos grupos sociais da região.

Esquemas de Uso – Evolução de Estudo

Temos também a praça de acesso aos alunos, ligada a uma área ao ar livre com piscina, rebaixada em relação ao passeio público. No extremo norte do terreno, um campo de futebol encaixa-se na topografia para formar certas arquibancadas, fazendo a amarração final do CEU com o tecido urbano e a comunidade local. Portanto, o deslocamento dos blocos permite a diversidade de espaços públicos, muito em virtude do cuidadoso ajuste de escalas de cada praça criada, tão necessárias em uma área paulistana carente de urbanidade.

Esquemas de Uso – Circulação e Setorização


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por SIAA / HASAA (S.H.)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

S.H. – Os dois escritórios se dedicam a obras públicas, com especial ênfase nos projetos educacionais da FDE ?Fundação para o Desenvolvimento da Educação ?no Estado de São Paulo, instituição muito atuante nas duas primeiras décadas dos anos 2000. Paralelamente, neste mesmo período, se consolidaram no município de São Paulo os projetos dos Centros Educacionais Unificados ?CEU, equipamentos de maior escala e com diversidade de usos implantados em bairros periféricos de nossa cidade e que, mesmo com as mudanças políticas decorrentes da orientação de cada prefeitura, acabaram acontecendo em diferentes momentos. O CEU Parque do Carmo se insere na terceira geração deste programa, denominado Território CEU, fruto do trabalho da SP Urbanismo na gestão do prefeito Fernando Haddad a partir de 2013. Neste novo programa, optou-se por definir blocos funcionais de menor escala de modo a permitir maior flexibilidade na implantação nos terrenos de menores dimensões (em comparação às propostas da primeira geração de CEU’s). O projeto executivo dos blocos funcionais ?base para a realização de todas as implantações realizadas posteriormente ?ficou sob a responsabilidade do escritório de Helena Ayoub Silva.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

S.H. – Tanto o projeto executivo dos blocos funcionais quanto o projeto de implantação do CEU Parque do Carmo foram frutos de Licitação Pública com critérios que envolviam técnica, habilitação e preço.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

S.H. – Para a etapa licitatória apresentamos um estudo demonstrando conhecimento sobre o tema e sobre o programa ligado à educação, cultura e esportes, junto de uma proposta arquitetônica que considerava um pavilhão linear sugerido pela geometria longitudinal do lote, em contraponto ao bloco transversal do teatro, não diferente das propostas encontradas em algumas unidades dos CEU’s da primeira geração. O olhar mais atento às condições do local após o processo licitatório nos permitiu apresentar novas propostas considerando a escola vizinha, os espaços verdes de diferentes escalas, além das pequenas vielas ?atalhos urbanos entre esta área central do bairro e o bairro como um todo. Neste momento, diferentes propostas foram debatidas com a equipe da SP Urbanismo, buscando conciliar o projeto do equipamento com a proposta mais ampla do programa Território CEU.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

S.H. – Sim, especial atenção foi dada à estrutura de conexão entre os blocos educacional e esportivo, uma vez que as inflexões foram desenhadas em função da viela existente no Parque do Carmo e, portanto, não poderiam fazer parte do projeto executivo dos blocos funcionais.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra?

S.H. – Sim, por meio de visitas técnicas. O projeto foi executado de acordo com o projeto, exceção feita à execução de gradis de fechamento em locais diferentes dos previstos originalmente. Tentamos, sem sucesso, reverter ou minimizar a presença destes elementos.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

S.H. – A obra ficou paralisada após o término da gestão Haddad, depois enfrentamos o período de pandemia que também impactou no andamento da obra. Após o término das obras, o edifício permaneceu fechado por um certo período, sendo inaugurado após da desaceleração dos impactos da Covid-19.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

S.H. – O resultado de um projeto se relaciona ao momento específico, à difícil ?mas necessária – interação entre todos os agentes envolvidos e, num panorama mais amplo, às condições econômicas, sociais e políticas de nosso país. O Brasil de 2023 é bem diferente de 2013, dez difíceis anos que certamente modificariam as propostas para este projeto, caso fosse realizado hoje.

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

S.H. – O interessante deste projeto é seu caráter sistêmico, relacionado a um programa mais amplo que, por seus benefícios à população, se tornou uma proposta já incorporada na agenda política e nas promessas de campanha. Trata-se de um conjunto de obras de grande escala, com diversidade funcional, implantadas em bairros carentes de educação, esporte e cultura em nossa cidade que, a despeito de simplicidade de uma arquitetura do cotidiano ?do ordinário ? se consolidam como equipamentos de excelência, e ainda, como oportunidades para se amplificar seu alcance ao seu entorno imediato, como espaço público ‘ampliado?em sua relação com o território.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

S.H. – A proposta finalmente desenvolvida se diferencia do estudo inicial, sobretudo, na relação entre espaços ‘cheios?e ‘vazios? já que se privilegia um olhar atento à escala do espaço público em confronto com a morfologia urbana local, bem como às características paisagísticas do projeto em sua relação com as atividades programáticas dos edifícios. Tal especificidade, em tese, foi a justificativa para se criar travessias públicas através da arquitetura, sem interferências às atividades desenvolvidas dentro dos blocos funcionais e seus pátios externos de usos restritos, como o pátio rebaixado das piscinas ou do recinto destinado ao ensino infantil, infelizmente não executadas durante o longo processo de obras, mas claramente sinalizadas ?através da arquitetura ?das intenções originais deste projeto como espaço público.


projeto executivo


PARTE 1:
ARQUITETURA

16 pranchas (pdf).
23,02mb


PARTE 2:
PAISAGISMO

2 pranchas (pdf).
4,14mb


PARTE 3:
URBANISMO

2 pranchas (pdf).
3,93mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: São Paulo, SP
Ano de projeto: 2014
Conclusão da obra: 2020
Área do terreno: 8.726 m²
Área Construída: 12.662,59 m²
Projeto Executivo – Arquitetura: (HASAA & SIAA)  Helena Aparecida Ayoub Silva, Cesar Shundi Iwamizu, Eduardo Gurian, Alexandre Gaiser Fernandes, Alexis Arbelo, Andrei Barbosa, Artur Mei, Gustavo Madalosso Kerr, Henrique Costa, Julia Caio Siqueira, Luísa Amoroso Guardado, Leonardo Nakaoka, Marcelo Arend Madalozzo, Rafael Carvalho, Rafael Goffinet, Thomas de Almeida Ho; (Estudantes) André Ariza, André Vitiello, Gustavo Cavalcanti (maquete física), Flávia Falcetta, Luca Caiaffa (maquete física), Valéria Waligora, Stephanie Luna.
Projeto Executivo – Sistema Padronizado: (HASAA) Helena Aparecida Ayoub Silva, Alexandre Gaiser Fernandes, Alexis Arbelo, Gustavo Madalosso Kerr, Henrique Costa, Julia Caio Siqueira, Marcelo Arend Madalozzo, Thomas de Almeida Ho.
Estudo Preliminar e Anteprojeto – Sistema Padronizado: (Arquitetos Prefeitura) Eduardo Dalcanale Martini, Hannah Arcuschin Machado, Igor Cortinove, Leon Yajima, José Oswaldo Vilela, Rafael Polastrini Murolo, Ricardo Aguillar da Silva, Wanderley Ariza; (Estudantes) Johana Miklos, Julia Machado, Julia Reis, Julia Tranchesi, Priscila Gyenge, Tomás Amaral, Eugênio Vojkovic.

Estrutura: GEPRO Engenharia
Instalações Elétricas e Hidráulicas:
SANDRETEC S. C. Engenharia
Paisagismo:
SOMA Arquitetos
Apoio ao Gerenciamento:
JHE Engenharia
Orçamento: Félix Bezerra
Climatização: Hty

Fotos: Pregnolato & Kusuki
Imagens Aéreas: Carolina Klocker @gaivota.registros
Contato: siaa@siaa.28ers.com


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

IWAMIZU, Cesar Shundi. AYOUB, Helena. GURIAN, Eduardo Pereira. KERR, Gustavo Madalosso. NAKANDAKARI, Leonardo Nakaoka. “CEU Parque do Carmo”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., out-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/10/06/ceu-parque-do-carmo/ . Acesso em: [incluir data do acesso].


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Urbanismo – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-praca-marechal-deodoro/ //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-praca-marechal-deodoro/#respond Wed, 19 Jul 2023 01:02:43 +0000 //28ers.com/?p=11642 Continue lendo ]]> Por Sotero Arquitetos
3 minutos

Praça Marechal Deodoro (texto fornecido pelo autor)

Situada no bairro do Comércio, a Praça Marechal Deodoro é delimitada pelo Mercado do Ouro, pela Avenida Jequitaia e pela falha geográfica entre os bairros do Comércio e Santo Antônio Além do Carmo. Espaço público de grande potencial, esta praça se encontrava subutilizada. Apesar da massiva área verde, a praça era carente em equipamentos, apresentando áreas degradadas ou obstruídas. A iluminância era precária e o espaço mal distribuído, sem ordenamento.

Antes (fotos de Sotero Arquitetos) e depois (fotos de Tarso Figueira)

O projeto apresentado teve por iniciativa requalificar os setores existentes na praça:

Mobilidade – foi ampliada e melhorada a área dedicada ao pedestre: um redesenho do sistema viário no entorno da praça e a retirada do estacionamento que obstruía o espaço. Os abrigos do ponto de ônibus foram substituídos visando ampliar a área abrigada, a circulação e ordenamento dos usuários. A ciclovia foi incorporada à praça por entre as fileiras de árvores.

Fotografia: Tarso Figueira

Cívica – extremamente importante na caracterização da praça, a flora existente (predominantemente composta por oitizeiros) foi preservada, mantendo assim, seus aspectos visuais e históricos. Nova iluminação e mobiliário foram agregados a fim de garantir a qualidade de um espaço livre para ser utilizados por todos usuários. O Monumento das Nações foi preservado na proposta da requalificação.

Fotografias: Tarso Figueira

Lazer – foi proposta a criação de um equipamento para o uso da população local, misturando diversão e esporte. Possibilitando um espaço tanto para crianças, que podem aproveitar os novos brinquedos, quanto para os adultos que desejam fazer atividades físicas.

Os dois elementos que mais influenciaram no desenho da praça foram os ritmos de implantação das árvores existentes e dos pilotis das edificações modernistas vizinhas. Os eixos de alinhamento das árvores sugeriram, naturalmente, a setorização dos usos da praça entre (1) mobilidade: com o novo ponto de ônibus e ciclovia; (2) cívico: com a esplanada central como grande eixo de conexão com o entorno; (3) espaço de lazer para os moradores da região, a partir da remoção de um estacionamento privado que ocupada cerca de 1/3 da área da antiga praça.

Planta geral + cortes longitudinal e transversal

Os novos abrigos para ponto de ônibus se apropriam da modulação e diâmetro dos pilotis existentes nos edifícios modernistas vizinhos, estendendo esse ritmo ao longo da borda da praça com a Avenida Jequitaia. Esses eixos ora são utilizados para pilares (vão de 12m), ora são utilizados para apoio dos bancos (vão de 4m). Possuem estrutura mista, com pilares em concreto armado (melhor desempenho na compressão e robustez antivandalismo) e madeira laminada colada na estrutura da cobertura (melhor desempenho estético e na resistência à tração).

Fotografias: Tarso Figueira


projeto executivo


EXECUTIVO COMPLETO:

15 pranchas (pdf).
31,36mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Salvador (BA)
Ano de projeto: 2018
Ano de conclusão: 2020 (julho)
Área do projeto / lote: 21.395,90 m²

Arquiteto responsável (autor): Adriano Mascarenhas
Equipe de projeto: Eric Cabussu, Helder da Rocha, Saulo Coelho

Complementares
Estrutura de concreto e fundações: Ana Cristina de Mattos Moraes Andrade
Estrutura de madeira: Guilherme Corrêa Stamato
Infraestrutura urbana: Edgard Álvares Neto
Paisagismo: Adriano Mascarenhas

Fornecedores
Madeiras: Madeireira Água de Meninos
Pedra Portuguesa: Pedras Jacobina
Granitos: Wingramar
Mobiliário: MMCité
Execução Estrutura MLC: Qualy Engenharia

Fotografia: Tarso Figueira
Contato: contato@soteroarquitetos.com.br


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

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MASCARENHAS, Adriano. “Requalificação Urbanística da Praça Marechal Deodoro”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., jul-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/07/18/praca-marechal-deodoro/. Acesso em: [incluir data da consulta].


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Urbanismo – mdc . revista de arquitetura e urbanismo //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-colina-do-senhor-do-bonfim/ //28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-colina-do-senhor-do-bonfim/#respond Wed, 19 Jul 2023 01:01:46 +0000 //28ers.com/?p=11700 Continue lendo ]]> Por Sotero Arquitetos
11 minutos

Colina Sagrada (texto fornecido pelo autor)

Considerada a peculiaridade do sítio tombado como Patrimônio Cultural nacional, além do histórico reconhecimento da sua dimensão material e imaterial pela memória coletiva, a Renovação Urbana da Colina do Bonfim objetiva a preservação e valorização do Bem tombado, conduzida por projeto urbanístico e arquitetônico com linguagem contemporânea, atentando-se aos valores paisagísticos do sitio, aumentando o poder de atratividade e influência do lugar, a capacidade de usufruto dos espaços públicos pelo cidadão e consequente sustentabilidade do patrimônio.

Fotografia: Leonardo Finotti

Uma questão central foi a intenção de diluir conflitos de usos no ambiente urbano que afetam paisagisticamente o sítio, a visibilidade do patrimônio construído, sua conservação e manutenção, a começar pela diminuição da presença do espaço dedicado ao automóvel e consequente valorização da escala pedonal com a promoção de acessibilidade universal e caminhabilidade. Também se buscou a criação de novos espaços infraestruturados, incentivando a permanência e a fruição do espaço público, na relação com o patrimônio edificado, além da qualificação de percursos com novos caminhos sugerindo acessos aos pontos de interesse do conjunto. Foi proposta a ordenação do tráfego, criação de novas vagas de veículos, inclusive de ônibus de turismo e bicicletários.

Planta geral de situação

Algumas atividades inadequadas desenvolvidas no interior e lateral da Basílica do Senhor do Bonfim foram deslocadas para o espaço público, descomprimindo-a de usos que contribuem negativamente para conservação do monumento e seu acervo. Por fim, houve a valorização dos elementos históricos construídos do sitio (o chafariz, os postes em estilo colonial, a vegetação nativa, etc.) e construção de novos que abriguem as práticas e festas religiosas e expressem o referencial cultural simbólico coletivo.

Fotografia: Leonardo Finotti

A Colina Sagrada do Senhor do Bonfim é de fundamental referência para cidade de Salvador da Bahia pelo seu valor religioso, histórico, cultural, social e por ser palco da convivência pacífica do sincretismo religioso (catolicismo e candomblé). Ali constam pedaços da história da vida de fiéis, no culto fundado e propagado pela Irmandade da Devoção do Senhor do Bonfim há 269 anos. Constitui memória viva, recriada pelas manifestações culturais que abarca, representada na Lavagem do Bonfim, patrimônio imaterial nacional (2013) reconhecido pleno de significados.

Planta trechos 1 e 2

Cortes

No contexto urbano antes da intervenção, o patrimônio da Basílica estava submetido a um excessivo e precoce desgaste em virtude da concentração e diversidade de funções com frequência de público em seu interior, além do conflito de usos que se estendia ao espaço urbano do entorno, desordenado e precário em sua infraestrutura. Esse quadro vinha comprometendo o estado de preservação e valorização do patrimônio do sítio tombado, carecendo de um projeto de reforma global da área. O projeto englobou uma área total de 36.000m2. Explorando o referencial de elementos vinculados ao imaginário sincrético popular, onipresente no território da Colina Sagrada, no culto cristão ao Senhor do Bonfim e aquele em correspondência ao orixá Oxalá pelos adeptos do Candomblé, a “fita do Bonfim?e o Opaxorô de Oxalá são estilizados e trabalhados no desenho do piso da Praça. A medida da fita, aproximadamente 45cm ?dimensão do braço da imagem do Senhor do Bonfim -, por sua vez se converte em modulação de grande parte do projeto, figurando nas dimensões do novo mobiliário urbano e em muitos outros elementos arquitetônicos.

Elementos de suporte e infraestrutura

Foi resgatado o domínio da Basílica no sitio, com a expansão do largo sobre parte do sistema viário antigo, garantindo a unidade espacial e hierárquica visual do conjunto histórico. A inclusão do edifício contemporâneo do Abrigo das velas e da água benta valorizou e preservou a composição formal e volumétrica do casario da Praça ao qual se alinha em perspectiva, sendo objeto de uso e alta frequência pelos fiéis católicos. Do projeto à construção, as soluções adotadas apresentam caráter de complementaridade do funcional ao simbólico. Se por um lado a unificação do piso do largo com a exclusão de vias e o tratamento em grafismos da pavimentação exaltam os aspectos da paisagem e do patrimônio construído, estes conferem clara leitura direcional, respondendo também a caminhabilidade pretendida do pedestre.

Unidade do conjunto pós intervenção.
Fotografia: Leonardo Finotti

Esse recorte constitui subjetivamente um exemplo de ganho de percepção orientativa fundamental para fruição do patrimônio, para quem nele circula. Estamos falando do indicativo da qualificação do espaço público, fundamental no pensamento contemporâneo de cidade. Operou-se uma grande apreensão do espaço pela comunidade – fator também preponderante para o sucesso dos novos usos. Comunidade de moradores, de fiéis e de turistas, que aumentaram o tempo de uso e permanência no local. Por sua vez, a Festa do Bonfim, realizada todo ano com aproximadamente um milhão de pessoas, ao mesmo tempo que confirmou o desempenho de funcionalidade da intervenção, sem prejuízos físicos ao patrimônio pós-festividades, demonstrou a potencialização de usos com as missas campais e a permanência do público.


Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.

por Sotero Arquitetos (S.A.)

MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?

S.A. – O projeto é sem dúvida um importante marco na trajetória do escritório. Possivelmente foi nosso projeto de maior repercussão até o momento, tanto do ponto de vista de premiações conquistadas, como da própria divulgação nos meios de comunicação. Ele é o produto da maturidade do nosso trabalho ao lidar num só projeto com as dimensões de cidade, do edifício chegando até o design de mobiliário, tudo isso num contexto de alta complexidade técnica. Além disso, existe o fato de ser um sítio com uma carga simbólica e de uso extremamente importante, com alcance muito abrangente junto à população, o que nos fez entender de imediato a dimensão do encargo que havíamos assumido.

MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?

S.A. – Trata-se de uma obra pública e o processo de contratação foi através de licitação prevista pela antiga Lei 8.666/93, na modalidade de melhor técnica e preço.

MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?

S.A. – Não foi um processo de concepção rápido, como muitas vezes acontece no setor público. Houve primeiro uma aproximação com a Devoção do Nosso Senhor do Bonfim, que é a entidade mantenedora e também proprietária de uma série de edificações históricas naquele sítio tombado, dentre elas a Igreja do Bonfim. A partir daí tivemos que agregar demandas da comunidade do entorno, dos fiéis e turistas, bem como do nosso contratante, no caso a Prefeitura de Salvador representada pelo seu órgão de planejamento que é a Fundação Mario Leal Ferreira.

Ou seja, na verdade o processo nasce da capacidade em acomodar os pleitos desses diversos atores perante uma intervenção em área tombada pelo Iphan e diante também da nossa visão de cidade democrática, acessível e voltada prioritariamente à experiência do pedestre.
Então, foi um processo lento de lapidação dessas premissas baseado em um desenho contemporâneo e respeitoso. Como o diálogo com a sociedade civil se deu de maneira gradativa, acabamos por não sofrer grandes revezes, normais nesta escala de projeto, como, por exemplo, o atendimento às questões do patrimônio histórico.

MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa dos autores? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?

S.A. – A nossa contratação foi para que ficássemos à frente de todas as disciplinas de projeto, indo até a entrega do orçamento da obra. Então, fizemos toda a coordenação e compatibilização dos projetos. Houve alguns pequenos ajustes programáticos, mas nada tão significativo que mudasse a feição inicialmente imaginada.

MDC – Os autores dos projetos tiveram participação no processo de construção/implementação da obra?

S.A. – Formalmente não fomos contratados para ter nenhum envolvimento com a obra, o que é desastroso em obras públicas. Acontece que pelo nosso entendimento da importância do projeto, acabamos registrando 43 visitas em dias diferentes à obra durante a execução, decisão tomada por nós em estabelecer este contato com a construtora independente de estarmos contratados para isso. Temos fotografias que atestam este número de idas ao canteiro, que ao final representa um prejuízo grande em horas técnicas despendidas e não pagas. Em compensação, posso assegurar que foram essas frequentes visitas que nos possibilitaram corrigir e alterar muitas distorções que estavam sendo feitas. Atribuo a esta decisão nossa o fato de termos o resultado final que lá está.

MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?

S.A. – O fato marcante é que a população abraçou o espaço de uma maneira ainda mais numerosa. Conseguimos ao final reordenar os conflitos no espaço, onde a predominância do veículo maculava o espaço, junto com o desordenado comércio informal. Propusemos novas áreas de estar, interação social, lazer e visitação, aumentando o tempo de permanência das pessoas no lugar. A igreja ampliou suas manifestações na área pública. Os moradores locais voltaram a frequentar a área, algo abandonado há muitos anos pela insegurança anteriormente existente. Por fim, o espaço passou pela sua maior provação, suportando sem consequências negativas os festejos da Lavagem do Bonfim, que é uma manifestação da cidade com frequência estimada em um milhão de pessoas num único dia.

MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?

S.A. – Sempre tenho um olhar crítico sobre nossos trabalhos executados. Nesse caso do Bonfim, penso que ele nos trouxe esse aprendizado ainda mais contundente da importância de estarmos dentro do canteiro. Brigaria mais hoje para termos oficialmente uma participação ativa na fiscalização da obra. Sobre o projeto em si, tenho a impressão que ele foi bem sucedido, o que diminui meu pensamento sobre uma revisão do que foi proposto. Diria que, ainda hoje, batalho para completar uma proposta que fizemos para ocupação do casario pertencente à Devoção na Praça, atribuindo ao conjunto a função de um Museu de ex-votos, além de uma loja oficial que geraria recursos para manutenção do patrimônio. Quem sabe ainda acontece.

MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?

S.A. – Penso que o reconhecimento deste projeto se deve muito ao fato de se tratar de uma obra pública com um viés mais forte na disciplina de desenho urbano, que alcançou um resultado positivo, algo que é muito raro no nosso país. Raro por ser público, raro também por ser desenho urbano. Penso que o maior desafio que temos no momento na nossa profissão está atrelado em trazer de volta qualidade às nossas realizações no setor público. A nossa arquitetura que já foi tão celebrada, justamente pelos seus edifícios institucionais, hoje não consegue preencher poucas páginas nos anuários e publicações eletrônicas do setor, lugar onde sobram projetos de casas para a nossa elite apenas. É urgente uma mudança neste cenário.

MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores?

S.A. – Continuando ainda um pouco do raciocínio da pergunta anterior, acredito que uma das consequências positivas de um projeto como este ter tido uma boa repercussão e visibilidade é o fato de podermos utilizar o exemplo perante os gestores públicos para que seja visto como todo este esforço vale a pena. Esforço pela valorização do trabalho intelectual, da execução rigorosa, de propostas que pensem a cidade no século XXI. Sabemos dos desafios que envolvem reformar toda a cadeia da construção civil. Mas se é pra começar alguma mudança, que comecemos pela promoção do bom projeto, que é o passo inicial para materialização do ambiente construído.


projeto executivo

EXECUTIVO COMPLETO

34 pranchas (pdf).
54,22mb


localização e ficha técnica do projeto

Local: Bairro do Bonfim – Salvador (BA)
Ano de projeto: 2017 – 2019
Conclusão da Obra: Etapa 01- dez/2018 | Etapa 02- out/2019
Área (bruta) Construída: 36.050,00m²
Contratante: Prefeitura Municipal de Salvador ?Fundação Mário Leal Ferreira

Arquiteto responsável (autor): Adriano Mascarenhas
Equipe de Projeto: Helder da Rocha, Eric Cabussu, Kaline Kalil, Técio Martins, George Almeida, Gabriela Otremba, Lucas Paes, Rodrigo Sena, Saulo Coelho
Construção: NM Construtora

Complementares
Infra Estrutura Urbana: Trento Engenharia
Estrutura de aço: Cereno Muniz
Estrutura de concreto: Jonilton Francisco dos Santos
Orçamento: Rosimeire Amorim Conceição
Paisagismo: Parnaso Jardim
Instalações Prediais: Doto Engenharia
Impermeabilizações: SVA
Topografia: Oeste Engenharia
Iluminação Urbana: Quality
Serralheria: Fabrimetal
Restaurador: Mário Mendonça
Artista Plástico: Bel Borba

Fotografia: Leonardo Finotti, Tarso Figueira
Contato: contato@soteroarquitetos.com.br


galeria


colaboração editorial

Renan Maia

deseja citar esse post?

MASCARENHAS, Adriano. “Requalificação Urbanística da Colina do Senhor do Bonfim”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., jul-2023. Disponível em //www.28ers.com/2023/07/18/requalificacao-urbanistica-da-colina-do-senhor-do-bonfim/. Acesso em: [incluir data da consulta].


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